A RESERVA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS NOS PROCEDIMENTOS CONCURSAIS: UMA POSSIBILIDADE?

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1. RESUMO

No presente documento se apresenta o desenvolvimento de um Trabalho de Conclusão de Curso, realizado no Centro Universitário Regional do Brasil. A novidade do presente trabalho consiste em seu objeto, que é a apresentação de um estudo que versará acerca da possibilidade ou não de se utilizar do procedimento de reserva de honorários contratuais previsto no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil nos procedimentos próprios da legislação destinada à regulação da recuperação judicial e da falência, diante do problema que é a ausência de previsão normativa por parte da Lei n°11.101/2005. Para tanto, foram estudadas as principais legislações que permitem o execício da garantia em epígrafe, utilizando-se de interpretação lógica e sistemática, em busca da conciliação normativa e, respectivamente, o desenvolvimento de um raciocínio que objetiva o definir o alcance da norma, a partir de suas motivações históricas, políticas e ideológicas, na forma delineada pela doutrina majoritária, em consonância com as jurisprudências emanadas dos tribunais locais e superiores. A partir dos entendimentos lançados, mostrou-se possível enfatizar pela possibilidade/necessidade de se prestar tal garantia ao profissional advogado, bem como, estabelecer os limites necessários ao exercício desta pretensão.

Palavras-chave: Honorários, Reserva, Recuperação Judicial, Falência.

ABSTRACT

This document presents the development of a Course Completion Work, carried out at the Centro Universitário Regional do Brasil. The novelty of this work consists of its object, which is the presentation of a study that will deal with the possibility or not of using the contractual fee reservation procedure provided for in the Statute of Advocacy and the Order of Lawyers of Brazil in the procedures of the legislation aimed at regulating judicial recovery and bankruptcy, given the problem that is the lack of normative provision on the part of Law n°11.101/2005. To this end, the main laws that allow the execution of the aforementioned guarantee were studied, using logical and systematic interpretation, in search of normative conciliation and, respectively, the development of a reasoning that aims to define the scope of the norm, the from their historical, political and ideological motivations, in the form outlined by the majority doctrine, in line with the jurisprudence emanating from the local and higher courts. From the understandings launched, it was possible to emphasize the possibility/necessity of providing such a guarantee to the professional lawyer, as well as establishing the necessary limits to the exercise of this claim.

Keywords: Fees, Reservation, Judicial Recovery, Bankruptcy.

2. INTRODUÇÃO

A Lei n°11.101 de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência – LREF), foi responsável por inovar no sistema de insolvência nacional ao trazer os institutos da recuperação judicial e da falência, responsáveis por, em primeiro caso, permitir o soerguimento de uma empresa que encontra-se em crise econômico-financeira e, no segundo, retirando a empresa inviável do mercado.

Em ambos os procedimentos encartados, os credores submetidos a seus concursos, deverão habilitar-se para garantir o recebimento da verba decorrente de qualquer que seja a obrigação onerosa contraída pelo devedor insolvente, assim o fazendo, em sua grande maioria, por intermédio de advogado. Com efeito, o procurador que representará o respectivo credor na demanda concursal terá direito a uma contraprestação pelos serviços prestados, sendo formalizada a obrigação através de contrato particular.

Nesse ínterim, cumpre esclarecer que, por força do §4º, do artigo 22, da Lei n°8.906 de 04 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB), o causídico tem direito a execução simplificada dos honorários advocatícios contratuais, quando o pagamento do crédito devido ao credor representado ocorre no bojo dos autos, ao que, o juiz determinará a reserva e o adimplemento da monta devida ao primeiro, de forma direta.

Ocorre que, como restará pormenorizado nas laudas que se seguem, o pagamento dos credores submetidos aos procedimentos concursais ocorre de maneira diferenciada, assegurando-se o interesse social do concurso falimentar em sentido amplo, ao passo que, deixou a Lei n°11.101/2005, de prever a possibilidade ou não da utilização da referida reserva.

Assim, diante da lacuna normativa destacada, o presente estudo terá o condão de suprir o deficit evidenciado pelo sistema de insolvência nacional, abordando os meios pelos quais poderá ou não o advogado, valer-se da reserva dos honorários contratuais nos procedimentos próprios da recuperação judicial e da falência e ainda, destacar as necessárias limitações ao exercício da pretensão a ser veiculada, frente ao objetivo principal dos procedimentos concursais que, como restará salientado, inclina-se à proporcional satisfação do interesse coletivo.

3. DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS

Na forma do artigo 22, da Lei n°8.906 de 04 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB), todo advogado faz jus à percepção de honorários advocatícios, sejam eles convencionados, fruto de estipulação contratual entre o profissional e seu respectivo cliente ou mesmo, sucumbenciais, fixados pelo juiz na prolação da sentença, a serem pagos pela parte vencida, em atenção ao quanto fixado pelos ordenamentos processuais vigentes (GONZAGA, et. al., 2019). É o que se destaca:

Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

A importância do direito à percepção da verba honorífica, por sua vez, encontra melhor definição nas lições de Lôbo (2022, p. 197):

O direito a honorários integra o patrimônio civil da pessoa do advogado. Em caso de morte, transmite-se a seus sucessores legítimos. Em caso de incapacidade civil superveniente e depois de declarada sua interdição, legitima-se seu curador a receber os honorários.

Notadamente, o presente estudo dispensará análises aprofundadas a respeito das mais variadas formas de constituição dos honorários advocatícios, pautando-se exclusivamente, nos honorários advocatícios contratuais, também nomeados convencionais ou convencionados, que segundo Arbex et. al. (2012, p. 55): “Decorrem da celebração de contrato de prestação de serviços advocatícios que segue a disciplina dos arts. 593 e seguintes do Código Civil […]”.

Neste sentido, Krug (2022, p. 107), assevera que os honorários contratuais são as parcelas devidas ao advogado, em contraprestação aos serviços prestados ao seu cliente quando do exercício do mandato por este último outorgado, ressaltando pela natureza alimentar daqueles, em situação análoga à dos créditos reconhecidos no âmbito da justiça laboral.

Para Lôbo (2022, p. 190), a estipulação contratual dos honorários convencionados, representa um dever ético do advogado. Isto porque, uma vez utilizados parâmetros seguros, condizentes com os praticados no mercado, a obrigação contratual terá o condão de reduzir os riscos e eventuais desgastes com o cliente contratante, possibilitando, ainda, a execução judicial do título executivo extrajudicial em caso de inadimplemento, como assim dispõem os artigos 24, caput, do EAOAB e 784, inciso XII, do Código de Processo Civil – CPC, senão vejamos, respectivamente:

Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos […]

Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:

[…]

XII - todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.

Não obstante, o EAOAB prevê a possibilidade de cobrança dos honorários convencionais nos próprios autos do processo em que atuou o advogado titular do crédito discutido, bastando, para tanto, a mera juntada do contrato assinado por ambas as partes (GONZAGA, et. al., 2019). É o que se verá a seguir.

4. DA RESERVA DE HONORÁRIOS

A possibilidade de reserva dos honorários contratuais no bojo do processo, encontra previsão normativa no §4°, do artigo 22, do EAOAB, que disciplina in verbis:

§4° - Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.

Assim, formulando-se o pedido de reserva, com a devida juntada aos autos do respectivo contrato de honorários, o juiz determinará a dedução monta devida ao profissional do quantum constituído pela sentença, ocorrendo o seu pagamento, de forma direta ao advogado (GONZAGA, et. al., 2019).

Trata-se, portanto, de processo simplificado à execução dos honorários convencionais devidos ao advogado, tornando opcional o manejo da ação específica de execução, uma vez que, o protocolo desta última importará no pagamento das custas iniciais e demais taxas necessárias ao regular andamento do feito, tais como, consultas aos sistemas de constrição patrimonial conveniados (LÔBO, 2022, p. 196).

Insta salientar que, em que pese se tratar de execução simplificada da verba honorífica, para valer-se do procedimento em tela, o respectivo contrato de honorários deverá conter, necessariamente, cláusula expressa que autorize a compensação ou desconto, sob firme imposição do §2°, do artigo 36, do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – CED (MAMEDE, 2022, p. 203), veja-se:

Art. 35. Os honorários advocatícios e sua eventual correção, bem como sua majoração decorrente do aumento dos atos judiciais que advierem como necessários, devem ser previstos em contrato escrito, qualquer que seja o objeto e o meio da prestação do serviço profissional, contendo todas as especificações e forma de pagamento, inclusive no caso de acordo.

[…]

§ 2º A compensação ou o desconto dos honorários contratados e de valores que devam ser entregues ao constituinte ou cliente só podem ocorrer se houver prévia autorização ou previsão contratual.

Não obstante, Lôbo (2022, p. 196), ressalta que, para além do pagamento de custas e emolumentos decorrentes do ajuizamento e prosseguimento de uma ação de execução de título executivo extrajudicial, o procedimento em destaque seguirá o rito imposto pelos artigos 771 e seguintes, do CPC, de forma que, restam prejudicados, tanto o valor líquido a ser percebido pelo profissional, quanto a celeridade e eficiência na obtenção da verba sub judice.

Denota-se então, que o §4°, do artigo 22, do EAOB, buscou salvaguardar o direito do advogado à percepção dos honorários contratuais em tempo hábil, de forma gratuita e em sua integralidade, pois, os dispêndios do exequente, havidos no transcurso da ação executória, poderão importar na dedução de significativa parcela da monta pretendida e ainda, corre-se o risco de frustrar-se a execução, ante a ausência de bens penhoráveis em nome do devedor, sendo julgado extinto o processo, com resolução do mérito, na forma do artigo 487, inciso II, do CPC, em atenção ao quanto disciplinado pelos artigos 921, inciso III, §§ 1° e 4° e 924, inciso V, ambos do Ordenamento Processual Pátrio, ipsis litteris:

Art. 921. Suspende-se a execução:

[…]

III - quando não for localizado o executado ou bens penhoráveis;

[…]

§ 1º Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição.

[…]

§ 4º O termo inicial da prescrição no curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, e será suspensa, por uma única vez, pelo prazo máximo previsto no § 1º deste artigo.

Art. 924. Extingue-se a execução quando:

[…]

V - ocorrer a prescrição intercorrente.

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:

[...]

II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;

Em contraponto, de acordo com o §4°, in fine, do artigo 22, do EAOAB, o cliente subscrevente do contrato, através do qual se busca o direito de reserva de honorários, possui em favor de si, o resguardo de prova em contrário (GONZAGA et. al., 2019).

Ou seja, uma vez que este se manifesta nos autos, informando acerca do cumprimento da contraprestação objeto de reserva e anexando arcabouço probatório relevante, o juiz deixará de determinar a reserva de honorários contratuais, podendo o advogado requerente, caso sinta-se prejudicado, mover a ação de execução de título executivo extrajudicial, instrumento processualmente adequado à pretensão, onde apurar-se-ão os pressupostos da ação executiva.

Inobstante, conforme explanado alhures, a reserva dos honorários advocatícios contratuais, no bojo do processo em que atuou o advogado é direito inconteste, assegurado por norma federal impositiva.

Entretanto, em interpretação literal ao quanto disciplinado pelo §4º, do artigo 22, do EAOAB, a reserva de honorários é cabível nos processos judiciais em que, por seu objeto, importem no proveito econômico do cliente contratante, ocorrendo o seu pagamento no bojo dos autos e então, deduzir-se-á a monta devida ao profissional contratado.

Neste sentido, importa registrar que a Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência – LREF), instituiu regime diferenciado de pagamento dos créditos submetidos ao concurso falimentar ou recuperacional (COSTA, 2022, p. 218-384). Contudo, a legislação encartada fora omissa quanto a possibilidade de se determinar a reserva dos honorários contratuais e suas eventuais limitações, no curso dos procedimentos aludidos.

Por isso, o sistema de insolvência nacional urge pela apresentação do presente estudo, o qual, sedimentará uma das primeiras trilhas à regulamentação legislativa, aparando as arestas necessárias ao exercício do direito epigrafado, em observância ao regular transcurso da relação falimentar latu sensu, que ora passa-se a analisar.

5. DOS PROCEDIMENTOS CONCURSAIS

Prima facie, necessário tecer alguns comentários acerca da atividade empresarial e suas repercussões na órbita social, pois, como restará demonstrado no perlustrar das linhas que se seguem, os procedimentos concursais buscam salvaguardar o interesse coletivo dela decorrente, influindo no cumprimento de sua função social, ainda que submetida ao concurso falimentar, de modo que, somente após analisada a importância da empresa aos metaindividuais, poder-se-á compreender a forma de interpretação e o âmbito de aplicação da LREF, salientando-se que, toda medida a ser implementada no sistema de insolvência deverá, necessariamente, observar os seus preceitos e objetivos notadamente públicos.

Ramos (2020), ensina que: “Empresa é uma atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Isto porque, a doutrina majoritária assentou-se no sentido de que o conceito de empresa deriva diretamente do conceito de empresário, inserto no artigo 966, do CCB/2002, in verbis:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Assim, Costa (2022, p. 27), define como empresária a própria: “[…] atividade econômica exercida de forma profissional e organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços”.

Entrementes, Coelho (2012, p. 56), prega que a atividade empresarial, à luz da Constituição Federal de 1988, deve ser exercida em consonância com o princípio da função social da empresa, de maneira a contribuir para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que aquela está inserida.

Para Costa (2022, p. 46), a função social da empresa decorre da própria capacidade desta, em prover a mantença dos metaindividuais, compreendida pela circulação de mercadorias, geração de empregos, recolhimento de tributos, interação com outras empresas, promoção da inovação e solução de problemas.

Assim o é porque, a partir do momento em que determinada empresa se lança ao mercado almejando, prioritariamente, a obtenção de lucro, a execução do imperativo hipotético epigrafado, resvala diretamente na manutenção da cadeia produtiva que se formara para o próprio desenvolvimento da atividade econômica, gerando, assim, os benefícios sociais acima listados.

Aliado paradoxalmente ao instituto principiológico suprarrelacionado, está o princípio da conservação da empresa, que nas mesmas palavras de Coelho (2012, p. 94-95):

[...] reconhece que, em torno do funcionamento regular e desenvolvimento de cada empresa, não gravitam apenas os interesses individuais dos empresários e empreendedores, mas também os metaindividuais de trabalhadores, consumidores e outras pessoas; são estes últimos interesses que devem ser considerados e protegidos, na aplicação de qualquer norma de direito comercial.

Ante o exposto, denota-se que a empresa se constitui em célula de fundamental importância ao corpo social, posto que, não está somente destinada ao incremento de sua própria economia, mas também, à manutenção dos interesses distintos e paralelos dela dependentes.

Notadamente, em decorrência do risco inerente a própria atividade econômica, por vezes, certas empresas estão mais sujeitas aos solavancos do mercado financeiro do que outras, reduzindo-se à insolvência e submergindo numa situação de crise econômico-financeira, definida por Campinho (2022), como: “[…] um fenômeno tradutor de um desequilíbrio entre os valores realizáveis pelo devedor e as prestações que lhe são exigidas pelos credores”.

Em complemento, Costa (2022, p. 46), salienta que, na concretização do princípio da conservação da empresa, deve-se afastar o caráter assistencialista, de forma que, apenas se deve buscar a preservação desta, quando alicerceada pelos requisitos legais, devendo restar comprovada, ainda, a sua viabilidade e utilidade para o mercado, caso contrário, buscar-se-á uma liquidação eficiente dos ativos.

Assim, surge para o estado, representado pela figura do juízo universal, a obrigação de melhor satisfazer os interesses dos demais credores da empresa impactada, assim o fazendo, através do deferimento do processamento da recuperação judicial ou por meio da decretação de falência (COELHO, 2012. p. 48).

Isto porque, a mitigação dos danos causados pela superveniência da situação de crise empresarial, valendo-se da preservação da atividade produtiva, ou mesmo, determinando a exclusão da empresa inviável do mercado, é a principal finalidade dos procedimentos concursais que ora passamos a analisar (COSTA, 2022, p. 29).

5.1. DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Segundo Coelho (2012), a recuperação judicial nada mais é que uma ferramenta jurídica utilizada para promover o soerguimento de empresas viáveis, frise-se, que em decorrência dos solavancos do mercado, encontram-se em situação crise econômico-financeira, possibilitando, com isso, a geração de todos os benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial saudável.

O artigo 47, da Lei 11.101/2005, por sua vez, se encarrega de objetivar o procedimento de recuperação judicial:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Para Costa (2022, p.211), o instituto normativo apontado reflete o primacial desígnio do sistema de insolvência nacional, e complementa: “O procedimento da recuperação judicial busca criar um ambiente negocial saudável e equilibrado entre credores e devedores, a fim de que possa prevalecer a melhor decisão coletiva”.

Uma vez cumpridas as exigências da LREF, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor, como assim dispõe o seu artigo 58, consolidando-se a novação dos créditos existentes na data do pedido da primeira, ainda que não vencidos, e obrigando a recuperanda ao cumprimento das obrigações previstas plano de recuperação judicial, na forma aprovada pelos credores (Lei 11.101/2005, art. 49) (COSTA, 2022, p. 260-262).

Condição em que – como restará pormenorizado em tópico próprio –, dar-se-á o efetivo pagamento dos referidos créditos, observando-se, todavia, a composição do quadro geral de credores, na forma do artigo 41, da Lei 11.101/2005, eventuais privilégios creditórios, deságios e parcelamentos, todos constantes do plano de recuperação judicial, aprovado pelos credores, sob firme fiscalização do administrador judicial e sujeito ao controle de legalidade exercido pelo juízo competente.

Não obstante, a recuperação judicial deve também ser analisada à luz dos princípios da exclusão da empresa inviável do mercado e maximização do valor dos ativos do falido, a fim de que, com a efetiva concretização de ambos, possa se garantir a celeridade e eficiência no sistema de recuperação e falência, preservando a atividade da empresa viável ou assegurando uma eficiente liquidação do ativo da massa falida, em função de que se promova a necessária divisão equilibrada de ônus, inerente aos institutos falimentares (COSTA, 2022, p. 50-51).

Por isso, um processo de recuperação judicial poderá ser convolado em falência, diante de uma das hipóteses previstas no rol taxativo do artigo 73, da LREF, assim criteriosamente listadas por Vido (2020, p.666-667):

a) por deliberação da assembleia geral de credores; b) pela não apresentação do plano de recuperação no prazo de 60 dias, contados da publicação da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial; c) quando houver sido rejeitado o plano de recuperação judicial pela assembleia dos credores; d) por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, dentro do prazo de 2 anos da concessão.

Conforme explanado em linhas pretéritas, a falência recairá sobre a empresa inviável, incapaz de prover a mantença dos metaindividuais, cumprir a sua função social ou mesmo, subsistir, pelo que, passamos a analisar os pormenores do instituto epigrafado.

5.2. DA FALÊNCIA

Segundo Negrão (2004, p. 21), a falência é um processo de execução coletiva onde, passa-se a proceder com a arrecadação de bens da pessoa física ou jurídica declarada falida, objetivando a solução do passivo de forma completa ou proporcional e complementa: “É um processo judicial complexo que compreende a arrecadação dos bens, sua administração e conservação, bem como a verificação e o acertamento dos créditos, para posterior liquidação dos bens e rateio entre os credores”.

Adiante, registremos que, além da possibilidade de convolação da recuperação judicial em falência, esta última poderá recair sobre o empresário ou sociedade empresária quando o devedor incorrer nas hipóteses previstas no rol taxativo do artigo 94, da LREF (VIDO, 2020, p. 583), in verbis:

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:

I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;

II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;

III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperação judicial:

a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;

b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;

c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;

d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;

e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;

f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;

g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.

Carvalho (2020, p. 188), destaca que o objetivo da falência reside na apuração do ativo, em relação ao passivo que recai sobre a massa, distribuindo-se o resultado da respectiva liquidação da forma mais eficiente possível, de maneira que, ao menos, satisfaça grande parte das pretensões veiculadas no processo falimentar.

Neste sentido, Costa (2022, p. 312-313), consigna que a preservação e otimização dos ativos do falido é medida se impõe ao regular transcurso e encerramento do processo falimentar, posto que, eventual atraso na realização do ativo remanescente, poderá implicar na depreciação ou ruína do patrimônio devedor, reduzindo substancialmente o valor do crédito a ser percebido pelos credores e/ou pela própria massa falida em caso de adimplemento total do passivo.

Não obstante, registre-se que, o processo falimentar possui dupla finalidade social. A uma, na forma suprarrelacionada, consiste na contemplação do maior número de credores inscritos em seu quadro geral, intencionando a mitigação dos danos causados pela massa falida. A duas, por sua vez, reside na concretização do princípio do fomento ao empreendedorismo ou fresh start, possibilitando a reinserção do empreendedor falido ao mercado, em regra, liberto de quaisquer ônus, como forma de incentivar o retorno às atividades empresariais, implicando, necessariamente, na produção dos benefícios socioeconômicos dela decorrentes (COSTA p. 313).

Corroborando o entendimento elencado, normatiza o artigo 75, da Lei 11.101/2005:

Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a: (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

I - preservar e a otimizar a utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa; (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

II - permitir a liquidação célere das empresas inviáveis, com vistas à realocação eficiente de recursos na economia; e (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

III - fomentar o empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

Faz-se imprescindível destacar que, na forma do caput do instituto normativo supradescrito, com a decretação de quebra ocorre o afastamento do devedor de suas atividades, sendo substituído pelo administrador judicial que, no exercício do seu múnus, terá legitimidade exclusiva para postular em nome da massa, imbuído da qualidade de representante processual, incumbindo a este, dentre outras atribuições, a arredação, avaliação e alienação do ativo, bem como, a consolidação do quadro geral de credores e seu proporcional pagamento, observada a ordem de prioridades prevista no artigo 83, da LREF, face ao que normatiza o artigo 22, incisos I, alínea “e” e III, alíneas “f”, “g” e “i”, da Lei n°11.101/2005 (RAMOS, 2020, p. 1.224-1.226), (Lei n°11.101/2005, arts. 10, §7° e 149).

Outrossim, para melhor aproveitamento da discussão apresentada é necessário entender, ainda que de maneira não exauriente, já que não constitui o enfoque do presente estudo, de que forma ocorre o efetivo pagamento no âmbito da recuperação judicial ou falência.

6. DAS FORMAS DE PAGAMENTO DOS CRÉDITOS CONCURSAIS

A forma pela qual são pagos os credores concursais, seja na recuperação judicial, ou na falência, é um dos principais embaraços à aplicação do disposto no §4°, do artigo 22, do EAOAB.

Isto porque, conforme relatado nas linhas que seguiram, a reserva dos honorários advocatícios contratuais é cabível, em regra, nos processos judiciais que importem na percepção de algum proveito econômico por parte do cliente contratante, ocorrendo o seu pagamento, no bojo destes autos, e assim, o juiz determinará a dedução da monta devida ao causídico contratado.

Nesse sentido, as incertezas geradas pela ausência de previsão normativa autorizativa, passam a revelar-se quando entendemos que o pagamento dos credores concursais não ocorre no bojo dos autos, mas sim, de forma administrativa.

Notadamente, faz-se necessário abordar de forma mais aprofundada, a habilitação e divergência de crédito, os incidentes de impugnação de crédito, impugnação de crédito retardatária e a habilitação de crédito retardatária, bem como, a ação de retificação do quadro geral de credores, todos comuns a ambos os procedimentos concursais, ainda que de forma concisa, posto que, não representam o enfoque do presente estudo.

6.1. DAS HABILITAÇÕES E DIVERGÊNCIAS DE CRÉDITO

Deferido o processamento da recuperação judicial ou decretada a quebra de determinada empresa, o juiz ordenará a expedição de edital, o qual conterá, dentre outras coisas, a relação de credores da empresa recuperanda ou do falido, conforme imposição dos artigos 52, §1°, inciso II e 99, §1°, da LREF.

Assim, os credores que não tiveram os seus créditos arrolados ou, devidamente inscritos, encontram equívocos na respectiva listagem, seja em decorrência do valor, classificação do crédito ou credor indicado, poderão apresentar, respectivamente, suas habilitações ou divergências de crédito ao administrador judicial, no prazo de 15 (quinze) dias, contados da publicação do referido edital, como assim dispõe o artigo 7° e seu §1°, da LREF.

Após a análise da documentação acostada pelos credores, em suas habilitações e/ou divergências, o administrador judicial fará publicar o segundo edital de credores, contendo as respectivas inscrições e alterações, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contados do término do prazo para as apresentações das habilitações e divergências, na forma do §2°, do artigo 7°, da LREF.

Frise-se que, nesta fase inicial, trata-se de procedimento meramente administrativo, dirigido ao administrador judicial, se fazendo desnecessária, inclusive, a representação do credor por advogado (COSTA, 2022, p. 128).

Com a publicação do segundo edital de credores, abre-se o prazo de 10 (dez) dias para que os credores não contemplados administrativamente, apresentem as suas impugnações, à luz do artigo 8°, da LREF, marcando o início da fase judicial de verificação dos créditos (COSTAS, 2022, p. 122). É o que passamos a analisar.

6.2. DAS IMPUGNAÇÕES DE CRÉDITO

Na forma do artigo 8°, da Lei 11.101/2005, iniciada a fase judicial de verificação dos créditos, qualquer credor, o devedor ou seus sócios, ou o ministério público, poderão apontar a ausência de qualquer crédito ou manifestar-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado, no prazo de 10 (dez) dias, autuando o respectivo incidente em apartado, que será processado nos moldes dos artigos 13 a 15, da LREF, na forma do §1°, do instituto normativo supracitado.

Tendo em vista que se trata de fase judicial, através da qual, o juízo falimentar procederá com a verificação de existência e regularidade dos créditos indicados, na forma do artigo 15, da LREF, faz-se imprescindível que as partes estejam representadas por advogado (COSTA, 2022, p. 126).

Ao final do processo em epígrafe, o juiz decidirá pela procedência ou improcedência da impugnação de crédito, determinando ou não, a inscrição, retificação, exclusão ou alteração da classe do respectivo crédito, no quadro geral de credores da empresa recuperanda ou do falido.

Note-se que, por força do artigo 8°, da Lei 11.101/2005, se tempestiva, a impugnação de crédito poderá versar também, acerca da ausência de determinado crédito, postulando, consequentemente, a sua inscrição. Melhor sorte não assiste às impugnações de crédito retardatárias. É o que se verá a seguir.

6.3. DAS IMPUGNAÇÕES DE CRÉDITO RETARDATÁRIAS

Em que pese a Lei 11.101/2005 tenha previsto prazo específico para apresentação das impugnações de crédito no seu artigo 8°, tanto a doutrina majoritária, quanto a jurisprudência pátria, entendem pela necessidade de aplicação análoga do procedimento previsto para a habilitação de crédito retardatária, posto que, o prazo peremptório previsto no artigo 8°, da Lei 11.101/2005, não se justifica diante da possibilidade da inscrição intempestiva dos créditos não arrolados no quadro geral de credores, através da habilitação de crédito retardatária, por isso, impedir a retificação, exclusão ou alteração da classe do respectivo crédito, violaria diametralmente o princípio constitucional da igualdade, ao passo que, concluiu-se pela admissibilidade da impugnação de crédito retardatária (COELHO, 2019).

Esse é o entendimento jurisprudencial sobre o tema:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO - INOBSERVÂNCIA AOS ARTIGOS 7º E 8º DA LEI N. 11.101/2005 - INVIABILIDADE DE RECEBIMENTO COMO IMPUGNAÇÃO RETARDATÁRIA, NOS TERMOS DO ARTIGO 10, "CAPUT" DA LEI N. 11.101/2005 - QUESTÃO NÃO AFETA À HABILITAÇÃO DO CRÉDITO, MAS À IMPUGNAÇÃO COMO PRETENSÃO DE ALTERAÇÃO DOS VALORES - PRAZO PEREMPTÓRIO - NECESSIDADE DE REFORMA - AGRAVO PROVIDO. É intempestiva a impugnação de crédito quando inobservado o prazo peremptório dos artigos 7º e 8º da Lei de Recuperação Judicial, não se aplicando o artigo 10, "caput" da mesma lei, eis que a questão em foco não é a habilitação de crédito em si, mas a impugnação ao valor do crédito, com a pretensão de alteração do "quantum". "(...) É intempestiva a impugnação ao crédito em autos de recuperação judicial quando o incidente é proposto fora dos prazos legais constantes nos artigos. 7 e 8 da Lei n. 11.101/2005". (TJMT - N.U 1012060-78.2018.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, Relatora: Desa. MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 20/02/2019, Publicado no DJE 08/03/2019).

Notadamente, não se poderá postular uma eventual inscrição de um crédito em sede de impugnação de crédito retardatária, vez que já existe procedimento específico para tanto, qual seja, a habilitação de crédito retardatária, caso em que, padeceria de inadequação da via eleita a respectiva impugnação.

Analisado, o juiz decidirá pela procedência ou improcedência da impugnação de crédito retardatária, determinando ou não, a retificação, exclusão ou alteração da classe do respectivo crédito, no quadro geral de credores da empresa recuperanda ou do falido.

6.4. DAS HABILITAÇÕES DE CRÉDITO RETARDATÁRIAS

As habilitações de crédito retardatárias, conforme explanado nas linhas que se seguiram, buscar promover a inscrição de um crédito não arrolado no quadro geral de credores da recuperanda ou do falido, devendo ser judicializada enquanto durar o processo de recuperação ou em até 03 (três) anos da decretação da quebra, quando tratar-se de procedimento falimentar em sentido estrito (COSTA, 2022, p. 130).

Segundo Costa (2022, p. 131), são dois os tipos de procedimentos para as habilitações de crédito retardatárias, in verbis:

(i) podem ser ajuizadas antes da homologação do quadro geral de credores e, nesse caso, serão processadas como impugnações de crédito (Lei 11.101/2005, art. 10, §5°); ou (ii) podem ser apresentadas após a homologação do quadro geral de credores, em ação judicial autônoma, seguindo o rito ordinário previsto no CPC/2015 (Lei 11.101/2005, art. 10, §6°).

Neste ínterim, cumpre registrar que as habilitações de créditos retardatárias, seja qual for o momento de seu protocolo, importarão em certos e determinados prejuízos aos credores que permaneceram inertes.

Assim, a consequência pela não habilitação do crédito de forma administrativa, nos moldes do artigo 8º, da LREF, acarretarão na perda dos direitos aos pagamentos realizados a sua determinada classe por meio de rateios, no pagamento de custas judiciais, na perda do direito de voto nas deliberações da assembleia geral de credores, com exceção dos créditos advindos da justiça laboral e na falência, se já houve decisão judicial acerca dos pedidos de habilitação, pelo que disciplina o §2°, do artigo 10, da LRF e ainda, ficará o credor retardatário, obstado de fazer incidir juros e correções relativos ao período disposto no §1°, do artigo 7°, da Lei 11.101/2005 (VIDO, 2020, p. 597) (COSTA, 2022, p. 130).

Há que se destacar, também, que por força do §4°, do artigo 10, da LREF, quando em se tratando de processo de falência, o credor retardatário poderá requerer a reserva do valor por ele indicado, para garantir o direito seu recebimento, ao passo que, se separará o respectivo crédito nos eventuais rateios realizados, enquanto não sentenciada a habilitação de crédito retardatária (VIDO, 2020, p. 598) (COSTA, 2022, p. 131).

Verificada a existência e regularidade do crédito indicado ou a ausência destes, o juiz decidirá pela procedência ou improcedência da habilitação de crédito retardatária, determinando a inscrição ou não do respectivo crédito, no quadro geral de credores da empresa recuperanda ou do falido.

6.5. DA HOMOLOGAÇÃO DO QUADRO GERAL DE CREDORES

Na forma do §7°, do artigo 10, da Lei 11.101/2005, o quadro geral de credores é formado após o julgamento das impugnações tempestivas, compreendidas entre aquelas realizadas no prazo de 10 (dez) dias de que dispõe o artigo 8°, caput, da legislação supracitada, em conjunto com as habilitações e impugnações retardatárias de cujo julgamento se deu até a formação deste.

Assim, o juiz homologará o quadro geral de credores, o qual, deverá mencionar a importância e classificação de cada crédito, na data do pedido de recuperação judicial ou da decretação de falência, sendo juntado aos autos e publicado no órgão oficial, no prazo de 05 (cinco) dias, contados da sentença que houver julgado as respectivas impugnações (Lei 11.101/2005, art. 18, parágrafo único).

Notadamente, se não houverem impugnações, o juiz procederá, de logo, com a homologação do quadro geral de credores, salvo quando em se tratando de processo de falência, houverem sido ajuizados incidentes de classificação de crédito público (Lei 11.101/2005, art. 14).

Uma vez consolidado e homologado o quadro geral de credores, este só poderá ser alterado através da ação de retificação do quadro geral de credores, caso hajam vícios relacionados a qualquer crédito nele inscrito ou ausente, identificados após a sua respectiva homologação (VIDO, 2020, p. 597). É o que se passa a analisar.

6.6. DA AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DO QUADRO GERAL DE CREDORES

A ação de retificação do quadro geral de credores, conforme mencionado nas linhas que seguiram, é o procedimento cabível para se promova a inclusão, exclusão, alteração da classificação ou retificação de qualquer crédito inscrito no quadro geral de credores, após a homologação deste último pelo juízo competente, quando identificada a ocorrência de falsidade, dolo, simulação, erro essencial ou se descubram documentos ignorados quando do julgamento do crédito ou da homologação do QGC (Lei 11.101/2005, art. 19).

Costa (2022, p. 140-141), afirma que a ação de retificação do quadro geral de credores pode ter natureza jurídica, tanto de processo de conhecimento, quando a discussão repousar sobre crédito não sujeito aos efeitos da coisa julgada (processo não sentenciado), quanto de ação rescisória, em se tratando de crédito originado por sentença transitada em julgado, sejam elas proferidas, pelo próprio juízo universal, pela justiça comum estadual ou mesmo, pelas justiças especializadas, como a federal e a laboral, caso em que, em atenção aos artigos 966 e ss, do CPC, o prazo para seu ajuizamento será de 02 (dois) anos.

De acordo com o §1°, do artigo 19, da LREF, o juízo competente para processar e julgar a ação de retificação do quadro geral de credores é o próprio juízo universal, salvo em se tratando de ações que demandem quantia ilíquida ou, de competência absoluta da justiça do trabalho, caso em que, a ação retificatória será processada perante o juízo que reconheceu o crédito ora objeto de discussão (COSTA, 2022, p. 141).

Processada a ação, o juiz proferirá a sentença, anulando, declarando a nulidade ou mantendo o negócio jurídico através do qual se originou o crédito (COSTA, 2022, p. 142 apud ALTEMANI, 2006, p.238).

O §2°, do mesmo artigo, prevê a possibilidade de recebimento antecipado do crédito, traduzindo-se como uma espécie de medida cautelar, que visa a regular percepção do crédito postulado, devendo o respectivo credor, entretanto, prestar caução no mesmo valor do crédito questionado.

De posse da sentença retromencionada, o juízo universal determinará a alteração do quadro geral de credores, para pagamento nas formas abaixo explanadas.

6.7. DO EFETIVO PAGAMENTO DOS CREDORES CONCURSAIS

O pagamento dos créditos submetidos ao concurso de credores é um dos dilemas a serem enfrentados pelo presente estudo. Isto porque, conforme explanado em linhas pretéritas, este é realizado de forma administrativa e não no bojo dos autos das ações que tramitaram perante o juízo universal outrora pormenorizadas. É o que se passa a explanar.

Em se tratando de recuperação judicial, o pagamento dos credores concursais dar-se-á através do cumprimento do plano a que se obrigou o devedor, quando do pleito recuperacional, sob pena de convolação da recuperação judicial em falência (Lei 11.101/2005, art. 61, §1°).

Assim, a própria recuperanda procederá com os respectivos pagamentos, de forma meramente administrativa, em consonância com o quanto fixado pelo plano de recuperação judicial e disposto em seu quadro geral de credores, fazendo incidir, inclusive, os eventuais deságios, parcelamentos e privilégios creditórios inerentes ao procedimento recuperacional, tudo sob firme controle do administrador judicial, que investido do seu múnus, deverá fiscalizar o cumprimento do plano de recuperação judicial e, se for o caso, requerer a falência em caso de descumprimento das obrigações assumidas neste, como assim dispõe o artigo 22, inciso II, alínas “a”, in fine e “b”, da LREF.

Ao final, a recuperanda comprovará o cumprimento do respectivo plano, ao passo que, o juiz decretará por sentença o encerramento da recuperação judicial (Lei 11.101/2005, art. 63).

Na falência, por sua vez, será o próprio representante legal e judicial da massa falida, o administrador judicial, que, após a necessária realização do ativo (Lei 11.101/2005, art. 149), ficará responsável por pagar os credores do falido, conforme ditames do artigo 22, inciso III, alíneas “i” e “n”, da LREF.

De igual modo, o pagamento supracitado ocorre de forma administrativa, restando a administração judicial, desta forma, obrigada a prestar contas ao final do processo, sob pena de responsabilidade pessoal, na forma do artigo 22, inciso III, alínea “r”, cumulado com o artigo 154 e seu §5°, da Lei 11.101/2005.

Notadamente, restou demonstrado que o pagamento dos credores da recuperanda ou falida, não ocorre no bojo dos autos da ação pela que se requereu a inscrição, retificação ou alteração da classe do crédito postulado, fato que, diante da omissão da Lei 11.101/2005, acerca da possibilidade de aplicação do quanto inserto no §4°, do artigo 22, do EAOAB, como restará delineado nas linhas que se seguem, pode acarretar numa eventual supressão do direito tutelado por Lei Federal ou mesmo, no patente desequilíbrio da relação concursal, incorrendo em violação ao princípio da par conditio creditorium.

7. DA RESERVA DE HONORÁRIOS NOS PROCEDIMENTOS CONCURSAIS

Em que pese a reserva dos honorários contratuais prevista no §4°, do artigo 22, do EAOAB, se destine aos processos que importem no recebimento de valores, ocorrendo o seu pagamento e proporcional reserva de honorários, no bojo dos respectivos autos. Ressalvadas as limitações destacadas no decorrer do presente estudo, a princípio, não há óbice à referida reserva, pois, mesmo que o referido pagamento seja realizado administrativamente, pela recuperanda ou pelo AJ, é o próprio juízo universal que determinará a inscrição, retificação ou alteração da classe do crédito no Quadro Geral de Credores e por isso, poderá determinar na própria sentença do procedimento utilizado, que se reserve o valor devido ao causídico, para pagamento posterior.

Assim, o suprimento judicial exigido pelo instituto normativo federal em destaque estará devidamente satisfeito, entretanto, em vez de as parcelas serem computadas, destacadas e liquidadas, pelo juízo em que se processou a demanda tipicamente falimentar, será o próprio devedor, em recuperação judicial ou falido, que o fará de maneira administrativa, submetendo suas contas ao crivo do juízo universal, no curso e/ou final da recuperação judicial ou falência.

Trata-se de matéria já apreciada pela Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que muito embora não ostente efeito vinculante em suas decisões, por força da normativa inserta no artigo 927, do CPC, inovou ao admitir a aplicação do disposto no §4°, do artigo 22, do EAOAB, senão vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALÊNCIA. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS CONTRATUAIS. RESERVA A SER DEBITADA DO CRÉDITO HABILITADO. IMPOSSIBILIDADE DIANTE DE CONFLITO.

1.Trata-se de agravo contra decisão que indeferiu o pedido do advogado no sentido de reservar honorários contratuais a ser debitado do crédito habilitado de seu constituinte, conforme §4º do art. 22 do EOAB.

2.O advogado tem legitimidade para pedir, nos próprios autos do processo, o recebimento dos honorários de sucumbência ou a dedução de seus honorários contratuais da quantia a ser recebida pelo seu cliente, devendo, neste último caso, juntar o contrato de prestação de serviços advocatícios, consoante os arts. 22, § 4º, e 23 da Lei nº 8.906/1994, desde que não haja conflito entre o patrono e seus clientes outorgantes.

3.In casu, o próprio advogado, ora agravante, disse que existe conflito com seu cliente outorgante, pelo que deve se socorrer das vias próprios.

4.RECURSO DESPROVIDO.

(0043178-62.2021.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). ANTONIO ILOIZIO BARROS BASTOS - Julgamento: 14/10/2021 - QUARTA CÂMARA CÍVEL)

Entretanto, como anteriormente aduzido, a decisão em tela não possui o condão de vincular demais magistrados e tribunais do país e ainda, não estabelece demais limites básicos ao exercício do direito vindicado pelo causídico, por isso, o estudo apresentado é imprescindível à formação dos primeiros pilares que sustentarão a regulação normativa.

Adiante, conforme se extrai do precedente em epígrafe, a reserva dos honorários contratuais sofre algumas limitações pontuais e, mais importante do que garantir o exercício do direito à “execução simplificada” ao patrono do credor concursal, é traçar seus limites básicos e grau de abrangência, com vistas a conferir tratamento isonômico aos credores contantes do QGC.

De antemão, rechaça-se a possibilidade de proceder-se com a reserva de honorários contratuais nos procedimentos de habilitação e divergência de crédito, posto que, o §4°, do artigo 22, do EAOAB é claro ao exigir suprimento judicial que determine a referida reserva, não alcançável, portanto, pelas vias inicialmente propostas, uma vez que, como explanado alhures, são processadas de forma administrativa, através de requerimento formulado ao administrador judicial, dispensando-se, inclusive, representação por advogado.

No âmbito das impugnações de crédito tempestivas, encontramos o seu cabimento quando for requerida a inscrição, retificação ou alteração da classe creditícia, vislumbrando-se um impedimento lógico, entretanto, quando o credor passar a postular a exclusão de um seu crédito, vez que, nestes moldes, nenhuma quantia lhe será paga em concurso e, por conseguinte, não haverá o que se reservar ao causídico.

Nas impugnações de crédito retardatárias, por sua vez, vê-se uma redução significativa das demandas em que o procedimento de reserva dos honorários contratuais poderá ser realizado, posto que, não mais se conseguirá postular a inscrição do crédito, mas apenas, a retificação, a alteração da classe deste e a sua exclusão, sendo esta última, já desautorizada pela inocorrência de pagamentos, na forma anteriormente defendida.

Assim, em que pesem as limitações ora explicitadas, o procurador do credor impugnante poderá requerer – quando o objeto do incidente de impugnação de crédito retardatária for a retificação ou alteração da classe creditícia –, a regular reserva dos honorários contratuais, nos moldes do §4°, do artigo 22, do EAOAB.

Em se tratando das habilitações de crédito retardatárias, a execução simplificada dos honorários contratuais é perfeitamente factível, posto que, através do procedimento encartado, se buscará a inscrição de um crédito no quadro geral de credores da recuperanda ou falida e, com o seu deferimento, proceder-se-á com a respectiva reserva nos moldes requeridos.

Adentrando as particularidades da ação de retificação do quadro geral de credores, além da patente impossibilidade de reserva quando o objeto do requerimento for a exclusão de determinado crédito do respectivo QGC, dada a ausência de proveito econômico pelo requerente, vê-se uma clara bifurcação procedimental, compreendidas quando a ação manejada: (i) for de competência do próprio juízo universal e; (ii) for de competência da justiça especializada ou juízo estranho ao da RJ ou falência; devendo também ser analisados os cabimentos e limites da reserva de honorários.

Nos casos em que a competência para apreciação e julgamento da ação de retificação do quadro geral de credores for do juízo da recuperação judicial ou falência, tal qual ocorre nos procedimentos já estudados, não há óbice à possibilidade de se pleitear a reserva dos honorários contratuais no bojo do procedimento em destaque, uma vez que, será o próprio juízo competente que decidirá sobre a existência e regularidade do crédito indicado, determinando, ao final, sua retificação, inscrição ou alteração da classe creditícia ou não, bem como, a reserva dos honorários, no quadro geral de credores já consolidado.

Entretanto, quando tratar-se de demanda cuja competência se fixe em juízo aquém do universal, o processo seguirá seu trâmite regular perante o primeiro e, com a prolação da sentença, oficiar-se-á o juízo da RJ ou falência, para que proceda com a retificação/alteração da classe creditícia ou não.

Assim, evidencia-se um impedimento ao disposto no §4°, do artigo 22, do EAOAB, posto que, apesar de competente para apreciar e julgar a demanda, o juízo alienígena não poderá deliberar sobre o QGC, já que é matéria de competência exclusiva do juízo universal.

Desse modo, uma vez que não haverá processo tramitando perante o juízo falimentar, o procurador interessado na execução simplificada dos seus honorários não poderá postulá-la, devendo ingressar com a ação específica de execução de título executivo extrajudicial.

Passada a análise do cabimento da reserva de honorários em cada procedimento concursal, vale ressaltar que, na forma do §4°, in fine, do artigo 22, do EAOAB, o credor poderá se opor à reserva dos honorários contratuais, comprovando que já pagou ao causídico (MAMEDE, 2022, p.203).

Neste sentido, diante da oposição do credor contratante, ao pleito de reserva formulado pelo advogado contratado, a natureza civilista da execução em tela ultrapassará a competência do juízo falimentar para apreciar a demanda. E ainda, a necessária garantia ao exercício do direito a ampla defesa e sua instrumentalização através do contraditório, bem como, ao duplo grau de jurisdição, princípios constitucionais decorrentes dos incisos LV e XXXV, do artigo 5°, da CRFB/88, interferirão de forma negativa no regular processamento da RJ ou falência, em patente desrespeito ao princípio da celeridade, responsável por garantir a razoável duração do processo, como assim determina o inciso LVXXVIII, da CRFB/88.

Por isso, em havendo litígio entre credor e devedor contratuais, não será possível proceder-se com a execução simplificada dos honorários no curso dos procedimentos concursais, qualquer que o seja, frise-se, devendo o causídico interessado, nesse caso, valer-se da ação de execução de título executivo extrajudicial e submetê-la a nova distribuição, posto que, o pleito a ser encartado na peça vestibular não se relacionará com a recuperanda ou falida e por isso, não se submeterá aos efeitos do artigo 76, da LREF, restando destacado que, a recuperação judicial, per si, não se submete aos efeitos do citado instituto normativo que ora se colaciona, senão o vejamos:

Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.

Em equipolente sentido, decidiu a Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, na forma da jurisprudência outrora reproduzida e abaixo em destaque:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALÊNCIA. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS CONTRATUAIS. RESERVA A SER DEBITADA DO CRÉDITO HABILITADO. IMPOSSIBILIDADE DIANTE DE CONFLITO.

1.Trata-se de agravo contra decisão que indeferiu o pedido do advogado no sentido de reservar honorários contratuais a ser debitado do crédito habilitado de seu constituinte, conforme §4º do art. 22 do EOAB.

2.O advogado tem legitimidade para pedir, nos próprios autos do processo, o recebimento dos honorários de sucumbência ou a dedução de seus honorários contratuais da quantia a ser recebida pelo seu cliente, devendo, neste último caso, juntar o contrato de prestação de serviços advocatícios, consoante os arts. 22, § 4º, e 23 da Lei nº 8.906/1994, desde que não haja conflito entre o patrono e seus clientes outorgantes.

3.In casu, o próprio advogado, ora agravante, disse que existe conflito com seu cliente outorgante, pelo que deve se socorrer das vias próprios.

4.RECURSO DESPROVIDO.

(0043178-62.2021.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). ANTONIO ILOIZIO BARROS BASTOS - Julgamento: 14/10/2021 - QUARTA CÂMARA CÍVEL)

Desta feita, conclui-se que a ausência de litígio entre credor outorgante para com o pleito de reserva formulado pelo procurador outorgado é requisito fundamental ao regular transcurso da execução simplificada dos honorários contratuais, ao que, por dever de cautela, recomenda-se ao juízo universal, que se digne a intimar pessoalmente o credor requerente, acerca do pelito formulado pelo causídico, importando o seu eventual silêncio em concordância.

Ultrapassadas as hipóteses de cabimento da reserva de honorários contratuais nos procedimentos concursais, faz-se necessário um estudo aprofundado acerca do modo pelo qual se determinará o destacamento dos honorários contratuais, para posterior pagamento pela recuperanda ou AJ, haja vista que, como restará devidamente comprovado, a inobservância do tempo e modo de execução da reserva, pelo ato judicial, importará necessariamente, no desbalanço da relação igualitária entre os credores concursais, dada a classificação que tomará o crédito devido pelo credor ao advogado.

8. DA CLASSIFICAÇÃO DO CRÉDITO OBJETO DA RESERVA

A classificação do crédito a ser reservado para o procurador do credor inscrito no quadro geral de credores da recuperanda ou falido, deve ser analisada com cautela, a fim de se evitar um profundo desequilíbrio na relação falimentar latu sensu, podendo inviabilizar o soerguimento da empresa em crise ou a mais adequada distribuição do ativo. Assim sendo, faz-se imprescindível analisar, de logo, o princípio do par conditio creditorium, instituto garantidor da igualdade entre credores de uma mesma classe no concurso falimentar.

O princípio supracitado encontra amparo normativo no artigo 126, da LREF, que disciplina:

Art. 126. Nas relações patrimoniais não reguladas expressamente nesta Lei, o juiz decidirá o caso atendendo à unidade, à universalidade do concurso e à igualdade de tratamento dos credores, observado o disposto no art. 75 desta Lei.

Segundo Costa (2022, p.42-43), o princípio da par conditio creditorium decorre diretamente do princípio da isonomia, máxima constitucional inserta no artigo 5°, da CRFB/88 e disciplina que, com a devida instauração do procedimento concursal, deixam de existir os direitos de preferência entre os credores sujeitos aos seus efeitos, podendo ser definido, ainda, como uma distribuição de perdas em igual medida pois, a justa distribuição de valores para determinada classe de credores, importará em prejuízos para todos os credores constantes desta última.

Campinho (2022), assevera que o princípio em análise é responsável por, na falência, orientar a ordem de recebimento dos créditos, evitando tratamentos injustos, abusivos e fraudulentos e, na recuperação judicial, garantir o tratamento isonômico aos credores inseridos em determinada classe.

Notadamente, não há que se falar em tratamento igualitário a todos os credores sujeitos ao concurso, mas sim, na igualdade entre os credores de uma mesma classe creditícia, em atenção aos ditames da LREF (COSTA, 2022, p.42).

Não obstante, salienta-se que, na forma do artigo 172, da Lei 11.101/2005, o favorecimento de um ou mais credores, em prejuízo dos demais, constitui crime falimentar punível com pena de reclusão de 02 (dois) a 05 (cinco) anos e multa.

À luz do princípio encartado, vislumbra-se a emersão de mais um impedimento – senão o mais importante –, à reserva dos honorários advocatícios contratuais nos procedimentos concursais, desta vez, contudo, não relacionado a sua efetivação, mas sim, ao momento em que se procederá com o destacamento da parcela devida ao causídico.

Isto porque, na forma do Enunciado de número 47, da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, os honorários advocatícios: “consubstanciam verba de natureza alimentar”, tratando-se, portanto, de crédito privilegiado e equiparado aos créditos de origem trabalhista, posto que, possui idêntico fato gerador, qual seja, o trabalho humano (LOBO, 2022, p.195).

Desta feita, ao se determinar o imediato destacamento da verba honorífica e inscrição no respetivo QGC, a monta sub judice galgaria status de crédito privilegiado, independentemente de qual fosse a classe do crédito devido ao credor outorgante.

Analisemos o seguinte caso hipotético: Um determinado credor de um valor classificado como quirografário (Classe III), ajuíza um incidente de impugnação de crédito retardatária e destaca a inconformidade do quanto lhe é devido, com o quanto fora efetivamente inscrito no QGC da recuperanda ou falida, pugnando, assim, pela retificação para maior, da monta apresentada. Nesse introito, o procurador do credor epigrafado formaliza o pleito de reserva dos honorários contratuais, juntando aos autos o contrato de honorários devidamente assinado pelo credor, contendo cláusula de compensação ou desconto de honorários, cujo pedido não foi rechaçado pelo respectivo credor. Ao final, o juízo universal decide pela procedência de ambos os pedidos, determinado a retificação do valor inscrito no quadro geral de credores e o imediato destacamento da verba honorífica para pagamento na forma do plano de recuperação judicial ou rateio falimentar.

No caso exame, o destacamento prévio ou antecedente da verba devida ao causídico, por força da SV n°47, conferiria a esta, o status de verba alimentar, equiparada aos créditos constituídos pela justiça laboral, devendo ser inscrita na Classe I – Trabalhista, e paga com precedência aos demais créditos sujeitos a concurso, inclusive, aos do credor contratante do caso hipotético, já que o seu crédito fora inscrito na Classe III – Quirografário.

Ou seja, ao determinar que o destacamento do valor equivalente aos honorários contratuais se efetive de forma prévia ou antecedente, o advogado titular do respectivo crédito terminaria por “furar a fila” do concurso de credores, em patente desrespeito ao princípio do par conditio creditorium, podendo, inclusive, acarretar na significativa redução do ativo sujeito a rateio, em detrimento dos demais credores ou inviabilizar a recuperação judicial, uma vez que, os créditos de natureza trabalhista e equiparados sujeitos aos efeitos do plano, devem ser pagos em até 01 (um) ano, na forma do artigo 54, da LREF, contado do deferimento do processamento da recuperação judicial, como assim fixou a jurisprudência do STJ1.

Outro desdobramento impeditivo do destacamento prévio ou antecedente da verba honorífica, diz respeito aos contratos de honorários com cláusula quota litis, ad exitum ou percentuais, onde é fixado no contrato, não um valor líquido, mas sim, um percentual do proveito econômico do cliente contratante, não podendo ultrapassar o limite de 30% (trinta por cento) e/ou os valores recebidos pelo cliente (GONZAGA et. al., 2019, p.163-164).

Diante do quanto exposto, suponhamos que ao ajuizar um incidente de habilitação de crédito de classe quirografário, valorado em R$100.000,00 (cem mil reais), o causídico requeira a reserva dos seus honorários contratuais quota litis, os quais, perfazem a monta de 30% (trinta por cento) do valor principal, sendo ambos os pedidos deferidos pelo juiz competente, que determinou o destacamento antecedente da verba honorífica de R$30.000,00 (trinta mil reais). No entanto, o plano de recuperação judicial ou ativo sujeito a rateio, prevê um deságio de 90% (noventa por cento) aos credores quirografários e apenas 10% (dez por cento) aos credores trabalhistas e equiparados.

À luz do caso narrado, percebe-se que, com o destacamento prévio da verba objeto de reserva, a recuperanda ou falida arcaria com R$27.000,00 (vinte e sete mil reais) a mais do que o efetivamente previsto, observando-se a criação de um crédito que não deveria ser pago nos moldes a que foram submetidos os seus credores, ao passo que, no destacamento posterior ou postergado, onde o crédito do advogado seguiria a sorte do crédito principal de R$10.000,00 (dez mil reais) – custo total da recuperanda ou falida –, seria devido ao causídico apenas a monta de R$3.000,00 (três mil reais), enquanto o credor quirografário receberia R$7.000,00 (sete mil reais).

Assim, tendo em vista que, na forma do §4°, do artigo 22, do EAOAB, o recebimento da parcela contratual pelo causídico está condicionada, em regra, ao recebimento de valores pelo credor contratante, a aplicação da execução simplificada nos procedimentos concursais também deverá seguir a lógica impositiva, de modo que, com o destacamento posterior ou postergado, o advogado terá garantida a sua parcela honorífica mas, apenas receberá quando do efetivo pagamento do “credor principal”, observados, inclusive, eventuais parcelamentos, deságios e privilégios creditícios inerentes ao plano de recuperação judicial, bem como, a distribuição isonômica/proporcional do ativo sujeito a rateio na falência.

Assim, o juízo universal deferirá reserva dos honorários contratuais com destacamento postergado, determinando que a recuperanda ou administrador judicial, proceda com a inscrição administrativa do causídico na tabela de pagamentos, de modo que, apenas no tempo e modo de adimplemento da parcela devida do “credor principal”, realize-se o destacamento da monta reservada ao seu procurador.

Note-se que, nesta modalidade, o advogado requerente não será inscrito no quadro geral de credores da recuperanda ou falida, mas, terá a garantido o direito a execução simplificada da sua verba de natureza alimentar, nos moldes comportados pelo plano de recuperação judicial ou pela regular distribuição do ativo quando em se tratando de falência.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sumariamente, há de se destacar que o direito do advogado a reserva dos seus honorários contratuais, encontra previsão em Lei Federal, especificamente, no §4°, do 22, da Lei n°8.906 de 04 de julho de 1994, motivo pelo qual, sua observância é basilar à manutenção da ordem jurídica vigente.

Notadamente, haverão de observados os requisitos impostos pelo artigo §2°, do artigo 36, do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, quando do exercício da pretensão a ser veiculada, a fim de garantir legitimidade ao instrumento particular objeto de execução simplificada.

Ademais, em análise a importância da empresa à manutenção dos metaindividuais e a finalidade dos procedimentos falimentares em sentido amplo que, por sua vez, busca salvaguardar o interesse público, temos que, toda medida a ser implementada no sistema de insolvência nacional deverá observar os limites da atuação singular, frente a execução coletiva instaurada, numa verdadeira ponderação de valores que vise adequar o exercício do direito insculpido em norma imperativa ao propósito a que se destinam as disposições falimentares.

Não obstante, ainda que o pagamento dos credores submetidos ao concurso falimentar ou recuperacional, ocorra de forma administrativa, mostrou-se perfeitamente factível o processamento da reserva de honorários no âmbito concursal, devendo-se observar, contudo, as limitações impostas por cada procedimento.

Neste sentido, restou consignado que, quando em se tratando das habilitações e divergências de crédito (Lei 11.101/2005, art. 7° e §1°), face a natureza exclusivamente administrativa da demanda, onde as pretensões são direcionadas ao administrador judicial, dispensando-se inclusive, representação por advogado, é vedada a reserva dos honorários contratuais, ante a completa ausência de suprimento judicial, requisito indispensável para tanto, conforme ditames do §4°, do 22, do EAOAB.

Já nas impugnações de crédito (Lei 11.101/2005, art. 8°), pacificou-se o entendimento de que a reserva dos honorários contratuais poderá ser postulada quando o escopo da demanda recair sobre eventual inscrição, retificação ou alteração da classe creditícia, restando defesa a utilização desta, quando a pretensão recair sobre a exclusão do crédito titularizado.

Comprovou-se, a partir dos estudos relativos às impugnações de crédito retardatárias, que no decorrer do procedimento encartado, a execução simplificada dos honorários contratuais somente poderá se efetivar quando o objeto da respectiva pretensão for a retificação ou alteração da classe creditícia do valor titularizado pelo impugnante, já que a exclusão deste, se desincompatibiliza com o instituto pretendido, bem como, a postulação pela inscrição de um determinado crédito se mostra inadequada a via ora eleita.

Notadamente, o procedimento de habilitação de crédito retardatária mostrou-se como um dos mais receptivos à reserva dos honorários contratuais, posto que, com ele, visa-se a inscrição de uma parcela creditícia no quadro geral de credores da recuperanda ou falida, tal qual ocorreria num processo de cumprimento de sentença ou execução – ainda que com as limitações impostas pela LREF –, caso que melhor se subsome o instituto previsto no §4º, do artigo 22, do EAOAB.

Percebeu-se também, a bifurcação procedimental, quando em se tratando da ação de retificação do quadro geral de credores, sendo possível nas hipóteses em que seu ajuizamento deva ocorrer perante o juízo falimentar – observadas as demais limitações relativas à pretensão da demanda – e inviável quando a pretensão tiver de ser processada perante as justiças especializadas, dado o que, a posterior deliberação sobre o quadro geral de credores é matéria de competência exclusiva do juízo universal.

Outrossim, registrou-se que, mais um limite ao exercício da pretensão do causídico interessado na reserva dos seus honorários é a oposição do credor contratante, conforme §4°, in fine, do artigo 22, do EAOAB. Com efeito, a discussão sobre a realização ou não do eventual pagamento pelo credor dos honorários contratuais se contrapõe ao interesse veiculado no procedimento concursal e atenta contra a própria competência do juízo universal, por se tratar de matéria cível, devendo o respectivo procurador, valer-se da ação de execução de título executivo extrajudicial para tanto.

Por fim, mas não menos importante, asseverou-se pela vedação a destacamento prévio ou antecedente da verba honorífica, dado que, com a incidência da SV n°47, o crédito postulado, ainda que decorrente de um valor listado nas demais classes inerentes aos procedimentos concursais que não a trabalhista e equiparadas, galgaria status de crédito privilegiado, incorrendo em patente violação ao princípio da par conditio creditorium e ainda, quando em se tratando de honorários quota litis, tal destacamento seria responsável por criar obrigação de pagar que não deveria ser assumida pelo devedor, pelo que, deverá o juiz, determinar o destacamento posterior ou postergado, fazendo com que a classe do crédito postulado pelo causídico “siga a sorte” da monta titularizada pelo “credor principal”.

Ante a todo o exposto, restou exaustivamente comprovado que a ausência de previsão normativa, diante dos argumentos defendidos no presente estudo, não representa um obstáculo ao exercício do direito de reserva dos honorários contratuais previsto no §4º, do artigo 22, do EAOAB, desde que observadas as limitações impostas pela própria natureza da legislação de insolvência, a fim de que se garanta a necessária ponderação de valores entre as pretensões veiculadas nestas demandas, que visam atender o interesse coletivo.

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1REsp n. 1.924.164/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15/6/2021, DJe de 17/6/2021.    


Publicado por: FABIANO NOBRE SANTOS PEREIRA CAJAZEIRA

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