Responsabilidade Civil Cirúrgica
Direito
Breve estudo e discussão de caso acerca da responsabilidade civil cirúrgica.
1. Parecer Jurídico sobre Responsabilidade Civil Cirúrgica
2. Relatório
3. Fundamentação
3.1 Natureza Jurídica da Relação entre Médico e Paciente
3.2 Relação de Meio ou de Resultado
3.3 Responsabilidade Civil dos Médicos
3.4 Responsabilidade Civil dos Hospitais
3.5 Relação entre Médicos e Hospitais
3.5.1 Médico Integrante do Corpo Clínico do Hospital
3.5.2 Médico Não Integrante do Corpo Clínico do Hospital
3.6 Cobertura do Plano de Saúde Pós-Diagnóstico
3.6.1 Cobertura de Gastos da Cirurgia
3.6.2 Prazo de Carência
3.6.3 Ônus da Prova
3.6.4 Casos de Urgência
4. Análise Detalhada de Casos Específicos
4.1 Discussão sobre Defesas dos Médicos e Hospitais
5. Conclusão
6. Referências
1. Parecer Jurídico sobre Responsabilidade Civil Cirúrgica
Este texto apresenta uma situação hipotética, com personagens e nomes de instituições criados exclusivamente para ilustrar e exemplificar a argumentação. Os nomes de pacientes, médicos e hospitais, assim como o caso relatado, são inteiramente ficcionais e não têm qualquer ligação com pessoas, entidades ou eventos reais. A história narrada serve apenas como uma ferramenta didática para a discussão do tema em questão.
Exmo. Sr. João da Silva,
Este parecer visa analisar as circunstâncias e a responsabilidade associadas aos procedimentos cirúrgicos que resultaram na paraplegia de João da Silva, diagnosticado com escoliose idiopática. Serão examinadas a natureza das responsabilidades dos médicos e dos hospitais, considerando diferentes contextos de relações profissionais, e as implicações legais e contratuais da celebração de um plano de saúde após o diagnóstico de uma doença. A análise baseia-se em fundamentos doutrinários, jurisprudenciais e nos princípios do direito.
2. Relatório
João da Silva, de 15 anos, foi diagnosticado com escoliose idiopática e submetido a uma cirurgia no Hospital Isaac Newton, sob a orientação do Dr. Guilherme Ostrondo de La Veiga. Após a cirurgia, constatou-se que a paraplegia era causada por fragmentos ósseos na medula espinhal. Este parecer examina:
- A natureza da responsabilidade dos médicos e dos hospitais.
- O impacto da relação profissional entre médicos e hospitais.
- Cobertura e falta de plano de saúde caso seja diagnosticada infecção.
3. Fundamentação
3.1. Natureza Jurídica da Relação entre Médico e Paciente
A relação entre médico e paciente pode ser qualificada tanto como civil quanto consumerista. Quando a prestação de serviços médicos ocorre em ambiente hospitalar, sobretudo em instituições privadas, aplica-se a legislação consumerista (Lei nº 8.078/1990 - CDC), que visa proteger a parte vulnerável, ou seja, o paciente/consumidor. Esta abordagem é endossada pela doutrina majoritária e pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
3.2. Relação de Meio ou de Resultado
No contexto médico, a obrigação é de meio e não de resultado. Isso significa que o médico se compromete a empregar todos os recursos possíveis e agir com diligência, perícia e prudência, mas não garante a cura ou o resultado esperado. Este entendimento é fundamental para a análise da responsabilidade médica e está respaldado pela doutrina e pela jurisprudência, como no REsp 1.355.564/SP.
3.3. Responsabilidade Civil dos Médicos
A responsabilidade civil dos médicos é subjetiva, fundamentada na culpa, conforme disposto no art. 186 do Código Civil: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito." Para a responsabilização, é necessário comprovar a culpa, o nexo causal entre a conduta e o dano, e o dano em si. Este entendimento é reforçado em decisões como o REsp 1.355.564/SP, que destaca a necessidade de prova da culpa para a responsabilização médica.
Para demonstrar a culpa do médico, é necessário comprovar três elementos fundamentais: Ação ou omissão voluntária do médico durante o tratamento. Dano ao Paciente: Comprovação do dano sofrido pelo paciente, no caso, a paraplegia. Nexo Causal: Relação direta entre a conduta do médico e o dano causado.
Exemplos de Prova de Culpa: Laudos Periciais: Laudos que demonstrem que a conduta do médico foi negligente, imprudente ou imperita. No caso de João, um perito pode avaliar se a manipulação cirúrgica foi inadequada ou se houve falha técnica durante a operação. Testemunhos de Especialistas: Depoimentos de outros profissionais da saúde que possam corroborar a existência de falhas no procedimento realizado pelo médico. Histórico Médico: Documentação completa do tratamento pré e pós-operatório, incluindo registros de comunicação entre médico e paciente, consentimentos informados e relatórios cirúrgicos.
Já em relação ao Nexo Causal: Para estabelecer o nexo causal, é essencial demonstrar que a paraplegia foi uma consequência direta das ações do médico durante a cirurgia. Isso pode ser feito através de exames de imagem e relatórios
cirúrgicos que indiquem a presença de fragmentos ósseos na medula como resultado direto da manipulação médica.
3.4. Responsabilidade Civil dos Hospitais
A responsabilidade civil dos hospitais é objetiva, conforme o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC): "O fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços." Assim, os hospitais respondem objetivamente pelos danos causados aos pacientes, incluindo falhas na estrutura, nos equipamentos e na prestação de serviços auxiliares. A jurisprudência do STJ, como no REsp 802.832/SP, endossa essa visão, responsabilizando objetivamente os hospitais pelos danos decorrentes de suas atividades.
3.5. Relação entre Médicos e Hospitais
3.5.1. Médico Integrante do Corpo Clínico do Hospital
Quando o médico é parte integrante do corpo clínico do hospital, a responsabilidade do hospital é solidária, conforme o art. 932, inciso III, do Código Civil e o art. 14 do CDC. A responsabilidade solidária implica que o hospital responderá objetivamente pelos atos dos médicos de seu corpo clínico, independentemente da culpa do médico, desde que haja falha na prestação do serviço hospitalar. Este entendimento é corroborado pela doutrina e pela jurisprudência, incluindo decisões como o REsp 1.360.969/RS, onde se estabeleceu que o hospital responde objetivamente pelos atos dos médicos vinculados ao seu corpo clínico.
3.5.2. Médico Não Integrante do Corpo Clínico do Hospital
Se o médico não faz parte do corpo clínico do hospital, a responsabilidade do hospital se limita aos serviços que presta diretamente, como a infraestrutura e a equipe auxiliar. Neste caso, o hospital não é responsável pelos atos exclusivamente médicos, salvo se houver falha na prestação dos serviços auxiliares ou na estrutura oferecida.
3.6. Cobertura do Plano de Saúde Pós-Diagnóstico
3.6.1. Cobertura de Gastos da Cirurgia
Se o plano de saúde foi contratado após o diagnóstico, ele não é obrigado a cobrir doenças pré-existentes, conforme a Lei nº 9.656/1998. A legislação prevê mecanismos de proteção tanto para o consumidor quanto para a operadora do plano de saúde, estabelecendo limites e prazos específicos.
3.6.2. Prazo de Carência
O prazo de carência para doenças pré-existentes pode ser de até 24 meses, conforme o art. 11 e o art. 12, inciso V, "c" da Lei nº 9.656/1998.
3.6.3. Ônus da Prova
A operadora do plano de saúde tem o ônus de comprovar que a doença é pré- existente, conforme a Súmula nº 609 do STJ, que estabelece que a alegação de doença pré-existente deve ser comprovada pela operadora do plano.
3.6.4. Casos de Urgência
Em casos de urgência ou emergência, o plano deve garantir atendimento imediato após 24 horas da contratação, conforme o art. 12, inciso V, "c" da Lei nº 9.656/1998. Este dispositivo busca proteger o paciente em situações críticas, garantindo acesso ao atendimento necessário sem esperar os prazos regulares de carência.
4. Análise Detalhada de Casos Específicos
Para aprofundar a análise, é fundamental examinar casos específicos que tratam de responsabilidade civil em contexto médico-hospitalar. A seguir, são apresentados exemplos de decisões judiciais que ilustram a aplicação dos princípios discutidos.
Caso 1: Responsabilidade Objetiva do Hospital
Caso REsp 1.355.564/SP: Neste caso, o STJ determinou que o hospital é responsável objetivamente por danos causados pela falha na prestação de serviços auxiliares, como manutenção de equipamentos e estrutura hospitalar. A decisão
reforça a interpretação de que a responsabilidade do hospital não depende da comprovação de culpa, mas sim da demonstração do nexo causal entre o dano e a falha na prestação dos serviços.
Caso 2: Responsabilidade Subjetiva do Médico
Caso REsp 1.360.969/RS: O STJ confirmou que a responsabilidade do médico é subjetiva e depende da comprovação de culpa. O tribunal destacou a importância de avaliar se o médico agiu com diligência, perícia e prudência durante o atendimento ao paciente. A decisão enfatiza que a obrigação do médico é de meio, não de resultado, e que a responsabilização só ocorre se houver prova de negligência, imprudência ou imperícia.
Caso 3: Cobertura de Plano de Saúde e Doenças Pré-existentes
Caso Súmula 609 do STJ: A súmula estabelece que a operadora do plano de saúde tem o ônus de comprovar que a doença é pré-existente à contratação do plano. Esse entendimento protege o consumidor ao impedir que as operadoras recusem indevidamente a cobertura sob alegação de preexistência sem a devida comprovação. A súmula é uma ferramenta importante na defesa dos direitos do consumidor em disputas contra operadoras de planos de saúde.
4.1. Discussão sobre Defesas dos Médicos e Hospitais
Uma análise completa do tema também deve considerar as possíveis defesas que médicos e hospitais podem apresentar em casos de responsabilidade civil. Essas defesas podem incluir:
Defesa de Médicos
- Ausência de Culpa: O médico pode argumentar que agiu com a diligência, perícia e prudência exigidas pela profissão, e que a complicação ocorrida (como a paraplegia no caso de João) foi uma consequência imprevisível e inevitável do procedimento cirúrgico. Este argumento pode ser respaldado por laudos periciais e depoimentos de especialistas.
Defesa: O médico pode argumentar que agiu com a diligência, perícia e prudência exigidas, e que a paraplegia foi uma complicação imprevisível e inevitável.
Provas: Laudos médicos demonstrando que o procedimento foi conduzido conforme as melhores práticas médicas e que a complicação estava dentro dos riscos inerentes à cirurgia.
- Consentimento Informado: Os médicos frequentemente se defendem alegando que o paciente foi devidamente informado sobre os riscos inerentes ao procedimento e consentiu livremente após receber todas as informações necessárias. O consentimento informado deve ser documentado e assinado pelo paciente.
Defesa: O médico pode alegar que informou adequadamente o paciente e seus pais sobre os riscos envolvidos na cirurgia e que eles consentiram com o procedimento.
Provas: Documentação do consentimento informado assinado pelo paciente e seus responsáveis legais, detalhando os riscos e benefícios da cirurgia.
- Causa Multifatorial: A defesa pode argumentar que a lesão ou complicação teve causas multifatoriais, não relacionadas exclusivamente à conduta do médico. Por exemplo, a paraplegia poderia ser atribuída a uma condição médica preexistente ou a uma resposta fisiológica inesperada do paciente.
Defesa: Argumentar que a paraplegia resultou de múltiplos fatores, não exclusivamente atribuíveis à conduta médica.
Provas: Evidências de que a paraplegia poderia ter sido causada por fatores como condições preexistentes ou respostas fisiológicas inesperadas do paciente.
Defesa de Hospitais
- Ausência de Nexo Causal: O hospital pode alegar que não há nexo causal entre a sua conduta e o dano sofrido pelo paciente. Para isso, deve demonstrar que todos os serviços e equipamentos estavam em conformidade com as normas técnicas e de segurança.
Defesa: O hospital pode argumentar que a paraplegia não foi resultado de falhas na estrutura ou nos serviços prestados pelo hospital.
Provas: Relatórios de manutenção de equipamentos, registros de treinamentos da equipe, e protocolos seguidos durante a internação e cirurgia.
- Terceirização de Serviços: Em alguns casos, o hospital pode alegar que a responsabilidade pelos danos é de terceiros que prestaram serviços dentro de suas instalações (por exemplo, uma equipe de anestesia terceirizada). No entanto, essa defesa pode ser limitada pela responsabilidade objetiva prevista no CDC.
Defesa: O hospital pode alegar que todos os serviços prestados estavam de acordo com os padrões de qualidade e segurança exigidos. Provas: Documentos comprovando que os equipamentos estavam em perfeito estado de funcionamento e que todos os procedimentos operacionais padrão foram seguidos.
- Prova de Adequação dos Serviços: O hospital pode apresentar provas de que seus serviços foram prestados de acordo com os padrões de qualidade e segurança exigidos. Isso pode incluir manutenção regular de equipamentos, treinamento contínuo da equipe e cumprimento de protocolos de segurança.
Defesa: Alegar que os serviços específicos que resultaram no dano foram prestados por terceiros contratados, como uma equipe de anestesia terceirizada.
Provas: Contratos e registros de prestação de serviços por terceiros, demonstrando que a responsabilidade direta não recai sobre o hospital.
5. Conclusão
Com base nos fatos, na legislação e na jurisprudência relevante, João da Silva tem fundamentos sólidos para processar médicos e hospitais, desde que se comprove a relação de causalidade e a culpa dos profissionais envolvidos. A responsabilidade do médico é subjetiva e depende da comprovação de culpa, enquanto a responsabilidade do hospital é objetiva e independe de culpa, especialmente se o médico fizer parte do corpo clínico do hospital.
Se o plano de saúde for contratado após o diagnóstico, a cobertura poderá ser limitada, sujeita a carências e à necessidade de comprovação da preexistência da doença. Em casos de urgência, a cobertura deve ser garantida após 24 horas da contratação do plano, protegendo o paciente em situações críticas.
A análise minuciosa da legislação, doutrina e jurisprudência permite concluir que, havendo falha na prestação de serviços médicos ou hospitalares, existem fundamentos legais para a responsabilização, assegurando os direitos do paciente conforme os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção ao consumidor.
As defesas dos profissionais e das instituições de saúde podem incluir a ausência de culpa, a prova de consentimento informado e a demonstração de que todos os serviços e estruturas estavam adequados.
Esta análise minuciosa garante que as partes envolvidas estejam cientes de seus direitos e deveres, promovendo a justiça e a proteção do consumidor no âmbito da saúde.
É o parecer.
Belo Horizonte – Minas Gerais, 14 de junho de 2024
LEONAN BERGAMIM OLIVEIRA
6. Referências
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, 2002.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF, 1990.
BRASIL. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Brasília, DF, 1998.
STJ. Súmula nº 609. O ônus de comprovar que a doença é preexistente à adesão ao plano de saúde é da operadora.
STJ. Recurso Especial 802.832/SP. Relator: Min. Aldir Passarinho Junior. Data de Julgamento: 24/10/2006.
STJ. Recurso Especial 1.355.564/SP. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Data de Julgamento: 27/08/2013.
STJ. Recurso Especial 1.360.969/RS. Relator: Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Data de Julgamento: 12/03/2014.
Publicado por: Leonan Bergamim Oliveira