Violência sexual no âmbito familiar contra crianças e adolescentes

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1. RESUMO

Através do presente trabalho, efetuou-se a análise dos princípios inerentes à proteção de crianças e adolescentes contra a violência, em especial a violência sexual. Tal tema ganhou grande importância no cenário nacional após uma mudança legislativa realizada pela Lei 12015/2009, a qual incluiu no Código Penal vários tipos visando a proteção de tal classe de indivíduos. Em razão disso, o presente trabalho realizou o aprofundamento dos conceitos e aspectos da violência sexual e abuso sexual em face da criança e adolescente, inclusivo em seu âmbito doméstico. Por fim, sistematizou-se os meios de proteção da criança e adolescente em situação de risco de violência, determinando-se os meios e os sujeitos responsáveis por estabelecer o fim de tais práticas. Uma análise profunda, necessária diante da importância do tema.

Palavras-chave: Violência. Sexual. Criança. Adolescente. Código Penal. Proteção.

ABSTRACT

Through this work, we performed the analysis of the principles inherent in the protection of children and adolescents from violence, especially sexual violence. This topic has gained great importance on the national scene after a legislative change made by Law 12015/2009, which included the Criminal Code aimed at protecting various types of this class of individuals. For this reason, the present work deepening the concepts and aspects of sexual violence and sexual abuse in the face of a child and teenager, inclusive in their domestic context. Finally, systematised the means of protection of children and adolescents at risk of violence, determining the means and subjects responsible for establishing an end to such practices. A deep analysis needed before the importance of the topic.

Keywords: Violence. Sexual. Child. Teenager. Penal Code. Protection.

2. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como meta tratar sobre uma categoria de pessoas consideradas pelo ordenamento como hipossuficientes: as crianças e os adolescentes.

Tais indivíduos são merecedores de cuidados e atenção especiais, pois os mesmos se encontram em uma fase da vida onde acontecem grande parte de seu desenvolvimento físico e psicológico. No entanto, merece destaque o fato de que, desde os primórdios da humanidade, a prática de violência contra essa categoria é constante.

Diante de todas as formas de violência contra crianças e adolescentes, foi dada uma atenção especial à violência sexual, que infelizmente tem maior incidência no âmbito familiar, em razão de, em muitos casos, figurar como agressor alguém que tenha um vínculo sanguíneo com a vítima.

Mesmo com todo o avanço no sentido de coibir essa prática de violência, existem vários casos de violência sexual onde o agressor fica imune, posto que parte dos casos de violência deste tipo não chegam ao conhecimento das autoridades; isso ocorre em razão de muitos fatores, entre os quais a vergonha ou o medo da vítima.

Vale ressaltar também que em alguns casos a violência sexual é seguida por ameaças e coações de todo gênero. A violência sexual tem efeitos arrasadores sobre a vítima, recaindo sobre ela danos psicológicos graves. Quem moralmente e legalmente falando teria o dever de cuidado, acaba sendo o antagonista desta triste e real realidade.

Até o século XX, crianças e adolescentes viviam às margens do meio social, pois não eram tidos como indivíduos dotados de direitos, estando sempre sujeitos aos pais. Em conseqüência desta dependência, o menor sempre esteve sujeito a toda sorte de violências e agressões por parte dos familiares de todas as linhas.

Gabriel Barbosa Rossi afirma que:

Infância e adolescência são termos que conhecemos hoje e que distinguem períodos da vida de uma pessoa até a idade adulta, termo mais utilizado a partir do século XX. É claro que no século XIV e XV não existiam nem os sentimentos de infância e nem o de adolescência, mas, dependendo do período da vida de um garoto, ele recebia uma punição diferente por seu crime de violação, o que equivalia também para a menina/mulher. No caso, tanto a idade da garota como a do garoto influenciavam na pena a partir de seu crime, no caso do estupro/violação, obviamente. (ROSSI, 2013)

Atualmente costumes arcaicos e desprezíveis ainda permanecem em alguns lugares do mundo, um exemplo claro disso são os países Islâmicos que permitem o casamento entre crianças com idade inferior à dez anos com homens mais velhos, prática essa que agride a integridade moral e psicológica de tais crianças.

Carlos Reis afirma que:

Condicionadas por sociedades arcaicas, costumes ancestrais, leis religiosas e pobreza, crianças são casadas à força em todo o mundo. Grande parte das vítimas de casamentos forçados são meninas provenientes das camadas mais marginalizadas e vulneráveis da sociedade, que ficam isoladas ao serem retiradas das suas famílias e escolas e separadas das suas amigas. Mais de 100 milhões de meninas poderão ser vítimas de casamentos forçados durante a próxima década, segundo o estudo da UNICEF, Fundo das Nações Unidas para a Infância, que revela que a taxa de casamentos de menores é de 39 por cento na África Subsariana. (REIS, 2012)

Nesse sentido, podemos perceber que o tema violência sexual contra crianças e adolescentes é, infelizmente, constante e atual em nosso meio. Inúmeros casos de violência sexual onde figuram como vítimas as crianças e os adolescentes acontecem no seio familiar, e figuram como autores os genitores, os avós, os tios, primos, entre outros.

Em grande parte da totalidade destes casos, o agressor usa como meios de obtenção de êxito a influência que exercem sobre a vítima, utilizam-se também de meios diversos de aproximação e chantagem para lograr êxito.

Este tipo de violência abarca vítimas de ambos os sexos, e de certo modo são crianças que apresentam algum tipo de fragilidade, insegurança e inconstância no ambiente em que vivem.

O tipo de prática sexual adotada varia de acordo com o perfil do agressor, e dentre elas estão a prática de atos libidinosos, exposição de conteúdo pornográfico, conjunção carnal, dentre outros.

Contudo, visto o crescente volume de casos de violência sexual contra menores e o volume ainda maior de casos que não chega ao conhecimento das autoridades, é latente e salta aos olhos a necessidade de implantação de políticas públicas que previnam e informem de maneira eficaz e correta, para que os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes diminuam cada vez mais.

3. PRINCIPIOS INERENTES À CRIANÇA E O ADOLESCENTE

3.1. ASPECTOS GERAIS

Muitos são os direitos fundamentais inerentes à personalidade da Criança e do Adolescente, são eles à Liberdade, o respeito e à dignidade, estes princípios são os pilares da manutenção do ordenamento jurídico para a proteção destes indivíduos.

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

A Constituição Federal de 1988 está embasada nas noções de valor e princípio. Conforme Gama, os princípios traduzem “mandamentos de otimização, com caráter deontológico, relacionando-se ao dever-ser, enquanto que os valores se situam na dimensão axiológica, ou seja, do que efetivamente é de acordo com um juízo do bom e do mau”. Já o princípio “se encontra num grau de concretização maior que o valor, eis que já congrega a bipartição em previsão e consequência, característica da norma jurídica”. O principio “depende da mediação concretizadora do intérprete, orientado pela observância da equidade, ou da justiça no caso concreto”; “apresenta maior grau de generalidade, consagrando valores do ordenamento, consagrando a noção de validade universal”. É importante também traçar a distinção entre principio e regra. Enquanto o primeiro “indica suporte fático hipotético necessariamente indeterminado e aberto”, o segundo “aponta suporte fático mais determinado e fechado”; “a regra é aplicada pela técnica da subsunção, ou seja com a concretização na realidade dos fatos da hipótese de incidência (ou suporte técnico hipotético), o aplicador reconhece a incidência da regra”. (AZAMBUJA, 2011, p. 55)

Alguns princípios dos referidos acima merecem uma abordagem especial, conforme passa-se a tratar abaixo.

3.2. PRINCIPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL

O princípio da proteção integral tem em sua nomenclatura a ideia ínsita de que a criança ou adolescente deve ter todos os seus direitos protegidos pela sociedade, ou seja, quando estamos diante de direitos dessa categoria da sociedade, o poder público, a sociedade, a família, as políticas públicas, entre outros, deve, e não apenas pode, agir para resguardar a totalidade desses direitos.

Nesse sentido, leciona Maria Regina Fay de Azambuja que:

A criança, como sujeito de direitos, merece proteção em todas as situações, especialmente quando se vê envolvida em processo judicial na condição de vítima, não podendo o sistema de justiça se sobrepor ao sistema de garantias de direitos enunciado na normativa internacional. Nos processos criminais que apuram violência sexual de natureza intrafamiliar, a vigilânicia deve ser maior em face dos aspectos que se fazem presentes e têm sido objeto de exame ao longo desse trabalho. Ao poder judiciário cabe dispensar tratamento condizente com os princípios constitucionais da proteção integral e da dignidade da pessoa humana, o que pressupõe conhecer o contexto de vida da criança, nas suas diversas facetas, investindo, cada vez mais, em ações cooperativas de cunho interdisciplinar. (AZAMBUJA, 2011, p. 176)

3.3. PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

 

 

Inerente a todo ser humano, tal princípio encontra-se também disciplinado quando estamos diante de crianças e adolescentes.

Já o conceito de dignidade da pessoa humana, que tem como elemento nuclear a autonomia e o direito de autodeterminação da pessoa, embora não se mostre claro e tampouco preciso, adquire maior visibilidade no exame dos casos práticos, quando “ela é ferida ou agredida, rebaixada a objeto ou coisa” (Battistela, 2009, p. 19). (AZAMBUJA APUD BATTISTELA, 2011, p. 57)

Para Sarlet, a dignidade da pessoa humana “é valor próprio, natural, inalievavel, e incondicionado” (2008, p. 45). Vem definida como “um valor absoluto, intrínseco à essência da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente” (Pereira, 2008, p. 150). (AZAMBUJA APUD PEREIRA, 2011, p. 57)

Cretella Junior aduz que, “erigindo-se a justiça como valor supremo numa sociedade fraterna e solidária, em que a dignidade da pessoa é cultuada, todo tratamento deve ser humano, não permitindo a regra jurídica constitucional nenhum tratamento degradante ou desumano” (1992, p. 195). (AZAMBUJA APUD CRETELLA, 2011, p. 57)

André Gustavo Corrêa de Andrade assevera que:

A dignidade é composta por um conjunto de direitos existenciais compartilhados por todos os homens, em igual proporção. Partindo dessa premissa, contesta-se aqui toda e qualquer ideia de que a dignidade humana encontre seu fundamento na autonomia da vontade. A titularidade dos direitos existenciais, porque decorre da própria condição humana, independe até da capacidade da pessoa de se relacionar, expressar, comunicar, criar, sentir. Dispensa a autoconsciência ou a compreensão da própria existência, porque “um homem continua sendo homem mesmo quando cessa de funcionar normalmente.” (ANDRADE, 2008)

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

Os direitos fundamentais – em especial a liberdade, a igualdade e o respeito – são instrumentos capazes de promover a tão almejada paz, entendida como “condição para a sobrevivência da humanidade” (Grossman, 2006, p. 180) e como objetivo a ser buscado por todos os indivíduos. Sempre que algum direito fundamental é infringido, cria-se terreno propício às diversas formas de violência, especialmente contra as populações mais vulneráveis. (AZAMBUJA, 2011, p. 59)

4. VIOLÊNCIA SEXUAL

4.1. HISTÓRICO

Infelizmente, a violência sexual não é uma figura moderna, mas remonta dos primórdios da humanidade.

Na antiguidade, existiram práticas que envolviam inúmeras formas de violência à criança, referendadas pela própria legislação, como demonstram o Código de Hamurábi (1728-1686 a.C), as Leis de Rômulo (Roma), a Lei das XII Tábuas (303-304), entre outras, indicando a vulnerabilidade da infância frente ao adulto. Na Idade Média, a infância “não passou tão ignorada, mas foi antes definida de forma imprecisa e, por vezes, desdenhada” (Heywood, 2004, p. 29). (RANGEL APUD HEYWOOD, 2011, p.29)

Terminava por volta dos sete anos, provavelmente em razão de ser a idade em que dominavam a palavra. A mortalidade infantil era alta, e as mulheres costumavam ter muitos filhos, “na esperança de que dois ou três sobrevivessem” (Postman, 1999, p. 31). (AZAMBUJA APUD POSTMAN, 2011, p. 24)

A alta taxa de mortalidade impedia os adultos de estabelecerem uma forte ligação com os bebês. No final do século XIV, as crianças não eram mencionadas em legados ou testamentos, talvez “um indicio de que os adultos não esperavam que elas vivessem muito tempo” (Postman, 1999, p. 32). (AZAMBUJA APUD POSTMAN 2011, p. 24)

Patricia Calmon Rangel, ao discorrer sobre a história da violência sexual, completa que:

A violência intrafamiliar contra a criança vem ocupando grande espaço nas análises contemporâneas sobre a violência, mas não por ser um fenômeno recente. Os maus tratos, os abusos físicos e sexuais sempre estiveram presentes na esfera familiar, como demonstra a história. No entanto, eram vistos como o exercício, pelos pais, de seus direitos sobre os filhos, assegurados pelas leis, pelos costumes e pelos princípios religiosos. (RANGEL, 2011, p. 29)

De acordo com o artigo Abuso Sexual Infantil: Breve Histórico e Perspectivas na Defesa dos Direitos Humanos de autoria de Vanessa Milani Labadessa - Mariangela Aloise Onofre Revista Olhar Científico – Faculdades Associadas de Ariquemes – V. 01, n.1, Jan./Jul. 2010 p. 06:

A relação entre poder social e poder sobre o sexo pode ser retratada no exemplo de Azambuja (2004), que descreve que os filhos e as mulheres do Império Romano eram subordinados à figura masculina, ou seja, eram submissos primeiro aos pais e no caso das meninas posteriormente ao marido. As mulheres e crianças eram consideradas sem personalidade jurídica e não tinham direito a patrimônio algum. Isto ainda ocorre em diversos países muçulmanos e africanos. (LABADESSA; ONOFRE, 2010).

Marcia Ferreira Amendola APUD Aríes (1981, p. 99):

Na sociedade medieval, que tomamos como ponto de partida, o sentimento da infância não existia – o que não quer dizer que as crianças fossem neglicenciadas, abandonadas ou desprezadas. O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia. (AMENDOLA, 2009, p. 28)

Analisando os mais diversos autores, percebe-se a absoluta afirmação de que as mais diversas modalidades de violência contra as crianças e adolescentes vem dos primórdios da humanidade, deixando claro, inclusive, a vulnerabilidade desses indivíduos.

Sobre essa questão da vulnerabilidade, assevera Maria Regina Fay de Azambuja:

Quanto mais regressamos na história, maiores são as chances de nos depararmos com a falta de proteção jurídica à criança, aumentando as probabilidades de que tivessem sido abandonadas, assassinadas, espancadas, aterrorizadas e abusadas física e sexualmente. Exemplos são colhidos ao longo da história, assinalando-se que, no Oriente Antigo, o Código de Hamurabi (1728/1686 a.C.), em seu artigo 192, previa o corte da língua do filho que ousasse dizer aos pais adotivos que eles não eram seus pais, assim como a extração dos olhos do filho adotivo que aspirasse voltar à casa dos pais biológicos, afastando-se dos pais adotantes (artigo 193). Punição severa era aplicada ao filho que batesse no pai. Em contrapartida, se um homem livre tivesse relações sexuais com sua filha, a pena aplicada ao pai limitava-se à sua expulsão da cidade (artigo 154). (AZAMBUJA, 2011, p. 63)

Segundo Patricia Calmon Rangel:

Um breve levantamento histórico demonstra como violência e infância estiveram e estão muito mais próximas do que gostaríamos, não só com relação às crianças desamparadas mas também dentro da família, e nos dá maiores esclarecimentos sobre a maior e menor indiferença social à esse respeito. (RANGEL, 2011, p.30)

Ainda sobre o assunto Maria Regina Fay de Azambuja:

No que tange a violência sexual, na mitologia da Grécia e Rom, é possível verificar desde rapto de mulheres por deuses, rapto de mulheres por deuses travestidos de animais, mulher raptada que enlouquece por punição divina, entre outras situações (Charam, 1997, p.63). O principal deus da mitologia Greco-romana, Zeus,” desenvolveu grande atividade sexual, conjugal e extraconjugal, amando deusas, ninfas e terráqueos, mulheres e homens, com sua própria aparência ou assumindo a de animais ou de coisas”. Zeus iniciou sua vida amorosa com Hera, sua irmã; raptou Egina, filha do rei de Asopó; violou Deméter, transformando em touro. (AZAMBUJA, 2011, p. 63)

Ao voltarmos os olhos para o direito romano observamos que este favorecia o direito do pater famílias com relação ao destino de seus filhos, no rol dessas permissividades estão a faculdade dada à eles de castigar, flagelar dentre outros.

Em conformidade do que foi feito na Itália no século XII, o Brasil, por não saber ao certo o destino à ser dado as crianças abandonadas, optou por instituir o sistema da casa ou roda dos expostos.

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

A dificuldade para lidar com as crianças abandonadas levou o Brasil, a exemplo do que já havia sido instituído na Itália, no século XII, a recorrer ao sistema da casa ou roda dos expostos. Assim, em 1726, junto à Santa Casa de Salvador, é instituída a roda dos expostos, seguindo-se, em 1738, idêntica iniciativa na cidade do Rio de Janeiro. Em São Paulo, a roda foi implantada somente em 1825, destinando-se a receber crianças abandonadas. Em razão de estarem localizadas apenas em centros maiores, não atendiam ao grande número de expostos na época, e “parte considerável deles acabava por morrer, logo após o abandono, por fome, frio ou comidos por animais, antes de poderem encontrar uma alma caridosa que os recolhesse dos caminhos, portas de igrejas ou de casas, praças públicas ou até em monturos de lixo” (Freitas, 1997, p. 67). A roda dos expostos de Porto Alegre, uma das treze existentes no país, funcionou junto à Santa Casa de Misericordia, tendo sido instituída, em 1837, e desativada, oficialmente, em 1940. (AZAMBUJA, 2011, p. 65)

Já no que tange aos flagelos impostos as crianças ao longo da história no Brasil podemos dizer que as agressões emergem das épocas mais remotas.

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

Na história do Brasil, vem de longe o desrespeito à criança. Antes mesmo do descobrimento oficial, já são encontrados registros de desproteção. Na condição de órfãos do Rei, como grumetes ou pajens, as crianças portuguesas eram enviadas nas embarcações, para casarem com os súditos da Coroa. Poucas mulheres vinham nas viagens e as crianças eram “obrigadas a aceitar abusos sexuais de marujos rudes e violentos” (Ramos, 1999, p. 19). Por ocasião dos naufrágios, comuns na época, “eram deixadas de lado pelos adultos, e entregues à fúria do mar” (Day et al., 2003, p.11). (AZAMBUJA, 2011, p. 65)

4.2. CONCEITO

A violência sexual é um tipo de violência em que envolve relações sexuais não consentias e pode ser praticada tanto por conhecido ou familiar ou por um estranho.

Segundo Maria Regina Fay, a violência sexual trata-se de:

A violência sexual vem definida como “todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança ou adolescente ou utilizá-la para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa” (Kristensen et al., 1998, p. 33). É também entendida como o envolvimento de crianças e adolescentes, dependentes e imaturos quanto ao seu desenvolvimento, em atividades sexuais que não têm condições de compreender plenamente e para quais são incapazes de dar o consentimento informado ou que violam as regras sociais e os papéis familiares. Incluem a pedofilia, os abusos sexuais violentos e o incesto, sendo que os estudos sobre a frequência da violência sexual são mais raros dos que os que envolvem a violência física (Kempe; Kempe, 1996). (AZAMBUJA, 2011, p. 91)

Por sua vez, Leila Paiva afirma que:

O abuso sexual pode expressar-se de duas formas: intrafamiliar e extrafamiliar: a. O abuso sexual intrafamiliar é assim considerado quando a agressão ocorre dentro da família, ou seja, a vítima e o agressor possuem alguma relação de parentesco. Aqui é importante considerar o contexto familiar ampliado, já que a diferença estabelecida sob o aspecto conceitual objetivou apenas diferenciar as estratégias e metodologias de prevenção, proteção e responsabilização. Assim, quando o agressor compõe a chamada família ampliada ou possui vínculos afetivos familiares, o abuso deve ser caracterizada como intrafamiliar. b. O abuso sexual extrafamiliar se dá quando não há vínculo de parentesco entre o agressor e a criança ou adolescente. (PAIVA)

Todos os seres humanos, desde que não infrinjam a lei os bons costumes, são livres para satisfazer seus desejos sexuais, porém, há de se considerar sempre o respeito aos limites e a dignidade do individuo.

Nesse sentido, pode-se afirmar que configura um ilícito qualquer coação ilegal que tenha como fim fazer com que um individuo pratique ou presencie jogo ou ato sexual em desacordo com sua vontade, isto posto, desejos e vontades sexuais devem ser satisfeitos apenas quando existe concessão mútua entre as partes, não sendo válida tal satisfação mediante o desrespeito aos direitos do outro.

Ofender a dignidade sexual da pessoa humana consiste na prática da violência sexual, independente da sua modalidade, e tal violência se traduz em todo e qualquer ato ou jogo sexual, que envolva o adulto no polo ativo e a criança ou adolescente no polo passivo, tendo como fim a realização dos desejos sexuais do adulto, que se utiliza para tanto da estimulação sexual da criança ou adolescente. (HUH APUD AZEVEDO & GUERRA, 1989; WATSON, 1994; MELLO, 2008; MILLER, 2008); SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2001)

A opressão imposta pelo abusador pode-se dar com a imposição da força bruta ou de ameaças que objetivem alcançar seu intento.

Assim sendo, violência sexual se caracteriza como sendo a ação onde, em quase todos os casos, o ofensor emprega o uso da força física ou a coação psicológica, com o intento de obrigar ou persuadir outra pessoa, seja ela adulto ou criança, à prática de fato ou a participação como expectador de atos libidinosos.

Ainda sobre o tema Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

No que tange a violência sexual, os autores divergem na denominação: para alguns é violência sexual. Na literatura não há homogeneidade também quanto às expressões da violência sexual, doméstica ou intrafamiliar. A expressão violência doméstica é utilizada, por alguns autores, para os casos em que o agressor é da pessoa das relações da criança, envolvendo amigos, vizinhos e pessoas de suas relações. No presente trabalho, seguimos o entendimento dos autores que definem a violência sexual intrafamiliar como aquela praticada por agressor que faz parte do grupo familiar da vítima, considerando-se não apenas a familia consanguínea, como também as famílias adotivas e socioafetivas, onde se incluem os companheiros da mãe e do pai, ou, ainda, pessoas de confiança da criança. A violência sexual intrafamiliar nada mais é do que o rompimento do tabu do incesto. A violência sexual incestuosa envolve relações sexuais entre pai e filha ou algum homem que “simbolicamente ocupa para a menina/mulher o lugar de pai, ainda que seja vivo, presente ou não em sua vida” (Cromberg, 2004, p. 62). Ocorre, com frequência, dentro da familia, em algumas vezes, na própria casa da criança, podendo se estender por longos períodos, envolver padrastos, madrastas, meio-irmãos, avós por afinidade, namorados ou companheiros que morem junto com o pai ou a mãe e que exerçam o papel de cuidador. (AZAMBUJA, 2011, p. 90)

5. ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇA E O ADOLESCENTE

5.1. DEFINIÇÃO

Configura-se abuso sexual contra criança ou adolescente quando um indivíduo, aproveitando-se da fragilidade inerente à idade de uma criança ou adolescente, pratica atos com este com o intuito de satisfazer seus anseios sexuais.

No texto de ABRAPIA, intitulado de Abuso sexual contra crianças e adolescentes, mitos e realidades afirma-se que:

O abuso sexual é uma situação em que uma criança ou adolescente é usado para gratificação sexual de um adulto ou mesmo de um adolescente mais velho, baseado em uma relação de poder que pode incluir desde caricias, manipulação da genitália, mama ou ânus, exploração sexual, “voyerismo”, pornografia e exibicionismo, até o ato sexual com ou sem violência física. A etiologia e os fatores determinantes do abuso sexual contra a criança e o adolescente têm implicações diversas. Envolvem questões culturais (como é o caso do incesto) e de relacionamento (dependência social e afetiva entre os membros da família), o que dificulta a notificação e perpetua o “muro do silêncio”. Envolvem questões de sexualidade, seja da criança, do adolescente ou dos pais, e da complexa dinâmica familiar. (ABRAPIA, 2002)

Ainda sobre o assunto, Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

Para a organização mundial de saúde (OMS), o abuso sexual infantil, “definido como qualquer atividade sexual (incluindo intercurso vagina/anal, contato gênito-oral, contato gênito-genital, carícias em partes íntimas, masturbação, exposição à pornografias ou a adultos mantendo relações sexuais), envolvendo uma criança incapaz de dar seu consentimento” (Salvagni; Wagner, 2006, p. ), é considerado um dos maiores problemas de saúde pública no mundo (Johnson, 2004, p. 121-132) podendo ocorrer em qualquer faixa etária, inclusive com os bebês (Ferreira, 1999), o que justifica o envolvimento cada vez maior de toda a sociedade e do poder público na busca de diagnóstico precoce e de políticas públicas capazes de estancar seus elevados índices. (AZAMBUJA, 2011, p. 91)

5.2. DOS NOVOS ARTIGOS INSERIDOS NO CÓDIGO PENAL PELA LEI 12.015/2009 - CRIMES PRATICADOS CONTRA VULNERÁVEL

O legislador criou, em 2009, uma série de mudanças no Código Penal com o intuito de criar uma maior proteção aos delitos sexuais praticados contra criança ou adolescente.

Os crimes sexuais contra vulnerável abrangem os crimes de estupro de vulnerável (art. 217-A), corrupção de menores (art. 218), satisfação da lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A) e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (art. 218-B). (MIRABETE, 2012, p. 412)

Abaixo, os crimes são tratados de forma mais aprofundada.

5.2.1. DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL - ARTIGO 217-A

Entre as mudanças trazidas pela Lei 12.015/2009, encontra-se a figura do chamado estupro de vulnerável, definida no artigo 217-A. Tal tipo deu uma ênfase maior à proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes, abrangendo também todas as pessoas que, no momento em que sofrerem violência sexual, não tinham o discernimento necessário para a prática do ato ou mesmo aqueles que, de qualquer forma, não puderam apresentar resistência. Eis a redação do referido artigo:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

§ 2º (vetado)

§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§ 4º Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Uma das principais preocupações do legislador ao elaborar a Lei nº 12.015 de 7-8-2009 constituiu em conferir aos menores de 18 anos especial proteção contra os crescentes abusos sexuais e a proliferação da prostituição infantil e de diversas outras formas de exploração sexual. A repressão à exploração sexual do menor tem sido objeto de diversos tratados e convenções internacionais, tanto em razão da relevância do bem jurídico atingido por práticas dessa natureza, como também em face da dimensão internacional que vem assumindo o tráfico de menores com fins sexuais (item 25.5.1). Ao reservar um capitulo próprio aos crimes contra vulnerável, centrado na proteção ao menor de 18 anos, o legislador procurou, também, dar maior efetividade ao mandamento contido no art.227, § 4º, da Constituição Federal, que prevê: “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”. (MIRABETE, 2012, p. 410)

Por sua vez, Rogério Grecco afirma que:

As modificações ocorridas na sociedade pós-moderna trouxeram novas e graves preocupações. Ao invés de procurar proteger a virgindade das mulheres, como acontecia com o revogado crime de sedução, agora, o Estado estava diante de outros desafios, a exemplo da exploração sexual de crianças e adolescentes. A situação era tão grave que foi criada, no Congresso Nacional, uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, através do Requerimento 02/2003, apresentando no mês de março daquele ano, assinado pela Deputada Maria do Rosário e pelas Senadoras Patrícia Saboya Gomes e Serys Marly Slhessarenko, que tinha por finalidade investigar as situações de violência e redes de exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. Essa CPMI encerrou oficialmente seus trabalhos em agosto de 2004, trazendo relatos assustadores sobre a exploração sexual em nosso país, culminando por produzir o projeto de lei nº 253/2004 que, após algumas alterações, veio a se converter na Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009.

Depois da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, várias leis foram editadas, seguindo a matriz constitucional, para ampliar e reforçar a proteção e a garantia de direitos à infância e adolescência. Entre elas, merecem destaque a Nova Lei de Adoção (Lei nº 12.010/2009), que alterou dispositivos da Lei nº 8.060/90; Lei nº 12.015/2009, que mudou dispositivos do Código Penal, criando a figura do estupro de vulnerável; Lei nº 11.829/2008 e Lei nº 12.038/2009, que modificaram alguns tipos penais e infrações administrativas descritas na Lei nº 8.069/90. (AZAMBUJA; 2011, p. 50)

Por fim, Marcia Ferreira Amendola afirma que:

Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/90), alguns dos direitos fundamentais asseverados no art. 227 da Constituição da Republica Federativa de Brasil de 1988 e, originalmente, pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), foram reproduzidos e ampliados, considerando juridicamente as crianças não apenas como objeto de proteção, mas como titular de um conjunto de direitos civis e políticos. Essa lei, que se tornou um instrumento para identificar e decretar os direitos constitucionais da população infanto-juvenil, passou a privilegiar um espaço à denuncia e ao ressarcimento de qualquer fato que viole os direitos das crianças e adolescentes, ainda que a revelia dos mesmos. (AMENDOLA, 2009, p. 73)

5.2.2. DA CORRUPÇÃO DE MENORES ARTIGO 218

A lei 12.015/2009 alterou a redação do artigo 218 que passou a ter os verbos Induzir e não mais os verbos corromper ou facilitar; tal redação alterou a aplicação deste tipo penal e, nesse sentido, Cláudia Tereza Sales Duarte; Thallys Mendes Passos afirma que:

O delito de corrupção de menores, disposto no artigo 218 caput, do Código Penal sofreu alteração em sua redação, que anteriormente previa a conduta daquele que corrompia ou facilitava a corrupção de pessoa maior de 14 anos e menor de 18 anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo. (DUARTE; PASSOS).

5.2.3. DA SATISFAÇÃO DE LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE ARTIGO 218-A

Importante mudança também foi a inclusão do artigo 218 – A, o qual criou o tipo de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente até os 14 anos incompletos e alusivo ao assunto, Leonardo Castro afirma que:

O art. 218-A pune aquele que põe em prática o doentio desejo de ter, como espectador de relações sexuais, menor de quatorze anos. O dispositivo não é aplicável se o menor tiver quatorze anos completos (maior de 14). O crime pode ser cometido de duas formas: a) praticar, na presença do menor de 14 anos, qualquer ato libidinoso ou conjunção carnal; b) induzi-lo a presenciar conjunção carnal ou ato libidinoso. Importante ressaltar que não há qualquer contato físico com a vítima. Caso venha a ocorrer, o crime será o de estupro de vulnerável (art. 217-A). Para alguns autores, ocorre o crime quando o agente induz menor a assistir filmes pornográficos, encenados por pessoas desconhecidas. Contudo, nesse caso, é essencial identificar a finalidade do ato. Se o intuito é a satisfação da própria lascívia ou de outrem, o crime será o do art. 218-A. No entanto, se a finalidade for a prática de ato libidinoso, o crime será o do art. 241-D, I, do ECA. Por derradeiro, é imprescindível o dolo. Caso o indivíduo esqueça, por descuido, a porta do seu quarto aberta, e o menor venha a presenciar a relação sexual, o fato será atípico. O especial fim de agir – satisfação da lascívia – é essencial para a configuração do delito.

5.2.4. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU DE OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE OU DE VULNERÁVEL ARTIGO 218-B

Por fim, a referida lei também incluiu o crime de favorecimento de prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável, definida no artigo 218-B;

Importante destacar, que, na data de 21 de maio de 2014, foi instituída a Lei nº 12.978/2014, a qual classificou tal delito como crime hediondo, alterando o nome jurídico para favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável, com o corpo do artigo alterado pela Lei nº 12.015 DE 2009, passando a ter a seguinte redação:

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone.

6. VIOLÊNCIA SEXUAL NO ÂMBITO FAMILIAR CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE

6.1. CONCEITO

Uma vasta parcela dos tipos de violência praticados contra as crianças e adolescente acontece no interior das relações familiares.

Neste caso, não existe um tipo grupal determinado, onde ocorre a violência sexual, pois está pode ocorrer nas mais variadas classes sociais, de todos os países do Mundo, nas mais diversas culturas, de inúmeras formas.

É certo que o abuso sexual intrafamiliar pode ocorrer em qualquer família, não exigindo, como pré-requisito indispensável, que a família tenha uma ou outra característica. Todavia embora Smith & Saunders (1995) não tenham encontrado resultados que evidenciem uma relação entre o casal típica da ideologia patriar-cal, temos que sua pesquisa prescindiu da observação da perspectiva intergeracional, que poderia revelar relações assimétricas, porque adultocêntricas (RANGEL, 2011, p.71) e, nesse sentido, Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

A violência sexual praticada contra a criança “ainda é um fenômeno social grave que atinge todas as idades, classes sociais, etnias, religiões, culturas e limitações individuais”. Acontece em um ambiente relacional favorável, às expensas da confiança que a vítima deposita no abusador, que aproveitando-se da ingenuidade da criança e do adolescente, “pratica a violência de forma repetitiva, insidiosa, fazendo crer que ela, a vítima, é culpada por ser abusada” (Baptista et al., 2008, p.8). É prejudicial a criança uma vez que “envolve uma quebra de confiança com as figuras parentais e/ou de cuidado que, a princípio, deveriam promover segurança, conforto e bem estar psicológico”. Em vista disso, “quanto mais próximo for o relacionamento entre ela e o abusador, maior será o sentimento de traição” experimentado pela vítima (Santos; Dell’Aglio, 2008, p.3). Por envolver pessoas que costumam exercer autoridade sobre a criança, este tipo de violência propicia a instalação da síndrome do segredo e da negação. (AZAMBUJA, 2011, p. 97)

Muitos casos de violência sexual acontecem, em muitos casos, em razão de a vítima, criança ou adolescente, ainda não possuir discernimento claro sobre o mal que lhes ocorre.

Consequentemente, não é raro a mesma silenciar por medo do abusador e receio de vir a público o escarno de violência à qual era submetida.

A maioria dos relatos de violência sexual contra crianças e adolescentes têm na figura do autor pessoa do sexo masculino, mas existem casos onde o abusador é do sexo feminino.

Em quase que a totalidade dos casos de violência sexual no âmbito familiar a mãe da vítima, infante ou adolescente, tem pleno conhecimento da situação de violência sexual à que o filho é submetido, entretanto, silencia e acaba por se tornar conivente com a situação, quase sempre por temor ou porque é o agressor quem sustenta o lar. Isto posto, vemos que a criança ou adolescente não tem à quem pedir ajuda, já que quem deveria ajudar ou pôr fim à violência permanece inerte diante da situação.

Assim sendo, a violência sexual no âmbito familiar contra o infante ou jovem é a que ocorre no contexto das relações familiares, contendo peculiaridades singulares, ante ao convívio entre o abusador e a vítima.

6.2. DEFINIÇÃO DO AGRESSOR

Quase sempre o algoz das crianças ou adolescentes vítimas da violência sexual é alguém de seu convívio familiar, estando sempre presente na vida desta; e este pode ser qualquer um: mãe, pai, avô, avó, tio, tia, primo, prima, entre outros. O que nunca se difere nestes casos é a vinculação de autoridade com a vítima, o abusador sempre tem vantagem sobre a vítima, pois tem mais idade do que a mesma, e em muitos casos ainda faz o uso da força física.

Geruza Gomes dos Santos; Renan dos Santos Alves em seu artigo intitulado Violência Sexual Contra Criança e Adolescente afirmam que:

Mais comumente quem abusa sexualmente de crianças são pessoas que a criança conhece e que, de alguma forma, podem controlá-la. De cada dez casos registrados, em oito o abusador é conhecido da vítima. Esta pessoa, em geral, é alguma figura de quem a criança gosta e em quem confia. Por isso, quase sempre acaba convencendo a criança a participar desses tipos de atos por meio de persuasão, recompensa ou ameaça. (ALVES; SANTOS, 2010)

Quase que a totalidade dos casos acontece com as figuras do agressor do sexo masculino e a vítima do sexo feminino, porém, existem casos onde o abusador é do sexo feminino e a vítima do sexo masculino, havendo também relatos de casos onde a vítima e abusador são do mesmo gênero.

Apesar da doutrina empreender esforços para traçar um perfil especifico para o agressor, são inúmeros os casos em que estes aparentam ser pessoas normais, comuns, não possuindo qualquer perfil de criminoso.

Maria Regina Fay de Azambuja APUD Telles 2006:

Segundo Telles (2006), os criminosos sexuais podem ser divididos em três grupos: psicóticos, portadores de personalidade antissocial e parafílicos. As principais categorias de parafilias são: exibicionismo, fetichismo, frotteurismo, pedofilia, masoquismo sexual, sadismo sexual e voyeurismo. Pedofilia é definida como a preferência sexual por crianças e raramente é identificada em mulheres, podendo ser entendida como “uma preferência sexual por crianças, usualmente de idade pré-puberal ou no ínicio da puberdade” (p. 277). Alguns pedófilos são atraídos apenas por meninas, outros apenas por meninos e outros, ainda são interessados em ambos os sexos. Um dado importante a ser assinalado é que a pedofilia não exclui a responsabilidade penal e tampouco a diminui. A maior parte dos pedófilos não recebe medida de segurança e a inimputabilidade fica subordinada à condição de psicótico. (AZAMBUJA, 2011, p. 134)

Geruza Gomes dos Santos; Renan dos Santos Alves em seu artigo intitulado Violência Sexual Contra Criança e Adolescente:

Esses casos começam lentamente através de sedução sutil, passando a prática de “carinhos” que raramente deixam lesões físicas. É nesse ponto que a criança se pergunta como. Alguém em quem ela confia, de quem ela gosta, que cuida e se preocupa com ela, pode ter atitudes tão desagradáveis. (ALVES; SANTOS, 2010)

Aquele que pratica este tipo de violência procura mostrar-se sempre um individuo correto, sem máculas em sua conduta perante a sociedade, fato este que facilita seu contato e proximidade ainda maior com a vítima.

Em seu artigo intitulado “O Perfil Psicológico do Abusador Sexual de Crianças”, Ana Maria Brayner Lencarelli descreve o abusador:

O abusador é uma pessoa comum, que mantém preservadas as demais áreas de sua personalidade, ou seja, é alguém que pode ter uma profissão e até ser destaque nela, pode ter uma família e até ser repressor e moralista, pode ter bom acervo intelectual, enfim, aos olhos sociais e familiares pode ser considerado "um indivíduo normal". Ele é perverso, e faz parte da sua perversão enganar a todos sobre sua parte doente. Para ele, enganar é tão excitante quanto a própria prática do abuso. Pode esconder-se vestindo uma pele de cordeiro, ou uma pele de autoritário, ou uma pele de moralista, mas isto não passa de um artifício a serviço da sua perversão. Esse é o ponto central da sua perversão. Ele necessita da fantasia de poder sobre sua vítima, usa das sensações despertadas no corpo da criança ou adolescente para subjulga-la, incentivando a decorrente culpa que surge na vítima.

O abusador pode ser agressivo, mas na maioria das vezes, ele usa da violência silenciosa da ameaça verbal ou apenas velada. Covarde, ele tem muito medo e sempre vai negar o abuso quando for denunciado ou descoberto. (LENCARELLI)

Para melhor conhecer aspectos da família, da vítima e do abusador, nos casos envolvendo violência sexual intrafamiliar, é preciso considerar, quanto à família, aspectos socioeconômicos, condições de moradia – em especial, o local onde a criança dorme -, idade e escolaridade da mãe da vítima, uso de álcool ou outras drogas pelo abusador ou membro da família. Com relação à vítima, interessa dispor de informações referentes a sexo, idade, escolaridade, posição na ordem dos filhos, além de aspectos decorrentes de avaliação psicológica e/ou psiquiátrica. Quanto ao abusador, foi considerado o sexo, avaliação psicológica e/ou psiquiátrica, grau de parentesco com a vítima, idade, escolaridade e antecedentes judiciais. Tais aspectos podem permitir pormenorizar o conhecimento a respeito da complexidade das relações intrafamiliares hoje, habilitando especialmente os gestores públicos a adotarem medidas que possam assegurar a proteção da criança (AZAMBUJA, 2011, p. 117).

6.3. DESCRIÇÃO DA VÍTIMA

Os abusadores, em sua maioria, tem predileção por crianças ou adolescentes que, além de vulneráveis, encontram-se em alguma situação de fragilidade ou desproteção, seja por uma prévia dificuldade, nas relações sociais, seja por alguma deficiência física e/ou mental, o que dificulta os meios de defesa e a possibilidade de pedir auxilio.

Estudos recentes da OIT revelam que alguns grupos de crianças são particularmente vulneráveis à violência, como crianças portadoras de deficiências, crianças pertencentes a grupos minoritários e outros grupos marginalizados, “crianças de rua” e crianças em conflito com a lei. Nesse grupo também se incluem as crianças pouco protegidas, negligenciadas por suas famílias e abandonadas (RANGEL, 2011, p. 156).

Geruza Gomes dos Santos e Renan dos Santos Alves, em seu artigo intitulado “Violência Sexual Contra Criança e Adolescente” também descreve o assunto:

A criança que é vitima de abuso sexual prolongado, usualmente desenvolve uma perda violenta da auto-estima, tem a sensação de que não vale nada e adquire uma representação anormal da sexualidade. A criança pode tornar-se muito retraída, perder a confiança em todos adultos e pode até chegar a considerar o suicídio, principalmente quando existe a possibilidade da pessoa que abusa ameaçar de violência se a criança negar-se aos seus desejos. (SANTOS; ALVES)

No entanto, as crianças e adolescentes não têm uma faixa etária padronizada, tampouco, encontram-se presentes em grupos sociais certos, alternando sempre o abuso de acordo com o perfil do abusador e a oportunidade na qual se encontra.

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

A criança que participa de cenas de violência sexual costuma expressar forte sentimento de culpa, independentemente do grau de cooperação e da vontade de participar do abuso, o que exige atenção nos cuidados da área da saúde mental. Embora nem todas as crianças submetidas à violência sexual apresentem problemas emocionais, é necessário, em todos os casos, proceder à avaliação e encaminhá-las para acompanhamento sempre que a medida se mostrar necessária, como forma de minorar os danos que a violência costuma causar ao seu desenvolvimento. A avaliação da criança é medida que se impõe e tem como objetivo oportunizar um espaço para que possa se expressar e, ao mesmo tempo, para ser ouvida, exigindo, sempre que possível, a participação do grupo familiar. (AZAMBUJA, 2011, p. 133)

6.4. CONSEQUÊNCIAS E FORMAS DE IDENTIFICAÇÃO DO ABUSO SEXUAL

Os resultados e as maneiras de percepção da ocorrência do abuso sexual no âmbito familiar são diversas, variando de acordo com o contexto em que ocorreu a violência, o perfil do abusador e os meios de submissão física e psicológica utilizadas por este e Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

A violência sexual praticada contra a criança, no âmbito intrafamiliar, como já se afirmou, na maioria dos casos não inclui força física, valorizando o poder, a coação e/ou sedução do abusador com relação à criança. Costuma iniciar de forma sutil e, “conforme o abusador adquire a confiança da vítima, os contatos sexualizados tornam-se gradualmente mais íntimos, podendo variar desde um afago até relação sexual genital, oral ou anal (De Antoni e Koller, 2002; Pires, 2000)”. Autores ressaltam que a criança “pode perceber esse contato e aproximações como um privilégio, já que uma atenção diferenciada lhe é dispensada (Pfeiffer e Salvagni, 2005)”, fato que contribui para a manutenção do segredo sobre o abuso (Santos; Dell’ Aglio, 2008, p. 2). (AZAMBUJA, 2011, p. 99)

As maiores evidências, que denotam a prática da violência sexual estão nas mais variadas conseqüências físicas e normalidades psíquicas que se tornam evidentes na vítima.

Um dos principais aspectos que dificultam a revelação nos casos de violência sexual quando ocorre no âmbito familiar é um fenômeno chamado síndrome de segredo constante em todas as etapas do abuso antes e depois da ocorrência do mesmo.

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que p. 98

A síndrome de segredo se faz presente tanto nas etapas em que o fato ainda não foi identificado, e que pode durar vários anos, acompanhado de frequentes ameaças, uma vez que as ameaças, reiteradamente exercidas pelo violentador, fragilizam a crianças e/ou adolescente, pois se sentem incapazes de responder ao poder físico e emocional do adulto” (Barros; Suguihiro, 2003). De igual forma, nas etapas que se desenvolvem nos sistemas de saúde e/ou justiça, a negação se faz presente, cabendo referir que “sobreviver ao abuso sexual da criança como pessoa intacta pode ser tão difícil para o profissional como é para a criança e para os membros da família” (Furniss, 1993, p.1). (AZAMBUJA, 2011, p. 98)

Suane Pastorija Faraj; Aline Cardoso Siqueira afirmam que:

Em relação aos sintomas psicológicos, pode-se destacar: queixas psicossomáticas (mal estar difuso, impressão de alteração física, persistência das sensações que lhe foram impingidas e dores nos ossos) fadiga, distúrbios alimentares (anorexia, vômitos e recusa da alimentação), distúrbio do sono (ansiedade ao deitar, reaparecimento dos rituais ao deitar, pesadelos, despertares noturnos iterativos e terrores noturnos), distúrbios afetivos (apatia, confusão, desinteresse pelas brincadeiras, expressão triste e crise de choro, podendo chegar a um verdadeiro estado depressivo), distúrbio de adaptação (dificuldades escolares repentinas, dificuldade de concentração, atenção e motivação, isolamento, fuga, recusa em ficar em casa ou em outro lugar com um adulto) (BOUYER, 1997; FERRARI, 2002; MARCELLI, 1998). Além dos sintomas físicos e psicológicos, podem ser observadas condutas como masturbação desadaptada e prolongada, conduta sexual inadequada (curiosidade expressa, linguagem de adultos referentes a sexo) e jogos de aparência sexual com bonecas ou com pares (MARCELLI, 1998). (FARAJ; SIQUEIRA)

Geruza Gomes dos Santos; Renan dos Santos Alves em seu artigo intitulado Violência Sexual Contra Criança e Adolescente:

Interesse excessivo ou repugnância de natureza sexual; problemas com o sono ou pesadelos; depressão ou isolamento de seus amigos e da família; achar que tem o corpo sujo ou contaminado; ter medo de que haja algo de mal com seus genitais; negar-se a ir à escola; rebeldia e delinqüência, agressividade excessiva; comportamento suicida; terror e medo de algumas pessoas ou alguns lugares; retirar-se ou não querer participar de esportes; respostas ilógicas, quando perguntado sobre alguma ferida em seus genitais; terror irracional diante do exame físico e mudanças súbitas de conduta. (ALVES; SANTOS, 2010)

Deve-se ponderar que as evidências do abuso sexual diferem-se de um caso para outro; no entanto, vários indícios físicos podem ser facilmente percebidos, entre os quais: irritação ou coceira, disúria, infecções urinárias frequentes, gravidez, doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), dor nas partes íntimas, assaduras, entre outros. (ANTONINI, 2008)

Evidência clara do abuso quando praticado pelo pedófilo é a aparição da criança ou adolescente com presentes, dinheiro, balas e brinquedos de maneira estranha e sem dizer quem o presenteou.

Maria Regina Fay de Azambuja APUD, Furniss, 1993, p. 37):

(...) recompensas materiais que a criança sabe não serem recebidas pelas crianças que não sofrem abusos; também inclui convencer as crianças de que elas são melhores, mais encantadoras e mais especiais do que outras pessoas significativas nas suas vidas, assim como suas mães, irmãos e outras crianças (1993, p. 37). (AZAMBUJA, 2011, p. 94)

As peculiaridades inerentes à personalidade da criança ou adolescentes violentados são as mais diversas, entre elas, pode-se destacar: revivência do trauma com toda a carga emocional do episodio original; sensação de entorpecimento; embotamento emocional; afastamento do convívio social; medo e evitação de atividades que recordem o evento traumático, transtorno do humor; insônia; ansiedade e depressão. Reações imediatas logo após o episódio da violência, também merecem destaque e são eles: angustia; medo; ansiedade; culpa; vergonha; humilhação; autocensura e depressão, estas evidências podem vir associados outros sintomas físicos como: náuseas, dor estomacal, fadiga, tensão, cefaleia, alterações do sono e apetite (AMENDOLA, 2009, p. 67).

O abuso sexual altera em muito as características emocionais do abusado, e se externam através de mudanças, como um temor excessivo de que a violência sofrida venha à tona, pois não sabe como lidar com as conseqüências, receio demasiado e anormal em estar só, diversos outros medos, aparentemente infundados, tristeza excessiva levando a criança ou adolescente, muitas vezes à deixar de brincar, perder o interesse pelos estudos (MONTEIRO, 2008)

Um dos efeitos mais danosos da violência sexual no âmbito familiar é que a criança perde a confiança em todos, desconfia das tentativas de aproximação, tem medo de demonstrações de afeto como beijos, abraços, está sempre sozinha, isolada, e por vontade própria, baixa auto-estima, sensação de impureza sempre após os episódios de violência, banhos intermináveis, auto flagelo.

Maria Regina Fay de Azambuja no que diz respeito às formas de comprovação da violência sexual, afirma que, p. 160/161:

Considerando as dificuldades de produzir a prova da autoria e da materialidade, em especial no âmbito criminal, o sistema de justiça, desde décadas que antecederam a Constituição Federal de 1988, vem valorizando, de forma privilegiada, a inquirição da vítima como meio de prova. Para este fim, poderia ter valorizado iniciativas de cunho interdisciplinar, já que conta, em seus quadros, com técnicos da área da saúde e do serviço social. Entretanto, optou por manter a prática de 'inquirição da criança, com o intuito de extrair da vítima o relato da cena e a indicação do autor, fazendo recair sobre ela a incumbência de produzir a prova e, quiça, levar o abusador à cadeia. Este procedimento, face à condição de dependência que a criança tem da família, acaba por se constituir num paradoxo que, a despeito da intenção protetiva, acaba por expô-la e até mesmo desrespeitá-la como sujeito de direitos, pois obriga-a a expor sua intimidade em uma situação constrangedora e formal. Na perspectiva da criança depoente, de seu relato poderão derivar consequências nefastas para si e para os demais familiares, considerando os possíveis efeitos que recairão sobre a constituição familiar. Do mesmo modo, a lembrança das situações de violência, se não acompanhadas por profissionais especializados, pode desencadear fantasias e sofrimento que também constituem desrespeito a sua condição de sujeito de direitos. Em outras palavras, diante da incompetência do sistema para apurar os fatos, recorre-se, mais uma vez, à vítima, atribuindo-lhe a árdua missão de produzir a prova. Dessa forma, a criança deixa a condição de vítima e passa a condição de testemunha chave de acusação. (AZAMBUJA, 2011 p. 160/161)

Marcia Ferreira Amêndola citando outros autores, afirma:

  • Idade do início do abuso – quanto mais novas forem as crianças, mais difusos serão os efeitos e, portanto, mais severos.

  • Duração do abuso – quanto mais duradouro e freqüente for o abuso, maior o comprometimento psicológico da criança.

  • Diferença de idade entre a pessoa que cometeu o abuso e a criança que o sofreu – os efeitos serão menores quanto menor for a diferença de idade entre a criança e seu agressor.

  • Grau de proximidade da pessoa que cometeu e a criança – havendo vínculo ou parentesco, maiores serão as conseqüências.

  • Grau de sigilo sobre o abuso – mantido o abuso e segredo, a criança terá mais dificuldade em elaborar o ocorrido.

  • A percepção da criança dos atos sexuais realizados contra elas. (AMENDOLA, 2009, p. 63)

Por fim, insta mencionar que de todas as formas de maus-tratos praticadas contra a criança, a violência sexual, de modo especial, a intrafamiliar, é a que apresenta maiores dificuldades de identificação e manejo. A violência física, pela visibilidade que estampa, desperta a atenção não só de familiares, como dos profissionais da educação e saúde e das pessoas da comunidade, permitindo a adoção de medidas necessárias à efetiva proteção da criança. Na violência sexual de origem intrafamiliar, no entanto é comum o abusador não deixar na vítima marcas físicas, dificultando a identificação do abuso. A existência de achados físicos, em exames periciais, foi observada em apenas 10% dos casos de violência sexual (Rosa e Campos; Schor, 2008, p 3). (AZAMBUJA, 2011 p. 160)

7. DA TUTELA LEGAL

7.1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA NO MUNDO

Fez-se necessária uma evolução a passos lentos para que a proteção à criança e adolescente ganhasse o status que possui hoje.

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

Somente no final do século XVIII e início do século XIX, a infância começou a adquirir maior visibilidade, alimentando “uma crescente ideia de que as crianças representavam fontes humanas essenciais”, dependendo delas o futuro das nações. (AZAMBUJA, 2011 p. 25)

Um marco na evolução da tutela legal para assegurar o direito das crianças e adolescente remete ao final da Primeira Guerra Mundial onde a ativista britânica Eglantyne Jebb, não poupou esforços no intuito de alcançar uma maior proteção as crianças vítimas da Primeira Guerra Mundial, após este marco vários foram os diplomas legais que visavam a proteção da infância. (AZAMBUJA APUD MONTEIRO).

Ainda sobre o assunto Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

Em 1919, a criação do Comitê de Proteção à Infância, por iniciativa da Sociedade das Nações, alertou para a relevância da criança. Como decorrência de sua criação, a Assembléia da Liga das Nações em 26 de setembro de 1924, aprovou por unanimidade, a “Declaração dos Direitos da Criança da Sociedade das Nações”, posteriormente denominada de “Declaração de Genebra” constituindo-se a primeira formulação de um direito internacional da infância, que afirmava “a necessidade de proclamar à criança uma proteção especial”. O documento ainda que não tenha obtido “o impacto necessário ao pleno reconhecimento internacional dos direitos da criança, talvez até como decorrência do próprio panorama histórico que já se desenhava e do possível insucesso da Liga das Nações”. (SOUZA, 2001, p. 2) (...) (AZAMBUJA, 2011 p. 25)

Alguns anos após mais um passo foi dado com a decretação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tal declaração é tida como uma recomendação da Assembleia Geral das Nações Unidas.

O artigo “Os Direitos Humanos na Declaração Universal de 1948 e na Constituição Brasileira em Vigor” traz o que segue:

O pecado capital contra a dignidade humana consistiu sempre em considerar e tratar o outro – um indivíduo, uma classe social, um povo – como inferior, sob pretexto da diferença de etnia, gênero, costumes ou fortuna patrimonial. Sucede que algumas diferenças humanas não são deficiências, mas, bem ao contrário, fontes de valores positivos e, como tal, devem ser protegidas e estimuladas. Pode-se aprofundar o argumento e sustentar, como fez Hannah Arendt ao refletir sobre a trágica experiência dos totalitarismos no século XX que a privação de todas as qualidades concretas do ser humano, isto é, de tudo aquilo que forma a sua identidade nacional e cultural, torna-o uma frágil e ridícula abstração. A dignidade da pessoa humana não pode ser reduzida à condição de puro conceito.

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada na forma de resolução, não possuindo força de lei, mas, nas palavras de Piovesan, com “força jurídica vinculante” (2008, p 144). Tem como propósito, nos termos de seu preâmbulo, “promover o reconhecimento universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais a que faz menção a Carta da ONU, particularmente nos artigos 1º (3) a 55”. Sua natureza jurídica vinculante “é reforçada pelo fato de, na qualidade de um dos mais influentes instrumentos jurídicos e políticos do século XX, ter-se transformado, ao longo dos mais de cinquenta anos de sua adoção, em direito costumeiro internacional e principio geral do Direito Internacional” (Piovesan, 2008, p. 146). Para Dallari, embora não tenha a eficácia jurídica de um tratado ou de uma Constituição, “é um histórico, não só pela amplitude das adesões obtidas, mas sobretudo, pelos princípios que proclamou, recuperando a noção de direitos humanos e fundando uma nova concepção de convivência humana, vinculada pela solidariedade”. Seu descumprimento, por parte das nações, “acarreta sanções de várias espécies, como o fechamento do acesso a fontes internacionais, além de outras consequências de ordem moral e material” (1998, p 6). Em outras palavras, ela instituiu um sistema internacional de direitos humanos contemporâneo, “orientado de forma especial pela garantia dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, a qual se constitui em verdadeiro fundamento dos direitos humanos, operando-se uma clara restrição à soberania nacional dos Estados” (Floriano, 2008, p. 1). (AZAMBUJA, 2011 p. 31)

Já em um avanço ainda maior no sentido de garantir maior proteção especifica aos direitos da Criança, foi criada em 20 de novembro de 1959 a Declaração dos Direitos da Criança, que foi adaptada da declaração dos Direitos Humanos só que com o fim especifico de proteção à Criança e Catarina Albuquerque afirma que:

A Declaração reconhece ainda a necessidade de amor e compreensão para o desabrochar harmonioso da personalidade da criança, bem como o dever dos poderes públicos prestarem especiais cuidados às crianças sem família ou sem meios de subsistência suficientes. (ALBUQUERQUE, 2001)

Ainda sobre o assunto Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

A declaração dos Direitos da Criança, proclamada trinta e cinco anos após a Declaração de Genebra, é composta de dez princípios básicos a saber: a) a criança gozará de todos os direitos enunciados na declaração, sem discriminação ou distinção por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou de outra natureza; b) a criança gozará de proteção especial a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade; c) desde o nascimento a criança tem direito a um nome e a uma nacionalidade; d) a criança gozará os benefícios da previdência social; e) à criança incapacitada física, mental o socialmente, será proporcionado o tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos pela sua condição peculiar; f) para o desenvolvimento completo e harmonioso, a criança necessita de amor e compreensão; g) a criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória, pelo menos no ensino fundamental; h) a criança figurará, em quaisquer circunstância, entre os primeiros a receber proteção e socorro; i) a criança gozará proteção contra qualquer formas de negligência, crueldade e exploração; j) a criança gozará de proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer natureza. (AZAMBUJA, 2011 p. 34)

Já no ano de 1989, na data de 20 de novembro, foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, em razão de, após anos de guerra e de tragédias, muitas crianças que sofreram com suas consequências encontravam-se a mercê de toda sorte de mazelas, sem qualquer tipo de amparo ou proteção, visando a proteção destas crianças é que foi criada tal Convenção.

Valéria Silva Galdino Cardin, Tatiana de Freitas Giovanini Mochi, Rodrigo Bannach em seu artigo Do Abuso Sexual Intrafamiliar: Uma Violação Aos Direitos Da Personalidade Da Criança E Do Adolescente, afirmam que:

Em 20 de novembro de 1989, foi aprovada pela ONU a Convenção acerca dos Direitos da Criança, que regulamentou a necessidade de se conceder à criança uma proteção especial para o adequado desenvolvimento de sua personalidade em um ambiente familiar em que predominem o afeto, o respeito e a dignidade. Tal instrumento internacional foi ratificado pelo Brasil por meio do Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990. Disponível em (CARDIN, MOCHI, BANNACH, 2011)

O desembargador Mauro Campello em seu artigo sobre As fontes da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança afirma que:

Essa Declaração tornou-se o primeiro instrumento específico sobre o tema. A Declaração Universal sobre os Direitos da Criança foi considerada um guia para atuações privadas e públicas em favor da criança. Ao conclamar em seu texto que a humanidade deve dar à criança o melhor de seus esforços, a Declaração passou a ser um marco moral no campo desses direitos. (CAMPELLO, 2012)

7.2. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL

No Brasil, a realidade também não foi diferente. Foram necessários muitos anos para que os legisladores criassem normas mais protetivas para as crianças e adolescentes.

Patricia Calmon Rangel afirma que:

O que é recente, portanto, é a concepção de criança como pessoa em desenvolvimento, sujeito de direitos que devem ser oponíveis, inclusive, aos de seus pais. Essa concepção que lentamente vem se entranhando nas brechas de arraigados hábitos, tenta desmontar o antigo conceito de pátrio-poder – que dá aos pais o poder de decisão sobre a vida dos filhos – transformando-o em algo mais próximo do “pátrio dever”, termo que reflete um novo enfoque da relação pai-filho, onde é dada maior ênfase aos interesses da criança de seu bem-estar, e não aos interesses e poderes dos pais. (RANGEL, 2011, p. 28)

Em linhas gerais, pode-se afirmar que as crianças e adolescentes sempre foram negligenciados pelas famílias e pelas leis, ficando sujeitos ao longo da história da humanidade a toda a sorte de abusos e violências, em especial a violência sexual.

Em se tratando da tutela legal conferida às crianças e adolescentes em nosso país, temos como precursor José Bonifácio responsável pelo primeiro projeto de Lei nesta linha que possuía o intuito de conferir aos escravos menores as garantias dos direitos humanos, contudo tal projeto não chegou a se tornar lei, em virtude da aprovação da Constituição de 1824.

Diploma Legal que figurou como Lei e conferia direitos foi a Lei de 1862, que vedava a venda de crianças escravas desacompanhadas de seus genitores.

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

A demonstrar a magnitude do problema que circunda a violência sexual e a necessidade de serem adotadas medidas em nível mundial, que contemplem as políticas públicas, cabe registrar a realização em 1996, do I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial contra Crianças e Adolescentes, realizado em Estocolmo. Na oportunidade, foram elaboradas diretrizes, programas de ação e de cooperação nacional e internacional com o objetivo de erradicar a violência sexual praticada contra a criança e o adolescente, contando com a ratificação do Brasil e mais 121 países. Em decorrência, em 2000, na cidade de Natal, com a participação de representantes do Poder Legislativo, do Ministério Público, de representantes do Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal, bem como de organizações não governamentais, foi elaborado e aprovado o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infantojuvenil (Ministério da Justiça, 2002b). Posteriormente, em 2001, no II Congresso que tratou do mesmo tema, realizado em Yokohama, foram ratificados os mesmos propósitos e reafirmado o controle global de proteção da criança contra o abuso e a exploração sexual, com adesão de 161 países (Conanda, 2010). Mais recentemente, em 2008, foi realizado o III Congresso Mundial, oportunidade em que foi apresentada a Declaração e Pacto do Rio de Janeiro, estabelecendo um acordo de ações integradas e sistêmicas, em nível mundial, de combate a violência sexual praticada contra a criança e o adolescente (Declaração do Rio de Janeiro e Chamada para Ação para Prevenir e Eliminar a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, 2010). (AZAMBUJA, 2011 p. 79/80)

7.3. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

As Constituições que antecederam a de 1988 foram as de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967, e até então nenhuma delas tratou de fato as crianças e adolescentes como indivíduos possuidores de direito, onde passaram a figurar como membros integrantes da sociedade e, portanto, dignos de uma proteção mais ampla e em todas as esferas devendo ser protegidos também pela família, pela sociedade e pelo Estado.

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

Os debates e as discussões que se travaram, em nível internacional, no período que antecedeu a década de 1980, originaram compromissos entre os povos em torno da infância e impulsionaram mudanças profundas no ordenamento jurídico brasileiro. Mesmo antes de firmar a Convenção das Nações Unidas sobre o direito da Criança, o Brasil já havia inserido, na Constituição de 1988, promulgada em 5 de outubro do mesmo ano, através do artigo 227, os princípios da Doutrina da Proteção Integral, assegurando mais uma vez, a nação brasileira posição de destaque no cenário mundial. Pela primeira vez, um texto constitucional do país apresentava disposições expressas e minuciosas sobre os direitos da criança e adolescente: direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. A família, à sociedade e ao poder púbico, foi atribuída a responsabilidade de assegurar, com absoluta prioridade, a todas as crianças e os adolescentes, a efetivação dos direitos relacionados no artigo 227 da Constituição Federal. (AZAMBUJA, 2011 p. 44/45)

A Dignidade da Pessoa Humana é um dos princípios norteadores da nossa Constituição Federal de 1988, e assegura a dignidade do indivíduo em toda a sua essência, garantido inclusive proteção a sua dignidade sexual, posto ser essa tão vulnerável e merecedora de tutela quanto os outros aspectos inerentes à personalidade do indivíduo.

A Constituição em seu Capitulo VII, trata do regramento a ser seguido no que diz respeito às crianças e adolescentes, as famílias, os idosos e os jovens.

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

Ao tempo que antecedeu a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, recorria-se de modo geral, à colocação da criança em internatos, patronatos, instituições de reclusão, localizadas preferencialmente em regiões afastadas dos centros urbanos. (AZAMBUJA, 2011 p. 75)

O artigo 227 da Constituição Federal trata especificamente dos direitos das crianças e adolescentes, dispondo sobre deveres e direitos das famílias, do Estado e da Sociedade, dando ênfase absoluta aos direitos fundamentais que garantem a estes indivíduos, uma qualidade de vida mais digna, garantido à eles o direito a educação, saúde, esportes, lazer, moradia, dignidade, liberdade, convivência familiar, respeito, disserta também sobre a obrigatoriedade da proteção à criança e adolescente mantendo-o a salvo de qualquer forma de exploração, negligência, maus-tratos e violência.

No § 4º deste artigo temos a redação especifica no que tange a violação, exploração ou abuso da criança ou adolescente, garantido par tanto severa punição à quem o praticar.

O art. 227 da Constituição Federal traz a seguinte redação:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:

I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

§ 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;

II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;

III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;

VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins.

§ 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de

estrangeiros.

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

§ 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204.

§ 8º A lei estabelecerá:

I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens;

II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação

das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm)

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

O artigo 227 da Constituição Federal de 1988, embasado na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, rompe, em definitivo, com a Doutrina da Situação Irregular. O Direito do Menor, fundamentado nos conceitos de infância carente e infância delinqüente, constituía-se em “instrumento perverso, extremamente poderoso de manutenção do status quo e das desigualdades sociais”. Já, a Doutrina da Proteção Integral “instala uma nova ordem na matéria, afinada com a contemporânea concepção de radical proteção aos Direitos Humanos” (Machado, 2003, p. 54), e coloca o Brasil em posição de vanguarda no cenário mundial ao conferir direitos fundamentais à infância e à juventude. Nesse sentido, como afirma Sarlet, os direitos fundamentais “estão vivenciando o seu melhor momento na história do constitucionalismo pátrio” e, para que este momento não se torne mais mera lembrança, “com sabor de ilusão, torna-se indispensável o concurso da vontade por parte de todos os agentes políticos e de toda a sociedade” (2004, p. 80). (AZAMBUJA, 2011 p. 40)

Este foi sem dúvida um divisor de águas na evolução da tutela legal dos direitos da Criança e Adolescente no Brasil.

7.4. DO CÓDIGO PENAL

O Código Penal, em seu Capítulo II, trata dos Crimes Sexuais Contra Vulnerável; apesar destes artigos não tutelarem somente os direitos das crianças e adolescentes, este Dispositivo Legal assegura aos praticantes de violência sexual contra crianças e adolescentes punições mais rigorosas, considerando a gravidade de tais delitos.

A redação original do Código Penal é datada do ano de 1940, mas vários foram os diplomas legais que alteraram este Código, uma vez que necessário se fez para acompanhar os avanços e as modificações sociais.

Tantas são as transformações sociais, que nada mais justo e necessário do que o Código Penal se adequar para garantir uma maior eficácia no combate, e principalmente com o aumento constante no número de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, na punição deste tipo de crime.

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

Assim como a alteração trazida pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, por força da Constituição Federal de 1988, várias outras ocorreram. A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, mais recentemente alterou o Título VI do Código Penal, regulando os crimes que envolvem violência sexual, os quais passam a se chamar de Crimes Contra a Dignidade Sexual e não mais crimes contra os costumes. A nova classificação é louvável, uma vez que dignidade reporta à decência, compostura, respeitabilidade, enfim vínculo à honra. Em outros termos. Conforme Nucci (2009, p.14) “busca-se proteger a respeitabilidade do ser humano em matéria sexual, garantindo-lhe a liberdade de escolha e opção nesse cenário, sem qualquer forma de exploração, especialmente quando envolver formas de violência”. A nova lei, em atenção ao comando constitucional, volta sua atenção ao desenvolvimento sexual do menor de 18 anos e, dá destaque ao menor de 14 anos. O estupro, antes privativo do homem contra a mulher, passa a ser delito comum, podendo ser cometido tanto pelo homem pela mulher. No polo passivo, igualmente podem figurar tanto a mulher como o homem. Com a nova Lei, o artigo 213 do Código Penal passa a ser definido nos seguintes termos: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com e se pratique outro ato libidinoso: Pena: reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos”. (AZAMBUJA, 2011 p. 145)

A Lei 12.015/2009, conforme afirmado acima, trouxe as mais diversas modificações para resguardar de forma ainda mais eficaz os direitos do infanto-juvenil, e é sem dúvida até hoje a mais importante Lei que alterou o Código Penal no que diz respeito aos direitos da Criança e do Adolescente;

7.5. DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Regredindo na história da sociedade, nota-se que as crianças não eram tidas como pessoas dignas de proteção e, portanto, não eram assistidas nos ordenamentos jurídicos da antiguidade, sofrendo com toda sorte de violência e abuso, sem direito a nada.

No Brasil, após o advento da Constituição de 1988, as crianças de certo modo ainda se encontravam em situação de vulnerabilidade, para garantir uma maior eficácia do inovador artigo 227 da Constituição Federal, criou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/1990.

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm)

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi, no cenário mundial, o primeiro diploma legal concorde com a evolução da chamada normativa internacional, notadamente com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, aprovada por unanimidade, em novembro de 1989, pela Assembléia Geral das Nações Unidas. A partir de então, passou a servir de parâmetro e incentivo para renovar a legislação de outros países, especialmente da América Latina. Instaurou-se, no Brasil, a partir de 1988 e 1990, nova era dos direitos da criança e do adolescente. Vencia-se, na ultima década do século XX, a primeira etapa de um longo processo de transformação social que perdura até os dias atuais. A nova lei provocou mudanças radicais na política de atendimento à criança e ao adolescente, com a criação de instrumentos que viabilizam o atendimento e a garantia dos direitos assegurados àqueles que ainda não atingiram dezoito anos. (AZAMBUJA, 2011 p. 47)

O Estatuto da Criança e adolescente traz em seu artigo 100, parágrafo único a descrição dos princípios a serem obedecidos frente à imposição das medidas de proteção dos direitos das crianças e adolescentes.

Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das

medidas:

I – Condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos previstos nesta e em Leis, bem como na Constituição Federal;

II – Proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares;

III – responsabilidade primária e solidária do poder público: a plena efetivação dos direitos assegurados a criança e a adolescentes por esta Lei e Constituição Federal, salvo nos casos por essa expressamente ressalvados, é de responsabilidade primária e solidária das 3 (três) esferas do governo, sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade da execução de programas por entidades não governamentais;

IV – interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;

V – privacidade: a promoção dos direitos e proteção da criança e adolescente deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva de sua vida privada;

VI – intervenção precoce: a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;

VII - intervenção mínima: a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente;

VIII – proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada;

XI – responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente;

X - prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da

criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta;

XI – obrigatoriedade da informação: a criança e adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, seus pais ou responsáveis devem ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como essa se processa;

XII – oitiva obrigatória e participação: a criança e o adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e da proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela autoridade judiciária competente, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 28 desta Lei. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm)

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

Ao longo da história, a criança passou de res a sujeito de direitos. Seus interesses migraram da esfera estritamente privada para a esfera pública. Velhas praticas foram, pouco a pouco, sendo substituídas. Na atualidade, diferentemente do que já se fez em outros tempos, a legislação brasileira oferece meios de exigir do Estado a garantia de atendimento especializado às crianças portadoras de necessidades especiais, por exemplo visando à reabilitação e à inclusão social. A falta ou a escassez de recursos materiais não mais se constituem em motivo para o encaminhamento da criança à roda dos expostos, ou mesmo para detituição do poder familiar dos pais, devendo a família, doravante, à luz da legislação vigente, ser incluída em programas oficiais de auxílio, com vistas a, sempre que possível, manter a criança em sua família natural. A criança e o adolescente possuem todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, e lhes são asseguradas oportunidades e facilidades que lhes facultem o desenvolvimento físico, mental, espiritual e social, em condições de liberdade e igualdade. Em flagrante oposição às velhas regras, no Brasil do século XXI, segundo reza o artigo 5º da Lei nº 8.069/90, nenhuma criança será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, e será punido, na forma da lei, qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. (AZAMBUJA, 2011, p. 50/51)

Marcia Ferreira Amendola afirma que:

Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/90), alguns dos direitos fundamentais asseverados no art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e, originalmente, pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), foram reproduzidos e ampliados, considerando juridicamente as crianças não apenas como objeto de proteção, mas como titular de um conjunto de direitos civis e políticos. Essa lei, que se tornou um instrumento para identificar e decretar os direitos constitucionais da população infanto-juvenil, passou a privilegiar um espaço à denuncia e ao ressarcimento de qualquer fato que viole os direitos das crianças e adolescentes ainda que à revelia dos mesmos. (AMENDOLA, 2009, p. 73)

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

Por força do artigo 87 do Estatuto da Criança e do Adolescente, as linhas da ação da política de atendimento passam a incluir: a) políticas sociais básicas; b) políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem; c) serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; d) serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos; e) proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e adolescente; f) políticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o afastamento do convívio familiar e a garantir o efetivo exercício do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes; g) campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de crianças maiores ou adolescentes com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos (artigo 87 do ECA). (AZAMBUJA, 2011 p. 73)

8. AS AÇÕES DE TUTELA COMO FORMA DE TORNAR EFETIVA AS MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

8.1. AÇÕES PREVENTIVAS

Certamente o Brasil, no que diz respeito aos métodos de controle e prevenção de violência sexual, está em um nível bastante elevado, sendo que essas ações de prevenção estão contidas em uma gama de dispositivos legais que visam resguardar a dignidade sexual das crianças e adolescentes.

Muito embora diversas pessoas acreditem que o dever de coibir e impedir a violência sexual, praticada contra crianças e adolescentes seja somente do Estado, este dever é de todos: sociedade, família e Estado.

No ano de 2000, mais precisamente na data de 17 de maio, foi estabelecida a Lei nº 9.970, que instituiu o dia 18 de maio como o dia nacional de combate ao abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes.

A data foi escolhida, não ao acaso, mais sim porque neste dia no ano de 1973 a menina Araceli Cabrera Sánchez Crespo, que foi sequestrada, violentada e após cruelmente assassinada no estado do Espírito Santo, seis dias após seu desaparecimento a menina, que à época tinha 09 anos incompletos, foi encontrada praticamente irreconhecível pelo uso de ácido e com marcas cruéis de violência sexual, uma historia de horror que causa revolta e repulsa até os dias de hoje, em especial por que os abusadores e assassinos ficaram impunes.

No que tange aos meios de prevenção esta lei é de grande importância, uma vez que tem como finalidade a formação de ações que visem informar a todos sobre a violência sexual, ações essas em que a sociedade é conscientizada do quão significativa é a comunicação, a revelação dos casos de violência sexual.

Muito embora os avanços para coibir estes atos de violência sejam inúmeros, a violência sexual no âmbito familiar ainda é algo demasiadamente complicado de lidar e principalmente de combater, revestida de diversos aspectos que muitas vezes não são abordados e, portanto, não é efetivamente combatida, esta forma de violência extremamente silenciosa e degradante envolve a família aqueles que deveriam estar engajados com a sociedade e o Estado para combater.

Com o engajamento de todos, sociedade, família e Estado, os meios de prevenção do abuso sexual tornam-se mais eficazes, trazendo à luz famílias e possíveis vítimas deste tipo de violência o que faz com que, em alguns casos essas crianças/ adolescentes e suas famílias consigam sair das situações de risco, antes de se tornarem de fato vítimas da violência sexual.

De acordo Valéria Silva Galdino Cardin e Tatiana de Freitas Giovanini Mochi, os programas de prevenção se dividem em três tipos e são eles:

Os programas de prevenção primária visam reduzir a incidência da violência intrafamiliar, e isso pode ser feito por meio da conscientização da população acerca dos efeitos nocivos dessa prática; do oferecimento de cursos que ensinem aos pais como educar os filhos de uma forma não violenta; da instrução às crianças e aos adolescentes sobre como se defender de abusos e a quem denunciar etc.

Já a prevenção em nível secundário envolve meios de identificar as crianças e adolescentes mais vulneráveis, bem como desenvolver a habilidade de diagnosticar se um menor está sofrendo violência dentro do seu lar, procedendo aos encaminhamentos necessários.

Uma vez que a criança ou o adolescente tenha sofrido maus-tratos intrafamiliares, as políticas públicas devem ser voltadas para a minimização das consequências da violência. Isso implica estratégias de prevenção terciária, que envolvem, por exemplo, o atendimento psicoterápico da vítima, dos familiares e do agressor, o encaminhamento jurídico do caso e o acompanhamento social de toda a família. A complexidade do fenômeno da violência intrafamiliar e as sequelas que acarreta na vítima, na família e na sociedade, exigem uma atuação interdisciplinar, em que diversos atores rompem com o isolamento de suas áreas de conhecimento para alcançar uma meta única: tutelar a criança vitimizada e, na medida do possível, colaborar para que o abuso não prejudique ainda mais o desenvolvimento de sua personalidade. (CARDIN, MOCHI)

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

A carência de políticas públicas voltadas à prevenção só adquire visibilidade quando os números disponíveis, ainda que não retratem a dimensão do problema, vêm à tona, deixando a todos perplexos e impotentes para dar conta dos estragos causados à vida social e emocional da criança. Embora a prvenção primária, através da implementação das políticas públicas, mostre ser o caminho mais seguro e menos oneroso para evitar os danos produzidos pela violência sexual, pouco se investe nestas alternativas. Para diminuir os altos índices e os graves prejuízos decorrentes da violência sexual. (AZAMBUJA, 2011 p. 195)

8.2. AÇÕES REPRESSIVAS

Infelizmente, as ações preventivas nem sempre são suficientes, sendo necessário então o uso de ações repressivas, as quais, além de punir, servem também como meio de prevenção através do desestímulo à prática de violência.

Muitos são os órgãos governamentais e as instituições que tem como atribuição o auxilio às vítimas de violência, um dos mais relevantes é o Conselho Tutelar.

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

A partir de 1990, com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos à criança ou adolescente, onde se inclui a violência sexual, devem ser comunicados, em caráter obrigatório, ao Conselho Tutela, por profissionais da saúde e educação (artigos 13 e 56, I, ECA). Entretanto, o mais preocupante, no cenário que ora se desenha, é saber que, de modo geral, às Instituições, nacionais e internacionais, chegam números insignificantes de casos de violência intrafamiliar frente às inúmeras violações a que estão expostas diuturnamente as crianças. No Brasil, a incidência de maus-tratos na infância “é desconhecida pela falta de estatisticas a nível regional”(Santos et AL., 1986, p. 36). Estudos norte-americanos (Jones & McCurdy, 1992; Sedlak & Broadhurst, 1996; Mang e Daro, 1998), abrangendo grandes amostras de caráter nacional, entre outras conclusões, apontam que “a cada nova pesquisa encontram-se mais casos; os totais de casos ainda não pararam de crescer, especialmente nas classes média e alta” (Kristensen et al., 1998, p. 72). Nas instituições de saúde, “sabe-se que o número de maus-tratos na infância diagnosticado com serviços médicos é, pelo menos quatro vezes inferior ao que está ocorrendo no mesmo instante, na comunidade local” (Santos et al., 1986, p. 29). Nos Estados Unidos, entre 1973 e 1981, o Departamento de Justiça recebeu 4,1 milhões de registros de violência familiar, importando em uma média anual de 450 mil casos, sendo que estes números podem ainda ser maiores, “pois refletem somente o comportamento das vítimas que registraram tais casos como criminais” (Reichenheim et al., 1999, p. 110). (AZAMBUJA, 2011 p. 101/102)

A origem do Conselho Tutelar está no Estatuto da Criança e do Adolescente e, possui como atividade essencial, resguardar e proteger as crianças e adolescentes. Entre meio as mais diversas incumbências, a mais relevante é o recebimento de denúncias de possíveis casos de violência, adotando nos casos em que há comprovação medidas necessárias à prevenção e imediata retirada da criança ou adolescente, vítima, da situação de risco, também cabe ao Conselho Tutelar nesses casos o controle de inserção e assiduidade dessas crianças e adolescentes nas instituições de ensino, sendo estas apenas algumas das mais diversas medidas que devem ser adotadas nestes casos.

A implementação dos Conselhos Tutelares têm sido de extrema relevância para que haja um aumento no número de notificações dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes mais ainda está longe de retratar a realidade.

Conforme assevera Diana Myung Jin Huh:

Desde que o Estatuto da Criança e do Adolescente começou a vigorar houve um aumento significativo no número de notificações aos órgãos competentes relacionadas ao abuso sexual infantil buscando a proteção da criança e do adolescente, junto aos Conselhos Tutelares e a justiça. Apesar das crescentes notificações, estas não representam a totalidade das situações de abuso sexual contra as crianças e os adolescentes, pois a violência sexual freqüentemente é incestuosa e silenciosa devido o sentimento de culpa, vergonha, ignorância e tolerância da vítima. (HUH, 2011)

Marcia Ferreira Amendola afirma que:

Com referência aos Conselhos Tutelares, estes são as principais entidades públicas de acolhimento das notificações. Investidos, por força de lei, das atribuições de fiscalização, defesa e garantia dos direitos das crianças e adolescentes e com o poder de determinar as ações de atendimento e de responsabilização, os Conselhos Tutelares devem ser acionados diante da omissão ou da negação dos direitos previstos em lei, conforme o art. 98 (ECA): “As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados: I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III – em razão de sua conduta”. (AMENDOLA, 2009, p. 77)

Maria Regina Fay de Azambuja afirma que:

A comunicação ao Conselho Tutelar (artigo 136, inciso I, do ECA) deve ser feita por qualquer pessoa, sendo obrigatória quando se tratar dos profissionais da saúde e educação (artigos 13 e 56, inciso I do ECA). No dizer de Furniss, especialista no assunto, o abuso sexual da criança “é tanto uma questão normativa e política quanto clínica” (1993, p. 5), justificando a necessidade de medidas de caráter interdisciplinar, com a participação de diversos profissionais para o seu enfrentamento. Relatório da Organização Mundial da Saúde, de 2002, ao versar sobre a violência, faz menção à obrigatoriedade prevista na legislação brasileira, a exemplo de países como Argentina, Coreia, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, Israel, entre outro, de comunicar ao Conselho Tutelar os fatos que envolvam maus-tratos praticados contra a criança. O mesmo relatório informa que, na Holanda, casos de suspeita de abuso infantil podem ser delatados voluntariamente a uma das agências públicas (Conselho de Proteção e Cuidado Infantil e o Consultório Médico Confidencial), competindo-lhes investigar relatos de suspeita de maus-tratos, não fornecendo serviços diretos à criança ou à família, mas providenciando o encaminhamento para os serviços apropriados (OMS, 1999). (AZAMBUJA, 2011 p. 102/103)

Outra ferramenta de extrema importância, para que chegue ao conhecimento do judiciário um número cada vez maior de possíveis casos de violência praticada contra as crianças e adolescentes, é o disque 100, um meio disponibilizado para a população efetuar suas denúncias sem a necessidade de identificação e, por consequência, sem possibilidades de represálias, visto que o que dificulta em muito a revelação dos casos de violência contra crianças e adolescentes.

Não obstante, também o Ministério Público e o Judiciário utilizam-se de meios para a repreender a prática de tais atitudes reprováveis. Uma análise de todas demandaria um outro trabalho de mesma profundidade.

9. CONCLUSÃO

Através do presente trabalho, foram analisados os princípios inerentes à proteção da criança e do adolescente.

Além disso, foram analisados profundamente os conceitos e aspectos da violência sexual e abuso sexual em face da criança e adolescente, inclusivo em seu âmbito doméstico.

Pode-se também discorrer através da tutela legal e as ações de proteção para evitar a prática de tais abusos.

Analisou-se que a violência sexual não é uma invenção moderna, estando presente na história da humanidade desde o seu princípio.

No entanto, a atuação em prol do combate de tal violência não ganhou tanta importância desde o inicio, passando por um longo processo para chegar a um nível razoável de proteção.

No Brasil, as modificações inseridas na ordem penal com a introdução do ordenamento da Lei 12.015/2009 foram importantes pois criaram tipos específicos e importantes para o tema, entre os quais: o estupro de vulnerável (art. 217-A), corrupção de menores (art. 218), satisfação da lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A) e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (art. 218-B).

Entretanto, todas essas conquistas não podem ser vistas como reta final. Deve-se pugnar por mais proteção à tal classe hipossuficiente, tipificando as condutas e determinando penas eficazes e capazes de compensar, o que é muito difícil, os irreparáveis danos causados pelo agressor à vítima menor.

A sociedade não pode se omitir nem silenciar diante de fatos tão graves e o Estado deve proporcionar meios para que a película que envolve o corpo familiar possa ser perpassada, de uma forma que o poder desempenhado pela família não venha a sobressair-se ao poder do Estado, pessoa jurídica incumbida de manter a ordem, não podendo permitir que a família resolva investir na elaboração de seus próprios conceitos e razões de existência.

Em que pese a insistência de muitos desafios para a superação das violações de direitos de crianças e adolescentes, deve ser considerado que é preciso intensificar ações específicas e continuadas de enfrentamento à exploração sexual e ao trabalho infantil por meio de mobilização e sensibilização cada vez maiores dos diversos setores da sociedade, de visibilidade, de ações preventivas, de identificação e notificação dessas situações para se viabilizar o acesso à rede de promoção e proteção social.

Nesse sentido, torna-se mister a defesa de um modelo de sociedade baseado no respeito à vida, na coesão e participação social, na cidadania, na inclusão e no acesso e respeito aos direitos humanos e sociais como forma de investimento na prevenção e na superação das diversas manifestações de violência contra crianças e adolescentes.

10. REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Catarina. Direitos Humanos - Órgãos das Nações Unidas de Controlo da Aplicação dos Tratados em Matéria de Direitos Humanos: Os Direitos da Criança: as Nações Unidas, a Convenção e o Comité. Disponível em:

AMENDOLA, Marcia Ferreira. Crianças no labirinto das acusações: falsas alegações de abuso sexual. Curitiba: Juruá Editora, 2009

ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. O princípio fundamental da dignidade humana e sua concretização judicial. Disponível em:

AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. Inquirição da criança vítima de violência sexual: proteção ou violação de direitos?. Rio Grande do Sul: Livraria do advogado, 2011.

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Publicado por: BETHÂNIA RODRIGUES LOPES

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