Música e poesia: A melancolia viniciana

RESUMO

O presente trabalho propõe-se como um novo olhar sobre o poeta Vinícius de Moraes. Percorrendo a história da música e da poesia, origem e evolução, procuraremos considerar qual o significado e a real importância da música e da poesia para Vinícius de Moraes. Outra proposta presente neste trabalho é a observação de quais as influências que Vinícius teve em sua obra e se estas influências são positivas ou não. Um traço marcante na obra de Vinícius de Moraes é o fato de que ela seja carregada de melancolia, este tema será analisado segundo Freud e também, no âmbito literário, utilizando teóricos como Mauricie Blanchot. Por fim, este trabalho, pretende estabelecer um protocolo de leitura para Vinícius de Moraes, poeta que é pouco lido e mal interpretado por muitos.

Palavra chave: Amor, idealização romântica, música, poesia, Vinícius de Moraes.

SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO 09
1 MÚSICA E POESIA: PALAVRAS INICIAIS 10
1.1 A música nas primeiras civilizações 13
1.1.1 Os Sumérios 14
1.1.2 Os hebreus 14
1.1.3 Os egípcios 17
1.1.4 Os gregos e sua contribuição mítica 18
1.2 Poesia 19
1.2.1 Tipos de poesia 22
1.2.2 Poesia para Vinícius de Moraes 24
2 VINÍCIUS DE MORAES EM TRÂNSITO ESTÉTICO 26
2.1 Trovadorismo 26
2.2 Humanismo 27
2.3 Classicismo 29
2.4 Barroco 30
2.5 Arcadismo 32
2.6 Romantismo 33
2.7 Realismo 35
2.8 Parnasianismo 36
2.9 Simbolismo 37
2.10 Por quê Vinícius de Moraes é Modernista? 38
3 O TEMA DA MELANCOLIA EM VINÍCIUS DE MORAES 41
4 O ÚLTIMO ROMÂNTICO 46
CONCLUSÃO 56
REFERÊNCIAS 57
ANEXOS 60

INTRODUÇÃO

O escritor de prazer (e seu leitor), aceita a letra; renunciando a fruição, tem o direito e o poder de dizê-la: a letra é seu prazer; está observado por ela, como o estão todos aqueles que amam a linguagem (não a fala). [...] A crítica versa sempre sobre textos de prazer, jamais sobre textos de fruição. [...] com o escritor de fruição (e seu leitor) começa o texto insustentável, o texto impossível (BARTHES, 2002, p. 29).

À primeira vista, para um leitor desavisado, pensa-se na obra de Vinícius de Moraes como sendo somente simples textos de prazer, mas na verdade, o leitor desavisado, deixando-se influenciar pela crítica, depara-se com a obra de Vinícius de Moraes com um olhar pré-conceituoso, pré-concebido pela crítica, que o coloca como poetinha, não por ser um mero apelido carinhoso, mas por considerá-lo um poeta menor.

No decorrer deste trabalho, poderemos observar que Vinícius de Moraes não somente foi um grande poeta/músico, mas também um poeta que ousou ser anacrônico, ser Ultra-Romântico em pleno Modernismo brasileiro.

No primeiro capítulo será feito um breve relato sobre a origem da música e da poesia, que surgem no mundo quase que ao mesmo tempo. Iremos percorrer as origens da história, o berço das civilizações ocidental e oriental.

No segundo capítulo, num retorno à origem da literatura brasileira, passaremos pelas diversas estéticas literárias comprovando por meio de poemas a influência dessas estéticas na obra de Vinícius de Moraes.

No terceiro capítulo será aprofundada a questão do romantismo, em especial do ultra-romantismo, em Vinícius de Moraes. Será analisada a questão melancólica presente e marcante na obra do poeta

No quarto capítulo será analisado o soneto Sinto-me só como um seixo de praia, por ser um poema que parece mostrar as faces de Vinícius poeta, músico, homem, amante. Por fim, esta análise tem a pretensão de ser como um protocolo de leitura, do qual o leitor poderá se posicionar de maneira crítica ao ler Vinícius de Moraes, porém sem deixar o poema perder a essência emocional que tanto guiou a vida e a obra de Vinícius de Moraes.

1 MÚSICA E POESIA: PALAVRAS INICIAIS

Este capítulo contém um breve relato sobre a trajetória inicial da música e da poesia, irmãs gêmeas, mais do que isso, siamesas. A música e a poesia estão interligadas.

Em primeiro lugar é preciso que estabeleçamos um conceito de música para definirmos melhor afinal o que é música.

Até alguns anos atrás, a idéia de música esteve associada à combinação ordenada e racional de sons. [...] som musical (é) uma emissão vibratória, com freqüência bem definida, capaz de ser captada pelas limitações fisiológicas do ouvido humano [...] (MONTANARI, 1988, p. 5).

Esta definição pode ser encontrada na prática musical de Vinícius de Moraes, pois ele, perfeccionista como era, deixou imprimido em suas canções essa combinação ordenada de sons e com freqüência bem definida, que podemos observar na canção Samba de Gesse ;

Até parece
Que eu conhecia sempre você
Que me aparece
Quando eu não via jeito de ser
A gente esquece
Que a gente muda de bem-querer
Ah, se eu pudesse
Tinha esperado só por você
Quando amanhece
Eu ao meu lado vejo você
Eu digo em prece

Que a vida é linda como você
Eu que era louco
Eu que era triste
Deixei de ser
Até parece
Que só existe eu e você

Também por meio desta definição podemos nos remeter a idéia de instrumentos musicais afinadíssimos e bem tocados por músicos, que passaram anos num conservatório musical, aperfeiçoando-se no instrumento escolhido.

Mas, segundo Montanari (1988, p. 5), na contemporaneidade a música assimilou novos significados e o que era considerado ruído, hoje entende-se como música, o que fez com que a idéia de música ficasse mais ampla.

Então, quando pensamos em música segundo o conceito contemporâneo, podemos afirmar que a música sempre existiu eventual e aleatoriamente na natureza. Os sons produzidos pela natureza transmitem sentimentos e energias às pessoas, que param para observar e escutar o grande musical produzido pela natureza (MONTANARI, 1988, p. 5).

O som do vento cortando o ar e balançando as folhas das árvores; o som das águas calmas de um riacho ou o barulho de uma corredeira e de uma linda cachoeira, o som dos mais variados pássaros, os animais que vivem nas matas e que utilizam diferentes sons para se comunicarem, no mar as baleias e os golfinhos também emitem sons e se comunicam por meio deles.

Como vimos a natureza oferece música graciosa e linda que nem sempre as pessoas sabem apreciar. A natureza além de musical é poética, o ambiente e tudo que envolve o universo natural são poético-musicais.

O homem também faz parte da natureza, e como um ser da natureza ele também é um ser musical nato.
Montanari (1988, p. 6) afirma que:

[...] a arte [...] tem servido ao ser humano para expressar seus sentimentos, [...]. A música [...] é a mais popular das artes, [...]. Para fazer música, a única coisa que o indivíduo precisa é estar vivo não precisa saber ler, nem adquirir materiais e sequer sair de casa. Reflita: basta abrir a boca e cantar, bater palmas ou pés, assobiar ou murmurar, que você estará fazendo música.

Da forma como Montanari (1988) coloca a música e nos propõe uma reflexão sobre como fazer música, podemos pensar na nossa infância quando a mãe ou o pai nos pegava no colo e cantava cantigas de ninar, e ainda bebês tentávamos reproduzir a música, mas só se ouviam ruídos, esses ruídos eram nossas primeiras músicas, ou pelo menos, nossas primeiras tentativas musicais.

A criança, quando adquire suas primeiras palavras, é capaz de memorizar pequenos trechos e melodias e é neste momento que a música se torna uma grande aliada da educação, pois, através de letras e melodias de fácil assimilação para a criança, pode-se ensinar novas palavras, histórias e a cultura do lugar onde se vive.

As cantigas de roda e as parlendas, por serem fáceis de cantar são apreendidas facilmente pelas crianças, que além de aprender se divertem, e é por isso que muitas dessas canções marcam a infância de todos.

Sempre ligado a diversas expressões artísticas, o poeta Vinícius de Moraes também escreveu músicas e poesias com temas infantis que marcaram várias gerações e que ainda hoje são muito utilizadas pelos educadores, sejam eles professores ou não, por isso ainda continua marcando a vida e a história de muitas crianças.

Cito a música A Casa e a poesia As Borboletas de Vinícius de Moraes que há gerações vem sendo utilizadas pelos educadores em sala de aula e também pelos pais em casa:

A CASA

Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque na casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque pinico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na rua dos Bobos
Número zero.

Percebemos a capacidade de desarticulação do simples, do trivial na temática da canção. As considerações a respeito da casa, de tão absurdas, começam a perder a ligação e a referência inicial, incitando a imaginação e a criatividade infantil.

AS BORBOLETAS

Brancas
Azuis
Amarelas
E pretas
Brincam
Na luz
As belas
Borboletas.

Borboletas brancas
São alegres e francas.

Borboletas azuis
Gostam muito de luz.

As amarelinhas
São tão bonitinhas!

E as pretas, então...
Oh, que escuridão!

É notável a preocupação do poeta com o aspecto lúdico no poema As Borboletas. As rimas associam cores a características, criando uma identidade falsa entre características que a princípio são separadas, o que, aliás, indica um procedimento bastante relevante na expressão poética.

1.1 A música nas primeiras civilizações

De acordo com os historiadores, as primeiras civilizações surgiram no Oriente Próximo. De acordo com Montanari (1988, p. 8),

(sumérios, assírios, hebreus, egípcios e outros) é razoável supor que foram esses os primeiros a cultivar a música. [...] os sumérios eram bastante adiantados e já cultivavam a música. Sabe-se que possuíam um método de leitura musical baseado em letras, e que se utilizavam de instrumentos para acompanhar vocais em oitavas.

1.1.1 Os Sumérios

É interessante destacar os sumérios, não somente por terem sido um dos primeiros povos, mas pela importância cultural que esse povo deixou de herança a outros povos como os caldeus e os assírios.

A maioria dos instrumentos que conhecemos até a atualidade teve sua origem com os sumérios. Por exemplo, a harpa, a lira, a tamboura (ancestral do alaúde, um tipo de guitarra acústica com braço longo), flauta, trompete, bumbo, tamborim, pratos e sinos. (MONTANARI, 1988, p. 9).

1.1.2 Os hebreus

Para o povo Hebreu a música era sagrada, e tanto a música como a dança eram utilizadas em cerimônias religiosas. A fonte de pesquisa para os historiadores sobre os hebreus é a Bíblia Sagrada, e por ter sido um povo que se mudou constantemente e que foi escravizado várias vezes por outras civilizações, quase não existe material de pesquisa sobre a cultura deste povo.

Na Bíblia a primeira referência que se tem sobre música está no livro do Êxodo, capítulo 15. Moisés havia libertado o povo hebreu, que era escravo no Egito e depois de atravessar o mar vermelho, Moisés então entoou um cântico:

Cantarei ao Senhor, porque ele manifestou sua glória.
Precipitou no mar cavalo e cavaleiros.
O Senhor é a minha força e o objeto do meu cântico;
Foi Ele quem me salvou.
Ele é meu Deus – eu o celebrarei;
O Deus de meu pai – eu o exaltarei. [...]
(ÊXODO 15, 1b-2)

Neste mesmo episódio da história do povo hebreu, a Bíblia indica a presença de alguns instrumentos:

A profetiza Maria, irmã de Aarão, tomou seu tamborim na mão, e todas as mulheres seguiram-na dançando com tamborins.
Maria as acompanhava entoando:

“Cantai ao senhor, porque ele fez brilhar a sua glória,
Precipitou no mar cavalos e cavaleiros!” (ÊXODO 15, 20-21).

Segundo Montanari (1988, p. 10),

Nesse mesmo episódio, ficou conhecido um tipo de coro que é chamado nos meios musicais como canto antifônico (ou antifonal), isto é: um cantor entoa uma frase musical que é respondida pelos demais. Mais tarde, os cristãos também adotaram essa prática em suas cerimônias.

Em todos os momentos importantes da história do povo hebreu, a música estava presente e houve momentos que, segundo a Bíblia, o próprio Deus ordenou o uso de instrumentos, como por exemplo, na conquista da cidade de Jericó.

Depois que Moisés tirou o povo do Egito, durante 40 anos os hebreus caminharam pelo deserto até chegar à terra prometida por Deus, e depois que Moisés morreu, Josué se tornou o novo líder dos hebreus e sua missão era entrar com o povo em Jericó.

Jericó, cidade murada, tinha se fechado diante dos israelitas, e ninguém saía dela nem podia entrar. O Senhor disse a Josué: “Vê, entreguei-te Jericó, seu rei e seus valentes guerreiros. Daí volta à cidade, vós todos, homens de guerra; contornai toda a cidade uma vez. Assim farás durante seis dias. Sete sacerdotes, tocando sete trombetas, irão diante da arca. No sétimo dia dareis sete volta à cidade, tocando os Sacerdotes a trombeta. Quando o som da trombeta for mais forte e ouvirdes a sua voz, todo o povo soltará um grande clamor e a muralha da cidade desabará. Então o povo tomará (de assalto) a cidade, cada um no lugar que lhe ficar defronte”. (JOSUÉ 6, 1-5).

A melhor fase da música hebraica foi na época do rei Davi que escreveu os Salmos [que são cantos de louvor e adoração a Deus], e de seu filho o rei Salomão que escreveu o Cântico dos Cânticos [poemas de Salomão para serem cantados nas cerimônias de casamento].

Ah! Beija-me com o beijo de tua boca!
Porque os teus amores são mais deliciosos que o vinho,
E suave é a fragrância de teus perfumes;
O teu nome é como perfume derramado;
Por isto amam-te as jovens. (CANTICO DOS CANTICOS, 1, 2-3).

Podemos observar que o livro de Salomão começa com um poema, onde o eu-lírico é feminino, é o canto da noiva para o noivo.
Segundo Montanari (1988, p. 11) “O cristianismo é considerado como uma dissidência do judaísmo. O mesmo acontece na música: a música cristã foi fortemente influenciada pela música hebraica”.

O primeiro cântico cristão, no sentido de exaltação a Deus e a Cristo, foi feito por Maria, a Mãe de Jesus Cristo. Maria ao tomar conhecimento de que seria a mãe do Cristo, avisada pelo anjo Gabriel da gravidez de Izabel sua parenta, que era de idade já avançada, vai até Izabel para ajudá-la. E quando encontra Izabel, movida de grande alegria, Maria canta o Magnificat:

Minha alma glorifica ao Senhor,
Meu espírito exulta de alegria
Em Deus meu salvador,
Porque olhou para sua pobre serva.
Por isto, desde agora,
Me proclamarão bem-aventurada todas as gerações,
Porque realizou em mim maravilhas
Aquele que é poderoso
E cujo nome é Santo.
Sua misericórdia se estende de geração em geração,
Sobre os que o temem.
Manifestou o poder de seu braço:
Desconcertou os corações dos soberbos.
Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes.
Saciou de bens os indigentes
E despediu de mãos vazias os ricos.
Acolheu a Israel, seu servo,
Lembrado de sua misericórdia.
Conforme prometera a nossos pais,
Em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre.
(LUCAS 1, 46-55).

Segundo o catecismo da Igreja Católica (CIC, 1993, n° 333, p. 98);

Desde a Encarnação até a Ascensão, a vida do Verbo Encarnado é cercada da adoração e do serviço dos anjos. Quando Deus “introduziu o Primogênito no mundo diz: ‘Adorem-no todos os anjos de Deus’” (Hebreus 1,6). O canto de louvor deles ao nascimento de cristo não cessou de ressoar no louvor da igreja: “glória a Deus...” (LUCAS 2, 14).

Para os cristãos Católicos a música é parte essencial nas celebrações litúrgicas, é através da música que o cristão busca sua interiorização e o seu relacionamento de intimidade com Deus, pois Quem canta, reza duas vezes.

O canto e a música desempenham funções de sinais de maneira tanto mais significativa por estarem intimamente ligados à ação litúrgica, segundo três critérios principais: a participação unânime da assembléia nos momentos previstos e o caráter solene da celebração. Participam assim da finalidade das palavras e das ações litúrgicas: a glória de Deus e a santificação dos fiéis. (CIC, 1993, n° 1157, p. 325).

1.1.3 Os egípcios

A civilização egípcia é uma das mais antigas do mundo (3200 a.C.). Assim como para os hebreus, os egípcios também tinham na música um dos elementos principais em seus rituais religiosos. Segundo Montanari (1988, p. 11) a música era “elemento obrigatório em cerimônias religiosas, festas e comemorações nacionais”.

Foram os egípcios os primeiros a utilizar o mais natural dos instrumentos: a mão. Este fato pode ser observado nas gravuras murais deixadas em suas antigas construções como, por exemplo, as pirâmides. (MONTANARI, 1988, p. 11).
Segundo Montanari (1988, p. 13) o Egito recebia estudantes de outros povos para o aperfeiçoamento de suas técnicas. No Egito a música era utilizada na educação dos jovens e recomendada pelos governantes. Os egípcios também utilizavam o canto para fins religiosos.

1.1.4 Os Gregos e sua contribuição mítica

A Grécia é o berço da civilização e da cultura ocidental. Segundo Montanari (1988, p. 15) “Os gregos deram duas grandes e distintas contribuição à história da música: uma delas tem um conteúdo místico, enquanto a outra tem fundamento altamente racional”.

Os gregos utilizavam-se dos mitos para explicar os acontecimentos da humanidade e da natureza. A palavra música, de origem grega, tem seu significado neste contexto mítico helênico, pois música significa a arte das musas (MONTANARI, 1988).
Cada arte tinha a sua musa inspiradora. De acordo com Montanari (1988, p. 15) as musas eram nove;

Calíope (da poesia épica); Clio (da história);Erato (da poesia amorosa); Euterpe (da poesia lírica e da música); Melpómene (da tragédia); Polínia (dos hinos Sacros); Tália (da comédia); Terpsícore (da dança e do canto coral) e Urânia (da astronomia).

Podemos observar que a musa Euterpe era considerada como a musa da poesia lírica e da música, desta forma, podemos supor que para os gregos a música e a poesia também andam juntas, são irmãs siamesas.

Como na Grécia tudo era explicado por meio dos mitos, a origem dos instrumentos musicais também assim era explicada. Segundo Montanari (1988, p. 16);

A Apolo [...] se atribui a criação da lira. [...] Orfeu, filho de Apolo ganhou uma lira de seu pai, e logo foi aprender a tocar com as musas. Diz a lenda que tocava muito bem, encantando todos os animais que o ouviam. Os extremos da lenda diziam que até os rios paravam de correr para ouvi-lo. É devido a Orfeu que conhecemos o canto orfeônico ou orfeão.

Os gregos também conheciam instrumentos como: tambor, tímpano, sistro e triangulo. Pitágoras desenvolveu a lira de oito cordas e descobriu a relação matemática dos harmônicos, dedução essa que ainda hoje é base dos instrumentos modernos de corda como o violão, piano, violino, entre outros (MONTANARI, 1988).

De acordo com Montanari (1988, p. 17) “A música na Grécia estava presente em todas as manifestações do povo [...]. Era considerada fundamental na educação dos jovens”.

Do grego também herdamos a palavra orquestra, de orkestiké, que era o local onde se realizavam as danças e apresentação dos corais no teatro grego. Quando em Veneza, foi inaugurado o teatro São Cassiano, os Venezianos denominaram de Orquestra o local reservado para os músicos (MONTANARI, 1988).

Segundo Montanari (1988, p. 18);

Outro elemento fundamental na música grega era o ritmo, que segundo Mário de Andrade tinha uma função socializadora. Isso vale não somente para o povo, mas também para a união com as outras artes. Como a música não acontece isoladamente, estava sempre vinculada à poesia e à dança. E o elemento de ligação sempre foi o ritmo.

1.2 Poesia

Segundo o Dicionário eletrônico Houaiss (2006) poesia é;

substantivo feminino
1 Rubrica: literatura.
arte de compor ou escrever versos

2 Rubrica: literatura.
composição em versos (livres e/ou providos de rima) cujo conteúdo apresenta uma visão emocional e/ou conceitual na abordagem de idéias, estados de alma, sentimentos, impressões subjetivas etc., quase sempre expressos por associações imagéticas
Obs.: p.opos. a prosa

3 Rubrica: literatura.
composição poética de pequena extensão

4 Rubrica: literatura.
arte dos versos característica de um poeta, de um povo, de uma época
Ex.:

5 arte de excitar a alma com uma visão do mundo, por meio das melhores palavras em sua melhor ordem

6 poder criativo; inspiração

7 o que desperta o sentimento do belo

8 aquilo que há de elevado ou comovente nas pessoas ou nas coisas
ETIMOLOGIA
lat. poésis,is 'poesia, obra poética, obra em verso' < gr. poíésis,eós 'criação; fabricação, confecção; obra poética, poema, poesia'; segundo JM, por intermédio do it. poesia (1321) 'arte e técnica de exprimir em verso uma determinada visão de mundo'; ver poet- e -poese; f.hist. sXV poesia, sXV poesya

Ao falar de poesia como arte de compor versos , podemos supor que qualquer seqüência ritmada e, especialmente rimada, seja poesia.

Batatinha quando nasce
Esparrama pelo chão
Bebezinho quando dorme
Põe a mão no coração.

Mas ao dizermos que poesia é composição em versos (livres e/ou providos de rima) cujo conteúdo apresenta uma visão emocional e/ou conceitual na abordagem de idéias, estados de alma, sentimentos, impressões subjetivas etc., quase sempre expressos por associações imagéticas e composição poética de pequena extensão já não podemos associar ao versinho infantil acima citado, pois pressupõe-se que seja algo mais elaborado e pensado para que produza no leitor o efeito desejado pelo poeta. Para que as imagens sejam criadas e sentimentos sejam produzidos, o poeta realiza um trabalho árduo em busca da linguagem perfeita.

É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
E em ti o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz

Mas acontece que eu sou triste...

Segundo BARTHES (2002, p. 11) “Todo escritor dirá então: louco não posso, são não me digno, neurótico sou.” A busca do escritor/poeta pela palavra, a frase perfeita que será capaz de produzir no leitor a fruição o prazer da leitura, torna-se como uma neurose em busca da linguagem perfeita. Aos escritores BARTHES (2002, p. 11) adverte;

O texto que o senhor escreve tem de me dar prova de que ele me deseja. Essa prova existe: é a escritura. A escritura é isto: a ciência das fruições da linguagem, seu kama-sutra (desta ciência, só há um tratado: a própria escritura).

Quando tratamos de poesia como arte dos versos característica de um poeta, de um povo, de uma época , logo podemos fazer associação à poesia de Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, entre outros tantos poetas que lemos, também podemos falar da poesia trovadoresca, clássica, moderna, romântica e assim por diante, pois representam a poesia de um povo em uma determinada época.

A poesia também pode ser tratada como a arte de excitar a alma com uma visão do mundo, por meio das melhores palavras em sua melhor ordem, poder criativo; inspiração, o que desperta o sentimento do belo, aquilo que há de elevado ou comovente nas pessoas ou nas coisas.

Para Paul Verlaine , a poesia vai além de tudo isso que foi mencionado no dicionário, pois para ele a poesia deve ser antes de tudo música. Em Arte Poética, Verlaine escreve a Charles Morice uma espécie de definição de como deve ser a poesia;

Arte poética

A Charles Morice

Antes de qualquer coisa, música
e, para isso, prefere o Ímpar
mais vago e mais solúvel no ar,
sem nada que pese ou que pouse.
E preciso também que não vás nunca
escolher tuas palavras em ambigüidade:
nada mais caro que a canção cinzenta
onde o Indeciso se junta ao Preciso.
São belos olhos atrás dos véus,
é o grande dia trêmulo de meio-dia,
é, através do céu morno de outono,
o azul desordenado das claras estrelas!
Porque nós ainda queremos o Matiz,
nada de Cor, nada a não ser o matiz!
Oh! O matiz único que liga
o sonho ao sonho e a flauta à trompa.
Foge para longe da Piada assassina,
do Espírito cruel e do Riso impuro
que fazem chorar os olhos do Azul
e todo esse alho de baixa cozinha!
Toma a eloqüência e torce-lhe o pescoço!
Tu farás bem, já que começaste,
em tornar a rima um pouco razoável.
Se não a vigiarmos, até onde ela irá?
Oh! Quem dirá os malefícios da Rima?
Que criança surda ou que negro louco
nos forjou esta jóia barata
que soa oca e falsa sob a lima?
Ainda e sempre, música!
Que teu verso seja um bom acontecimento
esparso no vento crispado da manhã
que vai florindo a hortelã e o timo...
E tudo o mais é só literatura.

Os versos acima podem ser resumidos em um canto à procura do Belo, escondido por vezes na sutileza do matiz, por exemplo, em oposição à definição da cor. Em resumo, poesia e música se ligam pela idéia de sugestão.

1.2.1 Tipos de Poesia

Há três tipos de poesias; lírica, narrativa e dramática.

A poesia Lírica, em geral, é de curta extensão, com ou sem rimas, possui grande musicalidade obtida através de suas rimas e ritmo. Segundo D’Onófrio (1995, p. 56);

O étimo da palavra lírica está relacionado com lyra, instrumento musical de cordas, que os gregos usavam para acompanhar os versos poéticos. A partir do século IV a.C., o termo lírica passou a substituir a antiga palavra mélica (de melo, “canto”, “melodia”) para indicar poemas pequenos por meio dos quais os poetas exprimiam seus sentimentos. Aristóteles distingue a poesia mélica ou lírica, que era a palavra “cantada”, da poesia épica ou narrativa, que era a palavra “recitada”, e da poesia dramática, que era a palavra “representada”. O gênero lírico, portanto, em suas origens está profundamente ligado à música e ao canto. Mesmo mais tarde, quando a poesia lírica deixa de ser composta para ser cantada e passa a ser escrita para ser lida, ainda conserva traços de sonoridade através dos elementos fônicos do poema: metros, acentos, rimas, aliterações, onomatopéias.

A poesia lírica pode ser classificada em Balada, canção, elegia, hino, idílio, ode e soneto.

A poesia Narrativa é de grande extensão, podemos tomar como exemplo de poesia narrativa os clássicos Homéricos A Ilíada, A Odisséia e Os Lusíadas, de Camões.

As armas e os Barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana

Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

A poesia Dramática, assim como a Narrativa, tem uma extensão considerável, mas se diferencia devido à história ser contada por meio de falas de seus personagens. As tragédias e as comédias Gregas, as peças de Shakespeare e o “O auto da Compadecida” de Ariano Suassuna, são bons exemplos de poesias dramáticas.

JOÃO GRILO
Isso é coisa de seca. Acaba nisso, essa fome: ninguém pode ter menino e haja cavalo no mundo. A comida é mais barata e é coisa que se pode vender. Mas seu cavalo, como foi?
CHICÓ
Foi uma velha que me vendeu barato, porque ia se mudar, mas recomendou todo cuidado, porque o cavalo era bento. E só podia ser mesmo, porque cavalo bom como aquele eu nunca tinha visto. Uma vez corremos atrás de uma garrota, das seis da manhã até as seis da tarde, sem parar nem um momento, eu a cavalo, ele a pé. Fui derrubar a novilha já de noitinha, mas quando acabei o serviço e enchocalhei ares, olhei ao redor, e não conhecia o lugar onde estávamos. Tomei uma vereda que havia assim e aí tangendo o boi...
JOÃO GRILO
O boi? Não era uma garrota?
CHICÓ
Uma garrota e um boi.
JOÃO GRILO
E você corria atrás do dois de uma vez?
CHICÓ, irritado
Corria, é proibido?
JOÃO GRILO
Não, mas eu me admiro é eles correrem tanto tempo juntos, sem me apertarem. Como foi isso?
CHICÓ
Não sei, só sei que foi assim. Saí tangendo os bois e de repente avistei uma cidade. É uma história que eu não goste nem de contar.
JOÃO GRILO
Conte, conte sempre, você está em casa.
CHICÓ
Você sabe que eu comecei a correr da ribeira do Taperoá, na Paraíba. Pois bem, na entrada da rua perguntei a um homem onde estava e ele me disse que era Própria, de Sergipe.
JOÃO GRILO
Sergipe, Chicó?
CHICÓ
Sergipe, João. Eu tinha corrido até lá no meu cavalo. Só sendo bento mesmo.
JOÃO GRILO
Mas Chicó, e o rio São Francisco?
CHICÓ
Lá vem você com sua mania de pergunta, João.
JOÃO GRILO
Claro, tenho que saber. Como foi que você passou?
CHICÓ
Não sei, só sei que foi assim. Só podia estar seco nesse tempo, porque não me lembro quando passei... E nesse tempo todo o cavalo ali comigo, sem reclamar nada!
JOÃO GRILO
Eu me admirava era se ele reclamasse.
CHICÓ
É por causa dessas e de outras que eu não me admiro mais de nada, João. Cachorro bento, cavalo bento, tudo isso eu já vi.

1.2.2 Poesia para Vinícius de Moraes


Vinícius de Moraes, além de poesia, escrevia crônicas para jornais e revistas. Em seu livro Para viver um grande amor , ele faz uma coletânea de suas crônicas mesclando-as com poemas.

Em uma de suas crônicas Sobre poesia Vinícius de Moraes define o que para ele é poesia;

Um operário parte de um monte de tijolos sem significação especial senão serem tijolos para – sob a orientação de um construtor que por sua vez segue os cálculos de um engenheiro obediente ao projeto de um arquiteto – levantar uma casa. Um monte de tijolos é um monte de tijolos. Não existe neles beleza específica. Mas uma casa pode ser bela, se o projeto de um bom arquiteto tiver a estruturá-lo os cálculos de um bom engenheiro e a vigilância de um bom construtor no sentido do bom acabamento, por um bom operário, do trabalho em execução. Troquem-se tijolos por palavras, ponha-se o poeta, subjetivamente, na quádrupla função de arquiteto, engenheiro, construtor e operário, e aí tendes o que é poesia.

Transcrevendo a reflexão de Vinícius, conforme o sugerido por ele mesmo, pode-se dizer então que; o poeta parte de um monte de palavras sem significação especial senão serem palavras, que sob a orientação, construção, cálculos e projeto do poeta, torna-se poesia. Um monte de palavras é um monte de palavras. Não existe beleza específica. Mas uma poesia pode ser bela se o poeta der um bom acabamento.

2 VINÍCIUS DE MORAES EM TRÂNSITO ESTÉTICO

Neste capítulo veremos o que é poesia para Vinícius de Moraes analisando por meio da história da literatura, quais foram as retomadas de características históricas utilizadas por Vinícius de Moraes.

2.1 Trovadorismo

Na história da literatura (portuguesa-brasileira) a primeira escola que aparece é o Trovadorismo, com suas cantigas de amor, cantigas de amigo, cantigas de escárnio e de maldizer. Vinícius toma para si o papel de trovador, aquele que é ao mesmo tempo poeta e músico, que canta e recita seus poemas que são feitos para a mulher idealizada e inacessível.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!

Oh! Como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicas
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passa?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero, quero depressa
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

No santo nome do teu martírio
Do teu martírio que nunca cessa
Meu Deus, eu quero, quero depressa
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacifica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.

2.2 Humanismo

No Humanismo podemos encontrar o teatro de Gil Vicente, as novelas de cavalaria e as poesias palacianas, essas, ao contrário da poesia trovadoresca, eram elaboradas para serem recitadas nas cortes.
Segundo Maia (2003, p. 135);

O Humanismo foi um movimento cultural que além do estudo e da imitação dos autores greco-latinos, fez do homem objeto de conhecimento, reivindicando para ele uma posição de importância no contexto do universo, sem contudo, negar o valor supremo de Deus.

Vinícius de Moraes, Assim como no humanismo, rebusca os autores greco-latinos. Em forma de teatro, ele re-conta o Mito de Orfeu com a peça Orfeu da Conceição: Tragédia carioca.

Com o subtítulo "Tragédia Carioca", o texto dramático de Vinícius de Morais (mais tarde transposto para a tela - Orfeu Negro — pelo francês Mareei Camus, sucesso internacional) adapta a um morro do Rio de Janeiro o antigo mito de Orfeu: inconsolado com a morte da bem-amada, o poeta e músico desce aos infernos e obtém do Rei das Sombras a promessa de poder levar Eurídice consigo, desde que não olhasse para trás, para ver se ela o seguia. Desobedecendo a ordem, Orfeu voltou-se e contemplou-a por um breve instante, perdendo-a para sempre. O poeta passa o resto de seus dias buscando Eurídice, inutilmente, e acaba sendo esquartejado pelas Bacantes, invejosas da fidelidade de Orfeu à sua amada. Na adaptação, a descida aos infernos será ambientada num baile de 3a-feira gorda, no clube "Os Maiorais do Inferno"; a lira será substituída pelo violão; as bacantes, por um bando de prostitutas - e assim por diante, numa série de bem dosados expedientes que imprimem à tragédia forte marca de realismo e atualidade (LAJOLO; CAMPEDELLI, 1980, p. 58).

MONÓLOGO DE ORFEU

Mulher mais adorada!
Agora que não estás, deixa que eu rompa
O meu peito em soluços! Te enrustiste
Em minha vida; e cada hora que passa
É mais por que te amar, a hora derrama
O seu óleo de amor, em mim, amada...
E sabes de uma coisa...cada vez
Que o sofrimento vem, essa saudade
De estar perto, se longe, ou estar mais perto
Se perto – que é que eu sei! Essa agonia
De viver fraco, o peito extravasado
O mel correndo; essa incapacidade
De me sentir mais eu, Orfeu; tudo isso
Que é bem capaz de confundir o espírito
De um homem – nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa harmonia
Esse corpo! E me dizes essas coisas
Que me dão essa força, essa coragem
Esse orgulho de rei. Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música!
Nunca fujas de mim! Sem ti sou nada
Sou coisa sem razão, jogada, sou
Pedra rolada. Orfeu menos Eurídice...
Coisa incompreensível! A existência
Sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos. Tu
És a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo, minha amiga
Mais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah, criatura, quem
Poderia pensar que Orfeu: Orfeu
Cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres – que ele, Orfeu
Ficasse assim rendido aos teus encantos!
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho
Que eu vou te seguindo
No pensamento e aqui me deixo rente
Quando voltares, pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo!
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que estarei contigo!

2.3 Classicismo

Dentre as características Clássicas, estão a inversão dos termos da oração; a preocupação com a forma, métrica, rima, correção gramatical; clareza na expressão do pensamento (MAIA, 2003, p. 143).

Segundo Maia (2003, p. 143);

A concepção estética oriunda do Humanismo e do Renascimento convencionou-se chamar Classicismo, porque clássicos eram os antigos artistas e filósofos greco-latinos dignos de serem estudados nas “classes”. [...] (A) Época Clássica, [...] abrangia não apenas o Renascimento, mas também o Barroco e o Arcadismo (este último conhecido também como Neo-classicismo).

Tais características estão presentes na obra de Vinícius de Moraes e podemos percebê-las em seus sonetos. Para exemplificar, temos como exemplo o Soneto de Contrição:

Eu te amo, Maria, te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...

E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.

2.4 Barroco

Do Barroco Vinícius de Moraes buscou características tais como: “Culto do contraste. [...] consciência da transitoriedade da vida. [...] Cultismo” (MAIA, 2003, p. 166).

CARTA AOS "PUROS"

Ó vós, homens sem sol, que vos dizeis os Puros
E em cujos olhos queima um lento fogo frio
Vós de nervos de nylon e de músculos duros
Capazes de não rir durante anos a fio.

Ó vós, homens sem sal, em cujos corpos tensos
Corre um sangue incolor, da cor alvar dos lírios
Vós que almejais na carne o estigma dos martírios
E desejais ser fuzilados sem o lenço.

Ó vós, homens iluminados a néon
Seres extraordinariamente rarefeitos
Vós que vos bem-amais e vos julgais perfeitos
E vos ciliciais à ideia do que é bom.

Ó vós, a quem os bons amam chamar de os Puros
E vos julgais os portadores da verdade
Quando nada mais sois, à luz da realidade,
Que os súcubos dos sentimentos mais escuros.

Ó vós que só viveis nos vórtices da morte
E vos enclausurais no instinto que vos ceva
Vós que vedes na luz o antônimo da treva
E acreditais que o amor é o túmulo do forte.

Ó vós que pedis pouco à vida que dá muito
E erigis a esperança em bandeira aguerrida
Sem saber que a esperança é um simples dom da vida
E tanto mais porque é um dom público e gratuito.

Ó vós que vos negais à escuridão dos bares
Onde o homem que ama oculta o seu segredo
Vós que viveis a mastigar os maxilares
E temeis a mulher e a noite, e dormis cedo.

Ó vós, os curiais; ó vós, os ressentidos
Que tudo equacionais em termos de conflito
E não sabeis pedir sem ter recurso ao grito
E não sabeis vencer se não houver vencidos.

Ó vós que vos comprais com a esmola feita aos pobres
Que vos dão Deus de graça em troca de alguns restos
E maiusculizais os sentimentos nobres
E gostais de dizer que sois homens honestos.

Ó vós, falsos Catões, chichisbéus de mulheres
Que só articulais para emitir conceitos
E pensais que o credor tem todos os direitos
E o pobre devedor tem todos os deveres.

Ó vós que desprezais a mulher e o poeta
Em nome de vossa vã sabedoria
Vós que tudo comeis mas viveis de dieta
E achais que o bem do alheio é a melhor iguaria.

Ó vós, homens da sigla; ó vós, homens da cifra
Falsos chimangos, calabares, sinecuros
Tende cuidado porque a Esfinge vos decifra.
E eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros.

Podemos perceber o contraste no poema quando se coloca palavras semanticamente opostas, como em; fogo X frio, nervos de nylon X músculos duros, sangue incolor X estima dos martírios.

A consciência da transitoriedade da vida pode ser compreendida nos versos;

“Tende cuidado porque a Esfinge vos decifra...
E eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros.”

Na mitologia grega, no caminho para a cidade de Tebas, havia uma Esfinge. Para passar pelo caminho era necessário que se decifrasse o enigma da Esfinge, era uma questão de vida ou morte, quem não conseguisse decifrar, era devorado pela Esfinge.
No poema, é a Esfinge quem decifra a pessoa, colocando-a, desta forma, entre a vida e a morte. “E eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros.”

O cultismo, que nada mais é do que o jogo de palavras e o estilo trabalhado, pode ser observado nos versos a seguir:

“Ó vós, homens sem sol, que vos dizeis os Puros”
“Ó vós, homens sem sal, em cujos corpos tensos”
“Ó vós, homens iluminados a néon”
“Ó vós, a quem os bons amam chamar de os Puros”
“Ó vós que só viveis nos vórtices da morte”
“Ó vós que pedis pouco à vida que dá muito”
“Ó vós que vos negais à escuridão dos bares”
“Ó vós, os curiais; ó vós, os ressentidos”
“Ó vós que vos comprais com a esmola feita aos pobres”

2.5 Arcadismo

O Arcadismo foi uma escola literária também conhecida como Neo-clássica, pois retomava os ideais do classicismo. As características do Arcadismo que podemos encontrar em Vinícius de Moraes são:

Imitação: [...] retorno aos modelos clássicos renascentistas.
Bucolismo: [...] a pureza, a beleza e a espiritualidade residem na natureza. (MAIA, 2003, p. 185).

SONETO DE INTIMIDADE

Nas tardes de fazenda há muito azul demais.
Eu saio às vezes, sigo pelo pasto, agora
Mastigando um capim, o peito nu de fora
No pijama irreal de há três anos atrás.

Deço o rio no vau dos pequenos canais
Para ir beber na fonte a água fria e sonora
E se encontro no mato o rubro de uma amora
Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais.

Fico ali respirando o cheiro bom do estrume
Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme
E quando por acaso uma mijada ferve

Seguida de um olhar não sem malícia e verve
Nós todos, animais, sem comoção nenhuma
Mijamos em comum numa festa de espuma.

Assim como no Arcadismo havia a idealização do amor e da mulher e em Vinícius esta também é uma temática marcante, corre-se o risco de pensar que seria também esta uma característica Árcade presente na obra de Vinícius de Moraes, mas no Arcadismo esta idealização do amor e da mulher eram tidos como “fonte de prazer, tranqüilo e não-passional” (MAIA, 2003, p. 186), enquanto que em Vinícius o amor é passional, melancólico e ás vezes até levado ao extremo de morrer por amor ou morrer de amor.

SONETO DO AMOR TOTAL

Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano amor coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde,
é que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

2.6 Romantismo

Para Vinícius de Moraes, o Romantismo foi a estética literária que mais o influenciou, em especial a segunda geração romântica, também conhecida como ultra-romântica.

O Romantismo traz como uma de suas características uma linguagem caracterizada:

Pelo transbordamento de expressão: poemas extensos, repetições inúteis e recursos que revelam o estado emotivo do artista. [...] Os românticos defendiam uma linguagem simples, mais coloquial e livre dos grilhões da sintaxe clássica [...] (MAIA, 2003, p. 204).

Vinícius de Moraes imprimiu em sua obra tais características românticas, em especial as chamadas de características ultra-românticas (que foi a causa do, que posteriormente, foi chamado Mal do Século). Tais características são:

Evasão ou escapismo, resultante do conflito do eu com a realidade.
Saudosismo [..]

O sonho [..]

A consciência da solidão [..]

O exagero [..] somado à instabilidade e à ânsia de evasão [...] caracterizada o estado de espírito de vários românticos que se entregaram a uma excessiva melancolia e solidão. [...]

A idealização da mulher e do amor. [...] o poeta romântico reveste a mulher de uma aura angelical, retratando-a como figura poderosa e inacessível. [...] Porém reflete muitas vezes um sensualismo bem material na descrição feminina (MAIA, 2003, p. 203).

SONETO DA HORA FINAL

Será assim, amiga: um certo dia
Estando nós a contemplar o poente
Sentiremos no rosto, de repente
O beijo leve de uma aragem fria.

Tu me olharás silenciosamente
E eu te olharei também, com nostalgia
E partiremos, tontos de poesia
Para a porta de trevas aberta em frente.

Ao transpor as fronteiras do segredo
Eu, calmo, te direi: - Não tenhas medo
E tu, tranqüila, me dirás – Sê forte.

E como dois antigos namorados
Noturnamente tristes e enlaçados
Nós entraremos nos jardins da morte.

UM BEIJO

Um minuto o nosso beijo
Um só minuto; no entanto
Nesse minuto de beijo,
quantos segundos de espanto!
Quantas mães e esposas loucas
Pelo drama de um momento
Quantos milhares de bocas
Uivando de sofrimento!
Quantas crianças nascendo
Para morrer em seguida
Quanta carne se rompendo
Quanta morte pela vida!
Quantos Adeuses efêmures
Quanta loucura de Deus!
Que o mundo de mal-amadas
Com as esperanças perdidas
Que cardume de afogadas
Que pomar de suicidas!
Que mar de estranhas correndo
De corpos desfalecidos
Que choque de trens horrendo
Quantos mortos e feridos!
Que dízima de doentes
Recebendo a extrema-unção
Quanto sangue derramado
Dentro do meu coração!
Quanto cadáver sozinho
em mesa de necrotério
Quanta morte sem carinho
Quanto canhenho funéreo!
Que plantel de prisioneiros
Tendo as unhas arrancadas
Quantos beijos derradeiros
Quantos mortos nas estradas!
Que safra de uxoricidas
A bala, a punhal, a mão
Quantas mulheres batidas
Quantos dentes pelo chão!
Que monte de nascituros
Atirados nos baldios
Quantos fetos nos monturos
Quanta placenta nos rios!
Quantos mortos pela frente
Quantos mortos à traição
Quantos mortos de repente
Quantos mortos sem razão!
Quanto câncer sub-reptício
Cujo amanhã será triste
Cujo amanhã será tardes
Quanta tara, quanto vício
Que enfarte do miocárdio
Quanto medo, quanto pranto
Quanta paixão, quanto luto!...
Tudo isso pelo encanto
Desse beijo de um minuto:
Desse beijo de um minuto:
mas que cria, em seu transporte
De um minuto, a eternidade
E a vida, de tanta morte.

Em Soneto da hora final, podemos perceber o exagero, que leva ao extremo, é a mulher ideal que vive com seu amado até a morte, morrendo os dois, de amor e por amor. Já em Um beijo, percebemos que para o eu-lírico não importa o que aconteça em sua volta, por mais catastrófico que seja, pois para ele, o que vale é aquele minuto, aquele beijo.

2.7 Realismo

Realidade contemporânea, denúncia das injustiças sociais, linguagem próxima à realidade e preocupação formal (MAIA, 2003), estas são características do realismo presentes em Vinícius de Moraes. Podemos observar esta preocupação com as injustiças sociais na música A Rosa de Hiroxima, composta por Vinícius de Moraes em parceria com Chico Buarque de Holanda.

A ROSA DE HIROXIMA

Pensem nas crianças
Mudas telepática
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da Rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioatíva
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

2.8 Parnasianismo

Vinícius buscou no Parnasianismo característica como “Visão carnal da mulher [...] procura da rima rica [...] retorno aos módulos clássicos greco-latinos e alusão à mitologia [...] procura da palavra perfeita (mot juste) [...] predileção pelo soneto” (MAIA, 2003, p. 311).

SONETO DA MULHER CASUAL

Por não seres aquela que eu buscava
Nem do meu ontem nada recordares,
Por não haver, aquém e além dos mares,
Alguém mais relva e seda, avena e lava;

Por o efêmero e o vão me revelares
Dos ídolos antigos que adorava
E por assim sem cânticos chegares
Quando de tudo eu já desesperava;

E por seres feliz e por quereres
A alguém que é feliz, até o resto
de mim que é feliz, até o resto
De mim, quando talvez nem mais viveres,

Serás, inesperada e longe amiga,
Presente em todo pensamento, gesto
E palavra de amor que tenha e diga.

Neste soneto, podemos perceber que a mulher é vista de uma forma bem carnal, pois ela não é “aquela que eu buscava”. Quanto às rimas (ABBA, BABA, CDC, EDE), são chamadas de rimas ricas, pois são rimas “que se dá quando a homofonia se estende até a consoante de apoio da última vogal tônica” (D'ONOFRIO, 2005, p. 15).

Vinícius cultivava uma predileção pelos sonetos, assim como os parnasianos. Segundo Paulo Mendes Campos (apud COUTINHO, 1986, p. 750);

Para o poeta, o soneto é um desafio e uma brincadeira. Dotar uma composição de quatorze versos de toda a sua ciência emocional, eis uma proposição que convida o poeta, honesto como tal, a meditar seriamente. No entanto, é também uma brincadeira, porque o poeta, vítima das próprias emoções, humilhado pelo mundo, tem o direito de sentir-se maior do que um soneto e desprezá-lo como jogo indiferente.

Mas Vinícius de Moraes, no entanto, não despreza o soneto nem o trata com indiferença, mas pelo contrário, segundo COUTINHO (1986, p. 751) “Numa época em que este relegado à mediocridade das antologias escolares, Vinícius de Moraes publicou no seu primeiro livro os sonetos “Revolta”, com acentos românticos e um penúltimo verso apreciável ”.

2.9 Simbolismo

Talvez seja da estética Simbolista, que Vinícius tenha buscado a sua segunda maior inspiração poética.

A escola Simbolista é conhecida pela expressão indireta de idéias e emoções, pela sonoridade expressiva e musicalidade, por um grande subjetivismo, misticismos e espiritualismo, e também pela abstração e preocupação com a forma.

“O que os românticos iniciaram os simbolistas terminaram”, comenta Edmund Wilson. [...] Na Alemanha, a tripla constelação constituída por Shopenhauer, Wagner e Nitzsche introdua a preocupação com a música na formulação de sua teoria crítica e metafísica. [...] a tese de Shopenhauer, para quem a música constitui a expressão imediata da vontade. Friedrich Schiller também se interessou pelo caráter musical da poesia. Suas considerações envolvem três tópicos: o aspecto meramente sonoro do texto, a questão da música como expressão direta, imediata e exclusiva da emoção, e a ordenação artísitca da sucessão temporal na criação literária e musical (OLIVEIRA, 2003, p. 21).

MAR

Na MELANCOLIA de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar.

Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio.

E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte.

O efeito de musicalidade produzido pelo poeta no poema é produzido pela escolha lexical. “A insistência dos simbolistas sobre a hesitação entre o som e o sentido na produção poética, resumida pela frase de Verlaine, ‘de la musique avant toute chose’, traduz-se principalmente na exploração de estruturas fonêmicas e tonais” (OLIVEIRA, 2003, p. 21).

2.10 Por que Vinícius de Moraes é Modernista?

Ao decorrer deste capítulo, percorremos as estéticas literárias apontando em cada uma delas o porquê Vinícius pode ser considerado como um poeta que transitou pelas diversas estéticas, retirando delas apenas o que ele considerava o melhor e transformando, reinventando em sua própria poesia.

Estudar a poesia de Vinícius de Moraes é a todo momento, enfrentar uma criação de extraordinária riqueza formal, onde, aos primeiro versos em geral livres, longos, despojados de rigor, se sucedem os poemas rimados e metrificados, as baladas e sonetos de seus últimos livros que, afinal, parecem ser os de sua predileção (COUTINHO, 1986, p. 749)

Vinícius de Moraes pode ser considerado Modernista, não por ter pertencido à estética literária do Modernismo, e sim por ser um poeta moderno, que sabe aproveitar o que há de melhor em cada uma das estéticas passadas e recriar, imprimindo assim, suas características e emoções em sua obra.

CHEGA DE SAUDADE

VAI, minha tristeza
E diz a ela
Que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso mais sofrer.
Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz, não há beleza
É só tristeza, e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim
Não sai.
Mas se ela voltar
Se ela voltar, que coisa linda
Que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei
Na sua boca. . .
Dentro dos meus braços
Os abraços hão de ser
Milhões de abraços apertado assim
Colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos e carinhos
Sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
De viver longe de mim.

A aliteração e a assonância provocam na música um ar de sensualidade, mas ao mesmo tempo uma tensão. No 1° e no 2° Verso o eu-lírico manda um recado cujo intermediário é a tristeza, vai lá e fala pra ela que eu não sou nada sem ela. Do 3° ao 5° verso é como se o eu-lírico pedisse a tristeza que se ajoelhasse diante do objeto amado assim como se ajoelha para rezar, roga-lhe, pede pra que ela volte, eu não posso mais sofrer.

O amante que perde a amada, assim é o poeta que perde sua poesia. O amante não vive sem sua amada, assim como o poeta não vive sem sua poesia. No 6° verso o eu-lírico dá um Basta, chega eu não quero mais viver de saudade. Do 7° ao 12° verso é como se o eu-lírico caísse em si, e voltasse pra realidade, e esta realidade é que faz com que o amante não viva sem o objeto amado e que o poeta não viva sem a poesia, pois um longe do outro é só tristeza e melancolia.

O poeta não existe sem a poesia e segundo Freud (1996, p. 251) “a melancolia é a reação à perda do objeto amado”.
A partir do 13° verso a aliteração e a assonância, intensificam-se gerando um aumento da tensão. Tensão esta que é gerada pela expectativa da volta ou não do objeto amado.

Do verso 19 ao 22, dá-se a impressão de que o eu-lírico faz promessas que se assemelham as promessas feitas pelos amantes quando querem a volta de sua amada. O poeta promete tratar bem sua poesia, se ela voltar.

Do verso 23 até o final é como se o eu-lírico fizesse um pedido e uma constatação deixa pra lá, eu não vivo sem você, mas também sei que você não vive sem mim. O poeta não vive sem a poesia, assim como a poesia não existe sem o poeta.

3 O TEMA DA MELANCOLIA EM VINÍCIUS DE MORAES

Neste capítulo trabalharemos a relação do poeta com algumas das tendências verificadas no movimento do Romantismo, como por exemplo, a questão da melancolia, da subjetividade e da idealização da mulher amada.

Mas, o que é romantismo? Segundo Löwy;

Enigma aparentemente indecifrável, [...] Sobretudo por seu caráter fabulosamente contraditório, sua natureza de coincidentia oppositorum: simultânea (ou alternadamente) revolucionário e contra revolucionário, [...] retrógrado e utopista, revoltado e melancólico, democrático e aristocrático, ativista e contemplativo, [...] vermelho e branco, místico e sensual. Tais contradições permeiam não somente o fenômeno romântico no seu conjunto, mas a vida e obra de um único e mesmo autor, e por vezes um único e mesmo texto (LÖWY, 1995, p. 9).

O Romantismo, como movimento literário, teve início por volta de 1836 e terminou em 1881. Historicamente, podemos dizer que, por ser um movimento literário que tinha uma visão subjetivista do mundo, dado o momento histórico de independências e surgimento das nações européias, deu lugar ao realismo, com sua visão do mundo como ele é, sem floreamentos, mostrando as misérias do ser humano e da sociedade em que ele vive.

Para o Romantismo [...], o critério da beleza artística seria histórico, relativo, e dependeria fundamentalmente da ação individual. [...] A realidade, para o romântico, era apenas ponto de partida para a manifestação de suas emoções (ABDALA JUNIOR; CAMPEDELLI, p. 70).

No Romantismo, é dada uma grande importância ao eu, devido ao subjetivismo e ao antropocentrismo, visando sempre à satisfação dos desejos do eu, mesmo que essa satisfação se dê apenas subjetivamente por meio da pena e da mão que escrevem o poema, exteriorizando assim, os seus desejos e sonhos mais secretos. No Romantismo, o amor, a mulher, a pátria são idealizados e o idealizador vive sempre buscando conquistar o idealizado, que parece ser inconquistável.

A Psychologia (sic) do romantismo tem suas raízes em Decartes, em Spinosa, em Kant e principalmente em Lock (Essay concerning human understanding) e em Hume (tratate of human nature) mas o primeiro e grande psychologo (sic) do romantismo, essencialmente, romântico, é Arthur Schopenhauer (1777-1860) (MOTTA FILHO, 1932, p. 18).

Mas, o Romantismo não teve um tempo limite. Assim como as outras escolas literárias, as datas fixadas são apenas referenciais, pois, podemos observar características Românticas nas novelas de cavalaria e também na atualidade em músicas e poemas, que são tidos como ultra-românticos, ou, podemos chamar de neo-românticos.

Mas, qual é o conceito de romantismo na atualidade?

[...] Para nós, o romantismo representa uma crítica da modernidade, isto é, da civilização capitalista moderna, em nome de valores e ideais do passado (pré-capitalista, pré-moderno). Podemos dizer que, desde sua origem, o romantismo é iluminado pela dupla luz da estrela da revolta e do “sol negro da melancolia (Nerval). (LÖWY, 1995, p. 34).

“A visão romântica instalou-se, portanto na segunda metade do século XVIII e ainda não, desapareceu” (LÖWY, 1995, p. 34). Com o advento da Psicanálise a melancolia pode ser entendida não apenas como estado de espírito ocasional, mas como índice da complicada relação entre sujeito e objeto desejado.

Para Freud (1996, p. 251)

A melancolia também pode constituir reação à perda de um objeto amado. Onde as causas existentes se mostram diferentes (do luto) pode-se reconhecer que existe uma perda de natureza mais ideal. O objeto talvez não tenha realmente morrido, mas tenha sido perdido enquanto objeto de amor.

Esta definição de Freud pode ser associada à relação Poeta-poesia. A poesia faz parte do poeta, e o sentimento de perda do poeta gera a melancolia poética.

O poeta é aquele que possui a poesia somente enquanto esta está dentro dele, a partir do momento em que o poeta escreve a poesia já não mais pertence a ele e sim ao papel e ao leitor. Esta perda da poesia pelo poeta gera a melancolia, pois o objeto de amor do poeta, sua poesia, não morreu realmente, mas foi perdido pelo poeta.

No âmbito artístico, Blanchot (1987), ao escrever sobre essa relação Poeta-poesia, posiciona o olhar de Orfeu, que é como o olhar do autor, que ao terminar a sua obra, ao mesmo tempo em que a contempla, ele lembra-se de todo o processo de concepção e construção da mesma, daí ele toma consciência de que está perdendo sua obra:

O olhar de Orfeu é o dom último de Orfeu à obra, dom que ele a recusa, onde ele se sacrifica, transportando-se pelo movimento exorbitante do desejo, para a origem, e onde se transporta ainda, sem o saber, para a obra, para a origem da obra. (BLANCHOT , 1987 apud JUSTINO, 2006, 1987, p. 77).

O sentimento gerado no autor pela consciência de perda é solitário, doloroso e melancólico, pois durante o processo de concepção da obra, o autor convive com a obra, os personagens fazem parte do seu dia-a-dia e ao terminá-la é como se ele tivesse morrido com a dor causada pela separação e também neste momento há a morte e o renascimento da obra. A cada leitor que a lê, ela renasce e novos significados lhe são atribuídos. “O escrito é então aquele que escreve para morrer e é aquele que recebe o seu poder de escrever de uma relação antecipada com a morte” (BLANCHOT, 1987, p. 90).

O tema órfico foi amplamente trabalhado por Vinícius de Moraes. Um exemplo claro é a Valsa de Eurídice, que inscreve todo processo de criação do poeta e correlaciona também à temática daquele que canta em nome da melancolia da perda.

VALSA DE EURÍDICE

Tantas vezes já partiste
Que chego a desesperar
Chorei tanto, estou tão triste
Que já nem sei mais chorar

Oh, meu amado, não parta
Não parta de mim
Oh, uma partida que não tem fim

Não há nada que conforte
A falta dos olhos teus

Pensa que a saudade
Pode matar-me
Adeus

Podemos observar no poema, que, assim como no mito de Orfeu e Eurídice, Orfeu perde sua amada devido a saudade e a falta que sentia dos olhos da amada, o poeta também perde sua poesia no momento em que a olha, no momento em que a contempla.

No poema Valsa de Eurídice, a musicalidade e a sonoridade intensa presente no poema, a cada verso faz um movimeto em espirais, indo e vindo, mas ao mesmo tempo escapando de nós.

Esta perda do objeto amado, seja Eurídice, seja a poesia, provoca a melancolia, pois “Amar é sempre amar alguém, ter alguém diante de nós, olhar somente para ele e não para além dele, [...] o amor, em última instância, nos desvia, mais do que nos faz voltar sobre os nossos passos” (BLANCHOT, 1987, p. 137). Deste modo, amar é nunca desviar o olhar do objeto deste amor, mesmo correndo o risco de perdê-lo.

De acordo com Blanchot (1987, p. 140);

O espaço onde tudo retorna ao ser profundo, onde existe passagem infinita entre dois domínios, onde tudo morre, mas onde a morte é a sábia companheira da vida, onde o pavor é êxtase, onde a celebração se lamenta e a lamentação glorifica, o próprio espaço para o qual “se precipitam todos os mundos como para a sua realidade mais próxima e mais verdadeira”, o do maior círculo e da incessante metamorfose, é o espaço do poema, o espaço órfico ao qual o poeta, sem dúvida, não tem acesso, onde só pode penetrar para desaparecer, que só atinge unido à intimidade da dilaceração que faz dele uma boca sem entendimento, tal como faz daquele que entende o peso do silêncio: é a obra, mas a obra como origem.

Vinícius de Moraes, em seu processo de composição, parece ser consciente deste espaço, onde tudo morre, sabe que sua poesia não lhe pertence, mas pertence àquele que o lê no momento em que a leitura é realizada. A obra é a origem, nela tudo se inicia e tudo se finda.

MAIS UM ADEUS

Mais um adeus
Uma separação
Outra vez solidão
Outra vez sofrimento
Mais um adeus
Que não pode esperar
O amor é agonia
Vem de noite, vai de dia
É uma alegra
E de repente
Uma vontade
Uma vontade de chorar.
Olha benzinho cuidado
Com seu resfriado
Não pegue sereno
Não tome gelado
O gim é um veneno
Cuidado benzinho
Não beba demais.
Se guarde para mim
A ausência é um sofrimento.
E se tiver um momento
Me escreva um carinho
E mande dinheiro pro apartamento
Porque o vencimento
Não é como eu
Não pode esperar.
O amor é uma agonia
Vem de noite, vai de dia
É uma alegria
E de repente
Uma vontade de chorar.

Ciente de que o poema não lhe pertence, o poeta faz recomendações do tipo cuidado com o resfriado, não beba demais, etc. O poema nasceu do poeta, é obra do poeta, e como pai-criador do poema, o poeta vive seu amor e sua agonia em sua certeza de não-posse sobre sua criação.

4 O ÚLTIMO ROMÂNTICO

Este capítulo tem por objetivo mostrar ao leitor análises de poemas e canções de Vinícius de Moraes, apontando características que revelam algumas faces do poeta, principalmente aquelas já explicadas neste trabalho pela linha teórica pela qual optamos.
Vinícius de Moraes é um poeta criticado por muitos, talvez por ser muito lido e pouco compreendido. Segundo Manhães (2005,p. 3) Drummond dizia que Vinícius foi “o único poeta que viveu como poeta [...]”. Isso porque Vinícius viveu sua ideologia através de suas músicas e de seus poemas, quebrando protocolos, regras e paradigmas de seu tempo.

Vinícius de Moraes definiu o ser poeta com sua poesia, [...] promoveu no meio artístico brasileiro uma retomada da subjetividade humana apelativa das emoções, [...] estruturou uma nova estética na produção da obra de arte, [...] é uma estética de si que traz a representatividade da sua forma de viver e pensar sobre a vida encharcada de paixão e melancolia. (MANHÃES, 2005, p. 1).

Há na poesia de Vinícius uma equação de extremos:

AMOR = DOR

“Eu sei que vou te amar”
“Eu sei que vou chorar”
“Eu sei que vou sofrer”

Assim como o amor não existe sem a dor, a poesia também não existe sem a morte. Há uma certeza poética de uma seqüência lógica, em que o amor provoca o choro e o sofrimento. É como algo pré-determinado, em que o eu-lírico sabe quais são as conseqüências de amar, mas sabe também, que ele está pré-destinado a amar.

No Sinto-me só como um seixo de praia é como uma auto-definição do ser poeta em Vinícius de Moraes. Neste soneto Vinícius de Moraes define o que é ser poeta, o que é poesia e de onde vem sua poesia. É a pré-destinação do poeta, que ama sua poesia, mesmo sabendo que vai perdê-la, nisso podemos notar a nostalgia e a melancolia antecipada pelo pré-sentimento de perda do objeto amado.

Sinto-me só como um seixo de praia
Vivendo à busca no cristal das ondas,
Não sei se sou o que não sou. Pressinto
Que a maré vai morar no fundo d’alma.

Calo-me sempre se te escuto vindo
Marulho de incerteza e de agonia;
Há crenças deslizando nos meus traços,
Molhando a estátua do meu sonho antigo.

Declino-me nas frases dos rochedos
Nas pérolas de som do inesquecer
Na incrível sombra da montanha adulta.

E ao me curvar ao peso da memória,
Descubro meu reflexo obscuro
Num soneto de espumas inexatas.

“Sinto-me só como um seixo de praia”

Seixo é um fragmento de rocha, é o cascalho que podemos encontrar na praia. Sentir-se só como o cascalho na praia à primeira vista parece irônico, pois na praia há muitas pedras, mas, no entanto, o poeta não se compara com cascalho, e sim apenas uma pedrinha, que pode estar cercada por várias outras, mas que se sente só, talvez por ser única, diferente, quem sabe?

“Vivendo à busca no cristal das ondas,”

O poeta sempre está em busca da sua poesia e perfeição de seus versos. Vinícius, inspirado em Camões, tem paixão por rimas e versos perfeitos, com sonoridade, e musicalidade. Segundo o dicionário Houaiss (2006) uma das definições para cristal é “transparência, limpidez, sonoridade clara, cristalina”. Podemos dizer, então, que o poeta vive em busca da transparência de seu poema e da sonoridade na sua poesia.

Outra interpretação possível, a este verso é a relação que há entre cristal das ondas e a gíria muito utilizada, principalmente por surfistas, crista da onda. Estar na crista da onda, é estar no topo da onda, que também pode ser estar em uma posição de destaque na vida social, profissional ou política.

Então, o que seria para Vinícius de Moraes Vivendo à busca no cristal das ondas? Uma leitura possível para cristal das ondas ou crista das ondas seria trocar cristal das ondas pelos movimentos literários, que, assim como uma onda têm altos e baixos, é como se Vinícius vivesse buscando o melhor, o brilho do cristal, na crista das ondas literárias, ou seja, como se o poeta vivesse em busca daquilo que cada movimento literário ofereceu de melhor, como se tomasse para ele somente o que está no topo para compor sua própria obra.

“Não sei se sou o que não sou.”

Primeiro vamos tentar fazer uma brincadeira com este verso.

Se sou o que não sou, não sei.
O que não sou, não sei se sou.

Muito se diz a respeito do que Vinícius de Moraes é. Como poeta, ele é colocado na escola Modernista, mas será que Vinícius de Moraes é um poeta exclusivamente Modernista?

Em seus poemas e em sua vida, podemos encontrar características do ultra-romantismo, tais como o pessimismo, sentimento de inadequação à realidade, ócio, desgosto de viver, apego a bebida, ao vício, atração pela noite e pela morte, subjetivismo, egocentrismo e sentimentalismo.

Somado a essas características ultra-românticas, também podemos encontrar características simbolistas nas expressões indiretas de suas idéias e de suas emoções, na sonoridade e na musicalidade de seus poemas, no subjetivismo, misticismo e espiritualismo.

No Soneto ao caju, podemos encontrar algumas dessas características ultra-românticas e simbolistas somadas a um erotismo Viniciano.

Amo na vida as coisas que têm sumo
E oferece matéria onde pegar
Amo a noite, amo a música, amo o mar
Amo a mulher, amo o álcool e amo o fumo.

Por isso amo o caju, em que resumo
Esse materialismo elementar
Fruto de cica, fruto de manchar
Sempre mordaz, constantemente a prumo

Amo vê-lo agarrado ao cajueiro
À beira-mar, a copular com o galho
A castanha brutal como que tesa:

O único fruto – não fruta – brasileiro
Que possui consistência de caralho
E carrega um culhão na natureza.

Ao percebermos que Vinícius não é exclusivamente modernista, podemos considerar que ao escrever não sei se sou o que não sou. talvez ele queira revelar, não sei se sou modernista ou se sou a junção das escolas passadas, pois busco no cristal das ondas, o que há de melhor em cada uma delas.

“Pressinto”

Ao colocar esta palavra isolada logo após um ponto final, que declara uma dúvida do poeta, é como se colocasse uma definição para que tipo de poeta realmente ele é.

Pressinto = pré-sentir. O sentimento vem antes de tudo em seu poema, antes da inspiração vem a emoção.

“Que a maré vai morar no fundo d’alma.”

Ao lermos este verso, temos duas imagens que se forma em nossa mente. A primeira da maré em uma praia e seu movimento inconstante e a segunda exige um pouco de atenção à sonoridade presente no verso. Devemos ler atenciosamente cada palavra e depois ler novamente em um ritmo acelerado para que percebamos a diferença sonora que se provoca.

Podemos perceber que o verso muda de sentido, pois se transforma de que a maré vai morar no fundo d’alma para que amar é vai morar no fundo d’alma. É como se o poeta quisesse brincar com o leitor fazendo esse jogo de palavras e sons.

No fundo d’alma reside a essência da vida poética de Vinícius o amor. Em que amar é, deste modo é como se o poeta definisse o amor, pois amar é e isso basta. O amor se define em ser, e se ele é, ele existe e reside no fundo d’alma.

“Calo-me sempre se te escuto vindo”

Ao perceber o poema, o poeta se cala. Este calar pode ser um calar para poder melhor escutar, se colocar a disposição e a recepção daquele que lhe fala ao pé do ouvido, ou seja, a inspiração poética.

A sensualidade causada pela repetição do fonema S, neste verso, pode revelar esta relação sensual, atrativa que há entre poeta e poesia. Afinal, é o poeta que atrai a poesia ou a poesia que atrai o poeta?

No caso de Vinícius, ele deixa transparecer, neste verso, que ele é atraído pela poesia e que ao senti-la, ao escutá-la ele se cala, como que num ato de vislumbre e contemplação àquela que é sua razão de ser poeta.

“Marulho de incerteza e de agonia;”

Marulho é o barulho das ondas do mar. Assim como o barulho provocado pelas ondas do mar em seu movimento de “indo e vindo infinito” , o movimento da inspiração poética que vai e volta, deixa no poeta a incerteza e a agonia pela sua ausência, e ao mesmo tempo, agonia e incerteza de sua volta.

“Há crenças deslizando nos meus traços,”

Entenda traços como poema, e tenha aí uma confissão do poeta. Ele confessa que escreve sobre o que acredita. Se Vinícius escreve sobre amor, é porque acredita no amor, talvez seja por acreditar tanto no amor que tenha passado sua vida toda em busca do grande amor, do amor perfeito.

Portanto, ao fechar o segundo quarteto, temos o seguinte processo de composição:

“Molhando a estátua do meu sonho antigo.”

Ao tomarmos Vinícius como um poeta clássico, no sentido de que ele gosta da forma clássica do soneto, versos decassílabos, redondilhas, etc., podemos ler a palavra estátua como uma referência à Grécia, berço da cultura e da literatura ocidental. Nisto, também, podemos observar que Vinícius é um poeta anacrônico, ou seja, fora de seu tempo, ele está no tempo do modernismo e utiliza recursos de outros movimentos literários, no entanto, utiliza-se de outros temas, ou até mesmo a mesma temática, com uma linguagem diferente.

Na atualidade podemos encontrar tais características no poeta Paulo Henriques Britto, que também é considerado um poeta anacrônico. Britto em uma entrevista concedida ao também poeta Pedro Sette Câmara (2007, p. 5), afirma:

[...] gosto de utilizar formas fixas modificadas ou mesmo inteiramente novas, inventadas por mim, com base no repertório já existente. É esse o meu projeto prosódico, sim isso, e mais a idéia de integrar fala coloquial com poesia; um projeto, aliás, que não é invenção minha, que vem desde o modernismo, de Bandeira e Mário de Andrade.

Um exemplo desta prática de Britto, é o soneto a seguir:

“No poema moderno, é sempre nítida
uma tensão entre a necessidade
de exprimir-se uma subjetividade
numa personalíssima voz lírica

e, de outro, a consciência crítica
de um sujeito que se inventa e evade,
ao mesmo tempo ressaltando o que há de
falso em si próprio – uma postura cínica,

talvez, porém honesta, pois de boa
fé o autor desconstrói seu artifício,
desmistifica-se para o 'leitor-

irmão...'” Hm. Pode ser. Mas o Pessoa,
em doze heptassílabos, já disse o
mesmo – não, disse mais – muito melhor.

Podemos observar neste soneto de Britto, que o ritmo é de prosa e não de poema, no entanto a forma é soneto, e aparentemente possui rimas no final de cada verso (ABBC, CBBC, DEF, DEF). Britto brinca com a forma fixa, usando-se dela para definir o que é o poema moderno. A forma fixa é uma característica dos poemas clássicos, e esse é um dos motivos que faz com que Britto seja considerado um poeta anacrônico, pois ele busca no passado a forma fixa, porém seu soneto é em ritmo prosaico, é moderno.

Da mesma forma podemos observar neste soneto de Vinícius Sinto-me só como um seixo de praia, que mesmo utilizando-se de uma forma clássica, como o soneto e a forma fixa, não há nele rimas como nos poemas clássicos tradicionais, de certo modo isso caracteriza o poema moderno de Vinícius de Moraes e Paulo Henriques Britto, que retomam algo do passado e reinventam novos olhares sobre o passado, tornando o poema novo e moderno.

“Declino-me nas frases dos rochedos”

O ato de declinar-se infere a idéia de desviar-se ou afastar-se do objetivo. No poema o eu-lírico diz, se declinar sobre as frases dos rochedos. Na literatura, os parnasianos são considerados como rochedos, em função de objetivarem uma certa distância em relação a sentimentos, os parnasianos quebraram com os padrões do romantismo, no sentido de trocar a subjetividade pela impessoalidade, pelo culto à forma, a arte pela arte.

É nesse sentido que podemos pensar que Vinícius admira a arte parnasiana e declina-se sobre os rochedos parnasianos. Vinícius, assim como os parnasianos, é adepto dos sonetos, das formas fixas, da forma, mas, no entanto, Vinícius desvia-se e afasta-se dos parnasianos pelo fato de que em Vinícius a arte é a expressão de sua vida, seus amores e suas dores são expressos em seus poemas e suas músicas.

“Nas pérolas de som do inesquecer”

A pérola surge depois de um processo doloroso, em que a ostra tenta expulsar qualquer corpo estranho que invade seu organismo. Segundo o dicionário on-line Michaellis (2008) , pérola também pode significar Gota límpida, lágrima ou até mesmo erro ou distração de autores em seus textos.

Quando se diz Nas pérolas de som do inesquecer, podemos pensar na limpidez dos versos ou até mesmo em algum erro ou distração do poeta que torna-se inesquecível, talvez por ter provocado lágrimas carregadas de emoções no leitor.

Segundo Zampronha (1996, p. 69) “A melodia é a essência da música [...]. Ela provém da palavra, seu ponto de apoio é o acento, sua cena primária é a escala e é na intensidade mesmo que reside o seu espírito”. Cada poema tem seu próprio ritmo e melodia, o som produzido pelo poema é como pérola preciosa, torna-se inesquecível, primeiro para o poeta depois para o leitor, que ao entrar em contado com o poema toma para si as palavras do autor, desta forma tomando para si a preciosidade desta pérola, que é o próprio poema.

“Na incrível sombra da montanha adulta.”

Ao pensarmos em montanha, logo imaginamos sua altura, mas toda montanha tem uma base larga e sólida, onde se fixa. Ao colocarmos esta montanha num poema como este, de Vinícius, podemos dizer que esta montanha é a base histórica dos movimentos das escolas literárias, onde Vinícius se fixa como uma árvore que nasce no topo desta montanha, absorvendo pelas raízes tudo que esta montanha adulta pode lhe oferecer de bom.

Deste modo, Vinícius de Moraes faz um resgate do passado, ceifando das escolas literárias aquilo que para ele é o essencial. De cada escola, Vinícius, ceifa a vida, o amor, a forma poética, a musicalidade, a espiritualidade, a subjetividade, a essência da vida poética e do poetar de Vinícius.

“E ao me curvar ao peso da memória,”

Ao se curvar ao peso da memória, reconhece a importância das escolas passadas, dando a elas o devido valor e importância, pois fizeram parte da evolução da literatura. Vinícius reconhece o valor e a importância do passado, porém ele não é saudosista ao ponto de querer viver do passado, apenas reconhece este passado e sua real importância. Podemos dizer que, Vinícius, vai um pouco além do reconhecimento, ele consegue retirar de cada uma delas o que há de melhor.

“Descubro meu reflexo obscuro”

Vinícius de Moraes sabe e reconhece que na sua obra há muita influência do passado, mas ele vai além, pois admiti deixar-se influenciar por este passado, mas também re-inventa o que já passou, dando novos olhares, novas formas de se fazer poesia.

“Num soneto de espumas inexatas.”

Soneto (2 estrofes com 4 versos e 2 estrofes com 3 versos), é a forma predileta de Vinícius. No classicismo, no romantismo, no simbolismo, no parnasianismo, os sonetos eram muito utilizados, porém além da forma fixa, os poetas também utilizavam o recurso das rimas, conferindo ao poema ritmo e sonoridade.

No poema sinto-me só como um seixo de praia, Vinícius faz algo incomum, pois este é um soneto em que não há rima, mas há musicalidade e sonoridade.

Podemos pensar que ao colocar espumas inexatas, o poeta refere-se ao livro de Castro Alves Espumas Flutuantes . Abaixo o poema Os três amores de Castro Alves, ilustra o que podemos perceber ao decorrer de todo o livro, poemas cheios de rimas, ritmos e musicalidade.

OS TRÊS AMORES

Minh'alma é como a fronte sonhadora
Do louco bardo, que Ferrara chora...
Sou Tasso!... a primavera de teus risos
De minha vida as solidões enflora...
Longe de ti eu bebo os teus perfumes,
Sigo na terra de teu passo os lumes. ..
-- Tu és Eleonora...

II

Meu coração desmaia pensativo,
Cismando em tua rosa predileta.
Sou teu pálido amante vaporoso,
Sou teu Romeu... teu lânguido poeta!...
Sonho-te às vezes virgem... seminua...
Roubo-te um casto beijo à luz da lua...
-- E tu és Julieta...

III

Na volúpia das noites andaluzas
O sangue ardente em minhas veias rola...
Sou D. Juan!... Donzelas amorosas,
Vós conheceis-me os trenos na viola!
Sobre o leito do amor teu seio brilha...
Eu morro, se desfaço-te a mantilha...
Tu és -- Júlia, a Espanhola!. . .

Enfim, pudemos perceber no decorrer deste capítulo a grandiosidade da poesia de Vinícius de Moraes e como sua obra deve ser lida. Pudemos perceber que Vinícius não é um poetinha e sim um grande poeta que sabe buscar no cristal das ondas literárias o que ele enxergava de melhor e, a partir disto, compor sua obra.

O poema Sinto-me só como um seixo de praia foi escolhido para a análise neste capítulo, por parecer expressar toda a poética de Vinícius de Moraes, poeta moderno, que podemos ousadamente chamar de o último Romântico, poeta anacrônico, só, fora de seu tempo, mas consciente de seu estado.

CONCLUSÃO

Para que cantarei nas montanhas sem eco
As minhas louvações?
A tristeza de não poder atingir o infinito
Embargará de lágrimas a minha voz.

Ao encerrar o presente trabalho, podemos chegar à conclusão de que a obra de Vinícius de Moraes é pouco explorada pelos estudiosos, no sentido de estudos com rigor metodológicos.

Ao leitor e ao crítico que buscam em Vinícius de Moraes um poetinha que escreve apenas poeminhas de prazer, deve-se estar ciente de que ao analisar a obra deste grande poeta poderão assustar-se ao deparar com poemas de fruição e não apenas de prazer.

Ao leitor que procura na obra de Vinícius algo que vai além da beleza, no sentido de poema bonito ou música bonita, há uma beleza estética que faz da obra de Vinícius ser uma busca intensa pela fruição do texto, pois o poeta busca a origem de seu poema que está encerrada no próprio poema.

O poeta que perde seu poema vive em busca daquele que é a razão de seu ser poeta, sua poesia, pois a arte é “o caminho para si mesmo” (BLANCHOT, 1987, p. 155).

A tradução Bíblica que será utilizada neste trabalho será a Bíblia Ave-Maria, que é uma tradução dos originais Hebraico e Grego, feita pelos monges de Maredsous (Bélgica). CASTRO, J. J. P. de. (Frei, O.F.M.) Bíblia Sagrada: Ave-Maria. 25. ed. São Paulo: Ave-Maria, 2000.

HOUAIS, 2006.
Idem, 2006.
MORAES, Vinícius de. Dialética. In: Para viver um grande amor. 16 ed. Rio de Janeiro; J. Olympio, 1982. p. 184.

REFERÊNCIAS

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BIOGRAFIA: Paul Verlaine. Disponível em:
acesso em: 17 dez. 2007.

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acesso em: 13 jan. de 2008.

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ANEXOS

REPORTAGENS POÉTICAS

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QUEJET'E                                   MBRASSES
URTESR1V                                  ETCMAISQ
UEJEFASS                                    ED'ABORD
SAUTERTA                                       VIEILLEC
EINTURED                                          ECHASTETE

1° Foto de Vinícius de Moraes.

Vinícius de Moraes e Helô pinheiro (A garota de Ipanema)

Chico Buarque de Holanda e Vinícius de Moraes.

Vinícius de Moraes e Tom Jobim.

Vinícius de Moraes.

Caricatura: Vinícius de Moraes

Vinícius de Moraes.

Vinícius de Moraes.

Vinícius de Moraes.

Vinícius de Moraes.

Vinícius de Moraes.

Caricatura: Vinícius de Moraes.

Vinícius de Moraes

Tom Jobim e Vinícius de Moraes

 


Publicado por: ELENIR DUARTE DIAS

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