QUESTÃO DE GÊNERO NA ESCOLA E A INFLUÊNCIA DA SOCIEDADE

índice

Imprimir Texto -A +A
icone de alerta

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

1. RESUMO

Esta pesquisa versou sobre gênero na escola e teve como foco discutir sobre a questão de gênero tanto na instituição escolar, quanto na sociedade. A sociedade determina estereótipos de gênero e a criança é fruto desse meio. A instituição escolar precisa dispor de ambientes e profissionais que possibilitem a prática de valores, igualdade e respeito entre pessoas de sexos diferentes e permita que a criança conviva com todas as possibilidades relacionadas ao papel do homem e da mulher. Objetivou-se, com esta pesquisa, compreender o papel do educador na formação da identidade de gênero, assim como entender como os estereótipos impostos pela sociedade interferem nas relações escolares e sociais. A escola é uma das esferas sociais por onde transitam conceitos, valores, crenças, relações, etc. Desde tenra idade os indivíduos estabelecem relações sociais entre seus pares. Na infância, a criança reproduz e interpreta o mundo social por meio de jogos simbólicos, no entanto, a elaboração social infantil tem como releitura a ordem e relações sociais do universo adulto. Por isso, elas se apropriam da interação social da vida adulta utilizando-os como conhecimento e critérios para validar a organização criada por elas. É por meio dos princípios adultos que as crianças fazem as suas escolhas, como um amiguinho com quem vai brincar, por exemplo, porque se identificam mais com este do que com aquele. As características corporais são utilizadas como critério e podem ser um facilitador recíproco que confirmará se a criança será aceita ou impedida de participar da cultura e do grupo de pares. Observou-se que as conquistas em prol de equiparação social, o combate ao preconceito, as visões distorcidas sobre a relação de gêneros, enfim, todo esse arcabouço das relações humanas deságua na escola. A escola deixou de representar o papel de instituição disciplinadora e castradora, mas continua exercendo o papel de reprodutora da ordem vigente. Ou seja, esta instituição foi adequando-se às exigências governamentais que por sua vez incluíram em sua pauta reivindicações que se tornaram políticas públicas. No entanto, a escola continua desprezando comportamentos destoantes relacionados ao gênero. A questão sexual é determinada cultural e socialmente, é um fato histórico determinante, conservador e heteronormalizante. É necessário ir além dos estereótipos, desconstruir o preconceito camuflado que existe na nossa sociedade, colocar em xeque a normatividade que oprime os povos, que condena os gêneros, a cultura da desvalorização do ser humano. E a escola é uma das instituições necessárias para que tal discussão inicie. Realizamos uma pesquisa de campo utilizando a entrevista, com perguntas diretas sobre o tema abordado, como instrumento de pesquisa. As entrevistas foram respondidas por duas professoras da rede municipal de ensino de São Paulo. Para que a pesquisa fosse realizada, utilizamos um questionário pertinente ao tema em questão. Verificou-se que as educadoras não tem divergências significantes em suas opiniões, e tentam de forma individual ações que contribuem para uma sociedade mais justa e igualitária, mesmo com a interferência de uma sociedade excludente.

Palavras-Chave: Gênero. Escola. Estereótipos.

ABSTRACT

This research verged on Gender Equality at school and was focused at discussing this main topic in the education institution and in the society. Gender stereotypes are determined by society and the child is the fruit of this environment. Education institution must have enviroment and professionals that make institutional values, equality and respect between different sexes and allow the child to live with all the possibilities related to the role of man and woman. It was aimed with this research to understand the Educator’s role in the training of gender identity, as well as to understand how the stereotypes imposed by society interfere in school and social relations. The school is one of the social spheres where transit concepts, values, beliefs, relationships, etc. From an early age individuals establish social relationships among their peers. In childhood, the child reproduces and interprets the social world through symbolic games; however, the child's social elaboration re-read the order and social relations of the adult universe. For this reason, they appropriate the social interaction of adult life using them as knowledge and criteria to validate the organization created by them. It is through the adults principles that children make their own choices, as a friend when to play with, for example, because they identify more with this one than with that one. Body characteristics are used as criteria and can be a reciprocal facilitator that will confirm whether the child will be accepted or prevented from participating in the culture and peer group. It was observed that the achievements in favor of social leveling, the fight against prejudice, the distorted visions on the relation of gender, in short, this whole framework of human relations flows into the school. The school doesn’t have anymore disciplining and castrating’s role, but still doing the role of reproducer of the current order. In other words, this Institution was adapting itself to the governmental demands that in turn included in its agenda claims that became public policies. However, the school continues to despising gender-related disruptive behaviors. The sexual question is culturally and socially determined, is a determinant historic fact, conservative and heteronormalizing. It’s necessary to go beyond stereotypes, to deconstruct the camouflaged prejudice that exists in our society, to put in check normativity that oppresses the peoples, which condemns the genres, the culture of the devaluation of the human and the school is one of the necessary Institution to start this discussion. We realize a field research based on an interview, with asks overt questions about the topic approached as a research instrument. The interviews were answered by two teachers from Sao Paulo’s municipal schools. For the research to be performed, we used a questionnaire pertinent to the subject in question. It was found that educators don’t have significant differences in their opinions, and try individually actions that contribute to a more just and egalitarian society, even with the interference of an excluding society.

Keywords: Gender. School. Stereotypes.

2. INTRODUÇÃO

O tema “Questão de gênero na escola e a influência da sociedade” surgiu da observação cotidiana do grupo dentro das escolas, e na importância da discussão de gênero dentro da sociedade.

A sociedade determina estereótipos de gênero, e a criança é fruto desse meio. Cabe à escola dispor de ambientes e profissionais que possibilitem a prática de valores de igualdade e respeito entre pessoas de sexos diferentes e permita que a criança conviva com todas as possibilidades relacionadas ao papel do homem e da mulher.

O trabalho decorre da necessidade de se discutir as relações no ambiente escolar, e em que medida o papel do professor se torna imprescindível na mediação da integração escola x família x sociedade na desconstrução de estereótipos. De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil Formação Pessoal e Social (BRASIL, 1998, p.41):

Para que seja incorporada pelas crianças, a atitude de aceitação do outro em suas diferenças e particularidades precisa estar presente nos atos e atitudes dos adultos com quem convivem da instituição. Começando pelas diferenças de temperamento, de habilidades e conhecimentos, até as diferenças de gênero, de etnia e de credo religioso, o respeito a essa diversidade deve permear as relações cotidianas.

Ao nascer, as crianças possuem papel determinado na sociedade. Meninas estão relacionadas à delicadeza do rosa e dos esportes menos “invasivos”. Meninos estão ligados ao azul e aos esportes agressivos. Do já exposto surgiram as seguintes perguntas:

  • Por que existem diferenças e competições de gênero no espaço escolar?

  • Qual a influência da sociedade nas questões de gênero?

  • Qual o papel do educador no tratamento da questão de gênero?

  • Como são vistas as relações sociais na escola?

Acreditamos que gênero é a percepção sobre as diferenças sexuais, e a sociedade hierarquiza essas diferenças quando relaciona o feminino à fragilidade e

submissão, e o masculino à força e autonomia. Quando essa questão é tratada dentro do ambiente escolar, essa dualidade se intensifica - reflexo da sociedade e da família, pois o padrão pré-estabelecido formado chega à escola na cabeça das crianças.

Sendo assim, o objetivo geral desta pesquisa é compreender o papel do educador na formação da identidade de gênero, assim como, entender como os estereótipos impostos pela sociedade interferem nas relações escolares e sociais.Os objetivos específicos são:

  • Identificar as diferenças e possíveis competições por gênero.

  • Entender qual a influência da sociedade nas questões de gênero.

  • Analisar as relações sociais no ambiente escolar.

Para atingir aos objetivos propostos, no segundo capítulo abordaremos a cultura da infância desde o século XIII, onde se começou a falar sobre a fragilidade da infância, época em que era ignorada, crianças eram meros seres biológicos sem estatuto social ou autonomia. Abordaremos também a institucionalização da infância com a criação das escolas de massas, da interferência da família no processo moral da criança e a escola enquanto grupo social.

No capítulo três, abordaremos as relações sociais na escola, trataremos as ações influenciadas por meio das interações sociais e da reprodução de princípios da sociedade e dos adultos.

No quarto capítulo, falaremos da influência da sociedade nos gêneros, analisando o desenvolvimento humano no âmbito das desigualdades nas relações entre sujeitos com características biológicas diferentes. Como a desigualdade de gênero começou o papel da mulher na divisão sexual do trabalho e o papel do educador nas questões de gênero.

No quinto capítulo, trataremos dos procedimentos de pesquisa, sendo utilizado um questionário para duas professoras de escolas diferentes, caracterizadas no capítulo.

No capítulo seis, encontraremos os procedimentos de análise, onde comparamos as entrevistas para obter similaridades e diferenças entre as respostas.

No capítulo sete, concluiremos nosso entendimento acerca do assunto abordado.

3. A CULTURA DA INFÂNCIA

A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII (ARIÈS, 1981, p.65).

Nesta época é que se começou a falar da fragilidade e debilidade da infância. Antes, a infância era ignorada, considerada um período superado e sem importância. Essa importância dada ao lado desprezível da infância tenha sido talvez uma consequência do espírito clássico e de sua insistência na razão, mais acima de tudo foi uma reação contra a importância que a criança adquiriu dentro da família e dentro do sentimento da família (ARIÈS, 1981).

Os hábitos de vestuário da infância foram adotados no final do século XVI até o fim do século XVIII, esses hábitos diferenciavam o traje das crianças dos trajes dos adultos, revelando uma nova preocupação, desconhecida da Idade Média, isolar as crianças e de separá-las por meio de uma espécie de uniforme (ARIÈS, 1981).

Na Idade Média, a escola e o colégio misturavam as diferentes idades, é muito raro encontrar nos textos medievais referências sobre a idade dos alunos, não existia esta indiferença em relação a idade, era comum encontrar adultos e crianças no mesmo auditório. A escola não tinha acomodações amplas, podendo ser em uma esquina de rua ou em uma sala alugada, havia uma independência das escolas umas das outras. Muitas vezes, forrava-se o chão com palha, e posteriormente passou-se a usar bancos o que era para eles um novo hábito, a escola não cerceava o aluno, era um só mestre, algumas vezes com auxiliar em uma única sala, sendo o mestre a única autoridade (ARIÈS, 1981).

Ao ingressar na escola, a criança entrava no mundo dos adultos, como Ariès (1981) afirma:

Essa confusão tão inocente, que passava despercebida, era um dos traços mais característicos da antiga sociedade, e também um de seus traços mais persistentes, na medida em que correspondia a algo enraizado na vida. Ela sobreviveria a várias mudanças de estrutura [...] sua resistência aos outros fatores de transformação mental mostra-nos bem que estamos na presença de uma atitude fundamental diante da vida, que foi familiar a uma longa sucessão de gerações.” (ARIÈS,1981, p. 168).

A inserção da criança na escola junto a adultos se dava desta forma porque na Idade Média a ideia de idade não tinha a mesma conotação que hoje. Afinal, “Mas como poderia alguém sentir a mistura das idades quando se era tão indiferente à própria idéia de idade?” (ARIÈS, 1981, p.168). A forma de ver a criança como um ser humano com singularidades e particularidades específicas começa a se desenvolver com o fim da Idade Média.

As crianças, todas as crianças, transportam o peso da sociedade que os adultos lhes legam, mas fazem-no com a leveza da renovação e no sentido de que tudo é possível. (SARMENTO, 2004).

Para Wallon (1975, p.15): “É em todas as suas fases, em todas as suas manifestações, que é preciso estudar as crianças. O seu conhecimento exige a colaboração de todos aqueles que por qualquer razão estão em contato com ela”.

Durante muito tempo, as crianças eram vistas como meros seres biológicos, sem estatuto social ou autonomia. Assim, sempre existiram crianças, seres biológicos de geração jovem, porém a infância nem sempre existiu (SARMENTO, 2004).

No momento certo, se revela a atividade da criança por meio de instrumentos que lhe são fornecidos, podendo ser por utensílios materiais ou como a linguagem usada à sua volta. A criança é moldada e desta prática se origina a reflexão, que libertará as noções que se edificam na representação das coisas. As estruturas da vida técnica ou social modificam as inaptidões e as necessidades de ações impostas pelo meio (WALLON, 1975).

A obra mais fundamental na sociedade é a escola para a educação das crianças. Psicólogos e educadores se preocupavam com o desenvolvimento intelectual da criança, levando em conta que a soma de conhecimento predomina sobre a educação, e seguindo neste aspecto, os pedagogos interessavam-se em estudar as capacidades intelectuais inseparáveis à infância (WALLON, 1975).

O erro da educação na sociedade moderna fundamentou-se em desprezar as primeiras fases e impor antes do tempo, à criança, os modos de pensar e agir, posteriormente a dos adultos. Alguns regimes políticos substituíram esse erro de método pelo erro de intenção grave para a integridade do indivíduo, denunciando as consequências que provocam prejuízos da inteligência e que afirmam a necessidade de subordinar àquilo que existe de mais primitivo. No primeiro plano, o homem traz o

seu biológico, o sangue, a raça e posteriormente um sistema de reflexão, que se edifica e não serão mais debatidos (WALLON, 1975).

Na família há transformações estruturais crescentes, essas transformações ocorrem no aumento da monoparentalidade e na precocidade da maternidade, principalmente em países como o Brasil. Essas transformações na estrutura familiar deixam visível o caráter mítico de algumas teses no senso comum, que mostram o núcleo familiar como o espaço aproblemático e natural de proteção e promoção do desenvolvimento das crianças (SARMENTO, 2004).

Segundo Wallon (1975, p. 12) “O elo vital que existe entre os métodos ou os fins da educação e o regime da sociedade foi reconhecido logo no início por aqueles que hoje tentam transformar as suas bases”.

Um dos fatores decisivos da realização da institucionalização da infância foi a criação de instâncias públicas de socialização, principalmente por meio da institucionalização e da expansão da escola pública como escola de massa. Portanto, a escola está associada à construção social da infância. Agora separados, adultos e crianças durante uma parte do dia, uma separação formal e protegida pelo Estado e com deveres e exigências de aprendizagem, que são modos de uma inculcação de uma epistemologia, referente à cultura escolar, de um saber homogeneizado, referente a ciência normal, da ética, a ética do esforço, e de uma disciplina mental corporal (FOUCAULT, 1993 apud SARMENTO, 2004).

A identidade da infância está primeiramente no seu estatuto quanto aos direitos sociais. As crianças não têm a capacidade jurídica de decisão autônoma, elas precisam de proteção, e o poder paternal tem uma responsabilidade social para com esta criança. Existem fatores sociais que condicionam imensamente as suas formas de existência, por exemplo, a criança mais pobre, do que em qualquer outro grupo geracional, a escola com a obrigatoriedade da frequência. O sistema econômico investe e constrói essa identidade, com seus produtos destinados às crianças. “A identidade das crianças é também a identidade cultural, isto é, a capacidade das crianças constituírem culturas não redutíveis totalmente às culturas dos adultos” (SARMENTO, 2004, p.20).

Com a diversidade da qualidade de pessoas e de coisas, o mundo da criança está em contato com realidades diferentes, assim com valores e estratégias que auxiliam na formação de sua identidade pessoal e social. Sendo de suma importância a participação da família, das relações escolares, as relações de pares,

relações comunitárias e atividades sociais, que exercem, seja na escola, ou em tarefas familiares. Nos espaços comuns, as crianças compartilham saberes, uma com as outras (SARMENTO, 2004).

Assim, Sarmento (2004, p. 23) ressalta: “A cultura de pares permite às crianças apropriar, reinventar e reproduzir o mundo que as rodeia”.

Por meio da rotina, a convivência de pares elimina os medos da significação das fantasias e cenas do dia-a-dia e tem por finalidade saber lidar com experiências negativas. Essa importância se faz necessária para a compreensão de mundo e de evolução da criança (SARMENTO, 2004).

Quanto às culturas da infância, Sarmento (2004, p. 24) ressalta que:

Seria desajustado compreender as culturas da infância desligadas da interação com o mundo dos adultos. Esta interação não apenas é contínua e produtora de formas de controlo dos adultos sobre as crianças, como se expressa na utilização pelos adultos de meios de configuração dos mundos específicos da criança, a partir dos elementos característicos das culturas infantis. Isso é particularmente visível no domínio dos jogos e brinquedos.”

Para Sarmento (2004), um dos elementos fundacionais das culturas da infância é o brincar das crianças, a condição de aprendizagem e também da aprendizagem de sociabilidade. Portanto, o brinquedo acompanha as crianças nas várias fases da construção das suas relações sociais.

É necessário levar em conta a troca de papéis das gerações, devido ao aumento da ocupação do espaço físico doméstico pelos adultos, e a saída das crianças para as várias agências de ocupação e regulação do tempo. Esta inversão de papéis e lugares, os adultos voltando para casa e as crianças saindo, vem junto com a ocupação das crianças, e sem tempo para descobrir os seus limites, nem espaço para descobrir o gosto da liberdade em instituições controladas pelos adultos (SARMENTO, 2004).

Os costumes e ideias não são criados individualmente, e sim em conjunto com as necessidades da sociedade. Assim, o passado da humanidade contribuiu para a educação atual, ou seja, a história deixa marcas assim como os antepassados, porém, o sujeito se faz pela evolução histórica à qual está inserido (DURKHEIN, 1952).

O lugar da criança é, em suma, o lugar das culturas da infância. Mas esse lugar das culturas é continuamente reestruturado pelas condições estruturais que definem as gerações em cada momento histórico concreto (SARMENTO, 2004).

Sobre a caracterização das condições estruturais da infância, Sarmento (2004, p.29) diz:

As instituições que ajudaram a construir a infância moderna sofrem processos de mudança que, por seu turno, promovem a reinstitucionalização da infância. Ela própria, tal como as crianças que reiteram criativamente os seus mundos de vida, é reinventada como se começasse tudo de novo. Porém, não são mais fáceis as suas condições de existência, mas mais complexas; não é maior a autonomia que lhes é atribuída, mas o controle que sobre elas é exercido; não é mais reconhecido o estatuto de atores sociais atribuído às crianças, é mais sutil a recusa às crianças do exercício da cidadania.

Segundo Sarmento (2004), as culturas da infância se constituem na sociedade em que os pequenos estão inseridos, descrevendo assim as características do seu meio, contudo de uma forma particular. Isso possibilita que as diversas manifestações infantis sejam vistas na descrição das suas realidades que, compreendidas no espaço educacional, auxiliam a compreensão das características de cada criança. Ao analisar o tema, o autor destaca quatro eixos estruturadores das culturas da infância: a interatividade, a ludicidade, a fantasia do real e a reiteração. Cada um deles contempla importantes pontos para a compreensão da infância sob a nova perspectiva.

O primeiro eixo, a interatividade, segundo Sarmento (2004), mostra que a criança vive num mundo heterogêneo, no qual ela está em contato com várias e diferentes realidades que permitem a formação de sua identidade pessoal e social. A escola, a igreja, a família, os seus pares e as atividades sociais, entre outras instituições, auxiliam esse processo, bem como a concretização da aprendizagem. Assim, a cultura de pares favorece o compartilhamento dos mesmos espaços e os relacionamentos entre iguais.

A ludicidade, como segundo eixo, representa um aspecto essencial das culturas infantis, sendo a natureza interativa do brincar um de seus primeiros componentes. O autor salienta que “o brinquedo e o brincar são também um fator fundamental na recriação do mundo e na produção das fantasias infantis” (SARMENTO, 2004, p. 26).

Em relação ao terceiro eixo, a fantasia do real, Sarmento (2004) mostra que pela imaginação é que a criança atribui significado às coisas e constrói sua visão de mundo. É por meio dela, também, que adquire uma capacidade de resistência diante das situações indesejáveis, dolorosas e inusitadas. Entretanto, para o autor, esta expressão — “faz de conta” — é algo inapropriado para referir o modo específico como as crianças transpõem o real imediato e o reconstroem criativamente pelo imaginário, seja importando situações e personagens fantasistas para seu quotidiano, seja interpretando de modo fantasista os eventos e situações que ocorrem. Na verdade, a dicotomia realidade-fantasia é demasiado frágil para denotar o processo de imbricação entre dois universos de referência, que nas culturas infantis efetivamente se encontram associados. Poderemos de resto, justamente, interrogar-nos sobre se essa imbricação não ocorre também no mundo dos adultos, isto é, o “real” não é, afinal, o efeito da segmentação, da transposição e da recriação feitas no ato de interpretação de acontecimentos e situações.

Como quarto eixo, o autor aponta a reiteração, destacando que o tempo da criança é sempre provido de novas possibilidades, capaz de ser repetido e reiniciado a qualquer momento. Isso pode ocorrer tanto no plano sincrônico, no qual rotinas e situações são recriadas, como no plano diacrônico, por meio da transmissão de jogos, brincadeiras e rituais “das crianças mais velhas para as crianças mais novas, de modo continuado e incessante, permitindo que seja toda a infância que se reinventa e recria, começando tudo de novo” (SARMENTO, 2004, p. 29).

Quanto à interferência da família na infância, Ariès (1981) conclui:

A família moderna retirou da vida comum não apenas as crianças, mas uma grande parte do tempo e da preocupação dos adultos. Ela correspondeu a uma necessidade de intimidade, e também de identidade: os membros da família se unem pelo sentimento, o costume e o gênero de vida. As promiscuidades impostas pela antiga sociabilidade lhes repugnam. Compreende-se que essa ascendência moral da família tenha sido originalmente um fenômeno burguês: a alta nobreza e o povo, situados nas duas extremidades da escala social, conservaram por mais tempo as boas maneiras tradicionais, e permaneceram indiferentes à multidão. Existe, portanto uma relação entre o sentimento da família e o sentimento de classe (ARIÈS, 1981, p. 278).

A sociedade moderna traz consigo muitas transformações e essas transformações vão influenciar as relações familiares.

“Estas transformações consistem nas diferenças de classes sociais entre nobres e camponeses dentro da estrutura familiar, que será a base fundamental para uma nova forma de sociedade em ascensão, isto é, a burguesia e o proletariado.” (GUERRA; ROMEIRA, 2010, p. 3).

Este legado influenciou a estrutura familiar no Brasil que era constituída por pai, mãe e filhos, ou seja, uma concepção de família tradicional em que estavam agregados união matrimonial e afetiva, valores morais, religiosos, culturais e sociais sem espaço para mudanças sócio-afetivas ou pluralismo familiar.

4. RELAÇÕES SOCIAIS NA ESCOLA

A escola é uma das esferas sociais por onde transitam conceitos, valores, crenças, relações, etc. Desde tenra idade os indivíduos estabelecem relações sociais entre seus pares. Sarmento (2004) apresenta que:

[...] as interações sociais são processos de relação, comunicação e identificação que não só permitem a negociação das definições da realidade de cada indivíduo como facilitam a criação de entendimentos comuns acerca do significado e sentido de símbolos e ações e a sua aceitação mútua por forma a tornar bem sucedida a ação cooperativa (SARMENTO, 2004, p.60).

As ações das crianças desde a Educação Infantil, segundo Sarmento (2004) só constituem acontecimentos sociais por meio das interações sociais. Isto é, as ações isoladas não têm significado por si só. É necessário que o indivíduo interaja com o outro completando ou modificando sua ação ou ainda agindo conjuntamente e segue:

Instituindo um nexo entre o mundo adulto e o mundo infantil, o processo de reprodução interpretativa do mundo social adulto está no cerne do desdobramento do processo de construção social de lugar(es) comum (uns) pelas crianças [...] (SARMENTO, 2004, p.60).

As crianças imitam o mundo adulto mesmo desconhecendo a atribuição de valor dada a determinadas ações, profissões, posição social, etc. Elas reproduzem papéis sociais desde muito novinhas por meio de suas brincadeiras. E tal reprodução acontece naturalmente sem ensaios porque, assim como, os adultos são membros da sociedade vigente.

As crianças também “[...] contribuem recíproca e ativamente para a produção e mudança social e cultural do mundo adulto.” (SARMENTO, 2004, p.60). Segundo Sarmento (2004), ao participar das interações sociais as crianças se apropriam de forma seletiva reflexiva e crítica do mundo adulto. E como isso acontece? Nas brincadeiras quando estão representando papéis, como por exemplo, o papai, a mamãe, o filhinho, o chefe, o médico, etc. Quando vivencia esse jogo simbólico a criança pode ser quem ela quiser e quem ela tem como referência, seja por meio dos meios de comunicação, pela família ou outra instituição.

Ao interpretar o mundo de acordo com seus interesses as crianças realizam negociações que têm significado e intenções (SARMENTO, 2004). E essas negociações e intenções não têm significado sozinhas. Ou seja, como já foi mencionado ações isoladas não têm significado por si só. As intenções e negociações são realizadas em conjunto, com seus pares.

Melhor se compreendem assim as crianças como produtoras ativas dos seus mundos de crianças, ou seja, como capazes de elaborar uma ordem social infantil que é uma visão intersubjetiva do mundo e o modo de estar no mundo, construídos social e culturalmente nas interações, relações sociais e dinâmicas de sociabilidade próprias do contexto do JI. (SARMENTO, 2004, p.61). 1

Cabe lembrar que a elaboração social infantil tem como releitura a ordem e relações sociais do universo adulto. Por isso, elas se apropriam da interação social da vida adulta utilizando-os como conhecimento e critérios para validar a organização criada por elas.

É pertinente dizer que os valores e costumes da vida adulta passam a ser interiorizado pelo grupo infantil. Que os transforma em verdadeiros patrimônios. É por meio destes que os grupos de pares são construídos.

Na verdade, quando se refere às culturas de pares das crianças, o que imediatamente se associa àquela categoria social – crianças- é o fato de se tratar de uma realidade humana primeiramente definida pela especificidade dos seus atributos biopsicológicos, os quais, conjugados na abstração de uma idade, vêm a ser passíveis de anexação com outras idades julgadas afins formando grupos etários. São estes grupos etários, cuja reunião se fundamenta nas semelhanças atribuídas, que, partilhando uma mesma idade social e institucional, são unitariamente definidos como grupos de pares [...]. (SARMENTO, 2004, p.68-69).

As singularidades de cada criança (gênero, posição social, entre outras) são neutralizadas como se todas as diferenças e processos sociais fossem direito de todos. No entanto, é sabido, e naturalizado, que há existência de uma hierarquia no grupo. Por meio da observação das crianças durante o jogo simbólico é possível analisar como ocorre a hierarquização dos grupos sociais representados, isto é, o local que cada criança ocupa nessa interpretação inocente das relações sociais. Nesse sentido:

Trata-se, afinal, de retomar os processos de socialização que ocorrem entre crianças para compreender os modos como elas procedem a categorizações que instauram novas desigualdades: i) enquanto comunidade cultural onde mutuamente se identificam como crianças, se pensam a si e aos outros e subscrevem ações e valores tornados patrimônio coletivo; e ii) enquanto grupo social,diferenciando-se em tipos mais particularistas, elas próprias entre si (SARMENTO, 2004, p.70-71).

As crianças desde a Educação Infantil utilizam como critério para escolha de seus pares traços acentuados e semelhantes dos sujeitos como idade e gênero. De acordo com Sarmento (2004, p. 71), é na diversidade que a criança se reconhece enquanto grupo e identifica pelo olhar o que lhe é diferente. Com a intervenção da professora (ou professor) as crianças são capazes de se reconhecerem globalmente como semelhantes, indo além das diferenças, pois enquanto crianças compartilham da mesma identidade “ser e agir como crianças”. Ao reproduzir o mundo adulto as crianças reproduzem também:

[...] os princípios dominantes de classificação do mundo adulto [...] com legendas dicotômicas – pequenos/as ou grandes, velhos/as ou novos/as, altos/as ou baixos/as, bonitos/as ou feios/as - como lhe associam os estereótipos (negativos) e tipos ideais, premiando ainda os diferentes saberes com desiguais poderes (SARMENTO, 2004, p.71).

É por meio dos princípios adultos que as crianças fazem as suas escolhas – quando escolhe o amiguinho com quem vai brincar, por exemplo, porque se identificam mais com este do que por aquele. Neste momento o corpo, segundo Sarmento (2004, p. 71), pode ser um facilitador recíproco que confirmará se a criança será aceita ou impedida de participar na cultura e no grupo de pares.

No entanto, as diferenças entre as crianças serão manifestadas nas práticas sociais que estas estarão envolvidas em seu cotidiano (SARMENTO, 2004). Os fatores econômicos e culturais também estarão impressos nessas práticas por meio de produtos destinados à infância como roupas, brinquedos, doces, etc.

E é aí, portanto, ao nível da ação social e na consistência possível entre aquilo que se mostra e o que é capaz de fazer, entre aquilo que se vê fazer, que são acionados processos de aceitação, negociação, transformação ou repúdio de estereótipos culturais e sociais particulares. Estes, confirmando ou infirmando as crianças em experiências e estilo de vida, gostos e interesses, aparências e comportamentos, mais ou menos “vizinhos” ou mais ou menos “estrangeiros”, podem interferir na constituição de padrões de interação e relação de maior ou menor proximidade, estabilidade com umas e com outras, e, ainda, intervir desigualmente no sucesso das suas iniciativas para procurar outros que não sempre os mesmos, propor-lhes atividades, interpretar a sua linguagem e ações [...] dar corpo aos seus interesses e proteger os seus próprios direitos, ou para ser procurado pelos outros. (SARMENTO, 2004, p.72-73).

Com base na citação acima fica claro que as relações sociais são levadas à escola pelas próprias crianças que reproduzindo o mundo adulto por meio de jogos simbólicos, nas decisões sobre as regras das brincadeiras, na relação com o outro, manifestam-se de acordo com o que interiorizaram do meio em que convivem. Resumidamente pode-se dizer que são nas negociações, que ocorrem durante as brincadeiras, nos jogos simbólicos e na interação com o outro, que as crianças manifestam sua posição social forjada que trazem do universo adulto.

Na Educação Infantil quando as crianças começam a conviver juntas desde tenra idade, manifestando seus gostos, saberes, preferências, etc., estão sendo preparadas para adentrar a mais uma instituição social, ou melhor, estão participando de mais uma instituição rumo a uma nova organização de mundo, agora, o mundo das crianças.

Por meio das semelhanças, identificações e socioafetividade as crianças vão construindo relações de amizades de acordo com “[...] gênero, idade, a classe social e por referência aos contextos das situações [...]” (SARMENTO, 2004, p.77).

Desde pequena, a criança percebe que a amizade é importante, pois relacionar-se para o ser humano é primordial. Está certo que as relações de amizades iniciais podem ser construídas pela intuição, mas mesmo assim, está contida nesta intuição uma atração relacionada às impressões físicas ou semelhantes daquelas que a criança tem contato.

4.1. A escola enquanto grupo social

A escola é uma instituição que faz parte de uma das esferas sociais de convívio mútuo entre os indivíduos. Na escola estão contidas todas as relações que dela se derivam enquanto grupo social (CANDIDO, 1973). “Isto vale dizer que, ao lado das relações oficialmente previstas [...] há outras que escapam à sua previsão, pois nascem da própria dinâmica do grupo social escolar.”(CANDIDO, 1973, p.107).

Cada escola tem suas características especificas de acordo com sua localização, ou seja, o entorno contribui para que as escolas tenham dinâmicas diferentes. Bem como, cada escola tem sua “clientela” e um trabalho desenvolvido para atendê-la. Isto é, na atualidade, as escolas precisam atender às necessidades singulares do público que a frequenta, de acordo com a sociabilidade de cada uma.

Caso, porém, seja capaz de aprender a realidade total da escola, o educador poderá analisar de maneira adequada a realidade de cada escola, que não lhe aparecerá mais como “estabelecimento de ensino” a ser enquadrado nas normas racionais da Legislação escolar, mas como algo autônomo, vivo no que tem de próprio e por assim dizer único: que requer portanto ajustamento correspondente destas normas, visto como possui outras que devem ser levadas em conta (ANTÔNIO CANDIDO, 1956 apud PEREIRA; FORACCHI, 1973, p.108).

O que foi exposto acima é uma análise sociológica do papel do educador na década de 70, ultrapassando o tempo da constituição da análise, visto que aborda a compreensão do educador sobre as características próprias de cada escola no contexto amplo. Ou seja, dentre o papel que a escola tem a desempenhar num contexto geral, cada escola tem também ações a desenvolver dentro de um contexto singular.

A escola é um grupo social, como já foi exposto, que depende da interação dos seus atores (alunos, professores, gestores, família, e demais funcionários). Cada escola, enquanto grupo social, tem certa autonomia, sendo similar a outras escolas, mas diferentes de outros grupos sociais (ANTÔNIO CANDIDO, 1956 apud PEREIRA; FORACCHI, 1973). Isso quer dizer que os papéis desempenhados pelos diferentes atores deste grupo social dificilmente serão incorporados por outros grupos sociais. Todavia, as escolas conduzem-se por normas de outros grupos sociais (religiosos, de classe, político, etc.), como segue:

[...] no caso do Brasil, ajustadas necessariamente às normas básicas ditadas pelo Poder Público. São, pois, o que Znanieckichama “grupos institucionalizados”, isto é, o que “são essencialmente produto da cooperação dos seus próprios membros, mas cujas funções coletivas, e posições, são parcialmente institucionalizadas por outros grupos sociais”. (ANTÔNIO CANDIDO, 1956 apud PEREIRA; FORACCHI, 1973, p.108).

É estabelecido para escola normas de diferentes grupos sociais (principalmente daqueles que exercem maior influência social) e dentre essas normas é que se estabelecem as relações sociais nesta instituição. No entanto, tendo a escola autonomia e reconhecendo a diferenciação interna e o meio em que está localizada ela pode desenvolver normas e valores internamente. Na atualidade a escola pode desenvolver tal autonomia, visto que outrora a escola estava mais limitada à estrutura social externa.

Faz-se necessário analisar sociologicamente a escola, pois “[...] é preciso adquirir noção adequada não apenas dos aspectos psicológicos do problema, mas do seu significado sociológico” (CANDIDO, 1973, p. 110). Não cabe apenas estudar a sociabilidade é preciso entender as especificidades desta, ou seja, a sociabilidade dos alunos (criança e adolescente) perante os adultos. É preciso dar atenção “[...] aos tipos de agrupamento por eles desenvolvidos; ao mecanismo de seleção dos líderes; dos conflitos com os padrões sociais impostos pela educação, etc” (CANDIDO, 1973, p. 110).

É necessário entender a dinâmica da sociedade e como a escola enquanto grupo social tem lidado com esta. Em seus estudos Candido (1973) tratam dos diferentes aspectos da sociabilidade do educando segundo estudos da Psicologia Social e da Sociologia. Segundo os autores após se ter conhecimento a respeito da sociabilidade da infância e da adolescência pode se partir para uma análise da escola enquanto agrupamento social. Dentre as formas de agrupamento, as que mais têm ligação com a presente pesquisa são: as formas de agrupamento por idade, por sexo e status. Deve-se levar em consideração que a análise de Pereira e Foracchi se deu na década e 70, ou seja, algumas concepções mudaram com o tempo, com a sociedade e as reivindicações dos atores sociais. Quanto ao agrupamento por idade:

Há na escola uma divisão, desde logo verificável, entre o grupo adulto dos educadores [...], de um lado, e educando, de outro. A idade, fator biológico, adquire aqui como noutros grupos significado social, ao funcionar como critério de organização. (CANDIDO, 1973, p. 112).

Neste caso o professor é tido como uma figura de respeito que mesmo exercendo a função ainda jovem o professor é considerado maduro. Pois, a sua idade é uma idade simbólica, em vista da sua experiência cultural que na época representava um padrão dominante na comunidade. Enquanto o aluno, de acordo com a sociabilidade, é tido como imaturo. De acordo com as idades ocorrerão fenômenos de comportamento levando a escola a realizar divisões de acordo com a faixa etária. Este fator ocorre até hoje, pois a escola é dividida de acordo com a faixa etária das crianças (Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio). Quanto aos grupos de sexo:

Assim como a idade, o sexo adquire um aspecto nitidamente social na medida em que dá lugar a tipos de agrupamento e organização entre os homens. Também os conceitos relativos a ele variam segundo a cultura e o estádio cultural. Sob esse ponto de vista deve-se assinalar que o nosso tempo tem presenciado um fato único em toda a história, a saber: o fim da especialização sexual no que se refere à educação, e particularmente, à instrução. Até este século (não citemos as sociedades primitivas), a instrução dos homens e mulheres preparava-os de modos tão diferentes para papéis sociais tão diversos, que se diriam duas espécies humanas postas em presença. A tendência moderna de unificação dos tipos de ensino encaminhou necessariamente à co-educação, dando lugar a que os dois sexos convivessem na mesma escola, trazendo para a organização desta o reflexo dos seus problemas (CANDIDO, 1973, p. 112).

Meninos e meninas passam a compartilhar da mesma escola e da mesma instrução. Findando-se assim, as escolas destinadas às meninas e as escolas destinadas aos meninos. As meninas agora podiam ter acesso às aprendizagens que não fossem destinadas apenas a desempenhar papéis femininos na fase adulta. Neste período no Brasil, pode-se dizer que o movimento feminista está vivenciando seu apogeu. E sendo a escola uma intuição social não está imune aos acontecimentos e mudanças da sociedade. De acordo com Candido (1973, p. 114) “[...] O período escolar coincide com a revolução biológica que transforma não apenas o nosso corpo, mas, sobretudo o nosso espírito e a nossa sociabilidade.”

A convivência entre os sexos opostos na mesma escola trouxe alguns estranhamentos no sentido da supervalorização do próprio sexo em que o educando desejava integrar-se. (CANDIDO, 1973, p. 114). Algumas vezes, os educandos rejeitavam o sexo oposto a fim de manter-se firme em suas relações de amizades e distanciar possíveis atrações pelo sexo oposto. A competição entre o sexo oposto, bem como, os conflitos que já existiam fora da escola passam a fazer parte do contexto escolar, assim como, tantas outras questões.

Mesmo tendo se passado algumas décadas o estranhamento entre os sexos opostos ainda ocorre. As mulheres continuam lutando por seus direitos e a sociedade persiste em manter certos valores sócio-culturais em que imputa lugares sociais diferentes para cada gênero.

Quanto aos grupos de status: “O processo de estratificação se manifesta na escola pelo aparecimento de diferentes status, que dispõem em níveis diversos os membros da sua população” (CANDIDO, 1973, p. 117). Mais uma vez fica nítido que as ocorrências na sociedade vão influenciar suas esferas. O que significa que a escola faz parte de todo o processo de mudança social (melhor ou pior).

As conquistas em prol de equiparação social, o combate ao preconceito, as visões distorcidas sobre a relação de gêneros, o preconceito racial camuflado, enfim, todo esse arcabouço das relações humanas deságua na escola.

A escola deixou de representar o papel de instituição disciplinadora e castradora, mas continua exercendo o papel de reprodutora da ordem vigente. Ou seja, esta instituição foi adequando-se às exigências governamentais que por sua vez incluíram em sua pauta reivindicações que se tornaram políticas públicas.

No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer no diz respeito às relações sociais. No que se refere às diferenças de gênero, por exemplo, pode-se dizer que as desigualdades entre homens e mulheres ainda continuam acontecendo uma vez que os papéis sociais construídos a partir da identidade de gênero ainda estão associados ao prestígio e sabedoria masculina versus sensibilidade e submissão feminina. Na escola a situação não é diferente. Muitas vezes as meninas são excluídas da participação de atividades em que estejam envolvidos controle e decisão. E esse tipo de exclusão passa despercebida porque já está solidificada socialmente como se fosse algo natural ao gênero feminino.

Uma situação semelhante ocorre com os alunos que apresentam comportamentos destoantes relacionados ao gênero. Ou seja, alunos (seres humanos) que se interessam por pessoas do mesmo sexo - relação homoafetiva, geralmente são estigmatizados pelos colegas explicitamente ou em segredo pelos professores, que nem sempre conseguem lidar com esse tipo de natureza. Esse tipo de comportamento ocorre porque sofremos influência do meio em que vivemos, porque carregamos tipos de comportamentos que nos foram passados como normal, como certos, como únicos ao longo do nosso desenvolvimento humano. E todo comportamento que nos é estranho (mesmo ignorando fatos históricos da presença da homossexualidade em tempos remotos) temos tendência a menosprezá-lo. Conclui-se que a questão sexual é determinada cultural e socialmente, é um fato histórico determinante, conservador e heteronormalizante.

O mesmo ocorre com a discriminação racial, pois tem-se uma grande concentração de afrodescendentes no Brasil, no entanto, ainda estamos caminhando para uma educação e ações governamentais positivas quanto às relações étnico-raciais. Os negros não são representados, assim como, buscam

espaço desde a época em que foram trazidos para o Brasil para servirem como escravos. Em uma sociedade que negros e afrodescendentes são predominantes, contudo é comandada pelos brancos fica difícil discutir o conceito: igualdade.

Não se tem a intenção de aqui separar as etnias, salientar a soberania de uma determinada raça ou fazer apologia a discriminação branca. Pretende-se, neste momento, apenas apresentar que as minorias têm vozes, direitos, liberdade, dignidade e identidade. E que as minorias não são exatamente “as minorias. São colocadas como tal porque não há ainda lugar na sociedade para expressão e participação social desses grupos sem intermédios legais. No entanto, a sociedade está mudando, mesmo a passos lentos, desta forma, não podemos negar que há preconceitos embutidos em muitas ações. Cabe;

[...] não fazer vista grossa para as tensas relações étnico-raciais que “naturalmente” integram o dia-a-dia de homens e mulheres brasileiros; admitir, tomar conhecimento de que a sociedade brasileira projeta-se como branca; ficar atento (a) para não reduzir a diversidade étnico-racial da população a questões de ordem economico-social e cultural; desconstruir a equivocada crença de que vivemos numa democracia racial. E, para ter sucesso em tal empreendimento, há que ter presente as tramas tecidas na história do ocidente que constituíram a sociedade excludente, racista, discriminatória em que vivemos e que muitos insistem em conservar. (SILVA, 2007, p.492-493).

De acordo com Silva (2007), o Brasil sempre foi formado por grupos étnico-raciais diversos desde os povos indígenas que apresentavam línguas, cerimônias, e organização social diferentes até a invasão européia que, posteriormente, trouxe de forma compulsiva os povos africanos para serem escravos. No entanto, os diferentes grupos étnico-raciais até hoje não são aceitos como pertencentes a esta nação.

Discussões sobre os negros e afrodescendentes, indígenas, relação de gêneros, homossexualidade, entre outras, precisam ser abordadas na escola por mais que sejam discussões polêmicas. A escola desempenha papel social e precisa aprender a lidar com as diferentes relações sociais porque no atual contexto histórico os diferentes grupos étnicos, as ditas minorias estão ganhando força e voz.

Ações discriminatórias não podem mais passar despercebidas, mesmo que estejam cravadas na sociedade brasileira é necessário dar o primeiro passo. E ainda:

O desconhecimento das experiências de ser, viver, pensar e realizar de índios, de descendentes de africanos, de europeus, de asiáticos, faz com que ensinemos como se vivêssemos numa sociedade monocultural. Isto nos torna incapazes de corrigir a ilusão da democracia racial, de vencer determinações de sistema mundo centrado em cosmovisão representativa de uma única raiz étnico-racial. Impede-nos de ter acesso a conhecimentos de diferentes origens étnico-raciais, e ficamos ensinando um elenco de conteúdos tido como o mais perfeito e completo que a humanidade já teria produzido. Tornamo-nos incapazes de perceber as vozes e imagens ausentes dos currículos escolares: empobrecidos, mulheres, afro-descendentes, africanos, indígenas, idosos, homossexuais, deficientes, entre outros. (SILVA, 2007, p.499).

As dificuldades que os professores têm em dialogar sobre os povos africanos, talvez se encontre no desconhecimento cultural, econômico e social destes povos. Visto que somos herdeiros de um ensino que coloca como modelo o conhecimento dos europeus. Ou seja, para nós é comum os conhecimentos que os europeus produziram, mas ignoramos que outros povos também produziram conhecimento e têm experiências como os povos que vieram para o Brasil.

A discriminação não ocorre apenas quando maltratam-se as pessoas com palavras ou expressões vexatórias, mas também quando se recusam a aceitar o direito que o outro tem mesmo que a opção, o jeito, a escolha, dele não faça parte da escolha aceita socialmente.

A escola precisa ir além dos estereótipos, desconstruir o preconceito camuflado que existe na nossa sociedade, colocar em xeque a normatividade que oprime os povos, que condena os gêneros, a cultura da desvalorização étnico-racial, não apagar a história dos povos que pertenceram e pertencem à formação da nação brasileira.

5. INFLUÊNCIA DA SOCIEDADE NOS GÊNEROS

Analisando o desenvolvimento humano por meio de dados históricos notam-se as desigualdades das relações entre os sujeitos visto que a construção social é determinada pelas características biológicas (LOURO, 2003). Ou seja, as características sexuais são representadas de forma diferentes de acordo com a construção social. E tal construção faz parte do processo histórico.

Os sujeitos são influenciados desde os verdes anos por representações de gêneros que vão moldar arranjos sociais. E “[...] é no âmbito das relações sociais que se constroem os gêneros” (LOURO, 2003, p.22). De acordo com Louro (2003), homens e mulheres se identificam na sociedade como masculinos e femininos assumindo identidades de gênero. No entanto, o processo de construção dessas identidades não é estável, ao contrário, apresenta significativa instabilidade uma vez que estão se transformando dialeticamente. E ainda:

Em suas relações sociais, atravessadas por diferentes discursos, símbolos, representações e práticas, os sujeitos vão se construindo como masculinos e femininos, arranjando e desarranjando seus lugares sociais, suas disposições, suas formas de ser e de estar no mundo(LOURO, 2003, p.28).

Tais construções são passageiras, modificando-se junto às histórias pessoais tais quais as identidades sexuais, de etnia, etc. A sociedade vai mudando e as formas como os sujeitos se relacionam vão assumindo outras configurações. Cabe dizer que as relações de gênero transcorrem todos os campos, por isso, o gênero precisa ser analisado para que se possa compreender a construção social da desigualdade de gênero.

5.1. Como a desigualdade de gênero começou

A educação das crianças é guiada pelo conhecimento, pelos costumes, tradição, cultura, etnia, entre outros, e pela relação de gênero definida socialmente que os pais seguem e passam para elas. Os adultos educam as crianças com marcações bem pontuais quanto ao que é de menino e o que pertence à menina.

A educação diferenciada dá bola e caminhãozinho para os meninos e fogãozinho para as meninas, exige formas diferentes de vestir, conta estórias em que os papéis dos personagens homens e mulheres são sempre muito diferentes (SÃO PAULO, 2003, p.29)

Educados desta forma as crianças vão assumindo papéis com características específicas sobre o que é de menino e o que é de menina. Ou seja, as crianças são induzidas a assumirem papéis que posteriormente ocuparão lugares específicos na sociedade. Os papéis femininos, por exemplo, são diferentes dos papéis masculinos, pois são desvalorizados e submissos. O que leva à verificação da desigualdade entre homens e mulheres.

Compreender essa construção social, não significa desconsiderar que ela se dá em corpos sexuados. Compreendemos que há uma estreita imbricação entre o social e o biológico. [...] Assim, mulheres e homens imprimem no corpo, gestos, posturas, e disposições, as relações de poder vividas partir das relações de gênero (SÃO PAULO, 2003, p.30).

A desigualdade entre homens e mulheres é uma construção social e não biológica, isto é, tal desigualdade não é determinada pelas diferenças biológicas e sim pela construção social e as relações que nela se desenvolvem.

Das mulheres esperam-se papéis mais dóceis e bons e quando tais papéis são postos a prova os modelos são desconstruídos acarretando culpas e depreciações a estas.

A partir da consolidação do capitalismo, existe a ideia de que ocorre uma divisão entre esferas pública e privada, sendo que a esfera privada é considerada como o lugar próprio das mulheres, do doméstico, da subjetividade, do cuidado. A esfera pública é considerada como o espaço dos homens, dos iguais, da liberdade, do direito. (SÃO PAULO, 2003, p.30).

O papel da mulher nessa perspectiva é cuidar dos filhos, zelar pela família, e ser feliz nessa posição (enfadonha) que lhe cabe na sociedade. Em contrapartida, o papel do homem é do provedor, aquele que suprirá as necessidades básicas da família, da representação do forte, do racional. Cabe ressaltar que trabalhar fora de casa não era exatamente uma tarefa apenas masculina. Na atualidade, por exemplo, muitas mulheres trabalham fora de casa exercendo variadas funções.

As mulheres negras [...] sempre trabalharam fora de casa, primeiro como escrava, e depois na prestação de serviços domésticos ou como vendedoras ambulantes por muitos espaços públicos. Para as mulheres camponesas, o que é chamado de cuidar da casa esconde o trabalho na roça, a produção de artesanato, o cultivo da horta e a criação de animais, trabalhos que produzem mercadorias, cuja venda contribui para o sustento da família. (SÃO PAULO, 2003, p.30).

Hoje em dia, muitas mulheres, além de trabalhar fora, dividem as despesas da casa, isso quando não são responsáveis pelo sustento familiar. Analisando a divisão sexual do trabalho, pode-se afirmar que o homem fica com o trabalho produtivo enquanto a mulher fica incumbida da reprodução que consiste em fazer o núcleo familiar funcionar bem, cuidando de todos, criando os filhos e cuidando da casa. Mas não é uma regra inquebrável, e sim uma condição social tão enraizada que se apresenta como natural.

O trabalho feminino concentra-se em atividades caracteristicamente femininas “[...] como o serviço doméstico, professoras, enfermeiras, assistentes sociais” (SÃO PAULO, 2003, p. 31).

Apesar de na atualidade as mulheres ocuparem diferentes cargos e terem conquistado respeito por meio de muitas lutas em prol de seus direitos e dignidade, ainda enfrentam diferenças salariais, cargos inferiores só porque são mulheres, assédio, entre outros.

Na análise mencionada a pouco, neste estudo, as atividades produtivas femininas são limitadas, visto que são atividades voltadas exclusivamente às mulheres. Por exemplo, a escolha pelo magistério (lecionar para o Ensino Fundamental) está próxima da relação criança/mãe. Ou seja, a melhor pessoa para ensinar as “primeiras letras”2seria a mulher, seguindo a mesma linha de raciocínio, pois essa ação lembra a relação do filho com sua mãe, o cuidado, a instrução, e o direcionamento fazem parte da responsabilidade feminina.

Na indústria, as mulheres são embaladoras, montadoras e costureiras, funções que exigem habilidade manual, coordenação motora fina, paciência. As habilidades para exercer essas profissões foram sendo desenvolvidas no processo de educação das meninas: brincando de casinha, cuidando dos irmãos, bordando, ajudando a mãe no trabalho doméstico (SÃO PAULO, 2003, p. 31).

Como já exposto anteriormente, as atividades produtivas exercidas pelas mulheres estavam (e de certa forma ainda continuam) voltadas às habilidades exclusivamente femininas. No entanto, cabe lembrar, para que as mulheres desenvolvam determinadas atividades precisam ser treinadas para aprenderem. Afinal, no útero materno não há possibilidade de selecionar quais aptidões a criança poderá ter após o nascimento.

A pesquisadora Maria Inês Paulilo, comparando as etapas do trabalho agrícola na cana-de-açúcar, em diferentes regiões do Nordeste, pôde perceber uma diferença significativa. Carpir, no sertão nordestino, era uma tarefa dos homens e era considerada um trabalho pesado. Carpir, no Brejo Paraibano, era tarefa das mulheres e era considerado trabalho leve. Como se vê, no cultivo da cana o que caracterizava um trabalho como leve ou pesado não era a força física necessária para executá-lo, mas o valor social de quem o fazia (SÃO PAULO, 2003, p. 32).

Essa comparação é absurda visto que se baseia na diferença de sexo para averiguar qual tarefa era mais pesada. Contudo, a desigualdade de gênero não se encerra por aí. As atividades desenvolvidas pelas mulheres são vistas sempre como segunda opção. O que significa que estão sempre complementando suas responsabilidades do lar. Como se a mulher viesse com conhecimento nato sobre filhos, casa, limpeza, etc. E é compartilhando tal linha de raciocínio que a negatividade relacionada à atividade produtiva permanece enraizada na sociedade.

[...] os serviços públicos não se organizam para assegurar às mulheres condições de trabalhar fora. Não existem serviços de apoio, como creches, abrigos para idosos, lavanderias coletivas. Os postos de saúde e as escolas têm horários restritos, como se todas as mães estivessem o tempo todo em casa, à disposição da família, prontas para levar crianças e outras pessoas à escola e ao médico somente nesses horários (SÃO PAULO, 2003, p. 32).

Infelizmente, as opções por atividades/ cargos que possibilitem flexibilidade para cumprir com tais responsabilidades impostas como femininas estão presentes ainda na atualidade. O que contribui e configura expressiva desigualdade na distribuição dos recursos sociais. “Segundo a ONU, as mulheres executam 2/3 dos salários e são proprietárias de 1% dos bens imóveis. Dos quase 1,3 bilhão de miseráveis do mundo, 70% são mulheres” (SÃO PAULO, 2003, p. 32). No Brasil a situação não é diferente as mulheres ainda ganham menos que os homens, assim como, as mulheres negras ganham, em média, menos que as mulheres brancas.

A mulher é podada até na sua sexualidade. Tem vivido sua sexualidade conforme os padrões sociais. Ora sendo a esposa fiel, honesta e dedicada, ora sendo ousada e indesejável socialmente.

Para os homens, a idéia de virilidade é sinônimo de muitas relações sexuais, de preferência com muitas mulheres diferentes. As mulheres, ao contrário, devem viver a sexualidade em função da reprodução, negando o prazer. A repressão à sexualidade feminina em boa parte se dá pelo desconhecimento do corpo e pela imposição de regras rígidas do que significa ser uma mulher “honesta” (SÃO PAULO, 2003, p. 32).

Ainda na atualidade, apesar de a mulher não mais viver sua sexualidade em função somente do casamento ainda não a vivencia em sua plenitude. No entanto, quando se fala em sexualidade não se está fazendo alusão à quantidade de parceiros sexuais, tampouco a uma disputa entre homens e mulheres e respectivas quantidades de coito. Mas, ao direito de sentir prazer independente das categorias impostas socialmente. Todavia, cabe lembrar que o prazer para homens e mulheres não pode aniquilar o valor humano, pois corpos não são mercadorias descartáveis.

Assim como a sexualidade masculina é aceita socialmente como natural, as relações heterossexuais são consideradas como a forma adequada de se viver a sexualidade. “Desta forma, a homossexualidade a bissexualidade são consideradas como desvios e, historicamente, há a tentativa da ciência de provar que estas outras orientações não são “normais” e que ocorrem por algum problema biológico [...]” (SÃO PAULO, 2003, p. 34).

As crianças desde pequenas são influenciadas a aceitar a heterossexualidade como via única de uma relação adulta. Desde os contos de fadas, da separação das brincadeiras de meninos e meninas as crianças são influenciadas pelos padrões de família e relações de gênero que se estabelecem na sociedade. No entanto,

[...] não se deve imaginar um mundo dividido entre o discurso admitido e o discurso excluído, ou entre o discurso dominante e o dominado; mas, ao contrário, como uma multiplicidade de elementos discursivos que podem entrar em estratégias diferentes (FOUCAULT, 1998, p.96 apud LOURO, 2003, p. 42).

São nas relações que as identidades de gênero e identidades sexuais são construídas. De acordo com Louro (2003) as variadas formas de sexualidade e de gênero se afetam, pois convivem juntas no mesmo arcabouço social.

“Em nossa sociedade, devido à hegemonia branca, masculina, heterossexual e cristã, têm sido nomeados e nomeadas como diferentes aqueles e aquelas que não compartilham desses atributos” (LOURO, 2003, p. 50). Cabem algumas dúvidas: se os sujeitos se constituem em variadas identidades como indicar uma identidade universal? Será que há uma identidade matriz? Como normalizar as identidades de forma a abranger a todos? Ou talvez, a intenção seja não envolver todos nesse processo forçando aquele que é gauche a se encaixar no esquema estabelecido socialmente, caso contrário a exclusão seria a alternativa mais viável, além de ser vista como algo natural.

5.2. O papel da mulher da divisão sexual do trabalho

Com a absorção das mulheres pela indústria para executarem diferentes funções fica a dúvida: qual o papel da mulher neste mundo masculino? Como já foi dito anteriormente a vida produtiva feminina não tinha a mesma importância e reconhecimento social quanto à vida produtiva masculina. As mulheres ao integrarem o universo fabril eram aproveitadas em extensas jornadas de trabalho no ramo têxtil. Mas também tinham ocupações “[...] o serviço doméstico [sempre presente na vida feminina], o emprego agrícola, domiciliar e fabril, com destaque para a costura”(GUIRALDELLI, 2012, p. 709).

No Brasil, segundo Guiraldelli (2012, p. 709), a absorção da mão-de-obra feminina destacou-se nos setores de alimentação, tecelagem, fiação, mas também com destaque na área de costura. E ainda:

Adotar o trabalho feminino em alguns ramos industriais era conveniente, em decorrência da concepção de serem as mulheres mais dóceis, pacientes, menos reivindicativas, além do pagamento de salários inferiores, por significar um rendimento complementar ao orçamento familiar. Diante das necessidades produtivas e do impulso industrial brasileiro, no início do século XX, o segmento feminino passou a incorporar o conjunto de trabalhadores/as fabris e urbanos [...](GUIRALDELLI, 2012, p. 709-710).

É nesse cenário em que a mulher trabalha nas fábricas e deixa o lar em segundo plano, que outrora era sua principal responsabilidade, que surgem os movimentos operários em defesa do retorno da mulher ao lar. “Com isso, a mobilização do movimento operário, na época, contribuiu significativamente para assegurar a divisão sexual do trabalho, pautada em assimetrias e hierarquizações” (GUIRALDELLI, 2012, p. 710).

Ou seja, mais uma vez as tarefas domésticas aparecem como intrínsecas à mulher. Percebe-se claramente a divisão sexual do trabalho nesse episódio. E assim, fica posta a diferença entre homens e mulheres, bem como a diferenciação salarial, status masculino, desvalorização do trabalho feminino, etc.

Mesmo com todas as mudanças ocorridas com o passar dos anos, culturais, sociais, políticas, entre outras, e com maior instrução (as mulheres começaram a aumentar o nível de escolaridade) a remuneração feminina continuou inferior a remuneração masculina. Continua explicando que:

[...] alguns aspectos justificam a significativa inserção da mão de obra feminina no espaço da produção, devido à pressão econômica e à geração de novas necessidades e desejos, que estimularam o consumo em um quadro de empobrecimento dos/as trabalhadores/as, que passaram a arcar com despesas como as políticas de educação e saúde, frente ao sucateamento e insuficiência dos serviços sociais públicos sob a chancela do Estado neoliberal. (GUIRALDELLI, 2012, p. 709-710).

As questões econômicas também contribuíram para que as mulheres aceitassem trabalhos precários e salários muito menores. No entanto, ao mesmo tempo em que tinha mulheres trabalhando em condições precárias sem a menor condição de crescimento profissional, também tinha as mulheres com formação acadêmica se destacando.

Sob esse prisma, Hirata (2002, p. 148) atesta que ocorreu uma bipolarização no mundo do trabalho, no findar do século XX, tanto nos países europeus desenvolvidos, quanto, por exemplo, no Brasil, envolvendo as mulheres; pois, de um lado, se observam profissionais altamente qualificadas, que ingressam em postos de trabalho com salários relativamente bons – como as médicas, advogadas, professoras, engenheiras, arquitetas, dentre outras, que correspondem, em média, a 10% do contingente das trabalhadoras; e, no outro extremo, trabalhadoras com baixa qualificação, menores rendimentos e ocupando posições na esfera produtiva sem reconhecimento, status e prestígio social. Portanto, formou-se um conjunto de trabalhadoras com perfis extremamente opostos: de um lado as executivas e intelectuais, de outro as subcontratadas, temporárias e sazonais, que vivem e sobrevivem em condições precárias, degradantes e incertas no cenário das sucessivas transformações societárias que se expressam na reestruturação produtiva, caracterizada pela flexibilização das relações de trabalho que provoca consequências danosas ao conjunto da população em face da precarização do trabalho [...] (GUIRALDELLI, 2012, p. 711-712).

É foi por meio de subcontratações que empresas tiraram (e ainda tiram) vantagens sobre essa forma de trabalho informal mal remunerada que destacou-se pelo trabalho em domicílio. Esse tipo de trabalho reproduz as desigualdades das relações de gênero (GUIRALDELLI, 2012).

Tomando como parâmetro o universo da confecção, cabe sublinhar que o mercado de trabalho nesse setor é nitidamente sexuado, estruturado na divisão sexual, pois a predominância feminina é notória e abrange todas as funções, desde a modelista até a costureira. Nesse ramo de produção, o último elo da cadeia produtiva é a trabalhadora domiciliar, que realiza suas atividades na própria residência e presta serviços às empresas que contratam seus serviços. [...].(GUIRALDELLI, 2012, p. 712).

Essa configuração do universo da confecção permanece nos dias atuais. De acordo com Guiraldelli (2012), o trabalho domiciliar não é recente, pois desde a Revolução Industrial o trabalho domiciliar ganhou nova aparência. Antes da Revolução Industrial era desenvolvido pela família, após a revolução e a separação da família (o homem passa a trabalhar nas fábricas) passa a ser executado pelas mulheres. Infelizmente esse tipo de trabalho não é vantajoso para quem o executa tornando-se clandestino e invisível.

Esse quadro pode ser verificado na realidade brasileira diante de alguns estudos realizados nas últimas décadas, em que se constatam os processos de terceirização na produção do calçado, como acontece no Rio Grande do Sul, em especial no Vale dos Sinos e na cidade de Franca, no interior do Estado de São Paulo (GUIRALDELLI, 2012, p. 713).

As trabalhadoras domésticas trabalham excessivamente, são mal remuneradas e têm que dar conta de uma grande quantidade de peças. Sem mencionar que trabalhando em casa, elas não têm representatividade sindical, ficando fragilizadas.

Assim, o trabalho a domicílio passa a ser o lócus de confinamento das mulheres, sob os caracteres da insegurança no trabalho, do desprestígio, do isolamento e da segregação ocupacional expressa nas relações de gênero. Isso resulta em dificuldades no que tange à mobilidade social do sujeito feminino e reforça as assimetrias ocupacionais e salariais entre homens e mulheres (GUIRALDELLI, 2012, p. 713).

Enquanto as ocupações femininas ganham ênfase nas tarefas domiciliares mal remuneradas, os homens têm mais garantia nas ocupações em postos de maior qualificação. Todavia, a insegurança devido ao quadro de desemprego causa medo aos trabalhadores, visto que:

[...]a precarização das formas de contratação, que contribuem para engendrar um sentimento de impotência, de fragilização, instabilidade, segmentação do coletivo, descrenças, insatisfações e medo nos trabalhadores, tendo em vista a dificuldade de manutenção nos postos de trabalho e a necessidade da garantia de sobrevivência daqueles que vivem e sobrevivem da venda da força de trabalho (GUIRALDELLI, 2012, p. 714).

Com a progressão mundial do desemprego, os trabalhadores assalariados sentem-se inseguros e impotentes diante da situação, uma vez que para garantir o sustento da família tem como exclusividade vender sua força de trabalho ao mercado, em troca de salário para ter acesso aos bens de consumo duráveis e não duráveis. Mas, no que se refere ao desemprego, as mulheres também são as mais prejudicadas, visto que se comparadas ao percentual de desemprego masculino representam número expressivo acentuando a diferença de gêneros no mercado de trabalho “[...] na contemporaneidade, em que se apregoa, por meio de mecanismos ideológicos, a concepção falaciosa de que vivemos em uma sociedade igualitária, sem distinção e discriminação de classe, gênero, raça/etnia, credo e sexo” (GUIRALDELLI, 2012, p.714).

Segundo Guiraldelli (2012), na atualidade o público feminino tem sido absorvido no mercado de trabalho. No entanto, essa realidade não condiz com afirmações positivas sobre uma sociedade democrática e justa.

O que se constata é o contrário, pois as formas de discriminação e preconceito, tanto no espaço público/produtivo, quanto no espaço privado/reprodutivo permanecem contribuindo para a manutenção de formas segregacionistas, a persistência das desigualdades de gênero e a divisão sexual do trabalho (GUIRALDELLI, 2012, p. 714).

No entanto, é inegável a incorporação da mão de obra feminina ao mercado de trabalho. Assim como, é notória a participação feminina em atividades que outrora eram destinadas apenas ao público masculino.

É importante abrir um parêntese para esse período, pois, além do ingresso significativo das mulheres no mundo do trabalho, ocorreu também a organização política e sindical desse segmento populacional, passando estas a terem uma participação mais efetiva nas lutas coletivas (GUIRALDELLI, 2012, p.714).

Essas lutas tiveram como objetivos: igualdades salariais, garantias sociais, reivindicações quanto à dupla (muitas vezes tripla) jornada de trabalho, etc. As mulheres vão ganhando voz entrando no cenário nacional como pessoas políticas dignas de reconhecimento social.

Cabe ressaltar que as mulheres ocuparam, principalmente, os espaços de trabalho mais precarizados e, mesmo nos espaços da produção, não abandonaram suas atividades no âmbito da reprodução, ou seja, mantiveram suas tarefas domésticas de cuidado do lar e dos filhos, reforçando a divisão sexual do trabalho, entendida como construto social e presente nas relações sociais estabelecidas entre homens e mulheres a fim de garantir interesses e poder(GUIRALDELLI, 2012, p.716).

Com a diferença das qualificações de trabalho de acordo com a divisão social e sexual de trabalho homens e mulheres ocupam funções/ cargos diferentes de acordo com a capacidade masculina e a fragilidade feminina “[...] é o caso da siderurgia e metalurgia, enquanto as mulheres ocupam setores como o têxtil, o comércio, dentre outros marcados pela informalidade e terceirização (GUIRALDELLI, 2012, p.716).

Até mesmo nas indústrias de confecção em que a presença feminina é majoritária, as atividades destinadas aos homens dizem respeito à força, enquanto as mulheres ficam com a responsabilidade de costurar por se considerada uma tarefa leve e fácil. Esse tipo de reforço dos espaços que cada gênero deve ocupar associado à força física e habilidades específicas, contribui para consolidar a hierarquização das relações de gênero. E ainda:

Nesse aspecto, Hirata e Kergoat (2007, p. 596) argumentam que a divisão sexual do trabalho se aplica nos estudos sobre a distribuição diferenciada das ocupações e profissões de homens e mulheres no mundo do trabalho e também no trabalho doméstico. Com isso, o que se verifica são desigualdades e assimetrias sistemáticas nas relações sociais entre os sexos que criam o sistema de gênero. (GUIRALDELLI, 2012, p.717).

É nesse sentido que as autoras reiteram que surgem a hierarquia dos trabalhos masculinos e femininos. Em que o homem se destaca por desenvolver atividades mais importantes (mesmo que braçais) e as mulheres por executarem tarefas destinadas à sua feminilidade. Dado o exposto, não se pode desconsiderar a divisão sexual do trabalho como referência da compreensão das transformações da sociedade.

5.3. O papel do educador nas questões de gênero

Enquanto a escola continuar representando as estruturas de poder de um sexo sobre o outro as reivindicações em prol de uma equiparação sexista continuará latente. No entanto, de forma enfadonha e insuperável, visto que não haverá o apoio necessário para que a desigualdade entre homens e mulheres/ meninos e meninas seja sanada. Por que será que é tão difícil romper com este paradigma?

Porque há muitos anos esse modelo binário existe e vem sendo mantido porque representa poder. As ações pedagógicas lutam contra os preconceitos de gênero, mas em contrapartida reafirma-os quando em suas ações não percebe o caráter “neutro” do sexo, o reforço dado aos meninos nas atividades voltadas ao raciocínio, nas atividades decorativas destinadas às meninas. Os professores por sua vez reafirmam o preconceito de gênero quando não percebem ou ignoram tais ações, como segue:

O ambiente escolar pode reproduzir imagens negativas e preconceituosas, por exemplo, quando professores relacionam o rendimento de suas alunas ao esforço e ao bom comportamento, ou quando as tratam apenas como esforçadas e quase nunca como potencialmente brilhantes, capazes de ousadia e lideranças (AQUINO, 1998, p. 102-103).

A desigualdade de gênero na sala de aula é tão explícita que se anula tornando-se algo inexistente e naturalizado. As meninas continuam sendo enquadradas em atividades manuais que reforçam a antiga idéia da maternidade, cuidado com o lar, família, etc. Os meninos continuam representando o poder, liderança e inteligência. E continua:

O mesmo ocorre com os alunos quando estes não correspondem a um modelo masculino predeterminado. Essa situação pode ser ampliada para professores e professoras. Daqueles se espera um comportamento mais energético, fruto da qualificação positiva atribuída à relação entre masculinidade/agressividade; já as professoras são tidas como afetivas e ternas, e quando expressam agressividade são taxadas de pouco femininas ou com problemas hormonais. (AQUINO, 1998, p. 103).

Não existe apenas a desigualdade entre o sexo masculino e feminino, existe também a desigualdade de tratamento dos padrões de comportamento esperados e aceitos socialmente por homens e mulheres. Quando seus intérpretes não correspondem aos seus devidos papéis pagam um alto preço por serem diferentes, seja nas atitudes ou na escolha sexual. Ao mesmo tempo em que a escola reproduz preconceitos e estereótipos ela também produz “[...] resistências, novos valores e atitude. [...] A escola não só recria em seu interior preconceitos de gênero como também prepara as garotas/ mulheres para posições mais competitivas no mercado de trabalho, bem como estimula garotos/ homens para assumirem funções de provedores de cuidado (ROSEMBERG, 1997 apud AQUINO, 1998, p. 103).

Segundo Aquino (1998) é diante dessa relação contraditória que a escola ora se apresenta como vilã ora como agente social de transformação. Urge a necessidade da ressignificação dos valores masculinos e femininos das relações escolares caminharem juntas em prol da superação das desigualdades e subordinação de gênero.

Dessa maneira, as práticas educativas ‘poderiam ser questionadas de um modo novo, possivelmente mais subversivo. Talvez assim fôssemos mais capazes de descobrir relações até então não percebidas ou rever processos ‘generificados’ [...] de produção de sujeitos’ (LOURO, 1995, p. 127 apud AQUINO, 1998, p. 104).

É imprescindível refletir sobre algumas ações realizadas na escola para que se exercite o não preconceito de gênero durante as atividades escolares. Por exemplo: Será que é necessário escolher os brinquedos de acordo com o sexo da criança? Os meninos jamais podem brincar de bonecas? E as meninas nunca podem brincar com os brinquedos destinados aos meninos? Meninos e meninas podem brincar juntos? As aptidões dos alunos correspondem aos gêneros? Existem realmente aptidões masculinas e femininas? Por que os meninos são aceitos como “naturalmente” agitados? Qual o problema quando a menina prefere brincadeiras mais agressivas (aquelas típicas dos meninos)? As meninas não podem ser agressivas? Existem problemas se o menino der preferência a brinquedos e brincadeiras tipicamente femininos? Esse “desvio” de comportamento é preocupante? Por quê?

Currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagens, materiais didáticos, processos de avaliação, são, seguramente, loci das diferenças de gênero, sexualidade, etnia, classe - são constituídos por essas distinções e, ao mesmo tempo, seus produtores(LOURO, 2003, p. 64).

Essas posições precisam ser questionadas a fim de não normalizar o que já está posto como preconceito, tratamento desigual, desnecessário, vexatório, machista, etc. De acordo com Louro (2003) é necessário se perceber enquanto professor/a. É importante identificar quais palavras expressadas transmitem ideia de sexismo, racismo, etnocentrismo. É imprescindível questionar o que se é ensinado, tal qual, o modo como se ensina, desmistificando aprendizagens sólidas e verdades tidas como absolutas.

6. PROCEDIMENTOS DE PESQUISA

Para a coleta de dados do presente trabalho, utilizamos a entrevista, com perguntas diretas sobre o tema abordado como instrumento de pesquisa.

As entrevistas foram respondidas por dois professores da rede municipal de ensino de São Paulo e a escolha das instituições se deu pelo fato do contato já existente com a direção da escola.

Para que esta pesquisa fosse realizada, utilizamos um questionário pertinente ao tema em questão. Perguntas vastas para que o questionado se sentisse à vontade para responder livre e abertamente.

6.1. A Entrevista

A entrevista trata-se de uma conversa entre uma ou mais pessoas, com uma determinada finalidade, podendo ser utilizada por diversos meios.

É importante que haja a imparcialidade da parte do entrevistador, para que a pesquisa não seja comprometida.

A impositividade evocada antes desaparece e o interrogado acha simplesmente um espaço para emitir sua opinião. Tem assim a ocasião para exprimir seu pensamento pessoal, traduzi-lo com suas próprias palavras, conforme seu próprio sistema de referencias (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 186).

Para Laville e Dione (1999), a preocupação com neutralidade é um traço fundamental do trabalho do pesquisador, como segue:

Assim, não contentes de escolher minuciosamente a amostra dos interrogados para garantir sua representatividade, eles se dedicam do mesmo modo a formular as perguntas de maneira a dirigir o menos possível as respostas das pessoas interrogadas (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 188).

O questionário, se bem feito e explorado o suficiente, o estudo-piloto geralmente, mostra um meio importante de economizar tempo e esforço, ajudando assim a evitar hipóteses errôneas e insignificantes (GOODE; HATT, 1973).

O questionário deve ser construído, com base nos procedimentos, ou seja, nenhuma quantidade de pensamento, não importa quão lógica seja a mente e a compreensão, podendo ser substituída por uma verificação baseada na experiência (GOODE; HATT, 1973).

Consultar, sondar ou examinar é a ação necessária para que um conjunto de pessoas possam compartilhar suas ideias, por caminhos adequados de forma a representar sua opinião expondo seu conceito (LAVILLE; DIONE, 1999).

Por meio de perguntas cria-se hipótese sobre o tema escolhido, o questionário divide-se em dois grupos, sendo opção de resposta e resposta de opinião e assim destina-se ao informante de forma a ser respondida e devolvida (LAVILLE; DIONE,1999).

É necessário ter uma forma adequada às necessidades da pesquisa para se alcançar o controle adequado do registro. É importante existir um grande espaço reservado para as respostas, se são do tipo aberto. As questões mesmo com respostas breves devem ser espaçadas. Frequentemente o questionário ou formulário é anônimo, mas o registro é necessário para acompanhar o progresso do formulário através dos muitos processos da pesquisa (GOODE; HATT, 1973).

Segundo Laville e Dione (1999, p.190): “[...] pouco importa a técnica ou o instrumento utilizado, a coleta de testemunhos, abordagem própria das ciências humanas, exige que o pesquisador dirija-se a pessoas que querem responder às perguntas, que têm a competência para fazê-lo e que o fazem com honestidade.”.

Os instrumentos usados, questionário ou entrevista, serão amiúde fortemente estruturados, encerrando o participante em opções de respostas previstas antecipadamente (LAVILLE; DIONE, 1999).

Sobre o questionário, Laville e Dione (1999, p.186) afirmam: “[...] compõe-se de questões cuja formulação e ordem são uniformizadas, mas apara as quais não se oferece opções de respostas [...]”.

O questionário padronizado tem como objeto, alcançar de maneira rápida e ao mesmo tempo o maior número de pessoas para que possam responder sem o auxílio de um entrevistador (LAVILLE; DIONE, 1999).

6.2. Caracterização das escolas

Serão caracterizadas duas escolas da rede municipal de ensino do município de São Paulo, localizadas na periferia da zona sul, denominadas escola 1 e escola 2.

6.2.1. Caracterização da escola 1

A EMEF pertence à rede municipal de ensino e está localizada na zona urbana. Atua nas modalidades de ensino fundamental I, II e EJA. A escola dispõe de salas administrativas (secretaria, sala da direção, coordenação, almoxarifado e sala dos professores).

Quanto à estrutura física, é uma escola de grande porte, as salas são amplas, com carteiras e cadeiras apropriadas e quadro verde. Existem várias dependências para realização de atividades tais como: quadra esportiva coberta e descoberta para prática de educação física, laboratório de informática com vídeo, biblioteca, cozinha com alguns equipamentos e utensílios necessários. Para o desenvolvimento do trabalho pedagógico a escola disponibiliza datashow, televisores, computadores, internet e acervo bibliográfico.

A clientela atendida pela escola é bastante diversificada. A maioria dos alunos do ensino fundamental é de famílias de baixa renda. A maioria dos alunos mora nos arredores em que a instituição está inserida. Quanto às atitudes em sala de aula, os problemas são comuns como em todas as escolas, problemas de indisciplina, desrespeito entre colegas, desatenção e desinteresse. Para tentar resolver estes problemas, a escola usa de todos os meios que dispõe.

6.2.2. Caracterização da escola 2

A EMEI pertence à rede municipal de ensino e está localizada na zona urbana. Atua na modalidade de ensino infantil. A escola dispõe de salas administrativas (secretaria, sala da direção, coordenação, almoxarifado e sala dos professores).

Sua estrutura física é composta por salas de aula, 1 parque infantil, 1 pátio interno, 1 pátio externo, 12 sanitários para os alunos, 7 sanitários para funcionários,

1 cozinha com despensa, 1 laboratório de informática, 1 copa para atender funcionários e colaboradores terceirizados em horário de descanso/refeições, 1 casa de máquinas, 1 estacionamento, 1 depósito para produtos de limpeza e 1 área de serviço.

A clientela atendida pela escola é de famílias de baixa renda. Atende atualmente 490 alunos, e a maioria mora nos arredores em que a instituição está inserida.

6.3. Questões da entrevista

1 – Qual seu nome e idade?

2 - Qual a sua formação acadêmica?

3 - Qual o tempo de formação?

4 -Em qual faixa etária você atua na educação e há quanto tempo?

5 - Você acredita que a educação infantil pode contribuir para a construção de uma sociedade mais igualitária, no que tange às questões de gênero, com vista a diminuir problemas sociais como a violência de gênero e a homofobia? De que forma?

6 - O que você acredita que se deve fazer se um menino quiser brincar com bonecas e uma menina com tratores e ferramentas?

7 - Você contribui para a promoção da igualdade de gêneros entre seus alunos?

8 - Vivemos em uma sociedade multicultural, e ainda assim presenciamos o preconceito nas questões de gênero, uma “guerra” entre meninos e meninas. Como lidar com situações constrangedoras na escola?

9 – Estimular que as crianças brinquem juntas, sem distinção, sem impor que brinquem com brinquedos ou atividades separadas por gênero – ou ainda permitir que adolescentes transgêneros tenham um ambiente seguro onde sejam respeitados -, é papel do professor?

10 – As questões de gêneros são discutidas pela equipe pedagógica em seus planejamentos?

11 – Trabalhar com igualdade entre os gêneros é simples? Por quê?

12 – Na hora da brincadeira ou outras atividades, há diferenciação no tratamento de meninas e meninos?

13 – Quando há atividades em grupos, como seus alunos escolhem os colegas que participarão do grupo?

14 – Os materiais didáticos estão preparados para trabalhar este tema com as crianças? Ou continuam reproduzindo a desigualdade?

6.4. A entrevista realizada na escola 1, com a professora Silvia

1 – Qual seu nome e idade?

R: Silvia Barbosa de Sá, 47 anos

2 - Qual a sua formação acadêmica?

R: Superior – Pedagogia

Pós Graduação em Psicopegagogia, Cidadania e Diversidade e Arte e Educação

3 - Qual o tempo de formação?

R: 23 anos

4 - Em qual faixa etária você atua na educação e há quanto tempo?

R: Dos 06 aos 60 anos. Trabalho à 28 anos. Fiz magistério com especialização em Educação Infantil. Trabalhei na sala de leitura por 10 anos – do 1º ao 9º ano. Trabalhei 4 anos na EJA (Educação de jovens e adultos). Sou professora de Ensino Fundamental I (1º ao 9º ano).

5 - Você acredita que a educação infantil pode contribuir para a construção de uma sociedade mais igualitária, no que tange às questões de gênero, com vista a diminuir problemas sociais como a violência de gênero e a homofobia? De que forma?

R: Sim, as crianças menores não costumam ser preconceituosas, elas conseguem respeitar as diferenças melhor que os adultos.

Nesta idade dá para trabalhar o respeito com atividades lúdicas.

6 - O que você acredita que se deve fazer se um menino quiser brincar com bonecas e uma menina com tratores e ferramentas?

R: Eu deixo, porque nesta idade a criança está formando a sua personalidade e deve ter a oportunidade de escolhas. E tudo que é muito proibido chama mais a atenção, muitas vezes na adolescência os jovens querem ser e fazer o que lhes foi proibido durante a vida toda.

7 - Você contribui para a promoção da igualdade de gêneros entre seus alunos?

R: Faço o possível, mas na infância as crianças não fazem diferenças entre os colegas, gostam de brincar de meninos contra meninas e se estiverem misturados participam também.

8 - Vivemos em uma sociedade multicultural, e ainda assim presenciamos o preconceito nas questões de gênero, uma “guerra” entre meninos e meninas. Como lidar com situações constrangedoras na escola?

R: Entre os pequenos essa “guerra” é quase imperceptível,mas procuro desenvolver atividades onde o companheirismo e a colaboração prevaleçam, junto meninos e meninas em grupos e situações diferentes.

9 – Estimular que as crianças brinquem juntas, sem distinção, sem impor que brinquem com brinquedos ou atividades separadas por gênero – ou ainda permitir que adolescentes transgêneros tenham um ambiente seguro onde sejam respeitados -, é papel do professor?

R: Sim, o professore tem um papel importante na sala de aula, ele é um modelo para os alunos. Se ele respeitar as diferenças, tratar com naturalidade e propor atividades de colaboração, os alunos na sua maioria seguem o exemplo.

10 – As questões de gêneros são discutidas pela equipe pedagógica em seus planejamentos?

R: Sim, mas de uma maneira geral, não se discute o que fazer na prática, nem é colocado no planejamento atividades deste tema.

11 – Trabalhar com igualdade entre os gêneros é simples? Por quê?

R: Com os alunos menores é mais simples, eles são puros e não tem preconceitos.

Com adolescentes é mais difícil, eles tiram “sarro”, fazem brincadeiras de mal gosto, não respeitam e se sentem fortalecidos no grupo.

12 – Na hora da brincadeira ou outras atividades, há diferenciação no tratamento de meninas e meninos?

R: Não, muitos se misturam, mas sempre há a formação de grupos de meninas e meninos.

13 – Quando há atividades em grupos, como seus alunos escolhem os colegas que participarão do grupo?

R: Geralmente pela amizade.

14 – Os materiais didáticos estão preparados para trabalhar este tema com as crianças? Ou continuam reproduzindo a desigualdade?

R: Em minha opinião, os materiais não trabalham o tema, nem a desigualdade. É papel do professor trabalhar o respeito, a igualdade, as diferenças.

6.5. A entrevista realizada na escola 2, com a professora Maria das Graças

1 – Qual seu nome e idade?

R: Maria das Graças C M Batista, 53 anos

2 - Qual a sua formação acadêmica?

R: Pedagogia e Pós-graduação em Psicopedagogia

3 - Qual o tempo de formação?

R: 20 anos

4 - Em qual faixa etária você atua na educação e há quanto tempo?

R: Educação Infantil, há 6 anos.

5 - Você acredita que a educação infantil pode contribuir para a construção de uma sociedade mais igualitária, no que tange às questões de gênero, com vista a diminuir problemas sociais como a violência de gênero e a homofobia? De que forma?

R: Sim, acredito que a Educação Infantil possa contribuir para que essa construção social seja mais efetiva quando aborda-se o tema com as crianças.

6 - O que você acredita que se deve fazer se um menino quiser brincar com bonecas e uma menina com tratores e ferramentas?

R: Respeitar suas brincadeiras e escolhas.

7 - Você contribui para a promoção da igualdade de gêneros entre seus alunos?

R: Acredito que sim, por meio de conversas e vivências diárias.

8 - Vivemos em uma sociedade multicultural, e ainda assim presenciamos o preconceito nas questões de gênero, uma “guerra” entre meninos e meninas. Como lidar com situações constrangedoras na escola?

R: Conversando sobre os acontecimentos, refletindo e vivenciando situações com as crianças.

9 – Estimular que as crianças brinquem juntas, sem distinção, sem impor que brinquem com brinquedos ou atividades separadas por gênero – ou ainda permitir que adolescentes transgêneros tenham um ambiente seguro onde sejam respeitados -, é papel do professor?

R: Sim, com certeza.

10 – As questões de gêneros são discutidas pela equipe pedagógica em seus planejamentos?

R: São temas tratados em nossas reuniões e formações em nossa unidade escolar.

11 – Trabalhar com igualdade entre os gêneros é simples? Por quê?

R: Sim pois essas questões são colocadas por nós, e não pois somos uma sociedade machista.

12 – Na hora da brincadeira ou outras atividades, há diferenciação no tratamento de meninas e meninos?

R: Não. Cada um brinca com o que quer, e como quer.

13 – Quando há atividades em grupos, como seus alunos escolhem os colegas que participarão do grupo?

R: Na maioria das vezes se dá por afinidade de amizade.

14 – Os materiais didáticos estão preparados para trabalhar este tema com as crianças? Ou continuam reproduzindo a desigualdade?

R: Não, ainda reproduzem a desigualdade.

7. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

A análise das entrevistas foi realizada de forma individual, levando em conta o referencial teórico utilizado no trabalho.

A seguir é realizada a comparação das entrevistas, para se obter similaridades e diferenças entre as respostas das professoras entrevistadas.

7.1. Análise da entrevista da professora Silvia

Referindo-se à contribuição da Educação Infantil para a construção de uma sociedade mais igualitária, a professora Silvia acredita que as crianças menores não costumam ser preconceituosas e conseguem respeitar melhor que o adulto, como consequência, melhora o trabalho com atividades lúdicas. De fato, as singularidades de cada criança são neutralizadas como se as diferenças e processos sociais fossem direito de todos. Porém, é desde a Educação Infantil que as crianças utilizam como critério para escolha de seus pares traços acentuados e semelhantes dos sujeitos, como idade e gênero. De acordo com Sarmento  (2004, p. 71), é na diversidade que a criança se reconhece enquanto grupo e identifica pelo olhar o que lhe é diferente. Com a intervenção da professora (ou professor), as crianças são capazes de se reconhecerem globalmente como semelhantes, indo além das diferenças, pois enquanto crianças compartilham da mesma identidade “ser e agir como crianças”. Segundo Sarmento (2004), a ludicidade representa um aspecto essencial das culturas infantis, sendo a natureza interativa do brincar um de seus primeiros componentes.

Silvia afirma que é papel do professor estimular que as crianças brinquem juntas, sem distinção e sem imposição e permitir que adolescentes transgêneros tenham ambientes seguros e respeitados. Essas posições precisam ser questionadas a fim de não normalizar o que já está posto como preconceito. De acordo com Louro (2003) é necessário se perceber enquanto professor/a. É importante identificar quais palavras expressadas transmitem ideia de sexismo, racismo, etnocentrismo. É imprescindível questionar o que se é ensinado, tal qual, o modo como se ensina, desmistificando aprendizagens sólidas e verdades tidas como absolutas.

Questionada sobre a preferência dos alunos aos escolherem grupos, a professora afirma que, geralmente, são escolhidos pela amizade. Por meio das semelhanças, identificações e socioafetividade as crianças vão construindo relações de amizades de acordo com “[...] gênero, idade, a classe social e por referência aos contextos das situações [...]” (SARMENTO, 2004, p.77).

Desde pequena a criança tem a percepção de que a amizade é importante, pois a relação com outro ser humano é primordial.. As amizades podem ser construídas através da intuição, entretanto também está contida nesta intuição a atração relacionada às impressões físicas.

7.2. Análise da entrevista da professora Maria das Graças

Questionada sobre qual atitude tomar ao ver um menino escolher uma boneca para brincar, ou uma menina escolher ferramentas e tratores, Maria afirma que os professores devem respeitar suas brincadeiras e suas escolhas e vai ao encontro de Sarmento (2004), que diz que um dos elementos funcionais das culturas da infância é o brincar das crianças, a condição de aprendizagem e também da aprendizagem de sociabilidade. Portanto, o brinquedo acompanha as crianças nas várias fases da construção de suas relações sociais.

Sabendo que vivemos em uma sociedade multicultural, a professora foi questionada sobre como lidar com preconceitos e situações constrangedoras, e afirma que lida com conversas sobre determinados acontecimentos, reflexões coletivas e vivências das situações. Discussões sobre relação de gêneros, entre outros temas controversos, precisam ser abordadas na escola por mais que sejam discussões polêmicas. A escola desempenha um papel social importante e precisa aprender a lidar com as diferentes relações sociais. Ações discriminatórias ou vexatórias não podem passar despercebidas, é necessário que a escola dê esse passo. E ainda:

O desconhecimento das experiências de ser, viver, pensar e realizar de índios, de descendentes de africanos, de europeus, de asiáticos, faz com que ensinemos como se vivêssemos numa sociedade monocultural. Isto nos torna incapazes de corrigir a ilusão da democracia racial, de vencer determinações de sistema mundo centrado em cosmovisão representativa de uma única raiz étnico-racial. Impede-nos de ter acesso a conhecimentos de diferentes origens étnico-raciais, e ficamos ensinando um elenco de conteúdos tido como o mais perfeito e completo que a humanidade já teria produzido. Tornamo-nos incapazes de perceber as vozes e imagens ausentes dos currículos escolares: empobrecidos, mulheres, afro-descendentes, africanos, indígenas, idosos, homossexuais, deficientes, entre outros (SILVA, 2007, p.499).

Referindo-se aos materiais didáticos fornecidos pela escola, perguntamos à professora se estão preparados para trabalhar a questão de gênero com as crianças. Ela afirma que não, e que ainda reproduzem a desigualdade. De acordo com Louro (2003), currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagens materiais didáticos, processos de avaliação, são seguramente, loci das diferenças de gênero, sexualidade, etnia, classe - são constituídos por essas distinções e, ao mesmo tempo, seus produtores.

7.3. Comparação dos resultados

De acordo com as análises individuais, as educadoras Silvia e Maria das Graças não tem divergências significantes em suas opiniões e ações referentes ao tema abordado.

Quando perguntadas se a Educação Infantil contribui para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, ambas afirmaram que sim. Quanto à forma, Silvia acredita que trabalhar o respeito com atividades lúdicas é a melhor saída. Já Maria acredita que se deve abordar o tema com as crianças para que a construção social seja mais efetiva.

Questionadas sobre qual atitude tomar ao presenciar um menino brincando de bonecas, ou uma menina brincando com ferramentas e tratores, Silvia afirma que, nesta idade, a criança está em formação de personalidade e deve ter a oportunidade de escolhas. Afirma também que tudo o que é proibido à criança nesta fase, chama a atenção na adolescência. Maria afirma que deve-se respeitar as brincadeiras e as escolhas individuais de seus alunos.

Perguntadas se contribuem para a promoção da igualdade de gênero entre seus alunos, Silvia diz que tenta o possível, pois as crianças não fazem diferença entre colegas e brincam todos juntos. Já Maria afirma que sim, por meio de conversas e vivências diárias.

Ao ser afirmado que vivemos em uma sociedade multicultural e que ainda presenciamos preconceitos nas questões de gênero, perguntamos a cada uma como lidar com situações constrangedoras. Silvia acredita que esse tipo de situação é quase imperceptível, mas que procura desenvolver atividades em que o companheirismo e a colaboração prevaleçam independentes do gênero. Maria afirma que lida com situações contraditórias por meio de conversas, reflexões e vivências das situações.

Questionadas se é papel do professor estimular a brincadeira em conjunto, independente do gênero e permitir que alunos transgêneros tenham um ambiente seguro, Silvia afirma que sim, pois o professor é um modelo para os alunos. Deve-se respeitar as diferenças, tratar com naturalidade e propor atividades de colaboração. Maria apenas afirma que sim, é papel do professor.

Quanto às discussões com a equipe pedagógica, Silvia afirma que o tema é discutido, porém não é colocado em prática e nem colocado no planejamento. Maria afirma que na escola onde leciona, o tema é tratado em reuniões e formações.

Sobre o questionamento referente ao grau de dificuldade de lecionar com igualdade, Silvia acredita que é mais simples trabalhar com os pequenos, pois eles são puros e não tem preconceitos. Já os adolescentes tiram “sarro”, fazem brincadeiras de mal gosto, não respeitam e se sentem fortalecidos no grupo. Já Maria acredita que sim e que não, por conta de dois aspectos fundamentais: Sim, é fácil, pois estas questões são colocadas por nós, adultos. E não, pois vivemos numa sociedade machista.

Quando perguntadas sobre a escolha de grupos, Silvia e Maria afirmam que os alunos escolhem seus colegas pela amizade.

Sobre os materiais didáticos fornecidos aos alunos, ambas concordam que não trabalham o tema e reproduzem a desigualdade. É papel do professor trabalhar o respeito, a igualdade e as diferenças.

8. CONCLUSÃO

Dado os esforços para a elaboração deste trabalho, que tem como tema “Questão de Gênero na escola e a influência da sociedade”, voltamo-nos às questões de gênero, que sofrem influência da sociedade e reflete nos comportamentos dentro do ambiente escolar. Conforme exposto, tentamos esclarecer algumas questões:

  • Por que existem diferenças e competições de gênero no espaço escolar?

  • Qual a influência da sociedade na questão de gênero?

  • Qual o papel do educador no tratamento da questão de gênero?

  • Como são vistas as relações sociais na escola?

A escola é uma esfera social por onde caminham conceitos, valores, crenças, relações, etc. As ações das crianças constituem acontecimentos baseados em suas interações sociais. As crianças imitam o mundo adulto mesmo desconhecendo o significado de suas ações, apenas reproduzem papéis sociais da forma que vivenciam, por meio de brincadeiras e de forma natural. Elas tomam para si a interação social da vida adulta, e a utilizam para validar a organização criada por elas, fazendo com que essa interação seja interiorizada pelo grupo infantil.

Desde a Educação Infantil, as crianças utilizam critérios para a escolha de seus pares ou grupos, traços acentuados e semelhantes dos sujeitos, como idade e gênero, baseado em princípios adultos. Mediante as semelhanças, identificações e socioafetividade, as crianças constroem relações de amizade, e ao mesmo tempo, determinam diferenças e estabelecem competições com o “diferente”. Nenhuma criança nasce com preconceito ou com o desejo de controlar a vida do outro, estes sentimentos são construídos ao longo de sua vida, de acordo com sua vivência e o ambiente que o rodeia.

Características de gênero são representadas de formas diferentes de acordo com o contexto social, e faz parte de todo o processo histórico. Sujeitos são influenciados desde a tenra infância por representações de gênero, que moldam os arranjos sociais. A desigualdade entre homens e mulheres é uma construção social,

não determinada por diferenças biológicas. De mulheres esperam-se atitudes dóceis e maternais, o papel é cuidar dos filhos, zelar pela família e ser feliz dentro dessas imposições. Em compensação, o papel do homem é o do provedor, o que supre as necessidades materiais da família, o forte e o racional. Porém, esta não é uma regra inquebrável, é uma condição social tão enraizada que se coloca como natural. Cabe lembrar que, ao que se refere às atividades determinadas “femininas”, são vistas sempre como segunda opção. A sociedade determina que mulheres representem papéis secundários, que complementem as responsabilidades com o lar e a família. Cabe lembrar que para que mulheres desenvolvam determinadas atividades, é necessário apenas treinamento para o aprendizado, afinal o útero não determina aptidões nas quais a criança obtém ao nascer.

Para que a mudança seja total na consciência de cada um, os indivíduos da sociedade precisam se colocar no lugar do outro. Cabe à experiência de cada pessoa, tentar sentir e ver as situações no lugar do outro para que assim, o preconceito seja eliminado por completo.

Como já exposto, a sociedade influencia as atitudes do sujeito desde a infância. Enquanto a escola reproduz esses pensamentos e atitudes, será difícil romper com esses paradigmas. As ações pedagógicas lutam contra preconceitos, em contrapartida, reitera-os em suas ações quando não percebe a personalidade neutra dos sexos, o auxílio que dá aos meninos nas atividades voltadas ao raciocínio e força física, e nas atividades decorativas e frágeis dadas às meninas.

Por isso, se torna tão delicado o papel da escola na formação de nossas crianças, pois são elas que determinarão os caminhos futuros de nossa sociedade; elas que definirão os passos a serem dados para o progresso.

A desigualdade de gênero na sala de aula é tão clara que se torna algo naturalizado, refletindo explicitamente a sociedade. Meninas continuam enquadradas em atividades manuais que reforçam a ideia da maternidade e delicadeza, e meninos continuam representando poder e inteligência. Os professores reafirmam o preconceito de gênero quando não percebem ou ignoram tais ações. Para lidar com essas situações, os professores devem estar preparados para trabalharem esses conceitos em suas aulas, independente do público alvo. E para isso, os professores precisam se reciclar, se inovar com cursos, palestras e demais ferramentas para que não estacionem em ideias passadas e retrógradas. As pessoas e suas consciências devem ser atualizadas nas novas ideias e novas perspectivas de vidas.

Na pesquisa de campo, percebemos que, apesar de os professores enxergarem a exclusão social por conta de gêneros, tentam das mais variadas formas adaptar seu planejamento mesmo sem o apoio da gestão escolar e da própria sociedade, que determina estereótipos já mencionados.

Confirmando nossa primeira hipótese, constatamos que o gênero não é a percepção sobre as diferenças sexuais, e sim um processo de construção da identidade não estável baseado no âmbito social, visto que

[...] Em suas relações sociais, atravessadas por diferentes discursos, símbolos, representações e práticas, os sujeitos vão se construindo como masculinos e femininos, arranjando e desarranjando seus lugares sociais, suas disposições, suas formas de ser e de estar no mundo (LOURO, 2003, p.28).

Referindo-se ao fato de a sociedade hierarquizar as diferenças de gênero, nossa hipótese se confirma, pois constatamos que a desigualdade entre homens e mulheres é uma construção social e não biológica, conforme segue:

Compreender essa construção social, não significa desconsiderar que ela se dá em corpos sexuados. Compreendemos que há uma estreita imbricação entre o social e o biológico. [...] Assim, mulheres e homens imprimem no corpo, gestos, posturas, e disposições, as relações de poder vividas partir das relações de gênero. (SÃO PAULO, 2003, p.30).

E ainda:

A partir da consolidação do capitalismo, existe a ideia de que ocorre uma divisão entre esferas pública e privada, sendo que a esfera privada é considerada como o lugar próprio das mulheres, do doméstico, da subjetividade, do cuidado. A esfera pública é considerada como o espaço dos homens, dos iguais, da liberdade, do direito (SÃO PAULO, 2003, p.30).

O objetivo geral desta pesquisa foi compreender o papel do educador na formação da identidade de gênero, assim como entender como os estereótipos impostos pela sociedade interferem nas relações escolares e sociais. Nosso objetivo foi alcançado quando identificamos que a escola reproduz estereótipos de gênero quando separam meninas e meninos em filas, quando relaciona meninos à atividades que envolvem autonomia e força, quando relaciona a menina à atividades que remetem à fragilidade e submissão, quando tudo isso é reproduzido nos livros didáticos. É importante que o professor identifique quais palavras expressadas

transmitem ideia de sexismo, racismo, etnocentrismo. É imprescindível questionar o que é ensinado, o modo como se ensina, desmitificando aprendizagens sólidas e verdades absolutas.

Para terminar, temos consciência de que este trabalho não aborda o tema com amplidão devido à sua abrangência, portanto suas respostas não são absolutas. Portanto o deixamos à disposição para que futuros pesquisadores possam se aprofundar.

9. REFERÊNCIAS

AQUINO, J. C., Diferenças e preconceitos na escola. Alternativas teóricas e práticas. 4ºed. São Paulo: Summus Editorial, 1998.

ARIÈS. P. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

BRASIL, Ministério da Educação e do desporto. Secretária de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: formação pessoal e social. Brasília: MEC/SEF, 1998. v. 2. p. 20.

CANDIDO, A., A estrutura da escola. In: PEREIRA, L.; FORACCHI, M. M. (Orgs.). Educação e sociedade. São Paulo: Companhia Nacional, 1973.

CATANI, D. B., et al. Docência memória e gênero. São Paulo:Escrituras, 1997.

DURKHEIN. E. Educação e sociologia. 5. ed. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1952

GOODE, W.J,; HATT, P.K., Métodos de pesquisa social. 4. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973.

GUERRA, Gisele Molina Sapia Almeida; ROMEIRA, Valderês Maria. Violência intrafamiliar contra criança e adolescente: um caso de policia? ETIC-ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, v. 5, n. 5, 2010. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewArticle/2020> Acesso: 01/10/2016.

GUIRALDELLI, R. Adeus à divisão sexual do trabalho? Desigualdade de gênero na cadeia produtiva da confecção. Sociedade e Estado, v. 27, n. 3, p. 709-732, 2012.

LAVILLE, C.; DIONE, J., A construção do saber: Manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Artmed, 1999.

LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação. 6ªed. Petrópolis: Vozes, 2003.

SÃO PAULO. Secretaria do Governo Municipal. Coordenadoria Especial da Mulher. Gênero e educação: caderno para professores. Secretaria Municipal de Educação, 2003.

SARMENTO, M. J. As culturas da infância nas encruzilhadas da segunda modernidade. In: SARMENTO, M. J; CERISARA, A. B. (Orgs.). Crianças e miúdos: Perspectivas sociopedagógicas da infância e educação. Portugal: Edições Asa, 2004, Cap. 1, p. 9-30.

SILVA, P. B., Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil. Educação, v. 30, n. 63, p. 489-506, 2007. Disponível em <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84806306> Acesso em: 08/10/2016.

WALLON, H. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa, 1975.

1 JI significa Jardim de Infância. Trata-se de um estudo de pesquisadores portugueses e brasileiros voltados à criança e a educação com base na ação educativa no jardim de infância (ou Educação Infantil no Brasil).

2 Expressão que faz alusão a Lei de 15 de outubro de 1827 que instituía em todas as cidades e vilas do império brasileiro escolas de primeiras letras. Nessa época as meninas passam a frequentar a escola já que outrora eram ensinadas pela própria mãe ou pela ama.

Por:

ADRIANA MARIA DE SOUSA
CARMEM DE SOUSA MARINHO

DARCI DOMINGAS FONSECA
ELIONAI LIMA DA SILVA
ERICA VALÉRIA BEZERRA DA SILVA LIRA
GISELE SALES FELICIO
MARIA APARECIDA CORDEIRO DA SILVA
MARIA IMACULADA OLIVEIRA
MARIANA SILVA OLIVEIRA
SILVIA CRISTINA OLIVEIRA


Publicado por: Mariana Silva Oliveira

icone de alerta

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.