RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO

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1. RESUMO

A presente monografia tem por objetivo a análise da responsabilidade civil extracontratual do Estado quanto aos atos omissivos e comissivos de seus agentes, analisando as divergências existentes entre doutrina e jurisprudência acerca, de sua natureza jurídica – subjetiva ou objetiva. Para tanto, examinar-se-á a evolução história e os aspectos da responsabilidade civil e da responsabilidade extracontratual do Estado, suas excludentes e fundamentos. Serão expostos os argumentos utilizados pelos adeptos da teoria subjetiva por atos omissivos, bem como os que dão respaldo à teoria que defende a responsabilidade objetiva estatal, além de tecer algumas considerações acerca da teoria subjetiva. Intentar-se-á demonstrar que o Estado deve ser responsabilizado objetivamente pelos danos que seus agentes causarem aos administrados.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Estado. Omissão. Comissão. Direito Administrativo.

2. INTRODUÇÃO

O trabalho que se apresentará a seguir tem como finalidade o estudo da responsabilidade extracontratual do estado, questão está, muito debatida na égide dos estados democráticos, principalmente pela necessidade de proteção dos sujeitos de direito contra qualquer tipo de ato ilícito.

Doutrina e jurisprudência há muito tempo vem discutido a possibilidade de responsabilização dos estados por atos legislativos e por atos judiciais, Todavia, nossa metodologia de estudo terá como fator primordial a análise da responsabilidade extracontratual estatal no tocante aos atos do executivo.

O tema em comento cada vez mais se mostra atual, sempre acompanhando a evolução da sociedade, posto que, está intimamente ligado com ela. Sempre que um membro da sociedade, na realização de um ato ou um fato jurídico causar um dano, seja individual ou coletivo, estaremos diante de uma hipótese de responsabilidade, que objetiva a disciplina da relação, que surge entre o sujeito que causa lesão, a um bem jurídico alheio e o detentor do bem protegido.

A questão ganha relevância quando colocamos o estado como sujeito causador do dano. Agindo como representante dos interesses de uma coletividade, o estado acaba por assumir responsabilidades e precisa realizar ações que visem a proteção e o desenvolvimento de seus nacionais. Agindo como tal, o estado presta serviços, gerência obras, intervém no domínio econômico e de certa forma acaba interferindo na vida de particulares, ocasionado a estes, lesões, que terá a obrigatoriedade de reparar.

O estado tem natureza jurídica de direito público, e não de direito privado, sendo assim, não é um sujeito qualquer, possui características próprias que o diferenciam dos demais sujeitos, e por consequência aplicar-se-ão regras de responsabilização diferentes das aplicáveis aos particulares.

O instituto da responsabilidade extracontratual do estado passou por muitas transformações no decorrer dos séculos, e, foi tratado de diversas formas. Durante muito tempo, quando os estudos acerca do tema em comento eram ínfimos ou praticamente não haviam, prevalecia a tese de que aqueles que sofriam um dano provenientes da atuação estatal, teriam que suportar sozinhos os prejuízos, visto que, na época entendia-se inaplicável qualquer tipo de responsabilização estatal. Com o passar dos tempos, surgiram novas doutrinas questionado a irresponsabilidade do estado, que aos poucos foi perdendo força, devido ao surgimento de novos institutos jurídicos, principalmente com o surgimento dos movimentos constitucionalistas que passaram a admitir direitos oponíveis ao estado.

Com o surgimento das teorias civilistas, o estado, então, foi equiparado aos particulares, aplicando-se a este, o direito civil comum, vigente a época. Todavia, como afirmamos anteriormente, o estado não é qualquer sujeito, mais um sujeito que possui características especiais que em nada se confundem com as pessoas comuns, sendo assim, surgem às chamadas teorias publicitas que defendem a criação de normas especiais que abordem de forma exclusiva a responsabilidade do estado. Esta teoria não foi a única a enfrentar o tema. Diversas teorias surgiram com o objetivo de encontrar um fundamento plausível que sustentasse a responsabilidade estatal.

Neste trabalho analisaremos de forma geral as principais teorias acerca da responsabilidade estatal, para tanto utilizaremos o método indutivo, com a utilização de documentação indireta. A monografia foi dividia em cinco Capítulos. No segundo capítulo faremos uma introdução ao instituto da responsabilidade civil, analisando suas características básicas e os seus fundamentos. Na sequência, no terceiro capítulo passamos a conceituar a responsabilidade extracontratual do estado, fazendo uma abordagem da evolução histórica e das teorias que surgiram. Neste capítulo também, estudamos a responsabilidade por delegação dos serviços públicos (responsabilidade da administração indireta) abordando seus fundamentos e regime aplicado.

No quarto capítulo abordamos a possibilidade de serem aplicadas ao estado, as excludentes da responsabilidade civil, culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior e o fato de terceiro. Com a análise destes institutos é possível chegamos a conclusão das formas de responsabilidade estatal, definindo qual teoria é aplicada, dependendo do caso concreto, e vislumbrando em alguns casos a aplicação de excludentes, nos casos omissivos. Abordamos também, o posicionamento doutrinário e jurisprudencial da responsabilidade por omissão, questão controvertida na doutrina pátria.

Diante do estudo, verificou-se que no estado brasileiro predomina o entendimento pela aplicação da teoria do risco administrativo ou objetiva nos casos em que o estado é sujeito ativo de danos, conforme o disposto no artigo 37 § 6º da Constituição Federal. Todavia, esta teoria só se aplica aos casos comissivos, pois tratando de atos omissivos, aplicar-se-á a teoria subjetiva da responsabilidade, nesta existe a possibilidade de o estado alegar qualquer excludente da responsabilidade civil.

3. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

De início compete-nos fazermos uma breve análise acerca da origem etimológica da palavra responsabilidade, “responsabilidade é oriundo do verbo latino respondere, designando o fato de ter alguém se constituído garantidor de algo. Tal termo contém, portanto, a raiz latina spondeo, fórmula pela qual se vinculava, no direito romano, o devedor nos contratos verbais” (DINIZ, 2011, P.49).

Sérgio Cavalieri Filho por sua vez nos mostra que:

“em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa ideia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil e um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário”, (2010, p.2).

Adotando a mesma linha de raciocínio Edmir Netto Araújo define: “a conotação da palavra responsabilidade é sempre estabelecida com a ideia de imputabilidade a alguém, relativamente ao desequilíbrio que esse alguém causou na ordem regular ou natural das coisas” (2010, P. 766). Outrossim, Silvio de Salvo Venosa, afirma que: “o termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso”. (2012, P.1). A professora Maria Helena Diniz define a responsabilidade civil como:

“a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal. Definição esta que guarda, em sua estrutura, a ideia da culpa quando se cogita da existência de ilícito (responsabilidade subjetiva, e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva)”(2011, p,50).

Para Sergio Cavalieri Filho, na concepção Jurídica, “Só se cogita, destarte, de responsabilidade civil onde houver violação de um dever jurídico e danos.” (2012, P.2).Vivemos em um estado Democrático social de Direito, no qual, o convívio em sociedade é inevitável, até mesmo para as pessoas que vivem em regiões distantes e isoladas dos grandes centros urbanos, como tribos indígenas, localizadas no meio da floresta amazônica e em pequenas vilas no interior do nordeste. Desse convívio em sociedade surgem os conflitos entre os indivíduos, que merecem ser regulados pelo direito, que define os direitos e as responsabilidades de cada um.

Neste sentido, parece-nos quea responsabilidade civil está intimamente ligada a fatos sociais, surgidos no convívio coletivo, como nos mostra Rui Stoco:

“A ninguém se permite lesar outra pessoa sem a consequência de imposição da sanção (...) No âmbito civil o dever de reparar assegura que o lesado tenha o seu patrimônio – material ou moral – reconstituído ao statu quo ante, mediante a restitutiu in integrum.[...]Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de Justiça existente no grupo social estratificado”. (2007, p. 114.)

O ato de viver coletivamente implica compartilhar os bens disponíveis, sem distinção qualquer de sua a natureza, observando-se, todavia, os limites traçados pela legislação. Esta convivência social possui como característica fundamental o estabelecimento de espaços permitidos e à fruição das liberdades por parte dos indivíduos, delimitando, pois, seu alcance. Uma transgressão a essa delimitação significa uma lesão aos bens daqueles que compartilham o ambiente comum. Deve-se, todavia, regrar as atitudes individuais para que delas, não surjam efeitos que venham a prejudicar outros indivíduos.

A convivência pacífica em sociedade e o deverem que são inerentes a esta convivência, também estão resguardados pela Declaração Universal dos Direito Humanos, nos artigos 29 e 30:“Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas. Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aquiestabelecidos.(http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm).

Transportado esse dever moral de não lesar para a esfera jurídica, construiu-se a noção de responsabilidade civil assentada numa sanção consistente na obrigação de reparar o prejuízo causado a terceiro. Neste sentido, o direito surge com o propósito de regrar e organizar os interesses em comum de determinada sociedade, considerando, todavia, as peculiaridades de cada região. As regras de convivência são protegidas pelo aparato normativo queé utilizado pelo estado pararestabelece a ordem, quando rompido o equilíbrio, pela conduta comissiva ou omissiva de um dos componentes da sociedade.

É oportuno destacar que no ordenamento jurídico brasileiro, como tambémem outros estados o instituto da responsabilidade é tratado em outras áreas do direito, não ficando restrito apenas ao direito civil.

3.1. CARACTERÍSTICAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Doutrinariamente muito se discute acerca das características fundamentais da responsabilidade civil, devido à falta de consenso entre os juristas. Como podemos depreender da lição da professora Maria Helena Diniz:

“Bastante difícil é a caracterização dos pressupostos necessários à configuração da responsabilidade civil, ante a grande imprecisão doutrinária a respeito. Deveras, díspares são as conclusões dos juristas sobre os elementos imprescindíveis á caracterização da responsabilidade civil, pois, p. ex.,Marty e Raynanud apontam o “fato danoso”, o “prejuízo” e o “liano entre eles” com a “estrutura comum” da responsabilidade; Savatierapresenta a culpa e a imputabilidade como seus pressupostos; Trabucchi exige o fato danoso, o dano e a antijuridicidade ou culpabilidade. (2011, P, 52).

Passemos então a analisar os trêselementos primordiais na caracterização da responsabilidade civil, o sujeito, o nexo de causalidade, o dano.

3.2. DANO

Para que possamos caracterizar a responsabilidade civil, é indispensável à ocorrência de um dano efetivo, como nos afirma Rui Stoco, “exige-se a ocorrência de um dano, um prejuízo ou detrimento à vítima, posto que, sem o dano o ato ilícito não assume relevância no campo da responsabilidade civil” (STOCO, 2007, p. 113.) Analisando a questão a professora Maria Helena Diniz afirma ser imprescindível a ocorrência do dano:

“Ocorrência de um dano moral e/ou patrimonial causado à vítima por ato comissivo ou omissivo do agente ou de terceiro por quem o imputado responde, ou por um fato de animal ou coisa a ele vinculada. Não pode haver responsabilidade civil sem danos, que deve ser certo, a um bem ou interesse jurídico, sendo necessária a prova real e concreta dessa lesão (RT, 481:88, 425:188, 508:90, 478:92 e 161, 470:241, 469:236, 455:237, 477:79, 457:489). E, além disso, o dano moral é cumulável com o patrimonial (STJ Súmula 37; BAASP, 1865:109)” (2011, P. 54).

Ocorrendo o dano, o ordenamento jurídico exige sua reparação, inexistindo aquele, também não será exigida reparação, como afirma Araújo, “consistindo tal reparação em obrigação de indenizar, é óbvio que esta não pode se efetivar quando não há o que reparar” (ARAÚJO, 2010, p. 794.) Este entendimento foi adotado pelo Código Civil de 2002 no art. 944 “a indenização mede-se pela extensão do dano”, do que se infere que: não havendo dano não há indenização. (STOCO, 2007, p. 120).

O dano por sua vez, pode ser apenas “material aquele que repercute no patrimônio do lesado, seja de forma direta ou indireta”(OLIVEIRA, 2011, p. 21.). Neste, incluindo-se o dano emergente “via de regra, importará no desfalque sofrido pelo patrimônio da vítima; será a diferença do valor do bem jurídico entre aquele que ele tinha antes e depois do ato ilícito” (CAVALIERI FILHO, (2012, p. 78.)e o lucro cessante que configura-se “na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima. Pode decorrer não só da paralisação da atividade lucrativa ou produtiva da vítima, (...), como, também, da frustração daquilo que era razoavelmente esperado”. (CAVALIERI FILHO, 2012, p.79.) e por último o dano moral.

O dano moral, por conseguinte, caracteriza-se por um prejuízo de cunho psicológico, atingindo à hora, a dignidade, a moral, a probidade, o decoro etc. Destacamos que devem ser considerados como danos morais as ofensas aos seguintes bens jurídicos, considerados a vida, o corpo e suas partes individualmente consideradas, a higidez física e psíquica, a imagem, a voz, o cadáver, a locomoção, as liberdades em geral (expressão, culto, credo, etc.), a intimidade, os segredos (individuais e profissionais), a reputação (ou boa fama), o nome, a dignidade pessoal, a integridade moral.

No campo jurisprudencial, durante muito tempo não houve unanimidade a cerca de ser possível ou não a reparação do dano sofrido no campo psíquico. A Constituição Federal de 1988 pacificou o assunto, ao prever expressamente no art. 5ª inciso V a possibilidade de reparação do dano moral. Porém vale apena ressaltar que não é qualquer tipo de constrangimento que gerará direito a reparação, sendo majoritária a tese que defende que; “o dano ensachador de responsabilidade, é mais que simples dano econômico. Pressupõe sua existência, mas reclama, além disso, que consista em agravo a algo que a ordem jurídica reconhece como garantido em favor de um sujeito” (MELLO, 2007, p. 1005.). Noutro ponto a doutrina vem criando critério objetivo para se evitar que o instituto em estudo seja banalizado como afirma Sérgio Cavalieri Filho:

Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou insensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. ( 2012, p.93.).

Trazendo a discussão para o direito administrativo, a questão deve ser vista com mais cautela. Por vezes, o Estado irá interferir na liberdade individual, e também nos bens privados, pois precisa implementar políticas públicas e de desenvolvimento urbano, para atender as necessidades básicas da coletividade. Por conseguinte, poderá causar danos a pessoas determinadas, todavia, para que subsista obrigação de reparação dever-se-á analisar de forma objetiva se estão presentes as características fundamentais da responsabilidade, e mesmo existindo aquela, é possível admitir a irresponsabilidade estatal.

Se o Estado fosse obrigado a indenizar qualquer tipo de dano, sem nenhuma exceção, a soberania e o poder de império que é inerente a forma de Estado estariam prejudicados, restando, portanto a obrigação de indenizar do Estado de forma ampla apenas nos casos de ato ilícito, mesmo que haja um grande número de lesados e que os prejuízos sejam de pequena gravidade, vigora sempre, desde que presentes os pressupostos da responsabilidade, o princípio da reparação de todos os danos.

Como afirmamos anteriormente, existe a possibilidade de responsabilização do estado até mesmo por atos lícitos que causem efetivo prejuízo a terceiro, mais não é todo e qualquer ato passível de reparação, como bem nos mostra Yussef Said Cahali, “anormal, excepcional, individualizado, que ultrapassa, por sua natureza e expressividade, os incômodos e sacrifícios toleráveis ou exigíveis em razão do interesse comum da vida em sociedade”. (2007, p. 69.).Nestas situações a doutrina entende que há ainda a necessidade de se vislumbrar a especialidade e a anormalidade do dano. Consiste o primeiro no dano “que se contrapõe à noção de dano geral, vale dizer, aquele que atinge a coletividade como um todo, devendo, pois, ser individualizado”. (SPITZCOVSKY, 2007, p. 298.19), e o segundo “é aquele que supera os meros agravos patrimoniais pequenos e inerentes às condições de convívio social” (MELLO, 2007, p. 1007.).

3.3. SUJEITO

A reparação do dano recairá sobre aquele que lhe deu causa, inexistindo o agente causador do dano, inexistirá por obvio, responsabilidade civil e por consequência indenização. Sendo o estado causador do dano será ele o agente capaz de reparar o dano. No entanto, a doutrina discute se efetivamente o estado poderia ser considerado agente causador do dano, tendo em vista que o Estado é considerado apenas uma figura jurídica “como pessoa jurídica que é, o Estado não pode causar qualquer dano a ninguém. Sua atuação, na realidade, se consubstancia por seus agentes, pessoas físicas capazes de manifestar vontade real”. (CARVALHO FILHO, 2008, p. 501.). A respeito da personalidade jurídica do estado, interessante a lição de Dalmo Dallari de Abreu:

“A concepção do Estado com pessoa jurídica representa um extraordinário avanço no sentido da disciplina jurídica do interesse coletivo. Mais do que por qualquer teoria objetivando estabelecer, por critérios formais, limitações ao poder do Estado, esse objetivo é atingido de maneira mais científica – porque baseada em fatores substanciais – pela noção da personalidade jurídica do Estado. Esta noção promove a conciliação do político com o jurídico. A origem da concepção do Estado como pessoa jurídica pode ser atribuída aos contratualistas, através da ideia de coletividade ou povo como unidade, dotada de interesses diversos dos de cada um de seus componentes, bem como de vontade própria, também diversa das vontades de seus membros isoladamente considerados. Mas, apesar do grande valor dessa contribuição, ainda seriam necessários alguns séculos para que se admitisse o tratamento jurídico, em termos de direitos e deveres, de interesse que, por serem reconhecidos como fundamentais e comuns a toda a coletividade, eram considerados como superiores a todos os demais e insuscetíveis de limitações” (2012,p.123).

Concretamente a administração do estado é feita por meio de agentes públicos que o representam. Na definição de Celso Antônio Bandeira de Mello, Agentes Públicos “são todas aquelas que – em qualquer nível de escalão – tomam decisões ou realizam atividades da alçada do Estado, prepostas que estão ao desempenho de um mister público (jurídico ou material” (2007, p. 992.). Celso Spitzcovsky com mais amplitude afirma:

(...) essa expressão abarca os chamados agentes políticos (aqueles que formam a vontade superior do Estado, sem com ele manter uma relação profissional), os servidores públicos, expressão que acaba por englobar os funcionários públicos (os que titularizam cargos), os empregados públicos (os que titularizam empregos públicos) e os contratados em caráter temporário com base na previsão contida no art. 37, IX, da CF.(23) (2007, p. 298.).

Como podemos observar a doutrina conceitua a expressão agente público de forma muito abrangente. A amplitude do conceito de agente se deu para absorver todo e qualquer agente que exerça função pública. Neste ponto, é importante salientar que existem entendimentos no sentido de só haver responsabilidade do estado, caso o agente esteja em pleno exercício da função pública “a responsabilidade somente subsiste se os agentes estiverem no exercício de suas funções, em caráter permanente ou transitório, por substituição ou delegação, mas sempre realizando função pública”, (TANAKA, 2008, p. 462.). Diante do exposto podemos admitir em tese que existe a possibilidade de o Estado não ser responsabilizado por danos causados por um de seus agentes, mesmo que estes estejam em exercício de suas funções.

Nesta mesma linha de raciocínio Maria Sylvia Di Pietro é categórica ao afirmar que “o agente, ao causar o dano, aja nessa qualidade; não basta ter a qualidade de agente público, pois, ainda que o seja, não acarretará a responsabilidade estatal se, ao causar o dano, não estiver agindo no exercício de suas funções”. ( 2008, p. 614.). Isto se justifica por que o agente público por ser uma pessoa física possui sentimentos e é munido de vontade própria, podendo causar danos a terceiros por pura maldade.

De forma diametralmente diversa da exposta acima o mestre Hely Lopes Meirelles afirma que a expressão no exercício de suas funções, deve ser interpretada de maneira abrangente:

O essencial é que o agente da Administração haja praticado o ato ou a omissão administrativa na qualidade de agente público. Não se exige, pois, que tenha agido no exercício de suas funções, mas simplesmente na qualidade de agente público, e não como pessoa comum. Para a vítima é indiferente o título pelo qual o causador direto do dano esteja vinculado à Administração; o necessário é que se encontre a serviço do Poder Público, embora atue fora ou além de sua competência administrativa. O abuso no exercício das funções por parte do servidor não exclui a responsabilidade objetiva da Administração. Antes, a agrava, porque tal abuso traz ínsita a presunção de má escolha do agente público para a missão que lhe fora atribuída. (2009, p. 661-662.)

Para caracterizar a responsabilidade o mestre Hely Lopes Meirelles, utiliza a expressão na qualidade de agente público ao invés, de no exercício de suas funções. Parece-nos que é a expressão mais acertada, haja vista, a superioridade jurídica do estado e a dificuldade que o particular tem para produzir provas, “não se pode pretender a exclusão dessa responsabilidade civil do Estado pelo ato de seu funcionário que exorbitou de suas funções, desde que o ato seja inerente à sua qualidade de agente do Poder Público”. (CAHALI, 2007, p. 86.).

A expressão nessa qualidade quer significar na qualidade de agente e não que esteja necessariamente no exercício da função que possui. Se o agente está,digamos, em serviço (plena atividade funcional) ou não, é questão que a maioria da doutrina e jurisprudência entende que não interfere na questão da responsabilização; se exercitando regular ou ilicitamente suas funções, o que precisa ficar evidenciado é sua situação de agente. Por delegação ou concessão, se temporariamente ou não, são questões que não importam para a efetivação da responsabilidade. Nesse ponto, vale a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Não importará, de conseguinte, para efeitos de responsabilidade estatal, estabelecer se o agente atuou culposa ou dolosamente. Não importará, para tais fins, o saber-se se os poderes que manipulou de modo indevidocontinham-se ou não, abstratamente, no campo de suas competências específicas. O que importará é saber se a sua qualidade de agente público foi determinante para a conduta lesiva. Se terceiros foram lesados, em razão de oautor ser funcionário, ocorreu o bastante para desenhar-se hipótese de responsabilidade estatal.(2009, p. 999)

Do exposto, percebemos que assim como ocorreu com a definição de agente, também foi ampliado, pelo que se pode depreender, o entendimento relativo às oportunidades em que ele estaria exercendo sua atividade funcional. Conclui Yussef Said Cahali “sempre que a condição de funcionário ou agente público tiver contribuído de algum modo para a prática do ato danoso, ainda que simplesmente lhe proporcionando a oportunidade para o comportamento ilícito, responde o Estado pela obrigaçãode indenizar”, (2007, p. 88). De qualquer forma, restando comprovado o dolo ou a culpa do agente, o estado deverá utilizar do direito de regresso contra o agente causador do dano, cobrando deste os prejuízos que eventualmente tenha sofrido.

O agente é o meio com que o Estado atende, ou procura atender os anseios da Sociedade; portanto, quem tem o controle, quem tem o poder de mando é que deve assumir o risco. Agindo de forma inadequada, o quadro muda porque a situação passa a ser exatamente de desrespeito ao comando determinado pelo Estado.

Noutro ponto, é importante salientar que uma vez responsabilizado por ato praticado por algum de seus agentes, o estado poderá ingressar com a ação de regresso, que não é uma faculdade do Estado, mais uma obrigação imposta por lei. Ocorrendo o prejuízo o estado por meio dos órgãos competentes está obrigado e pleitear o ressarcimento de eventuais danos sofrido. A ação regressiva, enfim, é o meio que o Estado possui para atingir o servidor que teve comportamento inadequado à Administração Pública... Se o Estado, exatamente quando seu agente age de maneira irregular, não lhe cobra tal conduta, estará incentivando o desrespeito com a coisa pública.

3.4. NEXO DE CAUSALIDADE

Para a caracterização da responsabilidade civil é indispensável à relação intimaentre a conduta praticada pelo agente e o dano ocorrido. Portanto “É necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o quê a responsabilidade não correrá a cargo do autor material do fato”. (CAVALIERIFILHO, 2012, p. 49.)

O resultado final de uma partida de futebol depende dos atos praticados pelos jogadores durante o jogo, a vitória ou a derrota será o resultado final destes atos. Portanto, podemos afirmar que para cada ação praticada pelo ser humano, existe um efeito dela decorrente. Do estudo deste tema surge a teoria da causalidade adequada que é muito bem definida por Sérgio Cavalieri Filho:

Esta teoria, elaborada por Kries, é a que mais se destaca entre aquelas que individualizam ou qualificam as condições. Causa, para ela, é o antecedente não só necessário mas, também, adequado à produção do resultado. Logo, se várias condições concorrem para determinado resultado, nem todas serão cousas, mas somente aquela que for a mais adequada à produção do evento. […] Não basta que o fato tenha sido, em concreto, uma condição sinequa non do prejuízo. É preciso, ainda, que o fato constitua, em abstrato, uma causa adequada do dano. Assim, prossegue o festejado Autor, se alguém retém ilicitamente uma pessoa que se aprestava para tomar certo avião, e teve, afinal, de pegar um outro, que caiu e provocou a morte de todos os passageiros, enquanto o primeiro chegou sem incidente ao aeroporto de destino, não se poderá considerar a retenção ilícita do indivíduo como causa (jurídica) do dano ocorrido, porque, em abstrato, não era adequada a produzir tal efeito, embora se possa asseverar que este (nas condições em que se verificou) não se teria dado se não fora o fato ilícito. A ideia fundamental da doutrina é a de que só há uma relação de causalidade adequada entre fato e dano quando o ato ilícito praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida (Obrigações, Forense, p. 251-252) (2012, p.51,52).

Portanto, o nexo de causalidade deve ser efetivo, como bem mencionado pelo citado autor. Diversas situações podem concorrer paraum evento danoso, porém deve-se analisar especificamente qual delas foi realmente eficaz. Noutro ponto, não devemos considerar apenas o nexo de causalidade de forma direta, tendo em vista que indiretamente o dano pode ocorrer, o agente pode mediante uma ação ou omissão contribuir para que o “eventus danus” ocorra, como nos afirma Sérgio Cavalieri Filho:

Ora, não impedir significa permitir que a causa opere. O omitente, portanto coopera na realização do evento com uma condição negativa: ou deixando de se movimentar, ou não impedindo que o resultado se concretize. Responde por esse resultado não porque o causou com a omissão, mas porque não oimpediu, realizando a conduta a que estava obrigado. (2012, p.67.)

E possível que o dano seja causado por pessoa que não tem capacidade jurídica para responder pelos próprios atos. Estabelece-se, pois, outra relação, ou seja, aquela entre o acontecimento gerador do dano e a pessoa por ele responsável.

3.5. TEORIAS QUE FUNDAMENTAM A RESPONSABILIDADE CIVIL

3.5.1. TEORIA SUBJETIVA

No estudo da teoria da culpa subjetiva, além dos requisitos já estudados acima, a doutrina acrescenta a culpa como uma característica determinante na conceituação desta teoria; segundo Celso Antônio Bandeira de Mello para caracterizá-la:

“Em face dos princípiospublicitas não é necessária a identificação de uma culpa individual para deflagrar-se a responsabilidade do Estado. Esta noção civilista é ultrapassada pela ideia denominada de fauteduservice entre os franceses. Ocorre a culpa do serviço ou a “falta do serviço” quando este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. Esta é tríplice modalidade pela qual se apresenta e nela se traduz um elo entre a responsabilidade tradicional do Direito Civil e a responsabilidade objetiva” (2009, P.992).

Para que possamos definir de forma elucidativa esta teoria, é de vital importância a compreensão detalhada da teoria da culpa, mais não é este o objetivo deste trabalho. Segundo Silvio de Salvo Venosa:

“a culpa civil em sentido amplo abrange não somente o ato ou conduta intencional, o dolo (delito, na origem semântica e histórica romana), mas também os atos ou condutas eivados de negligência, imprudência ou imperícia, qual seja, a culpa em sentido estrito (quase-delito)”. ( 2012, p. 26.).

Os atos que caracterizam a culpa estão ligados de forma intima a conduta do ser humano, e é analisando a forma de agir do indivíduo que chegaremos às conclusões que podem ou não serem caracterizadas como uma conduta que agrida direito alheio. Como podemos observar do trecho acima, a culpa civil em sentido amplo abrange todos ou quase todos os atos praticados pelo indivíduo, desde que estes atos causem algum dano, deste conceito pode-se afirmar que culpado é aquele que realizou ou pretendia realizar o ato, o que a doutrina denomina de dolo “A vontade é o elemento subjetivo da conduta, sua carga de energia psíquica que impele o agente; é o impulso causal do comportamento do ser humano. Esta, todavia, tem graus, pode atuar com maior ou menor intensidade” (CAVALIERI, 2012, p. 30).

A culpa em sentido estrito abarca os atos praticados sem a intenção de causar dano a outrem (negligencia, imprudência e imperícia), mais pela falta de preparo o indivíduo acaba sendo responsável pelos danos de que causar a terceiros. De qualquer forma e consolidando o conceito que mencionamos acima aculpa está intimamente ligada à vontade do agente, em qualquer uma das situações mencionadas sempre se exigirá uma manifestação do agente. A cerca da vontade do indivíduo é interessante a conceituação de Sérgio Cavalieri Filho:

. O ser humano pode querer mais ou menos, pode ter maior ou menor determinação no seu querer, mas sempre haverá um mínimo de vontade em sua conduta. Daí ser possível que o indivíduo, em sua conduta antissocial aja tensional ou intencionalmente. Conduta voluntária é sinônimo de conduta dominável pela vontade, mas não necessariamente por ela dominada ou controlada, o que importa dizer que nem sempre o resultado será querido. Para haver vontade basta que exista um mínimo de participação subjetiva, uma manifestação do querer suficiente para afastar um resultado puramente mecânico. Haverá vontade desde que os atos exteriores, positivos ou negativos, sejam oriundos de um querer íntimo livre. Só não constituem conduta, portanto, os atos em que não intervém a menor parcela de vontade, os chamados atos reflexos, como nos casos de sonambulismo, hipnose e outros estados de inconsciência. O mesmo ocorrerá no caso da coação física absoluta (irresistível), quando o ato não será do coato, mas de quem dele se serviu como instrumento. (2012, p.30)

Culpa apenas subsistirá quando estivermos diante de um ato praticado pelo agente e que este seja um ato ilícito; Isto porque a culpa é componente indispensável do ilícito, do delito que, ensejando um dano a terceiro, reclama para este a justa recomposição. O direito dividiu as condutas humanas em licitas e ilícitas, neste sentido não é possível falarmos em culpa por atos lícitos, diferentemente dos atos ilícitos nos quais a culpa esta intrínseca constituindo-se em um elemento ensejador da conduta humana, “o art. 159 do Código de 1916 e o art. 186 do Código em vigor elegeram a culpa como o centro da responsabilidade subjetiva que norteia a responsabilidade civil no direito brasileiro, com a nova perspectiva já enfatizada, descrita no art. 927, parágrafo único.”.( VENOSA, 2012, p. 26.).

Do exposto acima, concluímos que o ato ilícito é fundamental para que esteja caracterizada a responsabilidade civil, mas como podemos observar que é o ordenamento jurídico brasileiro em casos específicos prevê a possibilidade de responsabilização do agente até mesmo por atos lícitos. Vale destacar que em se tratando da teoria subjetiva da responsabilidade não será possível responsabilizar o agente por um dano praticado com um ato lícito, haja vista que, estará ausente o elemento primordial para sua caracterização, qual seja a culpa. Sérgio Cavalieri Filho de forma elucidativa comenta sobre o assunto:

A responsabilidade subjetiva é assim chamada porque exige, ainda, o elemento culpa. A conduta culposa do agente erige-se, como assinalado, em pressuposto principal da obrigação de indenizar. Importa dizer que nem todo comportamento do agente será apto a gerar o dever de indenizar, mas somente aquele que estiver revestido de certas características previstas na ordem jurídica. A vítima de um dano só poderá pleitear ressarcimento de alguém se conseguir provar que esse alguém agiu com culpa; caso contrário, terá que conformar-se com a sua má sorte e sozinha suportar o prejuízo.Vem daí a observação ‘a irresponsabilidade é a regra, a responsabilidade a exceção “(De Page)” (2012, p. 30)

Por fim, válida a lição da professora Maria Helena Diniz ao comentar a responsabilidade subjetiva:

“Na responsabilidade subjetiva o ilícito é o seu fatos gerador, de modo que o imputado, por ter-se afastado do conceito de bonus pater familias, deverá ressarcir o prejuízo, se se provar que houve dolo ou culpa na ação. Sua responsabilidade será individual, podendo ser direta ou indireta. Será direta, quando o agente responder por ato próprio. Será indireta, apenas nas situações previstas em lei, nas quais se admite culpa presumida juris et de jure, operando-se, consequentemente, conforme o caso, a inversão do unusprobandi, ou, ainda, gerando responsabilidade civil objetiva (CC, art.933). Logo, relativamente a responsabilidade indireta, o imputado responderá objetivamente, por força do art. 933 do Código civil, por ato de terceira pessoa, com a qual tenha vínculo legal de responsabilidade (CC, art. 932, I a IV), ou, subjetivamente, por foto de animal ou de coisas inanimadas sob sua guarda (como sucede com donos ou detentores de animais, donos de edifícios em ruínas. Será preciso provar a culpa do lesante na produção do dano (CC, arts. 936 e 937). E os habitantes de casa, pelas coisas caídas ou lançadas, por colocarem em risco a segurança da coletividade, terão responsabilidade objetiva – CC, art. 938”, (2011, P. 71).

3.5.2. TEORIA OBJETIVA

O Código civil de 2002 no parágrafo único do artigo 917, de forma expressa contempla a teoria da responsabilidade civil objetiva. Consiste esta teoria na espécie de responsabilidade, na qual se dispensa a prova de culpa do causador do dano, quando expressamente a lei presumir a culpa ou quando esta é dispensada pela lei.

“Art. 917, § único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Da leitura do artigo percebemos que diferentemente do que consagra a teoria subjetiva da responsabilidade, não há necessidade de se verificar se o agente agiu ou não com culpa, e, mesmo que tenha agido restara à obrigação de indenizar. Na definição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano”. (2009, p. 995-996.).

A responsabilidade objetiva não toma por base a má conduta, intencional ou decorrente de negligência, como acontece na teoria dita subjetiva. Não importa se lícito ou ilícito o comportamento, basta a relação de causalidade entre este e o dano para que se configure o dever de indenizar. No mesmo sentido, assevera Silvio de Salvo Venosa: “Levando-se em conta o rumo que tomou a responsabilidade objetiva, a teoria da responsabilidade civil deixa de ser apoiada unicamente no ato ilícito, mas leva em conta com mais proeminência o ato causador do dano (2012, p. 7.).

Continua o autor, “Busca-se, destarte evitar um dano injusto, sem que necessariamente tenha como mote principal o ato ilícito” (2012, p. 7.), nestes termos sustenta a doutrina que o objetivo primordial da responsabilidade objetiva consiste na reparação efetiva do dano sem se a ter a questões de ordem subjetiva; “é a desconsideração do aspecto subjetivo, anímico, do agente, pessoa humana, como determinante do resultado danoso. Relevante para sua configuração é apenas o evento ligado a uma causalidade material, física e externa”. (MOREIRA, 2005, p. 422-423.).

A cerca da teoria da responsabilidade civil objetiva, importante a análise da professora Maria Helena Diniz:

“Na responsabilidade objetiva, a atividade que gerou o dano é lícita, mais causou perigo a outrem, de modo que aquele que exerce, por ter obrigação de velar para que dela não resulte prejuízo, terá o dever ressarci tório, pelo simples implemento do nexo causal. A vítima deverá pura e simplesmente demonstrar o nexo de causalidade entre o dano e a ação que o produziu. Nela não cogita de responsabilidade indireta, de sorte que reparará o dano o agente ou a empresa exploradora, havendo tendência de solicitação dos riscos, nem do fortuito como excludente de responsabilidade, como pondera Arnoldo Medeiros da Fonseca.” (2011, P.71).

Segundo Sérgio Cavalieri Filho, o fundamento desta teoria surgiu na França baseada no conceito de atividade de risco:

Na busca de um fundamento para a responsabilidade objetiva, os juristas, principalmente na França, conceberam a teoria do risco, justamente no final do século XIX, quando o desenvolvimento industrial agitava o problema da reparação dos acidentes de trabalho. Risco é perigo, é probabilidade de dano, importando, isso, dizer que aquele que exerce uma atividade perigosa deve lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente. A doutrina do risco pode ser, então, assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou o dano. (2012, p.152.)

Na responsabilidade objetiva encontramos diversos graus. Sendo que no mais acentuado a lei exige do causador a reparação do dano de forma incondicionada, não admitindo qualquer excludente. No grau mais leve a doutrina admite a inversão do ônus da prova, no caso de culpa presumida. A doutrina estudando o tema trouxe diversas classificações, sendo que a mais aceita a divide em responsabilidade objetiva imprópria ou impura, nesta, admite-se ao causador do dano a possibilidade de produzir prova para se livrar de qualquer responsabilidade. Em algumas situações a própria lei admite a inversão do ônus da prova, é o que podemos observar do inciso II do parágrafo único do artigo 333 da lei 5.869 de 1973e do inciso VII do artigo 6ª da 8.078 de 1990.

O Código de defesa do Consumidor no ordenamento jurídico brasileiro é o diploma legal que de forma incontroversa prever a possibilidade, de a critério do juiz, se inverter o ônus da prova, isto pode ocorrer em duas situações; quando for verossímil a alegação, ou seja, quando o direito aparentemente se apresentar verdadeiro ou quando restar comprovada a hipossuficiência do consumidor, que pode ser técnica ou financeira.

4. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO

Ao entrarmos em contato pela primeira vez com oinstituto da responsabilidade civil do estado, não encontramos muitas diferenças com relação a responsabilidade imposta aos particulares, mais como veremos, existem diversas peculiaridades que tornam o estado um ente diferenciado no meio social, as prerrogativas que possui e outros privilégios são exemplos das diferenças existente entre os dois sujeitos.

“Quando se fala em responsabilidade do Estado, está-se cogitando dos três tipos de funções pelas quais se reparte o poder estatal: a administrativa, a jurisdicional e a legislativa. Fala-se, no entanto, com mais frequência, da responsabilidade resultante de comportamentos da Administração Públicas, já que, com relação aos Poderes Legislativos e Judiciários, essa responsabilidade incide em casos excepcionais.” (Di PIETRO, 2011, p. 642).

Passamos então ao conceito de responsabilidade civil do estado, que nas palavras do mestre Hely Lopes Meirelles é assim definida: “Responsabilidade civil da Administração é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las”. (2009, p. 655).A professora Maria Silvia Zanella Di Pietro, conceitua a responsabilidade extracontratual do estado como “à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos.” ( 2011, p.643).

O estado representa o interesse da sociedade e por meio de agentes escolhidos por ele também administra os bens públicos. O estado tem a obrigação de criar metas e diretrizes que visem a melhorar a situação de seus cidadãos, proporcionando a eles o mínimo para que possam viver com dignidade. Destaque-se, que o estado deve tratar seus cidadãos com imparcialidade, respeitando sempre os direitos que são assegurados pela constituição federal, sendo assim, se o estado tem o objetivo de promover o bem comum, quando o estado cometer um ilícito toda a sociedade dever responder pelo ressarcimento do dano; injusto seria que apenas alguns administrados suportassem os prejuízos decorrentes do serviço público, que tem por objeto o bem de todos. Todos, pois, devem arcar com os eventuais ônus da atividade Estatal.

Aqui, encontramos a principal diferença entre a responsabilidade civil estatal e a responsabilidade de um particular. Em regra, o particular, aquele que causa dano a outrem é o queirá responder pelos prejuízos, em relação ao estado toda a sociedade indiretamente será responsável pelo ressarcimento dos danos.

É importante destacar que a lei em casos específicos atribui também ao particular responsabilidade objetiva, embora esta seja atribuída de forma ampla ao estado, casos existem em que a lei permite sua aplicação em relação ao particular. De modo geral ao particular é atribuída a teoria subjetiva da responsabilidade, o particular irá responder pelos atos ilícitos que cometer, o estado poderá ser responsável até mesmo por atos lícitos.

Existem situações em que o Estado é autorizado pelo ordenamento jurídico a praticar determinados atos que não possuem como conteúdo específico o sacrifício de direito alheio. No entanto, a prática de tais atos pode acabar atingindo direitos de outrem, violando-os, como simples consequência de uma ação legítima. Nesses casos, o Estado é responsável e deve ressarcir os prejuízos causados.

Isto ocorre porque o estado possui o dever de promover o bem a seus cidadãos e ao cometer um dano, mesmo que tenha agido dentro da lei estará obrigado a reparar:

Se determinada conduta administrativa, necessária ao implemento de finalidades públicas, causar dano, terá o lesado o direito de ser ressarcido. De forma alguma o empobrecimento do patrimônio de um ou de alguns poderá ocasionar benefícios para toda a coletividade” (FIGUEIREDO, 2008, P. 288).

Neste ponto vale a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello;

Com efeito, o Estado pode, eventualmente, vir a lesar bem juridicamente protegido para satisfazer um interesse público, mediante conduta comissiva legítima e que sequer é perigosa (...). Quem aufere os cômodos deve suportaros correlatos ônus. Se a Sociedade, encarnada juridicamente no Estado, colheos proveitos, há de arcar com os gravames econômicos que infligiu a algunspara o benefício de todos. (2009, P.1001).

Lúcia Valle Figueiredo, de forma interessante afirma que estaríamos diante de uma grande injustiça se permitíssemos o empobrecimento de um cidadão em benefício de toda a sociedade “De forma alguma o empobrecimento do patrimônio de um ou de alguns poderá ocasionar benefícios para toda a coletividade”. (2008, p. 288).

Neste sentido, percebemos que a teoria aplicada nas situações que envolvem atuação do Estado é a objetiva. Nada mais justo, uma vez que, tendo em vista a posição especial que ocupa, aplicar ao Estado a teoria subjetiva abrir-lhe-ia oportunidade de se esquivar de uma reparação de danos sob o argumento da falta de conduta culposa “A exigência de provar a vítima o erro de conduta do agente deixaria o lesado sem reparação, em grande número de casos”. (STOCO, 2007, p. 156.).

Se a atuação do Estado gera um risco de dano ao administrado, impondo-lhe um agravo maior que o suportado pelos demais membros da sociedade, e se as prerrogativas conferidas ao Poder Público colocam o particular lesado em situação de desvantagem na busca da reparação dos prejuízos sofridos, nada mais justo que este seja dispensado de provar a culpa do Estado, pena de se comprometer a correta distribuição da justiça.

Devemos observar, no entanto, que nem toda intervenção do estado na vida de seus particulares acarretará direito a indenização. Para cumprir suas próprias metas e almejando o bem comum da sociedade o estado acaba cometendo atos que prejudicam pessoas determináveis. No entanto só haverá direito a indenização se a conduta do estado for de fato abusiva, restando um desequilíbrio muito grande devendo-se neste ponto identificar o particular que sofrei o dano, tendo em vista que o mesmo não pode suportar sozinho o ônus do prejuízo.

A doutrina afirma que o dano deve ser coletivizado mantendo-se, assim o equilíbrio. Observamos, portando que esta situação não ocorre quando o dano é suportado por um único particular. “Nessa situação, não houve uma equânime repartição dos ônus e encargos sociais. Determinado cidadão arcou sozinho com um dano enquanto toda coletividade se beneficiou do ato que o causou”. (FIGUEIREDO, 2008, p. 288.)

Maria Sylvia Di Pietro, tratando da distribuição do dano afirma que estamos diante da consagração do princípio da igualdade, e apenas de forma excepcional restará obrigatoriedade de indenizar:

Essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade de todos perante os encargos sociais e encontra raízes no artigo 13 da Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, segundo o qual ‘para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades’. O princípio significa que, assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público. (2008, p. 610.).

Na mesma linha de pensamento é que escreve Sérgio Cavalieri Filho:

Se a atividade administrativa do Estado é exercida em prol da coletividade, se traz benefícios para todos justos é, também, que todos respondam pelos seus ônus, a serem custeados pelos impostos. O que não tem sentido, nem amparo jurídico, é fazer com que um ou apenas alguns administrados sofram todas as consequências danosas da atividade administrativa. (2012, p. 256.).

O princípio da igualdade se manifesta de forma interessante no que diz respeito a repartição do dano com a coletividade, o estado por essência tem a prerrogativa de cuida coisa pública. Nestes termos, restando configurada responsabilidade da administração pública o danos serão indenizados com as contribuições que o estado arrecada da própria sociedade. os acidentes que o Poder Público causa aos particulares, devem ser indenizados pelo resultado das contribuições de toda a coletividade. Neste sentido é salutar o entendimento de Sônia Tanaka: “Se todos se beneficiam, todos também devem cooperar na indenização dos prejuízos causados a alguém ou a alguns. Aplica-se, neste caso, o princípioda solidariedade social, segundo o qual só é legítimo o ônus suportado por todos em favor de todos, sem exceções.” (TANAKA, 2008, p. 458).

Como já mencionamos anteriormente, ao se constatar uma conduta estatal que cause danos a outrem, o estado estará obrigado a indenizar e o valor pago pela indenização será suportado por toda sociedade. É importante observar que, até mesmo a vítima, de uma forma ou de outra também contribui para o pagamento da indenização. Isto ocorre por quer ela não deixa de fazer parte da sociedade e continuará submetida ao poder de império estatal. Mais uma vez estamos diante da consagração do princípio da igualdade social, onde todos respondem pelos prejuízos, incluindo-se a vítima.

4.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPOSANBILIDADE EXTRACONTRAL DO ESTADO

4.2. TEORIA DA IRRESPONSABILIDADE DO ESTADO

Para que possamos compreender o instituto da responsabilidade civil do estado é sua aplicação dentro do ordenamento jurídico moderno, parece-nos de vital importância analisarmos, os aspectos históricos deste instituto, que durante o passar dos séculos tem-se desenvolvido de maneira interessante. Passando de uma fase de irresponsabilidade total do estado para uma fase de plena responsabilidade estatal.

“A verificação da evolução histórica do estado significa a fixação da normas fundamentais que Estado tem adotado através dos séculos. Esse estudo não visa à satisfação de mera curiosidade em relação à evolução, mas contribuirá para busca de uma tipificação do Estado, bem como para a descoberta de movimentos contrastes, dando um apoio valioso, em última análise, à formulação das probabilidades quanto à evolução futurado Estado” (DALLARI, 2012,P.68).

A primeira fase do estudo da evolução histórica é a de irresponsabilidade total do estado, nesta fase, o estado era irresponsável pelos danos causados a terceiros, tanto por atos lícitos quanto por atos lícitos, a respeito do tema escreve Celso Spitzcovsky: “a primeira fase de evolução do instituto foi denominada fase da ‘irresponsabilidade do Estado’, em que o Poder Público não respondia por qualquer tipo de prejuízos causados a terceiros”. (2007, p. 299.).

Na atualidade falar em irresponsabilidade total do estado seria favorecer demasiadamente o poder estatal e por consequência lógica dar azo a injustiça. Mais na época em que os reis governavam o mundo esta teoria era plenamente aceita e perfeitamente aplicada. Vivia-se na égide do Estado Absolutista e a soberania era o principal fundamento que a sustentava. Estado dispunha de um poder imensurável perante seus vassalos. Maria Sylvia Di Pietro, de forma fenomenal afirma:

A teoria da irresponsabilidade foi adotada na época dos Estados absolutos e repousava fundamentalmente na ideia de soberania: o Estado dispõe de autoridade incontestável perante o súdito; ele exerce a tutela do direito, não podendo, por isso, agir contra ele; daí os princípios de que o rei não pode errar (the king can do no wrong; leroi ne peut mal faire) e o de que ‘aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei’ (quod principiplacuithabet legisvigorem). Qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito a sua soberania. ( 2008, p. 608.).

Como podemos observar, segundo a referida teoria o estado representado pelos reis, era irresponsável, tendo em vista que o principal fundamento desta teoria repousava na ideia de soberania estatal, não poderia ele ficar em pé de igualdade com os demais membros da sociedade, nesta época acreditava-se que o poder dos reis provinha de origem divina “o rei, o monarca ou o imperador, considerados absolutistas, eram assim ordenados por Deus e, por esse motivo, jamais poderiam causar algum dano, tendo em vista a infalibilidade real”.( TANAKA, 2008, p. 455-456.) Atribuir algum tipo de responsabilidade ao estado estaria colocando em evidencia a origem divina de seu poder, pois segundo o entendimento que predominava na época, o soberano não cometia erros. Um fato importante diz respeito a coletivização do dano, que na época era entendido de forma contraria com a que vemos hoje.

Na conjuntura jurídica atual, prevalece o entendimento da coletivização do dano, a sociedade direta ou indiretamente é quem paga pelos pela indenização não sendo permitido que apenas um particular o suporte. Na época do estado absolutista, prevalecia o entendimento da possibilidade de um particular ou de alguns particulares suportarem os danos, em função do bem da sociedade e do estado; “A ideia de uma responsabilidade pecuniária da Administração era considerada como um entrave perigoso à execução de seus serviços”. (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 253.).

É importante destacar que na época existia uma repulsa da própria sociedade em ser responsável pelo ressarcimento dos danos, entendia-se que o erro causado pelo Estado era um risco que os administrados (súditos) deveriam correr, ou seja, o dano que o Poder Público viesse a provocar seria aceito e compartilhado por todos como uma situação absolutamente normal ante sua soberania.

È importante observarmos que nessa época era possível exigir a reparação dos danos, mais quem respondia por eles direta e indiretamente não era o estado, mais o agente, funcionário público que causou o dano. Sobre o assunto afirma Alexandre de Moraes:

Nesse primeiro momento histórico, o Estado era irresponsável pelos danos que causasse aos particulares, no exercício das funções estatais. Observa-se, porém, que mesmo nesses casos não ficavam os indivíduos a descoberto de qualquer proteção, pois haveria possibilidade de responsabilização individual dos agentes públicos que, atuando com dolo ou culpa, acarretassem dano a outrem. Ressalta-se, porém, que a responsabilidade existiria em nome próprio e não como prepostos do Estado.( 2007, p. 249.).

Segundo o entendimento doutrinário, responsabilizar diretamente o agente público que cometeu o dano, refletia de forma negativa na figura do governante. O governante não comete erros, portanto qualquer dano era fruto da má execução do agente, como nos mostra Araújo:

Assim, os agentes do Estado, quando faltassem ao dever ou violassem a lei, seriam pessoalmente responsáveis pelos danos que causarem, pois o Estado não pratica atos contrários ao Direito e os seus representantes só têm essa condição dentro dos estritos limites da prática de atos de acordo com a lei e compatíveis com o Direito.(2010, p. 771).

Do exposto, chegamos aseguinte conclusão: o estado se utilizava de manobras para fugir da responsabilidade, e afirmava que os danos eram inevitáveis e aquele que os sofria deveria suportá-los em prol da coletividade.O outro argumente carreava no sentido de que apenas o agente público era responsável pelo dano, haja vista que fora ele que o causou. Por fim vale a lição de Yussef Said Cahali:

A teoria da irresponsabilidade absoluta da Administração Pública firma-se em três postulados: 1) na soberania do Estado, que, por natureza irredutível, proíbe ou nega sua igualdade ao súdito, em qualquer nível de relação; a responsabilidade do soberano perante o súdito é impossível de ser reconhecida, pois envolveria uma contradição nos termos da equação; 2) segue-se que, representando o Estado soberano o direito organizado, não pode aquele aparecer como violador desse mesmo direito; 3) daí, os atos contrários à lei praticados pelos funcionários jamais podem ser considerados atos do Estado, devendo ser atribuídos pessoalmente àqueles, como praticados nomine próprio. (2007, p. 20-21.)

4.3. TEORIAS CIVILISTAS DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

A teoria da irresponsabilidade perdurou por muito tempo, mas foi perdendo força com o passar dos anos. A noção de Estado passou por muitas transformações e com o início da era moderna foi caindo o prestigio da teoria da irresponsabilidade absoluta do Estado. Com descrédito pela teoria da irresponsabilidade, a corrente que defendia a responsabilidade do estado tornou-se expressiva, como podemos observar do comentário de João Batista Gomes Moreira:

O movimento constitucionalista, com os princípios da legalidade e de separação das funções estatais, trouxe a concepção de que o Estado, em igualdade de condições com os súditos, subordina-se à lei e ao controle por órgão independente. Em consequência, foi caindo em desprestígio a ideia de irresponsabilidade estatal por danos causados ao particular. (2005, p. 421.).

De forma interessante escreve Sérgio Cavalieri Filho, acerca da queda da teoria da irresponsabilidade:

“De fato, se no Estado de Direito o Poder Público também se submete à lei, a responsabilidade estatal é simples corolário, consequência lógica e inevitável dessa submissão. Como sujeito dotado de personalidade, o Estado é capaz de direitos e obrigações como os demais entes, inexistindo motivos que possam justificar a sua irresponsabilidade. Se o Estado é o guardião do Direito, como deixar ao desamparo o cidadão que sofreu prejuízos por ato próprio do Estado? (, 2012, p. 253).

Do momento em que se passou a aceitar que o Estado deveria ser responsabilizado pelos danos causados aos particulares, começam a surgir as chamadas teorias civilistas. Nas teorias civilistas o Estado era equiparado aos particulares e sendo assim, deveria responder como um particular.

O Estado passou a ser equiparado ao particular – no âmbito da responsabilidade civil -, podendo o lesado acioná-lo da mesma forma que o fazia contra qualquer cidadão, eis que, nesse particular, o Estado se submetia às regras do direito privado.

É oportuno destacar, que mesmo durante o avanço das teorias civilistas a proximidade com as teses absolutistas do estado ainda eram muito próximas, só restando superada a teoria irresponsabilidade do estado, depois de muitos debates e estudos das teorias civilistas.

4.4. SEPARAÇÃO ENTRE ATOS DE GESTÃO E ATOS DE IMPÉRIO

Como visto, anteriormente, o declínio da teoria da irresponsabilidade não se operou de forma imediata, mais decaio de forma lenta e demorada. Na busca de encontrar o meio mais prático de responsabilizar o estado, a doutrina, especialmente na França e depois na Itália, resolveram dividir os atos praticados pelo estado, em atos de gestão e atos de império, Maria Silvia Zanella di Pietro nos mostra a diferença existente entre cada um:

Os primeiros seriam os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes; os segundos seriam praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio

público e para a gestão de seus serviços; como não difere a posição da Administração do particular, aplica-se a ambos o direito comum, (2008, p. 608-609.).

A cerca das atribuições da administração pública e da divisão acima mencionada, Yussef Said Cahali afirma:

Tinha-se como certo que duas classes de funções desempenha o Estado: as essenciais ou necessárias, no sentido de que tendem a assegurar a existência mesma do Poder Público (manter a ordem constitucional e jurídica), e as facultativas ou contingentes, no sentido de que não são essenciais para aexistência do Estado, mas este, não obstante, as realiza para satisfazer necessidades sociais, de progresso, bem-estar e cultura; quando realiza as funções necessárias, age como Poder Público, soberano; quando realiza funções contingentes, age como gestor de interesses coletivos.(2007, p. 22.)

A maneira encontrada para admitir-se sua responsabilidade (do Estado) foi através da divisão da sua forma de atuar. Entendeu-se que ele era capaz de, em sua atividade administrativa, realizar atos como se fosse um particular agindo e atos como um governante agindo.

No entanto, a responsabilidade do estadoera restrita apenas aos atos de gestão; “Isto porque naqueles atos o Estado estaria atuando no mesmo nível dos particulares, e, como tal, estaria sujeito a eventuais indenizações” (TANAKA, 2008, p. 456-457.). Os atos de império ainda permaneciam sob a égide da teoria da irresponsabilidade, porque ainda dominava o entendimento de que agindo nesta qualidade o estado, estava exercendo o seu poder de soberania, continuaria sendo um ser Soberano, e nessa condição, agindo para atender as necessidades da Sociedade, até poderia causar dano, só não seria certolhe exigir reparação.

A separação das funções exercidas pelo Estado era dita como certa. Quando agisse usando o “jus imperii,” continuaria sendo um ser Soberano, e nessa condição, agindo para atender as necessidades da Sociedade, até poderia causar dano, só não seria certo lhe exigir reparação. Contudo, quando exercesse suas funções amparadas pelo “jus gestionis,”estaria se equiparando a qualquer outro sujeito de direito, sendo absolutamente correto lhe exigir uma indenização quando provocasse um dano; se equipararia a qualquer empresaprivada.

A doutrina é farta no sentido de se admitir a responsabilidade estatal, separando-se os atos por ele praticados. Yussef Said Cahali traz o entendimento que na responsabilidade do estado por atos de gestão deve-se verificar a ocorrência do elemento da culpa, para se poder falar em responsabilidade:

Em condições tais, agindo o Estado no exercício de sua soberania, na qualidade de poder supremo, supra-individual, os atos praticados nessa qualidade, atos júri imperii, restariam incólumes a qualquer julgamento e, mesmo quando danosos para os súditos, seriam insuscetíveis de gerar direito à reparação. [...] Todavia, na prática de atos jure gestionis, o Estado equipara-se ao particular, podendo ter sua responsabilidade civil reconhecida, nas mesmas condições de uma empresa privada, pelos atos de seus representantes ou prepostos lesivos ao direito de terceiros; distinguia-se, então, conforme tivesse havido ou não culpa do funcionário: Havendo culpa, a indenização seria devida; sem culpa, não haveria ressarcimento do dano. ( 2007, p. 22-23.).

Como assevera José dos Santos Carvalho Filho, a aplicabilidade dessa divisão ao caso concreto não satisfez os anseios da sociedade, que continuava com o sentimento de injustiça. Isto ocorria, porque nem sempre era possível fazer a divisão entreatos de gestão e atos de império; “essa forma de atenuação da antiga teoria da irresponsabilidade do Estado provocou grande inconformismo entre as vítimas de atos estatais, porque na prática nem sempre era fácil distinguir se o ato era de império ou de gestão”. (2008, p. 494.).

Outrossim, caracterizado o dano decorrente de um ato de gestão, o dever de indenizar não era imediato, haja vista a necessidade de prova da culpabilidade do estado, que na maioria das vezes era exageradamente difícil de ser produzida: “exigia-se, ainda, que se caracterizasse a culpabilidade do funcionário na prática do ato danoso, sem o que o fato seria levado à conta de ocorrência acidental ou fortuita”. (ARAÚJO, 2010, p. 772). Não bastasse a evidente dificuldade em se delimitar o ato de gestão, outra condicionante vinha para tornar mais penosa a saga da vítima do dano na persecução de uma reparação por parte do Estado.

Do exposto, percebemos quedividir os atos praticados pelo estado, não influenciou muitono sentido de o indivíduo poder ver ressarcido o dano que sofreu em decorrência de uma atuação Estatal. Não bastasse o sujeito ainda via-se despido de qualquer proteção, pois o estado, sempre procurouburocratizar a administração com a intenção de frustrar o pagamento de qualquer indenização.

4.5. TEORIA DA CULPA CIVIL

Superada a fase em que se dividiam os atos do estado, passou-se a admitir a aplicação da culpa civil. Na aplicação desta teoria o estado era tratado como uma pessoa jurídica de direito privado, e como tal sua responsabilidade não diferia em relação às pessoas privadas. Nestes termos, “o Estado respondia quando funcionário seu, atuando no exercício da função, procedia de modo culposo, por negligência, imprudência ou imperícia”. (MELLO, 2007, p. 1011.).

Na prática, a aplicação desta teoria restou-se infrutífera, haja vista que para o particular, continuavam muito onerosos os meios de provar os requisitos legais para obter uma indenização. Neste ponto, é relevante a lição do mestre Hely:

“Realmente, não se pode equiparar o Estado, com seu poder e seus privilégios administrativos, ao particular, despido de autoridade e de prerrogativas públicas. Tornaram-se, por isso, inaplicáveis em sua pureza os princípios subjetivos da culpa civil para a responsabilização da Administração pelos danos causados aos administrados. (MEIRELLES, 2009, p.656.).

Com o tempo, a aplicação das teorias civilistas foi se mostrando ineficazes, e a doutrina começa a estudar um meio capaz de garantir a responsabilidade extracontratual do estado. A esse respeito escreve Yussef Said Cahali:

Mas também o pressuposto da culpa, como condição da responsabilidade civil do Estado, acabou se definindo como injustificável pela melhor doutrina: em especial naqueles casos em que o conceito de culpa civilista, por si ambíguo, já não bastava para explicar o dano que teria resultado de falha da máquina administrativa, de culpa anônima da Administração, buscando-se, então, supri-la através da concepção de uma culpa publicística. (2007, p. 24.).

Como visto, surge a necessidade de encontrar um modelo que trata efetivamente da responsabilidade extracontratual doestado, levando em consideração, suas diferenças e prerrogativas em relação ao particular.

4.6. TEORIAS PUBLICISTAS

Segundo o entendimentopredominante na doutrina, o fato que deu início ao estudo das teorias publicitas foi o famoso Caso Blanco, de 1873. O Tribunal Francês enfrentou um caso muito complicado acerca da responsabilidade civil do Estado:

o primeiro passo no sentido da elaboração de teorias de responsabilidade do Estado segundo princípios do direito público foi dado pela jurisprudência francesa, como famoso caso Blanco, ocorrido em 1873: a menina Agnes Blanco, ao atravessar uma rua da cidade Bordeaux, foi colhida por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. Suscitado conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o contencioso administrativo o Tribunal de conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento do serviço público. “Entendeu-se que a responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita as regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos privados” (2011, p. 645).

Diferentemente do que existe hoje, na época deste do julgamento deste caso, na França, existiam diversos tribunais, cada um possuía competência para julgar determinadas matérias, como por exemplos: Tribunal administrativo, Tribunal de Conflitos, entre outros. No caso em comento, o que mais se destaca é o julgamento realizado pelo tribunal de conflitos, no qual reconhece sua incompetência para julgar a questão, e afirmando ser da competência do Tribunal Administrativo.

Assim, a decisão proferida pelo Tribunal de Conflitos, extrapolando a missão para a qual foi provocado, indicou precisamente qual o Tribunal que estaria apto a julgar a ação indenizatória promovida pelo pai de Agnes Blanco, bem como deixou claro que os fundamentos para a solução do caso deveriam estar aninhados nos princípios do Direito Público, acentuando a autonomia doDireito Administrativo.

Esta decisão teve grande repercussão no mundo jurídico a época, e ganha destaque o entendimento no sentido de ser inaplicável ao estado, em matéria de responsabilidade civil, as mesmas regras aplicáveis aos particulares, devendo-se aplicar regras especificas de responsabilidade Estatal.

4.7. TEORIA DA CULPA DO SERVIÇO PÚBLICO

A teoria do acidente administrativo é considerada um grande avanço no que se refere à responsabilidade extracontratual do estado.Também conhecida como teoria da culpa administrativa ou culpa do serviço. Com o advento desta teoria aquele que sofria um dano proveniente da atividade estatal, para ser ressarcido dos prejuízos não precisava mais provar a culpa do agente público.

É oportuno destacar que, esta teoria não extirpou a necessidade de provar a culpapor parte do estado, como parece que o fez. Aqui, ainda é imprescindível a existência da culpa – o que difere é que a culpa que agora deve ser provada é a do estado, e não do agente público que causou o dano, não existindo mais a necessidade de individualizá-la.

Sobre o assunto afirma Celso Antônio Bandeira de Mello, “se o Poder Público demonstrar que se comportou com diligência, perícia e prudência –antítese de culpa -, estará isento da obrigação de indenizar” (2007, p. 988.). Criou-se, portanto a ideia no seguinte sentido; o Estado que possui a obrigação de prestar o serviço, deve fazê-lo da melhor forma possível, e se houver dano deve ser comprovado que o serviço públicooferecido funcionou mal por que foi oferecido sem os cuidados necessários, “o que é julgado é o serviço, não o agente público, naquilo que é chamado pela jurisprudência francesa de fauteduservicepublique” (ARAÚJO, 2010, p. 776.).

A cerca das mudanças para caracterizar a culpa, escreve Sérgio Cavalieri Filho:

De acordo com essa nova concepção, a culpa anônima ou falta do serviço público, geradora de responsabilidade do Estado, não está necessariamente ligada à ideia de falta de algum agente determinado, sendo dispensável a prova de que funcionários nominalmente especificados tenham incorrido em culpa. Basta que fique constatado um mau agenciador geral, anônimo, impessoal, na defeituosa condução do serviço, à qual o dano possa ser imputado. (2012, p. 255.).

Para se caracterizar a culpa no serviço, eramnecessários três requisitos como afirma Maria Sylvia Di Pietro:

Essa culpa do serviço público ocorre quando: o serviço público não funcionou (omissão), funcionou atrasado ou funcionou mal. Em qualquer dessas três hipóteses, ocorre a culpa (faute) do serviço ou acidente administrativo, incidindo a responsabilidade do Estado independentemente de qualquer apreciação da culpa do funcionário. (2008, p. 610.).

Restando comprovada ao menos uma das situações citadas pelo autor, estaremos diante de responsabilidade Estatal. José dos Santos Carvalho Filho, mostra como o sujeito passivo do dano deveria proceder:

A falta do serviço implicava o reconhecimento da existência de culpa, ainda que atribuída ao serviço da Administração. Por esse motivo, para que o lesado pudesse exercer seu direito à reparação dos prejuízos, era necessário que comprovasse que o fato danoso se originava do mau funcionamento do serviço e que, em consequência, teria o Estado atuado culposamente. ( 2008, p. 495.).

Mesmo no caso em que ficava comprovada a culpa do agente público, a obrigação do estado em indenizar subsistia. Esta teoria também inovou, permitindo que em algumas situações fosse permitido presumir-se a culpa genérica do serviço, levando em consideração a dificuldade de sua comprovação como afirma Cavalieri:

Convém, ainda, registrar que em inúmeros casos de responsabilidade pela falta do serviço admite-se a presunção de culpa em face da extrema dificuldade, às vezes intransponível, de se demonstrar que o serviço operou abaixo dos padrões devidos, casos em que se transfere para o Estado o ônus de provar que o serviço funcionou regularmente, de forma normal e correta, sem o que não conseguirá elidir a presunção e afastar a sua responsabilidade.(2012, p. 256.).

4.8. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO

Muitos avanços foram trazidos com o implemento da teoria do acidente administrativo, mostrando uma evolução gradativa da responsabilidade extracontratual do estado. No entanto, aquela teoria não se tornará plenamente eficaz, haja vista a superioridade jurídica estatal, “sem abandonar essa teoria, o Conselho de Estado Frances passou a adotar, em determinadas hipóteses, a teoria do risco administrativo, que serve de fundamento para a responsabilidade objetiva do estado”) (DI PIETRO, 2011, p 646).

“Diante disso, passou-se a considerar que, por ser mais poderoso, o Estado teria que arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades: à maior quantidade de poderes haveria de corresponder um risco maior. Surge, então, a teoria do risco administrativo¸ como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado”. (CARVALHO FILHO, 2008, p 496.).

Sobre a teoria do risco administrativo, interessante o estudo de Sérgio Cavalieri Filho:

Em busca de um fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado, valeram-se os juristas da teoria do risco, adaptando-a para a atividade pública. Resultou, daí, a teoria do risco administrativo, imaginada originalmente por León Duguit e desenvolvida por renomados administrativistas, teoria, essa, que pode ser assim formulada: a Administração Pública gera risco para os administrados, entendendo-se como tal a possibilidade de dano que os membros da comunidade podem sofrer em decorrência da normal ou anormal atividade do Estado. Tendo em vista que essa atividade é exercida em favor de todos, seus ônus devem ser também suportados por todos, e não apenas por alguns. Consequentemente, deve o Estado, que a todos representa, suportar os ônus da sua atividade, independentemente de culpa dos seus agentes. (2012, p.257).

A teoria do risco administrativo extingue a necessidade de se provar a culpa do estado, até mesmo na modalidade genérica. A administração encontra-se num patamar especial na administração dos bens públicos e agindo nesta qualidade deve levar em consideração a possibilidade de causa um dano à coletividade, ou a um particular, de forma especifica. Ocorrendo aquele, deverá a administração assumir o risco da sua atividade.

O Estado, através de sua atividade administrativa, deve procurar atender as necessidades da Sociedade. Nesse exercício pode a qualquer momento provocar um dano. Desta forma, o Estado deve assumir o risco da possibilidade de se configurar tal situação.

Alexandre de Morais,afirma que a partir dateoria do risco administrativo surge a responsabilidade objetiva do estado:

Essa teoria fez surgir a responsabilidade objetiva do Estado, segundo a qual o dano sofrido pelo indivíduo deve ser visualizado como consequência do funcionamento do serviço público, não importando se esse funcionamento foi bom ou mau. Para essa teoria, importa a relação de causalidade entre o dano e o ato do agente. (2007, p. 250.)

È importante, não confundirmos a teoria do risco administrativo com a falta do serviço. Na falta do serviço, mesmo não havendo mais a necessidade de se individualizar a culpa do agente público, prescindia-se ainda a prova da culpa genérica no fornecimento do serviço. Com a teoria do risco administrativo é dispensável qualquer discussão acerca da culpa, sendo necessário, apenas o dano e a conduta lesiva do estado. Nestes termos, afirma o mestre Hely Lopes Meirelles:

A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem concurso do lesado. Na teoria da culpa administrativa, exige-se a falta doserviço; na teoria do risco administrativo exige-se, apenas, o fato do serviço.Naquela, a culpa é presumida da falta administrativa; nesta, é inferida do fato lesivo da Administração. (2009, p. 657.).

A responsabilidade do estado, com fulcro no risco da atividade, e objeto de diversas classificações doutrinarias, cada uma procurando a melhor forma de sua aplicação. Dentre as muitas classificações, chama atenção a teoria do risco integral que é defendido por parte da doutrina, mas deixada a margem dos ordenamentos jurídicos modernos. Segundo esta teoria, basta a ocorrência do dano para que o estado seja obrigado a indenizar. Aqui não há se falar em culpa ou outra excludente, sempre haveria a responsabilidade estatal. Podemos afirmar que a teoria do risco integral chega a ser o inverso da teoria da irresponsabilidade. A respeito vale a lição de Rui Stoco:

A teoria do risco integral é aquela pela qual qualquer fato culposo ou não culposo impõe ao agente o dever de reparar, desde que identificado um dano efetivo, ainda que inexistente o nexo causal, ficando afastada a ideia de culpa, mostrando-se desimportante as circunstâncias em que o dano se verificou. Demonstrou Caio Mário que essa teoria não encontrou guarida no campo do direito privado (Responsabilidade Civil. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 281). E assim deve ser posto que sem que haja um elemento de ligação entre o autor e o dano não há como obrigá-lo a indenizar. (2007, p. 161)

Como mencionamos anteriormente, a aplicação da teoria do risco integral ainda é defendida por doutrinadores consagrados como Yussef Said Cahali, que entende ser plenamente aplicada no ordenamento jurídico vigente. O autor entende que não há diferença nas modalidades do risco.

É que, deslocada a questão para o plano da causalidade, qualquer que seja a qualificação que se pretenda atribuir ao risco como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado – risco integral, risco administrativo, risco-proveito -, aos tribunais se permite a exclusão ou atenuação daquela responsabilidade quando fatores outros, voluntários ou não, tiveremprevalecido na causação do dano, provocando o rompimento do nexo de causalidade, ou apenas concorrendo como causa na verificação do dano injusto. (2007, p. 41.).

Deixadas de lados as divergências doutrinarias, fato é que, ambas as correntes reconhecem o nexo de causalidade como fator indispensável para ver-se caracterizada a responsabilidade extracontratual. Portanto, como observa Araújo: “a discussão é apenas acadêmica, pois, considerando-se tais excludentes (exceções que confirmam a regra geral da responsabilidade), as hipóteses em que o Estado será obrigado a indenizar serão em igual número que as referidas na modalidade do risco administrativo. Com efeito, diz-se o mesmo por outras palavras”. (ARAÚJO, 2010, p. 778.).

No Brasil, muito se discute a possibilidade de aplicação da teoria do risco integral. Para o mestre Hely Lopes Meirelles, está teoria nunca foi aceita no ordenamento jurídico pátrio.

Essa teoria jamais foi acolhida entre nós, embora haja quem tenha sustentado sua admissibilidade no texto das constituições da República. Contestamos formalmente esse entender, que se desgarra da doutrina acolhida pelo nosso Direito e se divorcia da Jurisprudência que se formou acerca do citado dispositivo constitucional, consagrador da teoria objetiva, mas sob a modalidade do risco administrativo, e não do risco integral. (2009.p, 658).

Com a máxima vênia, discordamos do ilustre mestre Hely Lopes Meirelles; entendemos ser possível a aplicação da teoria do risco integral no ordenamento jurídico pátrio. Como qualquer outra matéria em direito, o estudo acerca responsabilidade extracontratual do estado também evolui, principalmente com o surgimento de novas tecnologias que com elas trazem outras formas de causar danos, deixando de lado a formas tradicional. A esse respeito é válida a lição da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

[…] Ocorre que, diante de normas que foram sendo introduzidas no direito brasileiro, surgiram hipóteses em que se aplica a teoria do risco integral, no sentido que lhe atribui Hely Lopes Meirelles, tendo em vista que a responsabilidade do estado incide independentemente da ocorrência das circunstâncias que normalmente seriam consideradas excludentes de responsabilidade. É o que ocorre nos casos de danos causados por acidentes nucleares (art. 21, XXIII, c, da Constituição Federal) e também na hipótese de danos decorrentes de atos terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, contra aeronaves de empresas aéreas brasileiras, conforme previsto nas Leis nº 10.309, 22-11-2001, 10.605, de 18-12-2002, e 10.744, de 9-10-2003. Também o Código Civil previu algumas hipóteses de risco integral nas relações obrigacionais, conforme artigos 246,393 e 399. (DI PETRO, 2008, P. 611,612).

Por fim, podemos afirmar que em um futuro não muito distante, a teoria do risco integral estará integrando de forma definitiva o ordenamento jurídico pátrio; o que já vem acontecendo em nossos Tribunais que começam a aceitar a aplicação da referida teoria:

4.9. RESPONSABILIDADE DO ESTADO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

No ordenamento jurídico brasileiro, prevaleceu durante a monarquia e início da República a teoria da irresponsabilidade do Estado. Todavia, é importante destacar que parte considerável da doutrina pátria entende que a teoria da irresponsabilidade nunca teve efeitos no ordenamento jurídico pátrio, “A teoria da irresponsabilidade do estado nunca foi acolhida pelo direito brasileiro; mesmo não havendo normas legais expressas, os nossos tribunais e doutrinadores sempre repudiaram aquela orientação” (DI PIETRO, 2007, P. 612). A constituição do império de 1824 estabelecia de forma expressa a irresponsabilidade do imperador, “Art. 99: a Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma”.

A carta republicana de 1891 não trouxe nenhuma inovação acerca do tema em comento. Todavia, é oportuno destacar como já fizemos anteriormente que na égide da irresponsabilidade o sujeito que sofria um dano não estava totalmente desamparado, sendo possível acionar diretamente o agente público pelos danos causados.

Maria Sylvia Di Pietro afirma que, ‘“as Constituições de 1824 e 1891 não continham disposição que previsse a responsabilidade do Estado; elas previam apenas a responsabilidade do funcionário em decorrência de abuso ou omissão praticados no exercício de suas funções(2008, p. 612.).”. Como aconteceu na maioria dos Estados e no Brasil não foi diferente, esta teoria perdeu expressividade diante do desenvolvimento da República e dos novos conceitos que foram introduzidos no ordenamento jurídico pátrio, principalmente dos movimentos constitucionalistas que pregavam uma maior paridade entre o estado e seus cidadãos.

Sobre o assunto comenta João Batista Gomes Moreira:

O movimento constitucionalista, com os princípios da legalidade e de separação das funções estatais, trouxe a concepção de que o Estado, em igualdade de condições com os súditos, subordina-se à lei e ao controle por órgão independente. Em consequência, foi caindo em desprestígio a ideia de irresponsabilidade estatal por danos causados ao particular. (2005, p. 421.).

O Código Civil de 1916 foi o primeiro dispositivo legal que prévio a responsabilidade civil do estado no ordenamento jurídico pátrio, embora a doutrina e os Tribunais já se inclinavam nesse sentido. Mais para não deixar dúvidas o artigo 15 do Código prevê expressamente.

Art. 15: As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.

A doutrina encontra dificuldade na aplicação do referido artigo, tendo em vista que o legislador foi omisso, não restou claro se o dispositivo contemplava a teoria objetiva ou subjetiva da responsabilidade. Todavia, o entendimento que prevaleceu foi o da aplicação da teoria subjetiva. Neste ponto, vale a lição do mestre Hely Lopes Meirelles:

Neste dispositivo ficou consagrada, embora de maneira equívoca, a teoria da culpa como fundamento da responsabilidade civil do Estado. A imprecisão do legislador, todavia, propiciou larga divergência na interpretação e aplicação do citado artigo, variando a opinião dos juristas e o entender da jurisprudência entre os que viam, nele, a exigência da demonstração da culpa civil da Administração e os que já vislumbravam admitida a moderna teoria do risco, possibilitando a responsabilidade civil sem culpa em determinados casos de atuação lesiva do Estado. Temos para nós que o questionado art. 15 nunca admitiu a responsabilidade sem culpa, exigindo sempre e em todos os casos a demonstração desse elemento subjetivo para a responsabilização do Estado (2009, p. 659.).

Compartilhando do mesmo entendimento afirma Sérgio Cavalieri Filho:

Não obstante a redação ambígua desse dispositivo, o que ensejou alguma controvérsia inicial, a melhor doutrina acabou firmando entendimento no sentido de ter sido, nele, consagrada a teoria da culpa como fundamento da responsabilidade civil do Estado. Tanto é assim que fala em representantes, ainda ligado à ideia de que o funcionário representaria o Estado, seria o seu preposto, tal como ocorre no Direito Privado. (2012, p259.).

A constituição de 1934 por sua vez, trouxe inovações significativas acerca do tema, prevendono artigo 171. a responsabilidade solidaria entre o estado e agente público.

“Art 171 - Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos.

A Constituição de 1937 mantém o mesmo entendimento da CF. 1934“a intenção do constituinte foi a de estabelecer uma responsabilidade solidária entre os funcionários públicos e a Administração, desde que o prejuízo tivesse sido ocasionado por estes quando no exercício de suas atribuições”(SPITZCOVSKY, 2007, p. 302.). Diversamente das anteriores a Constituição de 1946 marcou o ordenamento jurídico pátrio, ao contemplar a teoria objetiva da responsabilidade. Foi com a Constituição de 1946 que a responsabilidade do Estado por dano que desse causa através de seus funcionários rompeu os laços com o direito civil, abandonando-se a teoria subjetiva como seu fundamento.

No mesmo sentido afirma Maria Sylvia Di Pietro:

Com a Constituição de 1946 é que se adotou a teoria da responsabilidade objetiva. De acordo com seu artigo 194, ‘as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros’. Pelo parágrafo único, ‘caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes’. (2008, p. 612.).

Yussef Said Cahali, conclui: “a interpretação que se extrai da ausência de referência ao elemento culpa do funcionário na disposição principal só pode ser a de que prescinde desse elemento subjetivo para a obrigação de indenizar nele estabelecida”. (2007, p. 32.).

Podemos afirmar categoricamente que foi com a constituição de 1946, que se consolidou no sistema normativo brasileiro a teoria objetiva da responsabilidade civil, as constituições posteriores, de 1947, 1969 não inovaram apenas repetiram o disposto na CF. 1946. Por seu turno a CF, de 1988 trouxe algumas alterações prevendo a responsabilidade objetiva da administração pública indireta e das prestadoras de serviço público art. 37, § 6ª.

§ 6º: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Helly Lopes Meirelles, comentando este dispositivo afirma:

“O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados”. (2009, p. 661.).

O Código Civil de 2002, também prevê a responsabilidade civil da administração pública.

Art. 43: As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

No momento atual, não resta dúvida acerca da responsabilidade objetiva do Estado, prevista de forma expressa na Constituição de 1988 e em legislação infra legal. “Atualmente nenhuma dúvida pode existir de que, no ordenamento jurídico pátrio, o Estado se sujeita à teoria da responsabilidade objetiva”. (CARVALHO FILHO, 2008, p. 497.).

4.9.1. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATOS OMISSIVOS

Definir a responsabilidade do estado por atos omissivos é uma tarefa muito difícil tendo em vista a complexidade do tema. Para Rui Stoco:“a omissão é uma conduta negativa. Surge porque alguém não realizou determinada ação quando deveria fazê-lo. A sua essência está propriamente em não se ter agido de determinada forma” (2007, p. 130.).

Conforme definiu o nobre autor, a omissão caracteriza-se por um não fazer. Como observamos anteriormente, o estado, na administração da coisa pública tem obrigação de promover, por meio de políticas públicas e sociais os recursos necessários para que seus cidadãos possam viver com dignidade. Diante da omissão, restará ao particular buscar a responsabilização estatal e a reparação do dano. Portanto, a omissão é um não fazer quando deveria ou se está obrigado a fazê-lo. Aqui, existe uma diferença substancial, fazer alguma coisa significa uma atuação positiva, e na omissão não.

Neste ponto, válida é a lição de Sérgio Cavalieri Filho, “não impedir significa permitir que a causa opere. O omitente, portanto, coopera na realização do evento com uma condição negativa: ou deixando de se movimentar, ou não impedindo que o resultado se concretize (2012, p. 67.)”. A cerca da omissão estatal interessante a lição do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu o dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo. (....)Não bastará, então, para configurar-se responsabilidade estatal, a simples relação entre ausência do serviço (omissão estatal) e o dano sofrido. Com efeito: inexistindo obrigação legal de impedir um certo evento danoso (obrigação, de resto, só cogitável quando haja possibilidade de impedi-lo mediante atuação diligente), seria um verdadeiro absurdo imputar ao Estado responsabilidade por um dano que não causou, pois isto equivaleria a extraí-la do nada; significaria pretender instaurá-la prescindindo de qualquer fundamento racional ou jurídico. Cumpre que haja algo a mais: a culpa por negligência, imprudência ou imperícia no serviço, ensejadoras do dano, ou então o dolo, intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado atuar e fazê-lo segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar ao evento lesivo. Em uma palavra: é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível.” (grifos originais) ( 2008, p. 1002,1003.).

Destaque-se, todavia, que não é qualquer ato omissivo que dará ensejo a responsabilização. Em momento anterior afirmamos que o surgimento de um fato jurídico está intimamente ligado a uma seria de outros elementos que o antecedem, alguns com maior repercussão do que outros. Para podermos ver caracterizada esta modalidade de responsabilidade não basta o estado se omitir de praticar determinado ato, mais se deve analisar se a abstenção de praticá-lo causou algum dano, de ordem patrimonial ou moral.

A doutrina afirma que deve existir uma causa adequada, visto que, em um mesmo evento, é possível verificarmos diversas outras ações que foram omitidas e que, de uma forma ou de outra poderiam evitar ou diminuir o resultado final dano.

Outro ponto que merece destaque épois, a relação de causalidade entre a omissão de praticar um ato e o dano concreto, que deverão estar plenamente adequados. Nestes termos, “a omissão adquire relevância jurídica, e torna o omitente responsável, quando este tem dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado, dever, esse, que pode advir da lei, do negócio jurídico oude uma conduta anterior do próprio omitente, criando o risco da ocorrência do resultado,devendo, por isso, agir para impedi-lo. (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 25.)”.

Como visto acima, a omissão do estado em propiciar os meios necessários a sobrevivência em sociedade pode causar danos a coletividade e também aos particulares. O contrário, em tese não pode ser dito, como nos atos comissivos por exemplo. Nos atos comissivos, o agir, a atitude do Estado tira do curso dos acontecimentos e sendo assim, acaba causando prejuízo aos particulares. Na omissão, podemos afirmar categoricamente que o dano irá se concretizar, caso o estado não tome as providencias adequadas para evitá-lo.

Vislumbramos, pois, que o Estado não foi o causador direto do dano, haja vista que não praticou nenhum ato comissivo para a ocorrência do mesmo, no entanto responderá ele, por não ter procurado as medidas necessárias para evitá-lo. Neste ponto, interessante o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, “em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fator que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvesse ocorrido, teria impedido o resultado” (2008, p.1004.).

Aqui, concluímos no sentido de não haver dúvidas acerca da possibilidade de responsabilização do estado por ato omissivo, todavia, como afirma Bandeira de Mello, neste caso a teoria a ser aplicada não é a teoria objetiva mais sim a subjetiva.

Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado aimpedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu deverlegal que lhe impunha obstar ao evento lesivo[...]Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita doEstado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolosão justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva. ( 2007, p. 997.).

Como expos o nobre autor, tratando-se de omissão estatal, válida é a teoria da culpa administrativa. Nesta espreita, considerando esse raciocínio tratando-se casos comissivos a configuração do estado como sujeito ativo do dano é imediata, diferentemente do que ocorre nos casos omissivos, neste é imprescindível a comprovação do elemento subjetivo culpa, pois neste momento deverá ser analisado se neste ato havia necessidade de intervenção estatal.

Os defensores deste entendimento afirmam que se entendêssemos de forma diversa da que foi exposta acima, estaríamos na verdade diante da responsabilidade civil sob a égide da teoria do risco integral, pois inexistente o nexo causal ente a omissão estatal e o dano efetivo. Ressalte-se que a referida teoria é rechaçada pela maioria da doutrina e também não é aceita pela jurisprudência dos tribunais de amplas, apenas em matérias específicas como o dano ambiental.Todavia, mais uma vez nos manifestamos pela possibilidade da aplicação da teoria supra em casos especiais.

Considerando o exposto, tiramos a síntese de que o estado não tem responsabilidade pelos atos omissivos que não estava obrigado a impedir ou reduzir seus efeitos. Restará responsabilidade, no entanto, nos casos em que houver falha estatal no cumprimento de suas obrigações legais. Neste sentido afirma José dos Santos Carvalho Filho:

Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos (2008, p. 508).

Baseando-se no dever legal do estado, a doutrina traz o conceito de conduta exigível. Ou seja, poder mais dever conjugado com a possibilidade. Nesse sentido afirma Maria Sylvia Di Pietro:

[...] tem que se tratar de uma conduta que seja exigível da Administração e que seja possível. Essa possibilidade só pode ser examinada diante de cada caso concreto. Tem aplicação, no caso, o princípio da reserva do possível, que constitui na aplicação do princípio da razoabilidade: o que seria razoável exigir do Estado para impedir o dano. (DI PIETRO, 2008, p. 619.).

Existem, pois, dois elementos essenciais para configurar a exigibilidade da conduta omitida: que a atuação impeditiva do dano seja razoavelmenteexigível para o bom administrador e que haja alguma probabilidade de que a atuação, também do bom administrador, pudesse ter evitado o evento danoso.

Assim, se o resultado era inevitável, irresistível, e os prejuízos ocorreriam independentemente da atuação do Estado, não há que se falar em omissão, pois não se pode exigir do Estado uma atuação que seja totalmente inócua. Por outro lado, sendo razoavelmente exigível a atuação do Estado e está atuação, considerada em termos médios nos padrões do bom administrador, tiver alta possibilidade de ter obstado o evento danoso, caberá a responsabilidade integral pelos prejuízos causados.

Só restará lícito responsabilizar o estado, quando este tiver agido aquém ou abaixo de daquilo que se considera razoável. De outro lado, se agiu de acordo com tais padrões e, não obstante tal atuação não lhe foi possível impedir o dano, não cabe responsabilizá-lo.

O estudo acerca da responsabilidade estatal na modalidade omissiva é por demais controvertida, não havendo unanimidade na doutrina tampouco na jurisprudência pátria. De uma maneira diametralmente diversa da que afirmamos acima Sérgio Cavalieri Filho, faz uma divisão dos atos omissivos, em omissão específica e omissão genérica. Segundo o autor estaremos diante da primeira situação, se restar comprovada a responsabilidade objetiva do estado:

A atividade administrativa a que alude o art. 37, § 6º, da Constituição, engloba não só a conduta comissiva como também a omissiva, pelo que merece temperamento aquela parte da doutrina capitaneada pelo insigne Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso Administrativo, 15ª ed., MalheirosEditores, pp. 871-872) que sustenta ser subjetiva a responsabilidade da Administração sempre que o dano ocorrer de uma omissão do Estado. Neste ponto é preciso distinguir omissão genérica do Estado (item 77) e omissãoespecífica. Observa o talentoso jurista Guilherme Couto de Castro, em excelente monografia com que brindou o nosso mundo jurídico, ‘não ser correto dizer, sempre, que toda a hipótese proveniente de omissão estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir’ (A responsabilidade civil objetiva noDireito Brasileiro, Forense, 1997, p. 37). Mas, afinal de contas, qual a distinção entre omissão genérica e omissão específica? Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve seu veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso, haverá responsabilidade objetiva do Estado(2005, p. 261.).

Esta divisão embora bastante interessante acaba por não ter grande importância prática. Tendo em vista que esta divisão não se diferencia tanto assim, da classificação clássica da doutrina. O pressuposto da violação de um dever legal de agir pode, até certo ponto, ser apreciado tanto no âmbito do nexo de causalidade como requisito para configuração da omissão (responsabilidade objetiva), ou, concomitantemente, no âmbito do nexo de imputação, como requisito para configuração da culpa do Estado (responsabilidade subjetiva). No mesmo sentido afirma Yussef Said Cahali:

Por outro lado, desde que exigível da Administração a execução da obra ou a prestação do serviço que teriam prevenido ou evitado o evento danoso sofrido pelo particular, identifica-se na conduta omissiva estatal a causa bastante para determinar a responsabilidade objetiva do Estado por sua reparação: no simples conceito de descumprimento de obrigação exigível já Está embutida a ideia de culpa, só elidível se não demonstrada a excludente dá inexigibilidade do ato omitido, posto como causa do dano, se demonstradas as exceções convencionais do caso fortuito, da força maior ou do ato próprio do ofendido. A questão, portanto, desloca-se para o âmbito da exigibilidade da conduta estatal omitida, invocada como causa do dano reparável; mais propriamente, a questão se insere, com melhor adequação, em sede de exigibilidade da obra não executada ou do serviço não prestado (2007, p. 221.).

Em nosso país a jurisprudência dos nossos tribunais é pacifica no que diz respeito a responsabilidade extracontratual do estado, na forma omissiva. Deve-se aplicar a nesses casos a responsabilidade Subjetiva do Estado, como podemos observar do Acórdão prolatado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de RECURSO ESPECIAL Nº 1.230.155 - PR (2011/0002730-3), RELATORA - MINISTRA ELIANA CALMON:

EMENTA

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. QUEDA DE ÁRVORE. DANO EM VEÍCULO ESTACIONADO NA VIA PÚBLICA. NOTIFICAÇÃO DA PREFEITURA ACERCA DO RISCO. INÉRCIA. NEGLIGÊNCIA ADMINISTRATIVA COMPROVADA. DEVER DE INDENIZAR MANTIDO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS ARESTOS CONFRONTADOS.

A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de ser subjetiva a responsabilidade civil do Estado nas hipóteses de omissão, devendo ser demonstrada a presença concomitante do dano, da negligência administrativa e do nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do Poder Público. Precedentes.

Na hipótese dos autos, conquanto a Corte a quo tenha acenado com a responsabilidade objetiva do Estado, restaram assentados no acórdão os pressupostos da responsabilidade subjetiva, inclusive a conduta culposa, traduzida na negligência do Poder Público, pois mesmo cientificado do risco de queda da árvore três meses antes, manteve-se inerte.

O conhecimento da divergência jurisprudencial pressupõe demonstração, mediante a realização do devido cotejo analítico, da existência de similitude dascircunstâncias fáticas e do direito aplicado nos acórdãos recorrido e paradigmas, nos moldes dos arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ.

Recurso especial conhecido em parte e não provido.

O Supremo Tribunal Federal também consolidou o entendimento acerca do tema, a jurisprudência é de certa forma pacifica no que se refere a forma subjetiva da responsabilidade e os elementos que a configuram:

SEGUNDO AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 724.098 RIO DE JANEIRO MIN. TEORI ZAVASCKI:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITOS MÍNIMOS PARA CONFIGURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE (DANO, NEXO DE CAUSALIDADE, DEFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO). NÃO-PREENCHIMENTO. PRECEDENTE: RE 481.110 AgR, MIN. CELSO DE MELLO, SEGUNDA TURMA, DJ DE 09-03-2007 RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279/STF.

O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI (RELATOR):

1. A decisão agravada é do seguinte teor:

2. Tem razão o decisão agravada quando afirma que também as condutas omissivas do Estado estão, em princípio, sujeitas à norma do art. 37, § 6º da CF. Mas essa circunstância, por si só, não impõe, desde logo, a confirmação da responsabilidade civil, cuja configuração depende da conjugação de outros elementos, especialmente a indispensável relação de causalidade entre a ação omissiva ou a deficiência do serviço do Estado e o evento danoso. O próprio precedente invocado pela decisão agravada (RE 481.110-AgR) deixa isso bem claro. E mais, esse mesmo precedente afirma que as instâncias ordinárias são soberanas no exame da matéria de fato que envolve a existência dessa omissão ou da deficiência do serviço estatal e a sua relação de causalidade com o evento apontado como danoso. Se, no exame dos fatos da causa, as instâncias ordinárias afastam a presença de qualquer dos elementos indispensáveis à configuração da responsabilidade civil, tal matéria é insuscetível de reexame em instância extraordinária. Aliás, foi exatamente isso o que ocorreu na hipótese examinada no precedente invocado, em que, segundo constou do voto do relator, “as instâncias ordinárias, não só deixaram de reconhecer a existência do nexo causal, como, ainda, concluíram, com fundamento na análise do conjunto probatório, que a parte recorrente sequer comprovou o dano por ela alegadamente sofrido”, o que levou à decisão de negar provimento ao agravo de instrumento, interposto da decisão que não admitira o recurso extraordinário. Eis o inteiro teor da ementa:

AI 724098 AGR-SEGUNDO / RJ

RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO - PRESSUPOSTOS PRIMÁRIOS QUE DETERMINAM A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO – O NEXO DE CAUSALIDADE MATERIAL COMO REQUISITO INDISPENSÁVEL À CONFIGURAÇÃO DO DEVER ESTATAL DE REPARAR O DANO - NÃOCOMPROVAÇÃO, PELA PARTE RECORRENTE, DO VÍNCULO CAUSAL - RECONHECIMENTO DE SUA INEXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - SOBERANIA DESSE PRONUNCIAMENTO JURISDICIONAL EM MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA - INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO, EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA, DA EXISTÊNCIA DO NEXO CAUSAL - IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA (SÚMULA 279/STF) – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

- Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o "eventusdamni" e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. - O dever de indenizar, mesmo nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva do Poder Público, supõe, dentre outros elementos (RTJ 163/1107-1109, v.g.), a comprovada existência do nexo de causalidade material entre o comportamento do agente e o "eventusdamni",sem o que se torna inviável, no plano jurídico, o reconhecimento da obrigação de recompor o prejuízo AI 724098 AGR-SEGUNDO / RJ sofrido pelo ofendido. - A comprovação da relação de causalidade - qualquer que seja a teoria que lhe dê suporte doutrinário (teoria da equivalência das condições, teoria da causalidade necessária ou teoria da causalidade adequada) - revela-se essencial ao reconhecimento do dever de indenizar, pois, sem tal demonstração, não há como imputar, ao causador do dano, a responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos pelo ofendido. Doutrina. Precedentes. - Não se revela processualmente lícito reexaminar matéria fático-probatória em sede de recurso extraordinário (RTJ 161/992 - RTJ 186/703 – Súmula 279/STF), prevalecendo, nesse domínio, o caráter soberano do pronunciamento jurisdicional dos Tribunais ordinários sobre matéria de fato e de prova. Precedentes. - Ausência, na espécie, de demonstração inequívoca, mediante prova idônea, da efetiva ocorrência dos prejuízos alegadamente sofridos pela parte recorrente. Não-comprovação do vínculo causal registrada pelas instâncias ordinárias. (RE 481.110 AgR, Min. Celso De Mello, Segunda Turma, DJ de 09-03-2007) 3. Ora, no caso em exame, a situação é semelhante: as instâncias ordinárias, examinando os fatos e as circunstâncias da causa, atestaram inexistir omissão ou deficiência do serviço estatal aptas a causar o dano. Essa conclusão, por envolver matéria probatória, é insuscetível de revisão por recurso extraordinário. Assim, a exemplo do que ocorreu no precedente invocado, aqui também é de se negar provimento ao agravo de instrumento.

Do exposto, concluímos no sentido de ser imprescindível, para termos configurada a responsabilidade extracontratual do estado por omissão, os elementos já estudados anteriormente, quais sejam, o nexo de causalidade entre a conduta omissiva do estado e dano, resultante da omissão.

Neste ponto, observe-se que não estamos, diante de responsabilidade objetiva pelo risco administrativo, mais sim, diante de responsabilidade subjetiva, onde além dos elementos que citamos é necessário verificar caso a caso se a atuação do estado era exigida, se existia um dever legal do estado, e que fosse possível, levando-se em consideração os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade impedir o dano. Neste ponto, resta dúvidaacerca da responsabilidade estatal por ato omissivo, na forma subjetiva, ou seja, deve-se provar a culpa da administração. Todavia, quando falamos de meios probatórios é certo que o particular está em uma situação de inferioridade em relação ao estado, tanto jurídica quanto econômica.

Boa parte dos cidadãos dos nossos pais não possui recursos suficientes para viverem com dignidade, esta falta de recursos repercute também nas demandas judiciais, haja vista que o sujeito que sofreu um dano em decorrência da negligencia estatal, não tem condições financeira de suportar o ônus da demora do judiciário e de arcar com honorários de advogado particular. Na maioria dos casos, recorre-se as defensorias públicas, que embora prestem um serviço relativamente de qualidade encontramgrandes dificuldades, devido a sua falta de infraestrutura, e a grande demanda de processos.

Portanto é nítida a hipossuficiência, tanto econômica quanto jurídica do estado em relação ao particular. Para tentar igualar essa balança, a doutrina e jurisprudência de forma pacífica afirmam que em caso omissivos o ônus da prova não é do particular, mais sim do estado, que deverá demonstrar de forma clara e objetiva que não tinha obrigação de prestar o serviço, ou demonstrar qualquer outra excludente de responsabilidade aceita pelo ordenamento jurídico. Sobre o assunto vale o ensinamento do mestre Celso de Mello:

Sem embargo do quanto se disse, entendemos que – reitere-se e enfatize-se – nos casos de responsabilidade por omissão, isto é, em que a responsabilidade é subjetiva, deve-se considerar que vigora uma “presunção de culpa” do Poder Público. Destarte, o lesado não necessita fazer a prova de que existiu culpa ou dolo. Sem embargo, se a entidade pública provar que sua omissão – propiciatória do dano – não decorreu de negligência, imprudência ou imperícia (hipótese de culpa) ou de dolo, ficará excluída a responsabilidade.” (2008, p,1007).

4.9.2. RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

A principal atividade do estado consiste na administração direta dos bens e recursos públicos. No Brasil, durante muito tempo os serviços públicos eram prestados unicamente por órgãos que compunham a administração direta. Serviço público na definição de Celso Antonio Bandeira de Mello “é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob regime de Direito Público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e restrições especiais -, instituído em favo dos interesses definidos como públicos no sistema normativo” (2008,p.665).

A doutrina classifica serviço público em Serviço público em sentido estrito e Serviço público de utilidade pública. O primeiro consiste no serviço de natureza privativa da Administração pública, neste sentido apenas o estado poderá prestá-lo, consubstanciando em uma atividade indelegável do poder publico. O segundo por sua vez, pode ser delegado a terceiros, tanto as pessoas jurídicas de direito publico quanto para pessoas jurídicas de direito privado, consiste em uma atividade cuja execução não é privativa da administração.

A forma de execução dos serviços pode ser centralizada, quando a execução dos serviços for feitas pelos entes políticos ou descentralizada, quando a prestação dos serviços estiver a cargo de terceiros, que podem fazer ou não parte da administração pública. Observamos que com a modernização do estado, e o crescimentos das demandas sociais, a execução direta pelo estado dos serviços públicos acabou por gerar inconformismo na sociedade, tendo em vista que o estado não consegue prestar o serviço com qualidade. Daí surge a necessidade de se buscar novos institutos que possibilitem a prestação do serviço de forma eficiente e que, de certa forma seja menos burocrático. A respeito escreve Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“À proporção que o Estado foi assumindo outros encargos nos campos sociais e econômicos, sentiu necessidade de encontrar novas formas de gestão do serviço público e da atividade privada exercida pela Administração. (2008 p 394.).

A deficiência na prestação dos serviços públicos, fez com que o estado, abandonasse em parte a centralização dos serviços públicos. Desde então, o estado começa a delegar algum prestação de algumas atividades. É oportuno destacar que a descentralização e desconcentração administravas possuem conceitos distintos, o primeiro “é a distribuição de competências de uma para outra pessoa, física ou jurídica, (Di Pietro, 2008, p 394.)”. O segundo consiste em ‘uma distribuição interna de competências, ou seja, uma distribuição de competências dentro da mesma pessoa jurídica, (Di Pietro,2008, p 394)”.

Doutrinariamente encontramos diversas modalidades de descentralização administrativa. Todavia, utilizaremos para esta pesquisa a classificação feita pela professora Maria Syilvia que usa a classificação tripartite, (descentralização territorial ou geográfica, descentralização por serviços, funcional ou técnica e descentralização por colaboração. A descentralização territorial “é a que se verifica quando uma entidade local, geograficamente delimitada, é dotada de personalidade jurídica própria, de direito público, com capacidade administrativa genérica”. A desconcentração por serviços, funcional, ou técnica “é a que se verifica quando o poder público (União, Estados ou Municípios) cria uma pessoa jurídica de direito público ou privado e a ela atribui a titularidade e a execução de determinado serviço”. Por último, a descentralização por colaboração “é a que se verifica quando, por meio de contrato ou ato administrativo unilateral, se transfere a execução de determinado serviço público a pessoa de direito privado, previamente existente, conservando o poder Público a titularidade do serviço(Di Pietro,2008, p. 393).

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, traz algunsdispositivos que consagra a descentralização administração. O tema também é regulamentado por legislação infraconstitucional, mais precisamente pelo Decreto-lei nº 200, de 25-02-1967, que no ternos do artigo 10, § 1º. O artigo 4º do referido decreto, divide a administração pública federal em direta e indireta.

Art. 4° A Administração Federal compreende:

I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.

II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:

a) Autarquias;

b) Empresas Públicas;

c) Sociedades de Economia Mista.

d) fundações públicas

Além das entidades citadas pelo inciso II do referido artigo 4ª, a Lei 11.107 de 2005 criou a figura do consórcio público, que pode ser criado com personalidade de direito público ou de direito privado.

O surgimento da Administração Pública indireta trouxe muitos avanços na prestação dos serviços públicosOcorre, todavia, que a administração pública indireta também comete ato ilícito, também causa dano aos particulares, e na ocorrência destes surge a dúvida a cerca de quem será responsável pela indenização o estado ou a pessoa jurídica causadora do dano, e qual a modalidade de responsabilidade civil será aplicada. Neste ponto aConstituição Federal é expressa ao afirmarque no artigo 37“§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”.

Do exposto podemos concluir que é aplicável a administração pública indireta a responsabilidade objetiva, sendo desnecessáriaprovar a culpa do agente causador do dano. Noutro ponto, quando as entidades da administração pública forem dotadas de personalidade jurídica de direito privado, a esse regime serão submetidas, como é o caso das empresas públicas sociedades de economia mista.

4.9.3. RESPOSNABILIDADE DAS CONCESSIONÁRIAS E PERMISSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO

No século atual, vivenciamos uma constante dependência entre os estados, que cada vez mais precisam firmar parcerias a cerca das mais variadas matérias, principalmente nas que dizem respeitos a tecnologias e combustíveis “as deficiências da sociedade política medieval determinaram as características fundamentais do Estado Moderno” (DALLARI, 2012, p. 77).

Devido ao crescimento desproporcional da população e de outros fatores que direta ou indiretamente influenciam na forma de prestação dos serviços públicos pelo estado, começa a surgir uma necessidade de os estados firmarem parcerias com o setor privado, para poderem manter funcionando com qualidade os serviços públicos. O Estado, que esta adstrito a princípios e normas de direito publico acaba por não conseguir competir com a iniciativa privada, e esta sendo obrigado a abrir mão de algumas atividades, principalmente as de natureza econômica.

Esses problemas fizeram com que o estado acelerasse a delegação dos serviços públicos considerados menos essenciais Daí, surgiram novas formas de delegação dos serviços públicos como as parcerias público privada, como também da renovação de antigas formas de parcerias; concessões, permissões, autorizações de serviços públicos.

As concessionárias e permissionárias de serviços públicos são entidades que também integram a administração pública indireta e são responsáveis pela prestação de serviços públicos delegados pelo Estado. Por seu turno, a Concessão do serviço público “é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo poder público” ( MELLO, 2008, P.696). Para que possamos adentrar no estudo deste item, importante,trazermos a definição de serviço público, destaque-se que a doutrina não é pacífica ao conceituar serviço públicos

Celso Antônio Bandeira de Mello define serviço público como:

“toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administradores, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo” ( 2008, P. 665).

Por seu turno, o mestre Hely Lopes Meirelles, (2001, p. 311), “Serviço público é todo aquele prestado pela administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do estado”. Nas palavras da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, temos que serviço público é; “toda atividade material que a lei atribui ao estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público” (2001, p. 98).

Como vimos, o concessionário recebe do poder público a delegação dos serviços públicos e deverá prestá-los por sua conta e risco, para que de fato se caracterize a concessão é mister que exista uma contraprestação, ou seja uma remuneração para o concessionário pelos serviços prestados.

Em momento anterior neste trabalho, afirmamos que todos os sujeitos são capazes de produzir alguma espécie de dano. Este dano pode ser de ordem material ou moral, como também pode por origem um ato lícito ou ilícito. Para atribuirmos a responsabilidade pelo dano a alguémimprescindível a identificação do sujeito que pode ser uma pessoa física ou jurídica, ou até mesmo um sujeito sem personalidade. Se o ato lesivo ocorreu entre particulares, aplica as normas de direito privado, caso contrário aplica-se as norma de direito público. No caso dos permissionários e concessionários de serviço público, surgir a discussãoacerca da responsabilidade extracontratual, quem responde pelo dano? Para que possamos enquadrar de forma a adequada o responsável pela indenização é salutar identificarmos e personalidade jurídica do sujeito causador.

A natureza jurídica das concessionárias e permissionárias de serviço público, também é um instituto que doutrina não traz um conceito uniforme.

É uma relação jurídica complexa, composta de um ato regulamentar do Estado que fixa unilateralmente condições de funcionamento, organização e modo de prestação do serviço, isto é, as condições em que será oferecido aos usuários; de um ato-condição, por do qual o concessionário voluntariamente se insere debaixo da situação jurídica objetiva estabelecida pelo Poder Público, e de contrato, por cuja via se garante a equação econômico-financeira resguardando os legítimos objetivos de lucro do concessionário. Sem embargo do que se vem de dizer, no Direito brasileiro a concessão de serviço público tanto como a de obra pública são pura e simplesmente nominadas de contratos administrativos” (MELLO, 2008 p. 706).

Como vimos no item que trata da responsabilidade civil da administração pública indireta, o parágrafo 6ª do art.37 da constituição federal, consagra tanto a responsabilidade objetiva da administração pública direta como também a indireta. Sendoassim, inquestionável a responsabilidade civil objetiva com base na teoria do risco ou objetiva. Neste ponto, importante a lição de Celso Bastos:

a responsabilização dos prestadores dos serviços públicos tem-se visto alargado. Hoje é tido por certo que eles respondem pelos danos que casem aos usuários e a terceiros em geral, respondendo segundo a teoria do risco ou objetiva, Independentementede culpa. No caso de ser a própria Administração centralizada a prestadora do serviço público, éo poder Público que vai responder pelos danos causados. “Nahipótese de ter sido transferida a execução para outra pessoa, esta responderá, mesmo que de particular se trate, segundo a mesma teoria do risco, porque o regime da prestação do serviço público segue este sem importar nas mãos de quem se encontre.” (2001, p.191, 192).

A lei 8.987 de 1995, regulando o artigo 175 da Constituição Federal, consagra a responsabilidade direta do concessionário ou permissionário do serviço público, todavia esta previsão não exclui a responsabilidade do poder público concedente, que figurará sempre como responsável subsidiário e não solidário, como podemos observar da análise feita por Diógenes Gasparini:

“O Concessionário executa e explora o serviço que lhe foi trespassado em seu nome e pôr e por sua conta e risco, conforme fixado no conceito de concessão deserviço dado pelo inciso II do art. 2ª da Lei federal n. 8.987/97. Dessa condição decorrem as obrigações de responder pelos compromissos assumidos e pelos danos que vier a causar a terceiro ou ao próprio Poder Pública concedente. Assim deve ser porque quem assume certas obrigações deve por elas responder a contento. Do mesmo modo, como um particular, deve satisfazer os prejuízos a que der causa. Não se há, pois, que falar em responsabilidade solidaria da concedente. Mas se este promover a extinção da outorga e, em razão da continuidade do serviço, apropriar-se dos bens e instalações aplicados na sua execução, responderá até o valor dos bens recebidos, dado que somente estes se destinavam a garantir suas obrigações. A par disso, sua responsabilidade é subsidiária sempre que, esgotadas as forças do concessionário, restar por satisfazer certo montante decorrente de obrigações originadas diretamente da prestação dos serviços (indenizações em razão de acidentes).” ( 2004, P.333)”

Quanto a responsabilidades dos danos causados a terceiros, o entendimento que predomina na doutrina e também no Supremo Tribunal Federal e da responsabilidade objetiva do concessionário ou do permissionário do serviço público:

“Ademais, a responsabilidade do concessionário pelos danos causados a terceiros, em razão dos serviços públicos que executa e explora, é, tal qual a da Administração Pública, objetiva, nos termos do § 6ª do art. 37 da Lei Maior. Portanto, diante da norma constitucional, responde pelos danos que seus empregados, atuando nessa condição, causarem a terceiros. Afinal, não seria justo, nem jurídico, que a mera transferência de execução dos serviços tornasse a recomposição do patrimônio do prejudicado mais lenta e onerosa do que a exigida da Administração Pública, caso fosse a prestadora do serviço público trespassado. O concessionário só se liberara dessa responsabilidade se demonstrar que não foi o causador do evento danoso. Contra seus empregados cabe o direito de regresso, conforme consubstanciado nessa mesma regra constitucional. Desse modo, sempre que os seus empregados, com culpa ou dolo, causarem qualquer danos a terceiros, investe-se o permissionário ou concessionário nesse direito se já tiver satisfeito o prejuízo. O êxito da ação está condicionado à existência desses dois requisitos: o empregado deve ter agido com culpa ou dolo e o seu concessionário empregador deve ter satisfeito o prejuízo.” (GASPARINI,2004,333,334),”.

5. EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Após a análise das características da responsabilidade Civil percebe-se que ausente algum dos elementos que a caracterizam estaremos diante de um caso de exclusão da responsabilidade, e por obvio, inexistirá responsabilização do agente. Diversos fatores podem influenciar para a ocorrência de um dano, sejam eles provenientes da natureza ou do próprio ser humano. Diante disto percebe-se que as excludentes estão relacionadas a fatores que estão fora do contexto que o fato ocorreu. Sérgio Cavalieri Filho afirma:

É que, não raro, pessoas que estavam jungidas a determinados deveres jurídicos são chamadas a responder por eventos a que apenas aparentemente deram causa, pois, quando examinada tecnicamente a relação de causalidade, constata-se que o dano decorreu efetivamente de outra causa, ou de circunstâncias que as impedia de cumprir a obrigação a que estavam vinculadas. E, como dizem os antigos, ad impossibilianemotenetur. Se o comportamento devido, no caso concreto, não foi possível, não se pode dizer que o dever foi violado. Causas de exclusão do nexo causal são, pois, casos de impossibilidade superveniente do cumprimento da obrigação não imputáveis ao devedor ou agente.(2012, p.68.).

Silvio de Salvo Venosa afirma que: “São excludentes de responsabilidade, que impedem que se concretize o nexo causal, a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior […]. São situações que a doutrina costuma denominar rompimento do nexo causal. (2012, p.55.).

5.1. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA

A culpa exclusiva da vítima é uma das excludentes da responsabilidade civil, nela o agente concorre para que o resultado danoso aconteça. Nesta não existe relação entre o dano e o agente que cometeu o ato. Edmir Netto de Araújo afirma que “na verdade, o que existe mesmo é a ausência de relação causal entre o Estado e o prejudicado, pois nãoexiste ato ou omissão de agente público no evento, mas sim de um particular, o próprio lesado” (2010, p.780.)

A doutrina adverte que não estamos diante da hipótese de culpa, mais de fato o que existe é um fato que praticado exclusivamente pela vítima. Na concepção de Sérgio Cavalieri Filho, a nomenclatura utilizada por parte da doutrina não é adequada “a boa técnica recomenda falar em fato exclusivo da vítima, em lugar de culpa exclusiva”. (2012, p. 69.) .Continua o autor; “o fato exclusivo da vítima exclui o próprio nexo causal em relação ao aparentemente causador direto do dano, pelo que não se deve falar em simples ausência de culpa deste, mas em causa de isenção de responsabilidade”. (CAVALIERI FILHO, 2012, p.69.).

Celso Antônio Bandeira de Mello tratando da responsabilidade civil do estado afasta a relevância da culpa do lesado, para ele existe uma confusão entre o lesado e o responsável pela indenização “de conseguinte, a culpa do lesado não é relevante por ser culpa, mas sê-lo-á unicamente na medida em que através dela se pode ressaltar a inexistência de comportamento estatal produtor do dano”. (2008, p. 1014) Se a vítima apenas concorrer para que o evento danoso aconteça, o estado será obrigado a indenizar. Mais o quantum da indenização será reduzido na proporção da culpa de cada um. Sobre a questão vale apenas descrever o estudo de José dos Santos Carvalho Filho:

Entretanto, pode ocorrer que o lesado tenha sido o único causador de seu próprio dano, ou que ao menos tenha contribuído de alguma forma para que o dano tivesse surgido. No primeiro caso, a hipótese é de auto lesão, não tendo o Estado qualquer responsabilidade civil, eis que faltantes os pressupostos do fato administrativo e da relação de causalidade (...). Se, ao contrário, o lesado, juntamente com a conduta estatal, participou do resultado danoso, não seria justo que o Poder Público arcasse sozinho com a reparação dos prejuízos. Nesse caso, a indenização devida pelo Estado deverá sofrer redução proporcional à extensão da conduta do lesado que também contribuiu para o resultado danoso. ( 2008, p. 504-505.)

Portanto, a análise dos elementos da culpa e sua classificação é de vital importância, haja vista que daí se extrairá a parcela de culpa do Estado. Deve-se verificar quanto ao agente se estamos diante da culpa direta ou indireta, quanto ao fato gerador (contratual ou aquiliana); e por último quanto à gravidade; (culpa grave culpa leve ou levíssima). Segundo Hely Lopes Meirelles “se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o quantum da indenização”.(2009, p. 666.).

5.2. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR

O caso fortuito e a força maior são elementos que possuem uma grande importância no que se refere a exclusão da responsabilidade civil. A doutrina há muito tempo vem tentando distinguir as duas situações, sem no entanto conseguir uma uniformidade. Sérgio Cavalieri Filho em estudo sobre o tema entende que existem diferenças substanciais, e afirma:

Entendemos, todavia, que diferença existe, e é a seguinte: estaremos em face do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível e, por isso, inevitável; se o evento for inevitável, ainda que previsível, por se tratar de fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da Natureza, como as tempestades, enchentes etc., estaremos em face de forçamaior, como o próprio nome o diz. É o actofGod, no dizer dos ingleses, em relação ao qual o agente nada pode fazer para evitá-lo, ainda que previsível. (2012, p. 71.)

No âmbito da responsabilidade civil estatal, Edmir Netto de Araújo compartilha do mesmo entendimento:

Então, distinguindo: a característica da força maior é possuir uma causa conhecida, mas impossível de ser contida pela potencialidade humana, é irresistível, inelutável. Geralmente é exemplificada por fatos da natureza, como raios, terremotos, erupções vulcânicas. Já no caso fortuito, a causa do acidente danoso permanece desconhecida, ignorando-se como foi produzido o evento. No caso do Estado, refere-se ao próprio funcionamento doserviço, em especial ao que se chama de acidente mecânico, culpa ignoradado serviço.(2010, p. 781.)

A maioria da doutrina entende que a discussão acerca das diferenças entre o caso fortuito e a força maior são, uma perda de tempo, tendo em vista que em termos práticos os efeitos jurídicos são os mesmos e a única certeza que se extrai é que em ambos os casos estaremos diante de uma excludente da responsabilidade civil, nesse sentido José dos Santos Carvalho Filho afirma:

Ora, na hipótese de caso fortuito ou força maior nem ocorreu fato imputável ao Estado, nem fato cometido por agente estatal. E, se é assim, não existe nexo de causalidade entre qualquer ação do Estado e o dano sofrido pelo lesado. A consequência, pois, não pode ser outra que não a de que tais fatos imprevisíveis não ensejam a responsabilidade do Estado. (2008, p. 506.)

Quando falamos de responsabilidade civil do estado por ato omissivo a discussão ganha maiores contornos, haja vista que em alguns casos será possível responsabilizar o estado nas hipóteses de caso fortuito ou de força maior como. O que elide a responsabilidade do Estado não é poder prever o evento e o efeito que este terá, mas sim não poder evitar a concretização do dano, porque tendo condições de o evitar e não o fazendo, está identificada a omissão que importa em ressarcimento por parte do Estado.

O estado tem o dever de promover o bem comum, e para atingir esta finalidade deverá desenvolver estudos sobre eventos alheios a vontade de seus cidadãos e na medida do possível implementar mecanismos de controle e de prevenção destes eventos para que se possa impedir ou minimizar a ocorrência dos danos; “Se estes forem resultantes, em conjunto, do fato imprevisível e de ação ou omissão culposa do Estado, não terá havido uma só causa, mas concausas, não se podendo, nessa hipótese, falar em excludente de responsabilidade”.( CARVALHO FILHO, 2008, p. 506.).

5.3. FATOS DE TERCEIRO

No fato de terceiro como em qualquer outra causa de exclusão da responsabilidade civil o dano adveio de uma circunstância alheia a questão jurídicas a que as partes estão submetidas. Terceiro segundo CAVALIERI FILHO “é qualquer pessoa além da vítima e o responsável, alguém que não tem nenhuma ligação com o causador aparente do dano e o lesado. Pois, não raro, acontece que o ato de terceiro é a causa exclusiva do evento, afastando qualquer relação de causalidade entre a conduta do autor aparente e a vítima” (2012, p.69.). Semelhante ao que ocorre com o caso fortuito e com a força maior fatores externo são as causas determinantes para a efetivaocorrência do dano, a diferença existentes entre as duas situações reside no fato de aquele fato se originário de causas provenientes da natureza e o segundo de atos praticados pelo ser humano.

Destarte para que o fato de terceiro seja considerado como uma das excludentes a doutrina entende que o comportamento do mesmo seja substancialmente relevante, além de inevitável e inesperado “para que se possa afirmar que o fato de terceiro constitui causa estranha e atue como excludente da responsabilidade, o comportamento do terceiro causador do dano deve ser inevitável e imprevisto”. (STOCO, 2007, p. 191.).

Em relação à responsabilidade civil do estado, a questão deve ser vista com mais cautela, para que se possa sustentar esta excludente faz-se necessário que o dano seja praticado por uma ação direta de terceira pessoa e que em termos razoáveis não seja possível sua neutralização “ação direta de terceiro, que não possa ter sido objetivo de neutralização pelo Estado, em termos razoáveis, dentro dos cuidados usuais exigíveis”. (ARAÚJO, 2010, p. 781.).

6. CONCLUSÃO

A presente monografia teve por objetivo central a análise da responsabilidade civil extracontratual do estado por condutas comissivas ou omissivas de seus agentes que venham a resultar dano para os seus administrados.

Trata-se de tema amplo e de difícil abordagem, dada a sua complexidade e os diversos aspectos que o envolvem. Buscou-se, então, de forma simplista, fazer uma abordagem destinada a destacar alguns aspectos controvertidos e que têm merecido a atenção da doutrina e na jurisprudência pátria.

Como apontado, a responsabilidade extracontratual do Estado evoluiu desde a total irresponsabilidade, passando-se depois por uma fase em que era obrigado a ressarcir os prejuízos com base na teoria subjetiva da culpa, e posteriormente, com fundamento na responsabilidade objetiva sem perquirir o elemento culpa.

A atual Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º, prevê a responsabilidade objetiva do Estado, pelos atos que seus agentes causarem a terceiros, em que, para restar configurada a responsabilidade estatal basta verificar o nexo causal entre o ato do agente e o dano sofrido por terceiro.

É entendimento pacífico no ordenamento jurídico brasileiro que o Estado no exercício da atividade pública pode vir a causar danos aos seus administrados, seja através de atos lícitos ou ilícito, comissivos ou omissivos, gerando-lhe o dever de reparar tais prejuízos.

Os danos causados aos administrados por suas condutas comissivas são de natureza objetiva. Doutrina e jurisprudência são unânimes quanto a esta afirmativa. No entanto, com relação aos danos provenientes da inação Estatal, ou seja, de sua conduta omissiva, não existe uma uniformidade de pensamento. Doutrinadores há que defendem a adoção da responsabilidade subjetiva, com base na teoria da culpa do serviço, devendo-se provar que a ausência ou demora injustificada do serviço foi fator decisivo para a ocorrência do dano, com base nos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello.

Aponta aquele doutrinador que a omissão não é causa direta, mas condição para a ocorrência do dano. “Causa” é a atitude positiva que ocasiona um resultado. “Condição” é evento cuja ausência enseja o surgimento do dano. Daí dizer que não há como estabelecer um nexo causal entre a omissão estatal e o dano, pois se o Estado não deu causa, não se lhe pode imputar a responsabilidade pelo dano (MELLO, 2008,p, 1004)..

A outra parte da Doutrina que entende ser objetiva a responsabilidade do Estado nas condutas omissivas o faz nos moldes do art. 37, § 6º, da CF, com base na teoria do risco administrativo, em que se deve perquirir a relação de causalidade entre o ato do agente e o dano sofrido por terceiro, para restar configurada a responsabilidade estatal.

No entanto, na adoção da responsabilidade objetiva, na modalidade de risco administrativo, admite-se as hipóteses de excludentes da responsabilidade estatal, como o caso fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da vítima; e ainda atenuantes dessa responsabilidade, no caso da concorrência da vítima para o advento do dano.

Portanto, atribuir a responsabilidade objetiva aos atos omissivos estatais, não seria de modo algum elevá-lo à condição de “segurador universal”, como querem alguns doutrinadores.

A jurisprudência pátria ora propende pela adoção da teoria subjetiva, ora pela teoria objetiva. Mas, em determinados casos – que envolvem maior gravidade – o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, tem adotado a teoria objetiva.

A conquista da responsabilidade objetiva estatal tem por objetivo assegurar a igualdade, o bem-estar e a justiça social visados pelo Estado Democrático de Direito. Desta forma, procurar o elemento “culpa” para a configuração da responsabilidade estatal, seria restabelecer a situação de desigualdade da vítima do serviço público danoso perante o Todo Poderoso. E, conseqüentemente, resultaria num retrocesso na evolução da responsabilidade civil do Estado.

Assim, de tudo o que foi exposto, a melhor doutrina aplicável às condutas omissivas, que atende ao Estado de Direito é, sem dúvida, a teoria objetiva, eis que, em nossa sociedade atual, o Estado está sujeito às mesmas regras a que estão submetidos os particulares, desta forma visa dar um tratamento isonômico entre o ente estatal e o administrado.

E é assim para que o lesado não tenha que produzir prova muitas vezes impossível de se obter, e para que o Estado aja com mais cautela, melhorando a prestação e a qualidade dos seus serviços, bem como a qualificação dos seus agentes.

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Publicado por: EDSON EUFRASIO DA SILVA ALVES

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