O TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL: Apontamentos e Perspectivas

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1. RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar a complexidade do crime internacional de tráfico de mulheres para fins de exploração sexual, com um olhar especial para a vítima. Para tanto, é necessário analisar os fatores circunstanciais que impulsionam o tráfico internacional de mulheres, traçando dados acerca dos fatores socioambientais, políticos e econômicos que favorecem o aliciamento dessas mulheres pelos traficantes, bem como desenvolver um olhar de proteção às vítimas sob a perspectiva do Protocolo Adicional á Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Nesse contexto, faz-se vital a análise desse processo sob a ótica dos Tratados Internacionais, em especial o Protocolo Adicional supramencionado. Outrossim, a questão será examinada sob a ótica dos princípios constitucionais, visto que o referido crime configura-se como sendo um verdadeiro atentado aos direitos humanos. Nessa monografia será utilizado o método dialético, prestigiando a complexidade da conjuntura global, profundamente desigual, apontando avanços, retrocessos, limites e possibilidades do enfrentamento, por parte dos países que ratificam os instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, e o avanço do crime do tráfico internacional de pessoas, especialmente com relação às mulheres. Também será apontada a cooperação jurídica internacional como possível solução para o enfrentamento dessa problemática. Não obstante, frisa-se que, apesar do caráter interdisciplinar desse trabalho, não pretendemos esgotar a temática, tendo em vista a amplitude da mesma.

Palavras-chave: Tráfico de pessoas; Tráfico de mulheres; Lenocínio; Exploração Sexual.

SUMMARY

This thesis aims to analyze the complexity of the international crime of trafficking in women for sexual exploitation, with special attention for the victim. Therefore, it is necessary to analyze the environmental factors that drive the international trafficking in women, tracing data on the environmental, political and economic factors that favor the allurement of these women by traffickers and develop a special attention to the protection of victims from the perspective the Protocol supplementing the United Nations Convention against Transnational Organized Crime to Prevent, Suppress and Punish Trafficking in Persons, especially Women and Children. In this context, it is vital to analyze this process from the perspective of international treaties, in particular the Additional Protocol mentioned above. Furthermore, the issue will be examined from the perspective of constitutional principles, since this crime violates human rights. In this monograph will be used the dialectical method, honoring the complexity of the global environment, deeply unequal, pointing advances, setbacks, limits and possibilities of coping, by countries that ratify the international protection instruments on human rights, and crime advance international trafficking in persons, focusing on trafficking in women. It will also be pointed to international legal cooperation as a possible solution to face this problem. Nevertheless, it points out that, despite the interdisciplinarity of this monograph is not exhausted the subject, due to the complexity of the issue.

Keywords: Trafficking in persons; Traffic of women; pimping; Sexual exploitation.

RESUMEN

El presente trabajo tiene por objetivo analizar la complejidad del delito internacional de la trata de mujeres para fines de explotación sexual;con una atención especial para la víctima. Entonces, es necesario analizar los factores circunstanciales que impulsan la trata internacional de mujeres; trazando datos acerca de los factores sociales y ambientales, políticos y económicos que favorecen el aseo de estas mujeres por los traficantes. Junto con, desarrollar una mirada de protección a las víctimas, bajo la perspectiva del Protocolo Adicional a la Convención de las Naciones Unidas contra el Crimen Organizado Transnacional Relativo a la Prevención, Represión y Sanción de la Trata de Personas; en Especial: las Mujeres y los Niños. En este contexto, se hace de vital importancia el análisis de ese proceso bajo la óptica de los Tratados Internacionales; en particular, el Protocolo Adicional mencionado. Asimismo, la cuestión será examinada bajo la óptica de los principios constitucionales ya que dicho delito, se configura como un verdadero atentado a los derechos humanos. En esta monografía se utilizará el método dialéctico. Prestigiando la complejidad de la coyuntura global, profundamente desigual; señalando avances, retrocesos, límites y posibilidades del enfrentamiento por parte de los países que ratifican los instrumentos internacionales de protección de los derechos humanos. Y el avance del crimen: La trata internacional de personas, especialmente con relación a las mujeres. También se demostró, la cooperación jurídica internacional como una posible solución para hacer frente a este problema. No obstante, subraya que: a pesar del carácter interdisciplinario de este trabajo, no tenemos la intención de agotar el tema, teniendo en vista la amplitud de la misma.

Palabras-clave: La Trata de personas; La Trata de mujeres; Proxeneta; Explotación Sexual.

2. INTRODUÇÃO

Primeiramente, cabe, de antemão, ressaltar que essa monografia não tem, e nem poderia ter, a pretensão de esgotar todos os fatores que compõem o Tráfico Internacional de Mulheres, tendo em vista a complexidade e o caráter interdisciplinar necessário para dialogar sobre o Tráfico de Pessoas. Antes de estudar o tema, o Tráfico de Mulheres, no meu imaginário, não passava de mera lenda urbana. Não obstante, ao me deparar com dados tão alarmantes acerca do Tráfico Humano no mundo, me senti na obrigação de trazer ao campo acadêmico a discussão de uma possível solução para essa problemática.

Diante disso, o Tráfico de Mulheres foi uma temática que me chamou a atenção, em razão da desumanidade característica desse crime. Desse modo, quando iniciei o Projeto de Pesquisa, já estabeleci que o objetivo desta monografia seria analisar a complexidade do crime internacional de tráfico de pessoas com enfoque na exploração sexual das mulheres.

Para a construção desta monografia tive que superar, algumas vezes, o meu lado emotivo, em razão da brutalidade da temática. Diante da condição de ser humano, e principalmente, na condição de mulher, enquanto pesquisadora tive que fazer um esforço homérico para trabalhar com o tema com certo distanciamento emocional.

Isto posto, para o seu desenvolvimento, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: verificar se a questão de gênero predomina no perfil das vítimas de tráfico internacional para fins de exploração sexual; analisar dados acerca dos perfis das vítimas do crime de tráfico; examinar o crime de Tráfico Internacional de Pessoas para fins de exploração sob a ótica dos Tratados Internacionais; e demonstrar que o Tráfico Internacional de Pessoas para fins de exploração sexual transgride Tratados Internacionais, bem como a diversos princípios constitucionais.

Essa monografia pretendeu responder ao seguinte problema de pesquisa: quais os fatores circunstanciais que impulsionam o aumento do número de mulheres aliciadas pelo tráfico internacional de pessoas com fins sexuais no estágio particular da conjuntura global?

Uma investigação desse teor é importante à medida que há escassez de políticas públicas tanto de prevenção quanto de auxílio às vítimas, de modo que essas mulheres não contam com instrumentos realmente efetivos para impedir as agressões contra eles impostas, criando-se uma perspectiva de impunidade.

O tráfico de pessoas é uma triste realidade que sempre existiu no mundo, todavia, esse processo ganhou visibilidade a partir da queda do muro de Berlin, marco da terceira fase da globalização, que possibilitou a formação de poderosas organizações criminosas. Entendido como verdadeira afronta aos direitos humanos, o Tráfico de Pessoas abrange diversas situações de comércio do ser humano, tais como: a exploração sexual, tráfico de órgãos e trabalhos forçados. Frisa-se, todavia, que este trabalho irá limitar-se a analisar a questão do tráfico internacional de mulheres e o lenocínio.

Esse processo agravou-se nos últimos anos, tendo um problema de dimensões cada vez maiores, sendo considerada uma verdadeira forma moderna de escravidão. Dessa forma, a presente pesquisa tem por escopo analisar os impactos da globalização para o agravamento deste crime organizado, bem como os fatores determinantes que favorecem o aliciamento de mulheres.

Com relação à metodologia, o presente trabalho adotou como método de abordagem o dialético, uma vez que o tráfico de pessoas é um crime multifacetado, havendo a necessidade de dialogar com outras ciências, evidenciando o caráter interdisciplinar da pesquisa, ultrapassando a análise meramente jurídica desse processo. Acrescido a isso, a análise prestigiará a complexidade da conjuntura global, profundamente desigual, apontando avanços, retrocessos, limites e possibilidades do enfrentamento, por parte dos países que ratificam os instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, do avanço do crime do tráfico internacional de pessoas, especialmente com relação às mulheres.

A estrutura do trabalho apresentar-se-á na forma de dois capítulos de desenvolvimento, além da introdução e das considerações finais. No primeiro deles, a abordagem será em torno do processo de globalização, analisando o seu processo histórico e as consequências provocadas nas relações políticas, sociais e econômicas, sob a ótica do saudoso Milton Santos.

O segundo capítulo, por sua vez, aborda o tráfico internacional de pessoas e as suas implicações perversas para a conjuntura atual. Ademais, serão elucidados os tratados internacionais de cooperação jurídica entre países no tocante a esse crime lesa humanidade. Igualmente, serão estudados os fatores circunstanciais que impulsionam o aliciamento de mulheres para o exterior. E, por fim, será apontada a cooperação jurídica internacional como uma possível solução para essa problemática.

3. GLOBALIZAÇÃO: O PROCESSO HISTÓRICO E OS EFEITOS SOCIAIS

É certo que o processo da globalização ocorreu em diferentes etapas e períodos históricos determinados, com suas peculiaridades específicas, e que, em cada momento analisado é possível constatar a conexão de diferentes povos e culturas. Não obstante, é notável que nenhuma das etapas causou tantos impactos na esfera global como a atual conjuntura da qual somos parte integrante, caracterizada pelo estabelecimento de uma nova ordem global, baseada no final do período da chamada Guerra fria e da prevalência da orientação política e econômica do neoliberalismo.

Os dogmas que são impostos, tais como a modernidade, a desregulamentação, e a livre concorrência são movidos por interesses econômicos dos atuais atores globais, tais como as empresas multinacionais e blocos econômicos. Diante da atual conjuntura global, vivemos em uma crise estrutural do modelo econômico capitalista, cujas implicações resultam em violações aos direitos humanos, pondo à prova a viabilidade desse modelo político-econômico.

Para entendermos as implicações desse processo aos direitos humanos, nesse capítulo analisaremos o processo histórico de Globalização, bem como a tipologia estabelecida por Milton Santos.

3.1. AS FASES DA GLOBALIZAÇÃO E A TIPOLOGIA ESTABELECIDA POR MILTON SANTOS

Primeiramente, iremos traçar uma retrospectiva histórica, através das fases da globalização, para melhor compreender o processo de mundialização.

Nessa perspectiva, cabe aqui a reflexão de Silva e Lopes Júnior:

Se tomarmos como referência a economia mundial, veremos que o fenômeno da globalização é recente, não ultrapassando cinco séculos de existência. Tendo sua origem com a expansão marítima européia no século XV, amadurece com a revolução industrial e as políticas colonialistas do século XIX, e se consolida com a globalização liberal do século XX. Cada etapa apresentada apresenta seus contornos ideológicos e seus significados históricos (SILVA; LOPES JÚNIOR, 2008, p. 3).

A trajetória histórica desse processo globalizatório tem raízes distantes que remontam o período das grandes navegações marítimas do século XV. A política mercantilista pregava aos Estados Nações que acumulação de metais preciosos era um sinônimo de prosperidade. Nesse período, a crença metalista impulsionou a busca de aventureiros por riquezas, tendo por consequência a abertura das rotas comerciais.

Nas palavras de Lemuel Rodrigues da Silva e de Orivaldo Pimental Lopes Júnior: “A parceria existente entre Estado e iniciativa privada visava a garantir o acúmulo de capital por parte dos grandes estados nacionais, que só assim poderiam ampliar e consolidar seus poderes sobre as regiões conquistadas”. (SILVA; LOPES JÚNIOR, 2008, p. 4).

Não obstante, as consequências da expansão marítima não foram meramente econômicas; tendo em vista que, teve implicações nocivas nas colônias de exploração dos países europeus. A imposição da religião cristã, o aparecimento de doenças desconhecidas pelos nativos, a escravidão e o massacre dos povos indígenas são alguns exemplos dessa política econômica.

As sequelas da interferência na cultura dos povos africanos e americanos são imensuráveis. A crença eurocentrista e a imposição da religião católica resultaram na destruição dessas culturas regionais. Ademais, o racismo difundido pelos conquistadores serviu de embasamento para a escravidão dos povos negros.

Nesse prisma, entendo que o expansionismo mercantilista é o embrião da atual globalização, uma vez que, ocasionou um maior intercâmbio entre Europa, África e América. Desta forma, trançando um paralelo com a atual conjuntura, percebemos que, da mesma forma que a atual mundialização busca o lucro, a primeira globalização foi impulsionada pelo acúmulo de capital, por meio do processo de colonização e do acúmulo de metais preciosos.

Isto posto, assim ponderam Silva e Lopes Júnior acerca da primeira etapa da globalização:

O que chamamos de primeira etapa da globalização foi resultado de amplos investimentos estatais e provados em rotas marítimas da economia do mundo – Europa- em direção às outras economias mundiais – China, Índia, África e América (SILVA; LOPES JÚNIOR, 2008, p. 4).

Com a mudança na estrutura da economia planetária, bem como com o surgimento de novas técnicas industriais a doutrina mercantilista tornou-se obsoleta, tendo em vista que, com a crise do absolutismo, o liberalismo substitui a doutrina mercantilista. A Revolução Industrial certamente alterou a estrutura econômica vigente, com o advento da burguesia industrial e bancária, sendo que a escravidão e a política colonialista tornam-se ultrapassadas.

Nesse novo contexto, a mão-de-obra, outrora escravagista, fora permutada pela classe operária. A estrutura mercantilista deu lugar ao capitalismo, e a lógica da mais-valia move a nova burguesia, fazendo-os buscar mão-de-obra barata, para a maximização de seus lucros. A exploração do trabalho infantil, as longas jornadas de trabalho dos obreiros e a ausência de legislações trabalhistas faziam parte desse contexto histórico.

A título ilustrativo, podemos citar o Brasil, que, em razão da sua dependência econômica com a Inglaterra, foi pressionado a abolir a escravidão. Dessa forma, foi coagido a adotar uma política de imigração para atender as novas demandas econômicas. Isto posto, a Revolução Industrial que eclodiu na Inglaterra impulsionou a substituição da mão de obra escrava no Brasil pela política de imigração.

Neste período, houve a transição do capitalismo comercial para o capitalismo industrial. Essa segunda fase da globalização é marcada pela expansão colonialista, pela hegemonia do império britânico e pela fase de lutas da classe operária.

Esse período, movido pelo avanço imperialista em busca de novos territórios, o cenário mundial foi dividido em três categorias: Países de primeiro mundo (ditos desenvolvidos), Países de Segundo mundo (pertencentes à antiga União Soviética) e Países de Terceiro Mundo (subdesenvolvidos). Isto posto, está consolidada a segunda fase da globalização.

Em todas as fases da globalização as técnicas desempenharam fundamental importância, todavia, na segunda fase desse processo, onde está compreendida a Revolução Industrial, a descoberta da máquina a vapor foi imprescindível para esse processo. Conforme Camargo (2009), o avanço da tecnologia, ao mesmo tempo em que foi a causa, foi também a conseqüência do processo de globalização, uma vez que as técnicas surgiram para facilitar a vida humana, otimizando bens e serviços. Paulatinamente, com o surgimento de novas relações sociais, emergem novas demandas, traçando um novo capitalismo, e com ele uma terceira fase da globalização. Para Piovesan (2002), com o término da guerra, em fins de 1989, marcado pela emblemática queda do muro de Berlim; impera a ideia de que o mundo tinha efetivamente se transformado em um lugar democrático, e sem a possibilidade de retrocessos.

O mundo, antes bipolar, dividido por duas ideologias ganha uma nova roupagem com a queda do muro de Berlim. Ou seja, há a expansão do capitalismo neoliberal e a ascensão em definitivo dos Estados Unidos, tornando-se a grande referência política e econômica planetária. Isto posto, Piovesan (2002) argumenta:

O fenômeno mais marcante do mundo pós-guerra fria é, sem dúvidas, a aceleração do processo de globalização econômica. Enquanto a situação estratégica planetária tinha conformação bipolar, com as ideologias liberal e comunista em competição, a existência de barreiras comerciais e não comerciais era recurso protetivo dos Estados, aceito como necessário à defesa da soberania (...) Com o fim da bipolaridade estratégica e da competição ideológica entre o liberalismo capitalista e o comunismo, a ideologia que se impôs em escala planetária não foi, entretanto, a da democracia encontrada no welfare state justificada até mesmo pela filosofia lockeana. Foi a do laissez- faire absoluto, com a alegação de que a liberdade de mercado levaria a liberdade política e à democracia (PIOVESAN, 2002, p. 82).

Não obstante, a promessa de que, com o advento da Terceira etapa da globalização, haveria o fim das fronteiras é fantasiosa; uma vez que o capital circula para além dos limites do Estado-nação, mas as pessoas continuam sendo excluídas desse processo. A seguir, analisaremos melhor essa questão.

A perspectiva histórica é apenas umas das formas de analisar o processo de mundialização. Alguns autores optam por ‘’catalogar a globalização‘’ em diversos segmentos, tal como Armada (2013). Segundo esses pensadores, o que existe é uma simultaneidade de globalizações: econômica, financeira, política, cultural… todas ocorrendo ao mesmo tempo no planeta.

Há uma globalização econômica transformando o planeta em um único Mercado consumidor, há uma globalização financeira que permite o milagre da multiplicação dos ativos especulativos, há uma globalização cultural pasteurizando a cultura do planeta e há uma globalização da produção que movimenta as estruturas produtivas do planeta com base ‘apenas’ e parâmetros de custo (ARMADA, 2013, p. 4)

No tocante à globalização cultural, me arrisco a dizer que ela é a mais perceptível de todas, sendo uma alavanca para a expansão das demais. A importação de padrões, gostos e vestimentas está intimamente ligada a essa globalização cultural que tem como pretensão a uniformização das sociedades.

Conforme Armada (2013), os programas televisivos, filmes e, principalmente, a Internet gerou um grande fluxo de informações influenciando os hábitos culturais, a exemplo, a expansão de grandes redes de fast food, modificou a alimentação em escala planetária. A Terceira fase da mundialização propagou o ideal neoliberal, e como ele, o American way of life, difundindo padrões de consumo em nível global.

Em se tratando da globalização política, está intimamente relacionada a soberania dos Estados, em razão do enfraquecimento das fronteiras neste novo cenário internacional. O surgimento de grandes atores globais, tais como multinacionais tem afetado a autonomia dos Estados.

A respeito do campo econômico, Armada (2013) põe em pauta o novo processo de acumulação do capital e a nova divisão internacional do trabalho. A Terceira fase da globalização concebeu novas tecnologias e difusão de produtos e serviços, dessa forma, houve uma expansão dessas corporações. Nesse sentido, assim reflete o autor:

O mundo globalizado da produção, por sua vez, exige que as grandes corporações multinacionais modernas procurem construir suas filiais onde possam aproveitar melhor as vantagens de uma mão-de-obra barata. Caso contrário, tais companhias correm o risco de perder espaço em relação à concorrência (ARMADA, 2013, p. 2).

Essa nova divisão internacional do trabalho é causa e consequência do neoliberalismo, e tem gerado problemas estruturais em escala planetária. Diante disso, Alves aduz:

Pela ótica econômico-social, o fenômeno derivado mais visível é a emergência de duas classes que extrapolam limites territoriais: a dos globalizados (aqueles abarcados positivamente pela globalização) e a dos excluídos (mais de três quartos da humanidade). Essa divisão é sensível em nível internacional e dentro das sociedades nacionais. Os globalizados de todos os rincões têm ou aspiram a padrões de consumo do Primeiro Mundos. Os excluídos (da globalização e do mercado) aspiram tão somente a condições mínimas de sobrevivência e, se não puderem contar com o direito inalienável à segurança social, são marginalizados da sociedade. (ALVES, 2000, n.p.)

Apesar desse entendimento de ‘’fragmentação de globalização’’ em diversas dimensões, entendo que, se trata do mesmo processo, complexo e multifacetado. Entre as divisões adotadas pelos autores, adoto a posição de Milton Santos, que aduz a existência de duas globalizações: uma real e excludente, e a outra como ideologia.

Para entender as implicações desse processo, utilizamos como referência, os conceitos formulados pela teoria do referido geógrafo, quais sejam, a ‘’Globalização como fábula’’ e a ‘’Globalização como perversidade’’.

Entendamos que quando Santos (2016) utiliza a expressão ‘’Globalização como fábula’’ ele se refere a um sonho que é vendido pelo Capitalismo Informacional. Ademais, o processo de globalização impõe a cultura dominante aos povos menos favorecidos; é o que Santos (2016) chama de ‘’discurso único’’. Igualmente, o autor sustenta que é vendida a ideia de que vivemos em um mundo sem fronteira, quando na verdade as fronteiras nunca foram tão perversas. Sendo assim, o atual estágio de globalização se encarrega de propagar uma falácia, nas palavras do saudoso geógrafo:

De fato, para a maior parte da humanidade a globalização está se impondo como uma fábrica de perversidades. O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumento e as classes médias perdem a qualidade de vida. O salário médio tende a baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes. Novas enfermidades como a SIDA se instalam velhas doenças, supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A mortalidade infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e da informação. A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se e aprofundam-se males espirituais e morais, como o egoísmos, os cinismo, a corrupção (SANTOS, 2016, p. 19).

Dessa forma, não é difícil concluir que a globalização, tal qual ela se apresenta, ao invés de democratizar oportunidades, acentua desigualdades já existentes. A imposição de um sistema neoliberal1 que exclui boa parte dos cidadãos globais resulta em uma crise econômica, política, social e moral em nossa humanidade. A título de exemplo, a crise dos refugiados demonstra claramente a proibição do livre tráfego de pessoas em contraposição ao sonho de milhares de indivíduos que estão em busca de melhores oportunidades de vida.

Seguindo esta ideia, Milton Santos nomeia esse processo de ‘’Globalização como Perversidade’’:

Há um verdadeiro retrocesso quanto à noção de bem público e de solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento das funções sociais e políticas do Estado com a ampliação da pobreza e os crescentes agravos à soberania, enquanto se amplia o papel político das empresas na regulação da vida social (SANTOS, 2016, p. 38).

Nessa perspectiva, a ‘’promessa’’ de que com a queda do muro de Berlim, e o fim da Guerra Fria, a nova fase globalização resultaria em um mundo mais justo e democrático foi uma falácia, tendo em vista que vivemos em uma democracia condicionada por grandes atores globais, tais como as empresas multinacionais. A lógica capitalista impôs uma realidade cruel e retroativa para aqueles que não dominam as técnicas da informação e o controle das operações do capitalismo financeiro.

Esse processo é nomeado por Milton Santos (2016) como ’’Globaritarismo’’, em razão do caráter perverso da Globalização, tendo em vista a tirania da informação e do dinheiro imposta por esse período. Com o fim da Guerra Fria e do regime autoritário soviético o neoliberalismo tornou-se o regime totalitário vigente. Nessa nova lógica econômico-financeira imperam as regras do mercado, sendo assim, os direitos humanos na maioria das vezes são negligenciados na busca do lucro a qualquer custo.

A nova era globalizada, fundada em um mundo de fabulações, com a promessa de uma cidadania global, foi o motor de sonhos dos excluídos desse processo. A pobreza estrutural - resultante das enormes desigualdades sociais acentuadas após a queda do muro de Berlim, somada ao desemprego e aos conflitos locais, teve enorme impacto nas migrações.

Santos (2016) utiliza em sua obra a expressão ‘’pobreza estrutural globalizada‘’, como se está fosse a terceira fase da pobreza: Pois se inicialmente a pobreza era incluída através de programas assistencialistas, posteriormente, os pobres foram tratados como marginalizados num estado de bem-estar social; por fim, nessa última fase os pobres são cruelmente excluídos, visto que a pobreza se naturaliza.

Nas condições atuais, é uma pobreza quase sem remédio, trazida não apenas pela expansão do desemprego, como, também pela redução do valor do trabalho. É o caso, por exemplo, dos Estados Unidos, apresentado como o país que tem resolvido um pouco menos mal a questão do desemprego, mas onde o valor médio do salário caiu. E essa queda do desemprego não atinge igualmente toda a população, porque os negros continuam sem emprego, em proporção talvez pior do que antes, e as populações de origem latina se encontram na base da escala salarial (SANTOS, 2016, p. 73).

Conclui-se, portanto, que a atual fase da globalização é responsável por uma verdadeira fábrica de perversidade, uma vez que, movida pela lógica do dinheiro e da informação, intervém de forma cruel na estabilidade econômica dos países subdesenvolvidos, com repercussões nos direitos fundamentais e sociais dos cidadãos, visto que na maioria das vezes não encontram recursos suficientes para usufruírem deste processo global de forma adequada e justa.

Desta forma o próximo subitem irá abordar as implicações dessa globalização enquanto perversidade, na medida em que contribui para o aumento do crime organizado, apontando como essas organizações se expandiram com essa nova fase do capitalismo.

3.2. A GLOBALIZAÇÃO ENQUANTO PERVERSIDADE E AS IMPLICAÇÕES PARA O AUMENTO DO CRIME ORGANIZADO

Como já mencionado anteriormente, uma das consequências da atual fase da globalização é a abertura econômica, possibilitando desta forma o aumento das transações comerciais. Por outro lado, esse processo também gerou a ampliação do crime organizado em escala internacional, tendo em vista que as organizações criminosas se moldaram e se adequaram a esse novo modelo econômico, favorecendo-se da facilidade das informações e circulação de mercadorias no atual estágio da globalização.

Primeiramente, faz-se necessário esclarecer o conceito de Crime Organizado. Para Gomes (2009), o surgimento dessas organizações criminosas ocorre, normalmente, quando há uma deficiência estatal, ou seja, quando inexistem políticas públicas em determinada comunidade, dando margem ao surgimento de um poder violento dentro do próprio Estado de Direito. Cita assim o Autor:

Entre diversos e múltiplos conceitos jurídicos, econômicos e político-sociais, há um consenso. A existência do crime organizado é uma demonstração de um poder paralelo não legitimado pelo povo, que ocupa lacunas deixadas pelas deficiências do Estado Democrático de Direito e demonstra a falência do modelo estatal de repressão à macro-criminalidade (GOMES, 2009, p. 3).

De acordo com Gomes (2009) entende-se que a força dessas organizações tem como característica a apropriação das funções do Estado>, >normalmente em comunidades carentes, onde estão ausentes estruturas estatais básicas (oferta de emprego, assistência social, escolas, postos de saúde, etc.). Trata-se de um verdadeiro poder paralelo legitimado pela violência, ameaça e tortura. Quase como regra, a sonegação fiscal, a lavagem de dinheiro são pilares para essas organizações.

Dentro do contexto brasileiro, podemos citar várias situações deste poder paralelo, como as facções dentro dos presídios. Problemas estruturais, agravados pela superlotação das celas, juntamente com condições precárias dos presídios, com o número reduzido de agentes penitenciários e em razão do suborno de funcionários públicos, permitem a criminalidade ingressar livremente nas penitenciárias.

Tudo isso, somado à falta de políticas públicas, para que haja uma mudança na estrutura carcerária; contribuem para o crescimento de gangues e facções dentro dos presídios.

É sabido, no entanto, que, em razão das grandes estruturas organizacionais do tráfico de drogas, as grandes facções, normalmente tem caráter transnacional, sendo fácil visualizar esse tipo de estrutura dentro das periferias, em virtude da ausência de infraestrutura, bem como da demanda por serviços básicos pela população carente, imperando a lei do silêncio, seja devido ao medo de represália, seja através da admiração dos moradores >resididos nas> favelas brasileiras. Portanto, a negligência do poder público leva essas populações a submeterem-se a essas facções, tornando-as ‘’responsáveis pelo estabelecimento da ordem’’.

A título ilustrativo é interessante observar o que menciona o Habeas Corpus nº 134.160 - RJ, proferido pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho da Quinta Turma do Supremo Tribunal de Justiça sobre o poder paralelo de uma organização criminosa nas comunidades do Rio de Janeiro.

Presentes indícios veementes de autoria e provada a materialidade do delito, a decretação da prisão cautelar encontra-se plenamente justificada na garantia da ordem pública, bem como na conveniência da instrução criminal, em razão da real periculosidade do réu (Tenente-Coronel da Polícia Militar, supostamente chefia organização criminosa - milícia armada - com atuação na execução de crimes, impondo às comunidades da cidade do Rio de Janeiro um verdadeiro poder paralelo, valendo-se, muitas vezes, da própria estrutura oferecida pelo Estado para o combate à criminalidade, como viaturas policiais, armas etc.) Grifamos.

Observa-se, todavia, que, o julgado é de 2009, razão pelo qual utiliza-se no acórdão o termo ‘’Quadrilha Armada’’, conforme previsto o Decreto Lei nº 2.828/1940, pois inexistia na época o conceito jurídico de ‘'Milícia Privada’’, que surgiu somente com a Lei 12.720/12, que acrescenta ao Código Penal de 1940 o art. 288-A.

Certamente, o processo globalizatório que, em razão do seu caráter neoliberal, é voltado aos interesses e privilégios do Mercado, acaba por não ser plenamente democrático, pregando dogmas inclinados à privatização. Desta maneira, esse processo trouxe consequências negativas para países em desenvolvimento como o Brasil. É sabido que a urbanização em nosso país ocorreu de forma rápida e desorganizada, fazendo com que muitos dos migrantes do interior fossem deslocados do centro da cidade, forçados a residir em periferias, muitas vezes sem acesso a serviços básicos essenciais. Soma-se a isso, a herança da escravidão dos povos africanos, que gerou uma exclusão social dos povos negros, população predominante das comunidades mais carentes.

É certo que a exclusão social, com suas origens no Brasil escravocrata e colonialista, possui um papel importantíssimo para o crescimento do crime organizado no nosso país, em especial, para o Tráfico de Drogas. Todavia, a nova era global fomentou o poderio dessas facções, que hoje têm caráter transnacional, tendo facilidade de acesso a armas contrabandeadas de países vizinhos. Agregado a isso, ainda existe a omissão estatal, tendo em vista o déficit de investimento em políticas de prevenção e de repressão para essa problemática.

Segundo Pacheco (2009), existe uma discussão doutrinária dividida em duas vertentes: os que entendem que as organizações criminosas sempre existiriam, sendo o crime organizado, como conhecemos agora, apenas uma mera conseqüência do seu aperfeiçoamento; e a segunda, defendida por Zaffaroni, de que a criminalidade organizada é um fenômeno do século XX, que surgiu com a última fase da globalização.

Independentemente da vertente que venha a ser adotada, é nítido que o processo globalizatório, enquanto processo de imposição do sistema neoliberal, marcada pela pobreza estrutural e pela propagação do desemprego, serviu de cenário para instalação de organizações criminosas cada vez mais sistematizadas e complexas. Sendo assim, é perceptível a conexão estabelecida entre o crescimento do crime organizado e a globalização.

Sabe-se que na atual fase da globalização foi propiciada a transação de mercadorias de maneira extremamente articulada, atendendo os interesses dos grandes atores globais, tais quais as multinacionais, fomentando o comércio e a indústria. Observa-se que se as fronteiras se tornaram mais flexíveis para o intercâmbio de produtos, o mesmo não ocorreu com as pessoas, que precisam atender a uma série de requisitos a fim de satisfazer o trâmite burocrático dos Estados, almejando objetivos econômicos em detrimento aos direitos humanos.

É o que ocorre com vários migrantes, normalmente refugiados ou apátridas, que buscam cruzar fronteiras de maneira clandestina visando melhores condições de vida. Trata-se de uma enorme incoerência, uma vez que, enquanto seres humanos são impedidos de circular livremente, mercadorias, dados e informações facilmente ultrapassam fronteiras.

Igualmente, atenta-se que a tecnologia trouxe consequências irreversíveis para a configuração de uma nova era: Uma vez que da mesma forma que ela possibilita a conexão de pessoas, consegue, paradoxalmente, ser excludente, pois não oportuniza a todos as mesmas ferramentas.

Desta maneira, com o surgimento do sistema global de rede de computadores, vulgo internet, o acesso de informações foi absurdamente facilitado, possibilitando, inclusive a troca instantânea de mensagens através de aplicativos e redes sociais, para aqueles, que tem acesso aos recursos.

Importante o que discorre Gomes sobre o tema:

O combate a grandes organizações criminosas é dispendioso e não tem fronteiras, dada a inerente transnacionalidade rompedora de barreiras geográficas físicas. As ações de grupos armados organizados, como assaltantes de bancos e traficantes de drogas, são violentas, tanto pelo modus operandi como na forma de sua repressão. A própria competividade entre grupos rivais e a disputa territorial é elemento gerador de uma violência estrutural por si só, deixando a população civil desamparada, carente de suas necessidades básicas e à sua mercê, podendo-se vislumbrar um poder constituído marginal dentro do próprio Estado de Direito, com domínio das comunidades locais e voz de comando até em relação a funcionamento de estabelecimentos comerciais e toque de recolher noturno (GOMES, 2009, p. 13).

Conforme Gomes (2009) é perceptível que a globalização Cibernético-Tecnológica colaborou com o aumento do crime organizado, pois enquanto as quadrilhas atuam de forma transnacional, as forças policiais continuam a atuar localmente, sem os mesmos recursos utilizados pelas facções. A falta de cooperação judicial juntamente com o intercâmbio de informações dificulta o desmantelamento dessas entidades criminosas.

Até meados de 2013, inexistia um conceito jurídico no nosso ordenamento que definisse o que é o crime organizado, tendo em vista que a lei 9.034/1995, que dispunha sobre a utilização de meio operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, era omisso quanto a sua definição.

Em agosto de 2013, entrou em vigor a Lei nº 12.850/2013 que definiu o conceito de organização criminosa; dispondo acerca da investigação criminal, os meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, alterou o Código Penal e revogou a Lei nº 9.034/1995, muito criticada por ser vaga e obsoleta. A entrada dessa lei no mundo jurídico foi de vital importância, tendo em vista que a lacuna da Lei nº 9.034/1995 causava muitas divergências, e forçava os doutrinadores conceituarem o que vinha a ser o crime organizado.

A exemplo, no julgamento do HC 96.007, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu que, em razão da indefinição do termo organização criminosa, pastores de uma igreja evangélica acusados de lavagem de dinheiro não podiam ser condenados, pois, segundo o Supremo, seria uma afronta ao princípio da legalidade.

TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI Nº 9.613/98 – CRIME ANTECEDENTE. A teor do disposto na Lei nº 9.613/98, há a necessidade de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo. LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA. O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria. (STF - HC: 96007 SP, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 12/06/2012, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-027 DIVULG 07-02-2013 PUBLIC 08-02-2013) Grifamos.

Segundo o Relator do julgado, os pacientes não poderiam ser condenados, pois o conceito de organização criminosa estava prevista somente na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), que, apesar de ter sido promulgada, para o mesmo, não é lei em sentido estrito. Não obstante, discordo do entendimento do Ministro, tendo em vista, que, uma vez o Brasil tenha se comprometido com o Tratado, está dentro da nossa ordem jurídica.

Conforme Nucci (2013), a Lei nº 12.805/13 dispõe em seu parágrafo 1º o conceito de organização criminosa, elencando as seguintes qualidades:

a) A associação de quatro ou mais pessoas2.

Nucci (2013) entende que para que haja a configuração de pessoas não basta a sua reunião, no simples concurso de pessoas, como acontece no crime de associação previsto na lei de drogas, mas sim o animus associativo. Isto posto, observo aqui que a conceituação de quatro ou mais pessoas para caracterizar a associação criminosa é uma herança histórica dos antigos códigos penais, e que se perpetuou até agora:

O Código Criminal do Brasil Império, de 1930, regulava em seu capítulo III os crimes relacionados aos ajuntamentos ilícitos, no qual o seu art. 285 previa o julgamento da reunião de três ou mais pessoas, com a intenção de se ajudarem mutuamente para cometerem algum delito, ou para privarem ilegalmente a alguém do gozo, em exercício de algum direito ou dever.

Outrossim, o Código Penal de 1890 dispunha em seu capítulo II sobre a sedição e ajuntamento ilícito, conceituando o último no art. 119 como sendo ajuntamento de mais de três pessoas, em lugar público, como o desígnio de se ajudarem mutualmente, para por meio de motim, tumulto ou assuada cometer algum crime ou privar/impedir alguém do gozo ou exercício de um direito ou dever ou exercer algum ato de ódio ou desprezo contra qualquer cidadão, ou para perturbar uma reunião pública/ celebração de alguma festa cívica/religiosa.   Já a antiga redação do art. 288 do Código Penal, revogada pela lei 12.850/13, previa o crime de Quadrilha ou Bando quando houvesse a associação de mais de três pessoas com o objetivo de comer crimes. A Lei 12.850 em suas disposições finais substituiu o termo ‘’Quadrilha ou Bando’’ por ‘’Associação Criminosa’’, alterando o Código Penal. A novidade maior se dá no parágrafo único do art. 288 que agora prevê um aumento de pena até a metade se associação for armada ou se houver a participação de criança ou adolescente. Reitera-se que existe uma diferença conceitual entre a organização criminosa e a associação criminosa, prevista na Lei 12.805/13. Além da organização criminosa necessita da presença de quatro indivíduos, há a obrigatoriedade de que os crimes sejam punidos com pena máxima superior a quatro anos, quesito desnecessário para a caracterização da associação criminosa.

b) Uma estrutura ordenada e onde haja a divisão de tarefas, ainda que informalmente;

De acordo com Nucci (2013), uma das características das organizações criminosas é a existência de hierarquias e divisões de tarefas, tal qual uma empresa, com a existência de superiores e subordinados, e de setores com divisões de tarefas definidas. Tal estrutura é organizada de maneira a permitir o ‘’crescimento’’ dos criminosos dentro da facção.

c) O objetivo de obter vantagem seja de forma direta ou indireta;

O objetivo das organizações criminosas, segundo Nucci (2013), é a obtenção de uma vantagem, que não será necessariamente econômica (apesar de que a busca pelo enriquecimento ser a praxe dentro das facções). Trata-se de uma vantagem indevida, pois para atingi-la foram transgredidas normas penais.

d) A prática de infrações, desde que a pena máxima sejam superiores a quatro anos, ou que tenham caráter transacional, independentemente da pena máxima;

Não obstante, observa-se que para Nucci (2013), o uso da expressão infrações é equivocada, tendo em vista que não existe no nosso ordenamento jurídico contravenção penal com pena máxima superior a quatro anos.

Além das características previstas no § 1º, tais como a estrutura organizada, a especialização de tarefas e a existência de mais de três pessoas, para doutrinadores como Greco Filho (2014), a organização criminosa também são marcadas pela estabilidade, durabilidade, a existência de hierarquia, coação mediante violência ou chantagem. Ademais, o crime organizado também pode contar com informações privilegiadas de funcionários públicos, contando com a participação de agentes corruptos.

O parágrafo segundo da mencionada lei, estende o conceito de organização criminosa aos seguintes casos: § 2o Esta Lei se aplica também:

  • Às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

  • Às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos;

Dessa maneira - tendo em vista que o Brasil é signatário do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças e do o Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico de Ilícitos de Armas de Fogo, suas Peças, Componentes e Munições - crimes como o tráfico de arma e de pessoas, quando tiverem caráter transnacional, ainda que não se enquadrem no conceito de organização criminosa previsto no § 1º, serão tratados como tal.

Podemos observar que, os institutos da colaboração premiada, ação controlada, infiltração de agentes, captação de provas e crimes contra à administração da justiça também podem ser estendidos aos crimes e contravenções previstos em tratados e convenções internacionais que o Brasil seja signatário.

Conforme Nucci (2013), o sujeito ativo do crime é todo aquele que integre à organização criminosa. Desta forma, o art. 2º da Lei 12.850/13 elenca os seguintes verbos: Promover, constituir, financiar ou integrar. Não obstante, Nucci (2013) critica a redação do referido artigo, tendo em vista que o verbo integrar bastaria para conceituar o crime, sendo desnecessário elencar tantos verbos, bem como o uso da expressão pessoalmente ou por interposta pessoa, pois fica evidente que, quem integra a organização, seja de forma direta, seja de forma indireta, faz parte dela.

Outrossim, trata-se de um crime de perigo abstrato, pois o bem jurídico protegido é a paz pública, logo, o sujeito passivo do delito é a sociedade no sentido latus senso. E, como não exige nenhum resultado casuístico para a sua consumação, é um crime formal.

Em razão das características do delito, não comporta a sua forma culposa, uma vez que é juridicamente impossível que alguém integre uma organização criminosa por negligência, imprudência ou imperícia. Outrossim, também não existe a sua forma tentada, dado que para que seja caracterizado o delito deve haver a estabilidade e durabilidade da dita organização.

Esse mesmo artigo 2º prevê a pena de reclusão, de três a oito anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. A Lei também prevê a aplicação desta Pena para quem impedir, ou, de alguma maneira, embaraçar a investigação criminal da organização criminosa. Por se tratar de um crime grave, o legislador previu a Pena de Reclusão, modalidade que não permite a transação ou suspensão condicional do processo. O cumprimento da pena pode ser iniciado no regime fechado, semiaberto ou aberto, dependendo da gravidade do delito.

Dessa forma, Greco Filho (2014) aponta que os parágrafos 2º e 4º do artigo 2º da Lei 12.850/13, preveem as hipóteses de aumento e da pena. Já o segundo parágrafo disciplina sobre o aumento de pena nos casos de utilização de arma de fogo pela organização criminosa, prevendo o aumento da pena até a metade. Isto posto, o autor supramencionado (2014) refere que o aumento de Pena do parágrafo 4º poderá ser de 1/6 a 2/3 quando:

I - Houver a participação de criança ou adolescente: Parece evidente que o envolvimento de criança ou de adolescente na prática do crime torna a infração mais grava, em razão da sua incapacidade. O conceito de criança e adolescente está no art. 2º Estatuto da Criança e do Adolescente, que define como criança aquele que tiver 12 anos incompletos, e, adolescente como sendo a pessoa que tiver entre 12 e 18 anos. No entendimento de Greco Filho (2014), neste caso também cabe a aplicação do crime de corrupção de menores do art. 244-B da Lei 8.069/90.

II - Houver concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal: Além do aumento de pena para os participantes da facção (para aqueles que têm conhecimento desse fato), o funcionário público também pode ser punido no âmbito administrativo e penal.

III - Se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior: Nesta hipótese também se faz necessário que os membros da organização criminosa tenham ciência do fato para que haja o aumento de pena. Outrossim, podem haver concurso material com outros delitos como a evasão de divisas, ocultação de valores ou lavagem de dinheiro.

IV – Na hipótese da organização criminosa manter conexão com outras organizações criminosas independentes: Trata-se da cooperação de organizações criminosas independentes, ajudando-se mutuamente.

V- Quando as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização: A Transnacionalidade da Facção demonstra a complexidade do crime organizado, tornando a atuação da organização criminosa mais poderosa e influente, e, portanto, a extensão do dano causado pela mesma é maior.

Ao passo que a agravante do 3º parágrafo é aplicada para os que exercem comando da organização criminosa, quer seja um comando individual ou coletivo, mesmo que não execute atos da atividade criminosa. Ou seja, essa agravante é aplicada à chefia da máfia, com o objetivo de punir com maior severidade ‘’o cabeça’’ da facção.

Por sua vez, o parágrafo 5º, no meu entendimento, demonstra uma inteligência e preocupação muito grande do legislador para com o andamento das investigações criminais, prevendo a possibilidade do juiz determinar, de maneira cautelar o funcionário público que integre organização criminosa do seu cargo, emprego ou função. Todavia, para isso deve haver indício suficiente de seu envolvimento.

O parágrafo 6º fala da perda do cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de oito anos do funcionário público, em caso de condenação com trânsito em julgado. Dessa forma, essa pena só poderá ser aplicada após o término dos prazos recursais até última instância.

Por fim, o parágrafo 7º que havendo indícios de participação de policial em organizações criminosas cabe a Corregedoria de Polícia instaurar inquérito policial e comunicar ao Ministério Público, que, por sua vez, deve designar membro para acompanhar o feito até a sua conclusão. Fica, demonstrado, portanto, através dos §§ 6º e 7º, a preocupação do legislador de combater a corrupção dentro das instituições.

Muito antes da Lei 12.850/13, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, mais conhecida como Convenção de Palermo3>, foi adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000, trazendo ao mundo jurídico o conceito de crime organizado. O Brasil, por sua vez, promulgou essa Convenção através do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, e por ser um tratado incorporado pelo Brasil, tem força de lei federal ordinária.

A referida Convenção está estruturada em 41 artigos. Não pretendo aqui analisar detalhadamente todos os artigos dessa Convenção, apenas farei breves apontamentos sobre os que eu considero mais relevantes para esta monografia.

O primeiro artigo estabelece o objetivo da mesma, que é a promoção da cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional. Dessa forma, a pretensão da Convenção é agir de forma global para resolver um problema internacional, através de medidas de prevenção e repressão a criminalidade organizada.

Já o segundo artigo prevê terminologias, conceituando termos importantes como ‘’grupo criminoso organizado’’ e ‘’grupo criminoso estruturado’’. Em ambos os casos existe uma pluralidade de agentes, no entanto, o primeiro grupo atua de forma duradoura e estável, numa estrutura praticamente empresarial, enquanto o segundo caracteriza-se pela união de agentes para a prática de um delito imediato, ou seja, o grupo criminoso estruturado é formado de uma maneira não casual. Observa-se que, diferentemente da lei brasileira, para a Convenção um grupo de três pessoas já é considerado uma organização criminosa. Ademais, enquanto que para a Lei 12.850/2013 não se faz necessário a existência do caráter transnacional do delito para que haja a formação da organização, para a Convenção a transnacionalidade é indispensável.

Por sua vez, o artigo terceiro dispõe sobre o âmbito de aplicação da convenção e determina o que pode ser compreendido como infração transnacional. O crime transnacional é aquele cometido em mais de um Estado, ou que, tendo sido cometido em único Estado, tenha tido uma parte substancial da sua preparação, planejamento, direção e controle em outro, ou, ainda tenha tido a participação de grupo criminoso que pratique ilícitos em mais de um Estado, ou, ainda que cometido em um único Estado, produza efeitos noutro.

A Convenção de Palermo também tem regulamentação expressa coibindo o crime de Lavagem de Dinheiro que, segundo Gomes (2009), é a forma que as organizações criminosas contemporâneas encontraram para ocultar o lucro adquirido com as suas atividades criminosas, na qual, normalmente, utiliza-se de paraísos fiscais para acobertar tal prática. O artigo 6º prevê que cada Estado signatário deverá adotar medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como infração penal, as seguintes práticas:

  • A conversão ou transferência de bens, quando quem o faz tem conhecimento de que esses bens são produto do crime, com o propósito de ocultar ou dissimular a origem ilícita dos bens ou ajudar qualquer pessoa envolvida na prática da infração principal a furtar-se às conseqüências jurídicas dos seus atos;

  • A ocultação ou dissimulação da verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens ou direitos a eles relativos, sabendo o seu autor que os ditos bens são produto do crime;

  • A aquisição, posse ou utilização de bens, sabendo aquele que os adquire, possui ou utiliza, no momento da recepção, que são produto do crime;

  • A participação na prática de uma das infrações enunciadas no presente Artigo, assim como qualquer forma de associação, acordo, tentativa ou cumplicidade, pela prestação de assistência, ajuda ou aconselhamento no sentido da sua prática.

Já o artigo sétimo estabelece medidas de combate à prática dessa infração. Fica determinado que os Estados tenham que instituir regimes internos completos de regulamentação e controle dos bancos e de outras instituições financeiras; aplicar os Artigos 18 (Assistência judiciária recíproca) e 27 (Cooperação entre as autoridades competentes para a aplicação da lei); considerar a possibilidade de aplicar medidas viáveis para detectar e vigiar o movimento transfronteiriço de numerário e de títulos negociáveis; instituir um regime interno de regulamentação e controle; desenvolver e promover a cooperação à escala mundial, regional, sub-regional e bilateral entre as autoridades judiciais, os organismos de detecção e repressão e as autoridades de regulamentação financeira, a fim de combater a lavagem de dinheiro. Do mesmo modo, a Convenção também delibera acerca da Corrupção. Os artigos oitavo e nono dispõem, respectivamente, sobre a criminalização da Corrupção e das medidas a serem tomadas contra esse delito. Gomes (2009) entende que essa transgressão constitui-se uma grade ameaça aos Estados, tendo em vista que ela fragiliza a democracia e, por consequência, descredibiliza as instituições governamentais e jurídicas, podendo, inclusive, gerar a uma instabilidade política. Ressalta-se que a corrupção, juntamente com o crime de lavagem de dinheiro, é um dos pilares das organizações criminosas. Sendo assim, diante da gravidade desse delito e às suas conseqüências negativas para o Estado de Direito era natural que a Convenção criasse mecanismos de combate a essa chaga. Dessa forma, o artigo oitavo dispõe que os Estados Partes deverão adotar medidas legislativas, além de outras que sejam necessárias, para caracterizar como infrações penais:

  • A Promoção, o oferecimento ou a concessão de um benefício indevido a um agente público, direta ou indiretamente, um benefício indevido, em seu proveito próprio ou de outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se abster de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais.

  • O agente público, pedir ou aceitar, direta ou indiretamente, um benefício indevido, para si ou para outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se abster de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais.

O artigo oitavo ainda faculta aos Estados Partes que adotem medidas legislativas, bem como outras que forem necessárias, para caracterizar criminalizar agentes públicos estrangeiros e funcionários internacionais que cometam as condutas enunciadas no parágrafo 1 do referido artigo. Outrossim, possibilita que os Estados configurarem como infração penal outras formas de corrupção de conferir o caráter de infração penal a outras formas de corrupção. Ademais, esclarece que a expressão ‘’ agente público’’ designa qualquer pessoa que preste serviço público.

O artigo nono, por sua vez, regulamenta as medidas contra a corrupção, prevendo que, além das providências do artigo 8º, os Estados devem adotar medidas eficazes de ordem legislativa, administrativa ou outra para promover a integridade e prevenir, detectar e punir a corrupção dos agentes públicos. Ainda, deverão ser aplicadas medidas que assegurem a atuação eficaz de suas autoridades para, assim, prevenir, detectar e reprimir a corrupção doa agentes públicos, sendo, inclusive, assegurada autonomia para as autoridades, evitando, assim, influências indevidas. No meu ponto de vista, o artigo décimo da Convenção é extremamente inovador e necessário ao propor a responsabilidade da pessoa jurídica. Conforme o previsto no artigo, os Estados deverão adotar as medidas necessárias para responsabilizar as pessoas jurídicas que tenham participado de infrações grave envolvendo o crime organizado ou que cometam as infrações previstas nos artigos 5, 6, 8 e 23.

De acordo como protocolo a responsabilidade das pessoas jurídicas poderá ser penal, civil ou administrativa. Não afastando à responsabilidade penal das pessoas físicas que tenham cometido as infrações. Entretanto, observa-se que no ordenamento jurídico brasileiro a responsabilidade penal objetiva de pessoas jurídicas é aplicada exclusivamente àquelas que transgrediram normas ambientais, na forma prevista no art. 225 § 3 º da Constituição Federal. >Ademais, o artigo estabelece que cabe aos Estados Parte diligenciar sanções eficazes, proporcionais e acautelatórias, de natureza penal e não penal, inclusive com sanções pecuniárias, afim de responsabilizar as pessoas jurídicas consideradas responsáveis. >Outra espécie de delito tipificada na Convenção é a Obstrução de Justiça, estabelecida em seu artigo 23. Para o Protocolo a Obstrução à Justiça deve ser combatida através de medidas legislativas, entre outras necessárias, a serem adotadas pelos Estados signatários para que as seguintes situações sejam tipificadas:

  • O recurso à força física, a ameaças ou a intimidação, ou a promessa, oferta ou concessão de um benefício indevido para obtenção de um falso testemunho ou para impedir um testemunho ou a apresentação de elementos de prova num processo relacionado com a prática de infrações previstas na presente Convenção;

  • O recurso à força física, a ameaças ou a intimidação para impedir um agente judicial ou policial de exercer os deveres inerentes à sua função relativamente à prática de infrações previstas na presente Convenção. O disposto na presente alínea não prejudica o direito dos Estados Partes de disporem de legislação destinada a proteger outras categorias de agentes públicos.

Observa-se que a lei brasileira, apesar de ter tipificado no Código Penal condutas como o constrangimento ilegal, a ameaça, fraude processual e falso testemunho mediante suborno, não possui um tipo penal específico para o crime de obstrução da justiça.

Uma preocupação muito relevante da Convenção é com as vítimas das organizações criminosas, e isso é notável a partir da leitura do artigo 25 que dispõe sobre a assistência e proteção às vítimas. O Protocolo estabelece uma singular preocupação com as vitimas, especialmente quando essas sofrerem com represálias ou intimidações.

Em síntese, são espécies de crime organizado: O Tráfico de Pessoas, O Tráfico de Armas, Crimes graves ou sérios, Lavagem de Dinheiro (Money Laundry) e a Obstrução da Justiça. Observa-se que, a Criminalização do Tráfico de Pessoas passou a ser regulamentado através do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organização Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Mulheres e de Pessoas, em Especial de Mulheres e Crianças. Da mesma maneira, também foram acrescentados dois outros protocolos adicionais acerca do Contrabando de Migrantes e do Tráfico de Armas. Frisa-se que o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Mulheres e de Pessoas, em Especial de Mulheres e Crianças, promulgado pelo Decreto 5.017/2004, é crucial para a prevenção e combate desse tipo de criminalidade chaga. O Protocolo conceitua o que é o tráfico de pessoas, e prevê medidas de assistência e recuperação as vítimas. Segundo o Relatório Global da OIT (2005), mulheres e meninas representam 98 % (noventa e oito por cento) das vítimas do Tráfico de Pessoas, o que demonstra a necessidade de investimentos para coibir esse crime lesa humanidade.

Por fim, compreendo que o combate ao crime organizado transnacional deve ser uma das prioridades dos Estados, tendo em vista que somente com uma atuação global é que se poderá acabar com as organizações criminosas. Ademais, em razão das grandes estruturas empresárias das associações criminosas modernas, normalmente, as mesmas facções que traficam armas, traficam drogas, pessoas, praticam atos de lavagem de dinheiro, entre outros crimes graves.

Para se ter uma idéia da dimensão dessas organizações criminosas, é de importância salientar os dados abaixo.


Fonte: Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (2005, p. 61).

Diante de todo o exposto, fica demonstrada a importância de desarticular a criminalidade organizada. Visto que com o processo globalizatório a criminalidade, transformou-se e se expandiu, adequando-se aos novos tempos, com objetivo de aumentar desta forma os seus lucros.

Observa-se que a United Nations on Drugs and Crime assim dispõe:

Organized crime has diversified, gone global and reached macro-economic proportions: illicit goods are sourced from one continent, trafficked across another, and marketed in a third. Mafias are today truly a transnational problem: a threat to security, especially in poor and conflict-ridden countries. Crime is fuelling corruption, infiltrating business and politics, and hindering development. And it is undermining governance by empowering those who operate outside the law: s drug cartels are spreading violence in Central America, the Caribbean and West Africa; s collusion between insurgents and criminal groups (in Central Africa, the Sahel and South East Asia) fuels terrorism and plunders natural resources; s smuggling of migrants and modern slavery have spread in Eastern Europe as much as South-East Asia and Latin America; s in so many urban centers authorities have lost control to organized gangs; s cybercrime threatens vital infrastructure and state security, steals identities and commits fraud; s pirates from the world’s poorest countries (the Horn of Africa) hold to ransom ships from the richest nations; s counterfeit goods undermine licit trade and endanger lives; s money-laundering in rogue jurisdictions and uncontrolled economic sectors corrupts the banking sector, worldwide4.

Neste prisma é oportuno afirmar que a Globalização corroborou para a transnacionalidade do crime organizado, e, por conseguinte, para o Tráfico Internacional de Mulheres. Frente a essas considerações, faz-se necessário que as autoridades governamentais articulem-se de forma a combater o crime organizado de modo transnacional, adequando-se a nova realidade das organizações, utilizando-se de mecanismos mais coerentes e necessários como a cooperação jurídica internacional. Outrossim, vale salientar que esta globalização trouxe consequências perversas para a conjuntura atual, refletindo em aspectos generalizados dentro da estrutura cultural do mundo, aspectos estes que irei discordar no capítulo seguinte

4. O TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS: CONSEQUÊNCIAS PERVERSAS PARA A CONJUNTURA ATUAL

Neste capítulo iremos abordar o crime do Tráfico Internacional em espécie, características, apontamentos e perspectivas, correlacionando com o processo de globalização tecnológica e científica, bem como com os fatores circunstanciais que favorecem o aliciamento das vítimas. Ainda iremos apontar possíveis soluções para o enfrentamento desse crime lesa humanidade.

Para isso, iniciaremos esse capítulo fazendo uma perspectiva histórica acerca dos tratados internacionais de direitos humanos que corroboram para o enfrentamento do Tráfico de Pessoas, bem como os instrumentos jurídicos que discorrem acerca dos Direitos das Mulheres. A análise histórica é importante, pois a partir dela é possível compreender a construção dos direitos humanos no plano universal e, também, analisar a aplicabilidade desses instrumentos.

O segundo ponto desse capítulo, irá abordar o tema do Tráfico Internacional de Pessoas e Exploração Sexual, conceituando o Tráfico Humano e distinguindo-o do Contrabando de Migrantes. Ademais, será analisado o conceito de Tráfico de Mulheres no nosso ordenamento jurídico, a fim de verificar se as nossas normas penais e constitucionais estão de acordo com os tratados internacionais.

O terceiro ponto, por sua vez, trata dos fatores circunstanciais que impulsionam o aliciamento de mulheres para o exterior, e que favorecem a atuação do crime organizado. Além do mais, será mencionado como se articulam as etapas de recrutamento, transporte e exploração dessas organizações criminosas.

Por fim, o último tópico apontará na cooperação jurídica internacional uma possível alternativa para essa problemática. Frente a isto será analisado a Convenção de Palermo, verificando seus apontamentos sobre a cooperação internacional entre os Estados membros para combater o Crime Organizado Transnacional, bem como averiguando as medidas protetivas elencadas no seu Protocolo Adicional.

4.1. DOS TRATADOS INTERNACIONAIS: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

De acordo com Damásio de Jesus (2003), o Tráfico Internacional de Pessoas é uma grave violação aos Direitos Humanos, podendo ser entendido como uma moderna forma de escravidão. Observa-se, ainda que o Tráfico de seres humanos ocorre com diversas finalidades, tais como a exploração sexual, a remoção de órgãos, a escravatura ou servidão forçada.

Entendemos que a existência do Tráfico de pessoas na contemporaneidade significa o fracasso da globalização neoliberal, que é fomentado pela migração laboral em um mundo desigual, capitalista e perverso. Enfatiza-se aqui, que, em regra, as mulheres são as maiores vítimas das organizações criminosas, sendo, em sua grande maioria, destinadas à prostituição forçada ou outra forma de exploração sexual.

A desigualdade de gênero ainda está fortemente enraizada no mundo - principalmente em países orientais5, como China, Índia e Tailândia - além da falta de oportunidade no mercado formal de trabalho, que contribui para que mulheres e meninas sejam os principais alvos dos rupiões.

Refere-se o tráfico de pessoas, no campo dos crimes contra a dignidade sexual, ao deslocamento de pessoas, dentro do território nacional ou deste para o exterior – e reciprocamente – evidenciando a conduta que pode explorar ou abusar de boa-fé de alguns, para gerar lucro indevido a outros, por conta da prostituição e outras inserções promovidas pela indústria do sexo (NUCCI, 2015, p. 112).

O Tráfico de pessoas vem de longa data, tendo em vista que durante a maior parte da história da humanidade o comércio de escravos ocorria com naturalidade, e de forma lícita. Não obstante, esse processo sofreu drástica expansão a partir da terceira fase da globalização. Para entender melhor essa temática, faz-se necessário uma perspectiva histórica do Tráfico de pessoas.

Conforme Neto (2014), desde a Antiguidade, inúmeros são os povos que subjugavam outros, a exemplo do Antigo Egito que mantinha o povo judeu na condição de escravos. Enquanto, na Mesopotâmia, o Código de Hamurabi possuía diversos dispositivos que regulamentavam a escravidão.

O autor relembra que os Romanos também praticavam o comércio de escravos dos povos que tinham seus territórios conquistados pelo Império. No entanto, Neto (2014) adverte que foi a partir das grandes navegações que o tráfico de pessoas ganhou nova dimensão: Com a descoberta do Novo Mundo os luso-espanhóis tinham uma demanda de mão de obra para explorar o continente americano e suprir as suas metrópoles.

Ressalta-se que, em nosso país, a escravidão existiu por aproximadamente 388 (trezentos e oito e oito) anos, sendo o Brasil o último país a abolir a escravidão na América em 1888: Salientamos ainda que somente em 1850 foi aprovada a Lei Eusébio de Queiroz, a qual punha um fim ao comércio negreiro; já em 28 de setembro de 1871 foi sancionada a Lei do Ventre Livre, concedendo liberdade aos filhos de escravos que nascessem a partir daquele momento. Finalmente, no ano de 1885, foi anunciada a Lei dos Sexagenários, que contemplava com a liberdade os escravos com mais de 60 anos.

Os portugueses trouxeram escravos africanos para o Brasil, mas, globalmente, o tráfico era quase um monopólio dos espanhóis, até o tratado de Utrecht, de 11-4-1713, quando os ingleses passaram a dominar a atividade. Calcula-se que, entre 1650 e 1800, cerca de 12 milhões de pessoas tenham sido retiradas de modo forçado na África e enviadas a vários continentes, sobretudo para as Américas, na condição de escravos (NETO, 2014, p. 481).

Conforme o autor (2014), o primeiro esforço no âmbito internacional para abolir o tráfico de pessoas surgiu somente em 1815 com a Ata Final do Congresso de Viena, onde os países signatários proclamavam a vontade de ‘’colocar fim um flagelo que há muito tempo assolava a África, degradava a Europa, e afligia a humanidade’’, em nome dos princípios universais da moralidade e da humanidade. Todavia, essa Ata não foi imediatamente seguida, em razão da histórica rivalidade entre o Reino Unido e a França. Dessa forma, somente em 1885, com a Ata da Conferência de Berlim, que fora confirmada pelo Ato Geral Antiescravagista de Bruxelas de 1890, é que o tráfico internacional de escravos foi definitivamente proibido.

De igual importância, Neto (2014) menciona o Acordo Internacional para a Repressão ao Tráfico de Escravas Brancas, de 1904, como forma de repressão ao tráfico internacional de mulheres para fins de exploração sexual. Neste acordo, os Estados signatários ficam comprometidos à criação de uma autoridade internacional que coordenasse as informações relacionadas ao aliciamento de mulheres para a prostituição.

Desta forma, as partes contratantes se comprometiam a investigar os aliciamentos, criar serviços de vigilância para averiguar quem são os acompanhantes dessas mulheres, bem como vigiar postos de embarque e desembarque. Importante observar que o Acordo Internacional para a Repressão ao Tráfico de Escravas Brancas foi assinado pelo Brasil, sendo este, o primeiro acordo assinado pelo nosso país com o intuito de combater o tráfico internacional de Mulheres. Percebe-se, desta forma, que trata-se de um problemas recorrente no Brasil e no mundo.

Igualmente em Paris, Neto (2014) destaca que, em 1910, foi elaborada a Convenção Internacional para Repressão de Escravas Brancas, tendo como base para a sua elaboração o acordo de 1904, que fora revogado. Esse Tratado fazia uma diferenciação entre o Tráfico de Mulheres maiores e menores, como se pode observar no dispositivo abaixo:

Article 1: Whoever, in order to gratify the passions of another person, has procured, enticed, or led away, even with her consent, a woman or girl under age, for immoral purposes, shall be punished, notwithstanding that the various acts constituting the offence may have been committed in different countries.

Article 2: Whoever, in order to gratify the passions of another person, has, by fraud, or by means of violence, threats, abuse of authority, or any other method of compulsion, procured, enticed, or led away a woman or girl over age, for immoral purposes, shall also be punished, notwithstanding that the various acts constituting the offence may have been committed in different countries6.

Conforme se extrai do artigo, se percebe que se tratando de menor de idade, o consentimento da mesma é irrelevante, devendo ser punido todo aquele que tenha adquirido, atraído ou levado à mesma para fins imorais. Ademais, deve ser observado que a Convenção de 1910 refere-se a propostas imorais, e não a prostituição, como a Convenção de 1904. Sendo assim, a Convenção de 1910 ampliou o rol de atividades que podem ser tipificadas como tráfico de mulheres.

Ausserer (2007), assim como outros autores, observa que o termo Escravas Brancas possui uma conotação eurocentrista e racista, uma vez que a vítima de tráfico sexual não precisa ser necessariamente branca. Ademais, esse termo também pode ser utilizado para designar a pureza das vítimas, gerando um estereótipo de que as vítimas de tráfico são moças virgens, inocentes e ignorantes, sendo essa ‘’uma de nós’’.

Pactuo com a posição da autora, tendo em vista que a expressão “Escravas Brancas” é excludente e ultrapassada. Além do mais, entendendo, que fica evidenciado o caráter moralista anti-protistuição por de trás desta expressão, tendo em vista que a emancipação feminina surgiu concomitantemente com políticas estatais de regulamentação da prostituição.

De acordo com Ausserer (2007), todo esse esforço para combater o tráfico de escravas brancas foi fruto de um pânico moral que surgiu na Europa e nos Estados Unidos, no final do século XIX, com histórias de mulheres brancas que eram captadas na Europa e obrigadas a se prostituir. Com o chamado White Slave Panic surgem reivindicações por instrumentos eficazes para o combate de tal crime.

Conforme Neto (2014), em 1919, a proibição à escravatura e ao tráfico de escravo foi novamente corroborada pelo Tratado assinado em Saint-Germain-em-Laye. Tratava-se de um acordo de paz estabelecido entre os Aliados e Áustria. No tocante ao Tráfico de Mulheres, Neto (2014) aponta um novo instrumento de repressão elaborado em 1921: A Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças. Observando-se que a Convenção de 1921 fez uma alteração importante no seu art. 2 º:

As Altas Partes Contratantes acordam em tomar todas as medidas para descobrir e processar pessoas que estão envolvidos no tráfico de crianças de ambos os sexos e que cometem crimes dentro da acepção do artigo 1 da Convenção de 4 de maio de 1910.

Enquanto a Convenção de 4 de maio de 1910 mencionava meninas e mulheres, o Tratado de 1921 faz uma clara alusão a crianças de ambos os sexos, reconhecendo a existência também de tráfico de meninos, e tutelando a proteção das crianças. O artigo 5º da mesma convenção, também fez outra alteração importante, modificando a idade das ditas mulheres maiores: No parágrafo В do Protocolo Final da Convenção de 1910, as palavras "vinte anos completos de idade" é substituída pelas palavras "vinte e um anos completos de idade".

Observa-se também que finalmente a expressão Escravas Brancas para de ser utilizada, abrangendo todas as mulheres, independentemente de raça, cor ou etnia. Versa-se de um avanço significativo em termos de direitos humanos, pois engloba todas as mulheres, sem distinção.

Neto (2014), destaca que em 1930, a Organização Internacional do Trabalho, importante órgão no combate ao trabalho escravo na contemporaneidade, convocou uma Conferência em Genebra, adotando a Convenção nº 23 sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório. Também em Genebra, doze anos depois foi elaborada a Convenção para a Repressão de Tráfico de Mulheres Maiores. No entanto, essa Convenção, fez uma alteração em seu artigo primeiro, restringindo a punição ao Tráfico de Mulheres, o que, em meu entendimento, foi um ‘’um passo para trás’’, em termos de direito humanos, em relação à Convenção anterior que previa a punição de envolvidos com o Tráfico de Crianças de ambos os sexos.

Artigo 1º Quem quer que, para satisfazer as paixões de outrem, tenha aliciado, atraído ou desencaminhado, ainda que com o seu consentimento, uma mulher ou solteira maior, com fins de libertinagem em outro país, deve ser punido, mesmo quando os vários atos, que são os elementos constitutivos da infração, forem praticados em países diferentes. A tentativa é igualmente punível. Nos limites legais, também o são os atos preparatórios. Para os efeitos do presente artigo, a expressão "país" compreende as colônias e protetorados da Alta Parte Contratante interessada, assim como os territórios sob sua soberania e os territórios sobre os quais lhe houver sido confiado um mandato.

Ademais, Neto (2014) menciona que a Convenção para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores de 1933, bem como a Convenção para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças de 1921, ambas de Genebra, foram emendadas em 11 de dezembro de 1946 pelo Protocolo de Lake Sucess, validando essas convenções no pós-guerra.

De imensurável relevância, Neto (2014) destaca a importância da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, tratando-se de uma norma jus cogens7, e, portanto imperativa no âmbito de direito internacional. É um marco histórico que tutela os Direitos Humanos na esfera Universal, que serviu de inspiração para a formulação das Constituições de diversos Estados. Frisa-se que a Declaração reitera novamente a proibição da escravidão em seu art. 4º: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”.

Nessa esteira, Neto (2014), faz alusão à Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, editada em Genebra em 1956, entrando em vigor no Brasil em 1966, através do Decreto Presidencial nº 58. 563. A Convenção Suplementar não apenas reitera os termos da Convenção sobre a escravatura de 1926, como também amplia os conceitos de práticas análogas à escravidão, faz definições de conceitos e cria mecanismos de cooperação internacional entre os Estados signatários. Conforme o disposto no art. 7º da referida Convenção:

§1. "Escravidão", tal como foi definida na Convenção sobre a Escravidão de 1926, é o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade, e "escravo" é o indivíduo em tal estado ou condição.

§2. "Pessoa de condição servil" é a que se encontra no estado ou condição que resulta de alguma das instituições ou práticas mencionadas no artigo primeiro da presente Convenção.

§3. "Tráfico de escravos" significa e compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão de uma pessoa com a intenção de escravizá-la; todo ato de aquisição de um escravo para vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão, por venda ou troca, de uma pessoa adquirida para ser vendida ou trocada, assim como, em geral, todo ato de comércio ou transporte de escravos, seja qual for o meio de transporte empregado.

Ademais, a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura do Tráfico de Escravos e das Instituições às práticas análogas à Escravatura também prevê várias obrigações aos Estados Membros à Convenção, tais como:

  • Tomar as medidas necessárias para impedir que navios e aeronaves de suas bandeiras transportem escravos e que punam as pessoas culpadas desse ato ou culpadas de utilizar o pavilhão nacional para tal fim; tomar todas as medidas necessárias para que seus portos, seus aeródromos e suas costas não possam servir para o transporte de escravos;

  • Trocar informações a fim de assegurar a coordenação prática das medidas tomadas pelos mesmos na luta contra o tráfico de escravos e se comunicarão mutuamente qualquer caso de tráfico de escravos e qualquer tentativa de infração desse gênero de que tenham conhecimento;

  • Tomar todas as medidas, legislativas e de outra natureza, que sejam viáveis e necessárias, para obter progressivamente e logo que possível a abolição completa ou o abandono das instituições e práticas seguintes, onde quer ainda subsistam, enquadrem-se ou não na definição de escravidão assinada em Genebra, em 25 de setembro de 1926;

  • Fixar, onde couber, idades mínimas adequadas para o casamento; a estimular adoção de um processo que permita a ambos os futuros cônjuges exprimir livremente o seu consentimento ao matrimônio, em presença de uma autoridade civil ou religiosa competente, e a fomentar o registro dos casamentos;

  • Prestar mútuo concurso e a cooperar com a Organização das Nações Unidas para a aplicação das disposições que precedem;

  • Enviar ao Secretário-Geral das Nações Unidas exemplares de toda lei, todo regulamento e toda decisão administrativa adotados ou postos em vigor para aplicar as disposições da presente Convenção.

Para isto, Neto (2014) relembra que a Organização Internacional do Trabalho, mais uma vez cria nova Convenção acerca do tema, adotando em 1957 a Convenção nº 105, chamada Convenção sobre Abolição do Trabalho Forçado, na qual os ratificantes comprometem-se a tomar medidas eficazes com vista à abolição imediata e completa do trabalho forçado ou obrigatório. Prevê, também, consonante seu art. 1º, a proibição do trabalho por medidas coercitivas ou de educação política, como método de utilização de mão-de-obra, como medida disciplinar no ambiente do trabalho, por punição; em razão de greves, ou como medida de discriminação, seja ela racial, social, nacional ou religiosa.

Conforme o referido autor (2014) também é importante apontar que o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos reafirmou em 1966 os direitos civis e políticos previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem e dispõe, em seu artigo 8º, que ninguém pode ser submetido à escravidão, ao tráfico de escravos – em todas as suas formas - à servidão, e que ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios.

Neto (2014) lembra também que no ano posterior, os países membros da Organização dos Estados Americanos se reuniram na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, onde assinam a notável Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, em razão do local onde foi assinada. O Pacto de São José é um dos tratados mais importantes firmados em nosso continente, sendo um instrumento de proteção de direitos humanos, ele prevê em seu artigo sexto a Proibição da escravidão e da servidão, fazendo clara menção ao tráfico de escravos e de mulheres.

Nessa esteira, ressalta-se o art. 6º do referido Pacto acerca da Proibição da escravidão e da servidão:

1. Ninguém pode ser submetido a escravidão ou a servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas.

2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório.  Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa da liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, imposta por juiz ou tribunal competente.  O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso.

3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo:

a. os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente.  Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado;
b. o serviço militar e, nos países onde se admite a isenção por motivos de consciência, o serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele;

c. o serviço imposto em casos de perigo ou calamidade que ameace a existência ou o bem-estar da comunidade; e
d. o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais.

Segundo Castilho (2008), em 1979, há um avanço em termos de igualdade de gênero com a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação a Mulher. Esse Tratado Internacional, além de estabelecer vedações às discriminações de gênero, e enfatizando a igualdade entre homens e mulheres, se demonstra preocupado em combater o tráfico de mulheres e a exploração sexual da prostituição.

Castilho (2008) ainda faz breve menção a Conferência Mundial sobre os Direitos do Homem, de Junho de 1993, que reafirmou os princípios previstos na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos do homem. Nessa Conferência são novamente tutelados os direitos humanos, com uma acentuada preocupação em estabelecer a igualdade racial e de gênero. Combatendo a discriminação e violência contra a mulher, são diversos os artigos da Declaração de Viena que preveem a proteção dos direitos das mulheres, no entanto, destaca-se o art. 38:

A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos realça a importância do trabalho no sentido da eliminação da violência contra as mulheres na vida pública e privada, a eliminação de todas as formas de assédio sexual, a exploração e o tráfico de mulheres, a eliminação de preconceitos contra o sexo feminino na administração da justiça e a erradicação de quaisquer conflitos que possam surgir entre os direitos das mulheres e os efeitos nocivos de certas práticas tradicionais ou consuetudinárias, preconceitos culturais e extremismos religiosos. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem apela à Assembléia Geral que adote o projeto de declaração sobre a violência contra as mulheres em conformidade com as disposições. As violações dos direitos humanos das mulheres em situação de conflito armado constituem violações dos princípios fundamentais dos direitos humanos internacionais e do direito humanitário. Todas as violações deste gênero, especialmente o homicídio, a violação sistemática, a escravatura sexual e a gravidez forçada, requerem uma resposta particularmente eficaz.

Além da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos expressar o seu repúdio a todo e qualquer tipo de violência contra as mulheres, enfatizando a importância do combate ao assédio sexual, à exploração e ao tráfico de mulheres; salienta a importância da Conferência vedar a violência, tanto na esfera pública quanto privada. Trata-se de um grande avanço, significando que a violência doméstica e o estupro no âmbito familiar não serão mais tolerados.

Castilho (2008) também ressalta a importância da Quarta Conferência Sobre as Mulheres em setembro de 1995, na cidade de Pequim; onde os Estados membros, ali reunidos, adotaram a Declaração de Pequim, mais um instrumento jurídico criado com intuito de tutelar os Direitos das Mulheres na esfera universal. Esse documento, apesar de ser de 1995, já utilizava o termo empoderamento, bastante contemporâneo nos movimentos feministas. Nessa Declaração, novamente está prevista o repúdio à escravidão sexual, à gravidez forçada, ao abuso sexual, à exploração sexual, ao tráfico internacional de mulheres e meninas, prostituição imposta e ao assédio sexual. O autor ainda discorre sobre o Estatuto de Roma, elaborado em julho de 1998, mas que só entra em vigor em 2001. A partir dele nasce a Corte Internacional Penal, instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, complementar das jurisdições penais nacionais. A competência do Tribunal está adstrita somente aos crimes mais graves, entendidos como sendo eles: genocídio, crimes contra humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão. Destaca-se aqui que o artigo 7º do Estatuto estabelece um rol dos crimes considerados contra humanidade, fixando assim no art. 7º, letra g: Violação, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez à força, esterilização à força ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;

A referida autora (2008) lembra que, menos de um ano depois, na Cidade do México, é promulgada a Convenção Interamericana sobre o Tráfico Internacional de Menores, visando à prevenção e a sanção do tráfico internacional de menores, bem como a proteção e cuidado dos menores vítimas do fato ilícito. Observa-se que, para a Convenção, entende-se por menor, todo o ser humano com menos de 18 anos de idade.

Por sua vez, Neto (2014) faz menção à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, promulgada pelo Brasil em 2004. Trata-se de um Protocolo Adicional, aditivo à Convenção Das Nações Unidas Contra O Crime Organizado de 2000. O intuito desse protocolo adicional é a criação de um instrumento internacional de luta contra o tráfico humano, destinado a prevenir reprimir e punir o tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças. Os objetivos do documento são: A prevenção e o combate do tráfico de pessoas, com especial atenção às mulheres e às crianças, a proteção e ajuda às vitimas e a cooperação entre os Estados, sempre em respeito aos direitos humanos.

Esse Protocolo é de imensurável importância, pois conceitua a expressão Tráfico de Pessoas, arrolando as seguintes ações: recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas. Observa-se que o consentimento da vítima é viciado quando houver ameaça, uso de força ou de outras formas coação, bem como rapto, fraude, engano, abuso de autoridade ou situação de vulnerabilidade, bem como a obtenção de alguma vantagem para a obtenção do consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outros fins de exploração, sendo o caso clássico dos pais que vendem a filha para o traficante.

Todos os Tratados e Convenções supramencionados, surgiram com objetivo de contribuir, de alguma forma, para que a sociedade internacional se mobilize e tente combater essa chaga chamada Tráfico de Pessoas. Esses tratados tem em comum, uma associação de esforços da comunidade internacional para assegurar os Direitos do Homem. É de grande importância que os Estados Nações comprometam-se com os valores de liberdade, assegurando a dignidade da pessoa humana e empenhando-se para combater qualquer tipo de prática análoga à escravidão.

No Tráfico de Pessoas sempre haverá alguma forma de exploração, seja a exploração sexual, a prostituição forçada, o trabalho ou serviço forçado, práticas análogas à escravidão, a servidão ou a remoção de órgãos. Conforme o Relatório da OIT (2005), a maior parte das vítimas são meninas e mulheres destinadas à exploração sexual forçada.

Frisa-se que, para o referido tratado, entende-se por criança a pessoa menor de dezoito anos, não fazendo a distinção entre criança e adolescente estabelecida na Lei 8.069/1990. Então, toda vez que o mencionado tratado utilizar-se do termo criança, é bom ter em mente que se incluí nessa expressão os adolescentes. Conforme o Protocolo Adicional, quando houver o envolvimento de menor de dezoito anos, ainda que haja o consentimento do mesmo, este é irrelevante para a caracterização do crime.

Segue abaixo títulos ilustrativos, onde o autor sintetiza os principais instrumentos internacionais para o enfrentamento do Tráfico de Mulheres:


Fonte: JESUS, Damásio de, 2003, p. 28.


Fonte: JESUS, Damásio de, 2003, pg. 29

Fonte: JESUS, Damásio de, 2003, p. 30.

As tabelas colacionadas foram retiradas do Livro de Damásio de Jesus (2003), a título ilustrativo, onde o autor sintetiza os principais instrumentos internacionais para o enfrentamento do Tráfico de Mulheres no decorrer deste período histórico que se busca sua erradicação: Observa-se, todavia, que a linha cronológica apontada por Damásio (2003) difere-se em alguns pontos da mencionada nesse subitem, tendo em vista que utilizamos Neto (2014) e Castilho (2008) para abordar os principais tratados internacionais de direitos humanos, principalmente os relacionados a coibição da escravatura e aos direitos femininos.

Uma das pretensões desta monografia é demonstrar como o Tráfico de Mulheres é um crime abominável e desumano, que vem sendo discutido a décadas; e que precisa urgentemente ser combatido através de instrumentos de cooperação entre os Estados. Nessa toada, a análise desses tratados serve para averiguar quais instrumentos legais podem ser utilizados para o combate do Tráfico de Seres Humanos, em especial o Tráfico de Mulheres com fim de exploração sexual. Com este objetivo, se faz necessário conceituar o tráfico de pessoas, bem como analisar o que a legislação nacional dispõe acerca desse crime, o qual é a proposta do próximo subitem.

4.2. O TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS E A EXPLORAÇÃO SEXUAL

Primeiramente, faz-se necessário fazer a distinção entre o Tráfico de Pessoas e o Tráfico de Migrantes, também conhecido como Contrabando de Migrantes. Conforme o disposto no art. 3º do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por via Terrestre, Marítima e Aérea; entende-se como ''Tráfico de Migrantes'' a promoção da entrada de uma pessoa em um Estado no qual ela não seja nacional ou residente permanente, necessariamente com o objetivo de obter vantagem, seja ela financeira ou outro benefício material, de maneira direta ou indireta.

Um exemplo clássico de Contrabando de Migrantes é a ação dos ''coiotes'' de conduzir pessoas na travessia da fronteira do México para chegar aos Estados Unidos de maneira clandestina. Outro exemplo, bastante atual, com a recente crise de refugiados, são os casos de pessoas oriundas de regiões de conflitos armados, como a África e a Síria, que atravessam países de forma ilegal, inclusive em botes e outras formas de navegações marítimas precárias, colando sua própria vida em risco: Símbolo desta atual crise, o menino Aylan Kurdi, de apenas três anos, morto à beira do mar, demonstra a situação de periculosidade que esses migrantes correm nessas travessias.


Fotografia: Dogan News Agency, 2015

Apesar das travessias perigosas, diferentemente do Tráfico de Pessoas, onde não há o consentimento da vítima, ou esse consentimento é viciado – através de artifícios tais como a coação, ameaça ou fraude – no Contrabando de Migrantes existe o conhecimento e consentimento das pessoas contrabandeadas.

Segundo a ONODC (s.d), outra diferença importante entre essas duas modalidades, é a questão da exploração: Enquanto o Tráfico de Migrantes encerra-se com a chegada dos contrabandeados ao país de Destino, no Tráfico de Pessoas, a chegada é apenas o começo da exploração da vítima.

Diante o exposto, é perceptível que existe uma diferença colossal entre o contrabando de migrantes e o tráfico de pessoas, enquanto no primeiro caso existe um mero crime a soberania do Estado, uma vez que o migrante encontra-se irregular, o segundo trata-se de um crime contra a humanidade.

Ademais, verifica-se o tratamento às vítimas de tráfico de pessoas - pelo menos na teoria - é totalmente distinto dos migrantes clandestinos, que em razão da sua situação serão deportados: O Protocolo Adicional propicia às vítimas assistência, a possibilidade de permanecer no país e obter indenização pelos danos sofridos. Sendo assim, não restam dúvidas que o Tráfico de Pessoas trata-se de um delito de maior gravidade, em razão das violações aos direitos humanos intrínsecos a peculiaridade deste delito.


Fonte: OIT. 2005, p. 14

Sabe-se que o Tráfico de Pessoas pode ter diversas finalidades, tais como a exploração sexual, a mão-de-obra escrava e, inclusive, o Tráfico de Órgãos. Esse tipo de delito pode, ou não ter caráter transnacional, diferentemente do Tráfico de Migrantes, que sempre envolverá a travessia de fronteiras de maneira ilegal.

A definição de Tráfico de Pessoas está previsto no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, assim dispõem em seu art. 3º:

Para efeitos do presente Protocolo:

a) A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos; b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a); c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados "tráfico de pessoas" mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea a) do presente Artigo; d) O termo "criança" significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos.

A seguir iremos comentar acerca de dados extraídos do Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (2005).

Conforme o Relatório Global do Surgimento da Declaração da OIT sobre Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho, aproximadamente 2,5 de pessoas são vítimas de tráfico. Apesar de uma parte considerável das pessoas traficadas serem destinadas à extração de órgãos, a maior parte dos casos de Tráfico Humano está intimamente ligada ao trabalho forçado ou a práticas similares à escravidão. Desde a Convenção da OIT de 1930, foi estabelecido que trabalho forçado é ‘’todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual ela não tiver se oferecido espontaneamente’’>8.


Fonte: Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. 2005, p. 11.

Conforme o Relatório (2005), todo trabalho forçado é degradante, mas nem todo trabalho que ofereça más condições de trabalho é necessariamente um trabalho forçado. Normalmente, o trabalho forçado tem como praxe a ameaça ou a punição do obreiro, também pode ser utilizada coações morais, psicológicas e físicas. Quase sempre os salários dos ‘’empregados’’ é inferior ao que eles consumem em alimento, moradia e na viagem que lhes foi ofertada, fazendo-os ficar preso a uma dívida impagável, em condições análogas a de escravos.

No meu ponto de vista, a distinção entre a escravidão9 e o trabalho forçado é absurdamente sutil10, pois em ambas as situações há uma grave violação aos direitos humanos dos indivíduos, ferindo o seu direito à liberdade e à dignidade da sua pessoa humana. Na atualidade, utilizam-se os termos ‘’ trabalho forçado’’ e ‘’ trabalho análogo à condição de escravo’’, tendo em vista que o termo escravidão normalmente se refere a um contexto histórico de privação de liberdade de uma determinada etnia (ex.: povos africanos no Brasil, povo judeu no Egito...) ou à um povo vencido na guerra (ex.: povos escravizados pelos romanos).


Fonte: Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. 2005, p, 11.


Fonte: Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. 2005, p. 15.

Conforme o mencionado Relatório (2005), a OIT calcula que aproximadamente 43% (quarenta e três por cento) das pessoas traficadas são destinadas >para trabalho forçado para fins de exploração sexual comercial. Observa-se que os alvos dessas facções criminosas podem ser de ambos os sexos, o tráfico de pessoas para essa finalidade procura tanto homens, como meninos, mulheres e meninas. Não obstante, os dados do Relatório Global (2005) ainda indicam que, se tratando de Exploração sexual comercial forçada por sexo, mulheres e meninas representam 98% (noventa e oito por cento) das vítimas desse crime.

Nessa esteira, percebe-se que o sexo feminino ainda é mais vulnerável e suscetível ao tráfico de pessoas. Portanto, observa-se que provavelmente nesse percentual de 2% (dois por cento), em que estão incluídos homens e meninos para o comércio sexual, estejam camuflados dados acerca de pessoas travestis, tendo em vistas que essas normalmente são contabilizados como sendo do sexo masculino nas pesquisas.

Desta forma, faz-se necessário analisar o que a legislação brasileira dispõe acerca do Tráfico de Pessoas voltado para o Comércio Sexual, a fim de verificar se as normas penais e constitucionais do nosso país estão de acordo com os Tratados Internacionais que disciplinam acerca dessa problemática:

O nosso ordenamento jurídico prevê tipos penais diferentes para o Tráfico de Pessoas para fim de exploração sexual Interno (Art. 231 – A do Código Penal) e o Internacional (Art. 231 do Código Penal), entretanto, esses crimes possuem várias semelhanças em comum:

Para Nucci (2015), em ambos os casos, o bem jurídico a ser tutelado é a dignidade sexual da pessoa traficada, bem como a sua própria liberdade de locomoção. O sujeito ativo do crime, ou seja, o traficante pode ser qualquer pessoa, independentemente do sexo, da mesma forma que o sujeito passivo. Observa-se que só se admite a criminalização do Tráfico de Pessoas na sua forma dolosa, e nem é passível de ser tipificado na sua forma tentada. Trata-se de um crime comum, material, comissivo, instantâneo de continuidade habitual, unissubjetivo e plurissubsistente.

Quanto ao consentimento da vítima, existe divergência doutrinária acerca do assunto. Para Nucci (2015), havendo a vítima consentindo, sem violência ou grave ameaça, a prática da prostituição em outro país, está afastada a ilicitude do delito. Não obstante, discordo da posição do autor, pois, embora muitas vezes as vítimas estejam cientes de que irão trabalhar como profissionais do sexo em outro país, não têm ideia da exploração que serão submetidas. Ademais, ressalto ainda que para o Protocolo Adicional, o consentimento da vítima é irrelevante quando essa for menor de 18 (dezoito) anos, ou quando instrumentos como a coação e fraude forem utilizados para ludibriar essas mulheres.

Refere-se que a prostituição não é tipificada, uma vez que inexiste na nossa legislação qualquer tipo de sanção àquelas que, de livre e espontânea vontade, escolherem esse ofício. Todavia, a legislação prevê a criminalização daquele que comercializar a sexualidade de outrem.

Dessa forma, faz-se necessário esclarecer alguns conceitos, a fim de evitar confusões. Algumas pessoas ainda equivocam-se com a utilizar o termo prostituição e exploração sexual como sinônimo, enquanto são figuras bem distintas. Como já dito anteriormente, a prostituição é a venda do próprio corpo, onde, atribui-se valor comercial às relações sexuais praticadas. Já a exploração sexual, consiste, basicamente, no aproveitamento do comércio sexual de outrem. Para o dicionário Michaelis, o verbo explorar pode significar:

  • Enganar, iludir, tapear.

  • Aproveitar-se, abusar, valer-se de.

Observa-se que não existe na legislação brasileira um conceito jurídico para o termo exploração sexual. Não obstante é um conceito muito amplo tendo em vista a enorme gama do mercado do sexo, os quais poderão englobar vários seguimentos tais qual a prostituição> >tratando-se de criança e adolescentes, ou de adultos em situações de fraude, coação ou violência, a indústria pornográfica11, o turismo sexual12 e o tráfico de pessoas.

A indústria do sexo não se limita à prostituição – embora seja a sua atividade mais lucrativa. Vale-se de uma infinidade de atrações, tais como a pornografia, que abrange revistas contendo fotos de pessoas nuas ou de sexo explícito, filmes em diversos formatos (para cinema, DVD,CD) contendo cenas de sexo explícito, shows eróticos, com cenas de sexo explícito ou strip-tease de homens e/ou mulheres, lojas especializadas na venda de objetos de estímulo à atividade sexual, locadoras de filmes de sexo explícito, livrarias especializadas em publicações eróticas etc. (...) O trabalho sexual envolve a troca de serviços sexuais por compensação material, da mesma forma que a venda de performances ou produtos eróticos. Isto incluí atos de contato físico entre compradores e vendedores (prostituição, dança sexual) assim como estimulação sexual indireta (pornografia, strip-tease, sexo por telefone, shows de sexo ao vivo, performances eróticas por câmeras) (NUCCI, 2015, p. 116).

Em síntese, Nucci (2015) refere que nem toda a prostituição esta inserida no campo da exploração sexual, todavia, a prostituição forçada é uma espécie de exploração sexual. Do mesmo modo, a pornografia não será necessariamente uma forma de exploração sexual, tendo em vista que muitas vezes é lícita e consentida, quando envolver adultos devidamente cientes das condições do labor sexual.

Frisa-se que para haver a exploração sexual é necessário que haja a retirada de vantagem de outrem, sendo essa geralmente de cunho econômico. Ademais, a exploração sexual não pode ser confundida com o abuso sexual porque, apesar de existir, em ambos os casos, a existência de violência sexual, a exploração está intimamente ligada ao intercâmbio do sexo por vantagens econômicas.

Portanto deve ser esclarecido que o Rufião, não pode ser confundido com o Traficante de Pessoas. Conforme Nucci (2015), o Rufianismo está previsto no artigo 230 do Código Penal, tratando-se daquele que tira proveito do comércio sexual de alguém, vulgo cafetão ou proxeneta. Não se confunde com os sujeitos ativos do 231 e 231-A, tendo em vista que a punição aqui é aplicada àquele que aproveita-se da prostituição alheia, tendo participação nos lucros.

Esclarece-se ainda que o crime de rufianismo não pode ser confundido com o Lenocínio, apesar das figuras serem similares. Enquanto o rufianismo trata-se de um crime habitual que visa tirar vantagem da prostituição de outrem, o crime de lenocínio é instantâneo, consistindo-se no favorecimento da prostituição.

O Lenocínio está tipificado no art. 228, intitulado como Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual, incorre nele aquele que induzir ou atrair outrem para a prostituição ou outra forma de exploração sexual, bem como aquele que impedir ou obstaculizar às pessoas de largarem o meretrício, sendo aplicada a esta a pena de reclusão de 2 a 5 anos concomitantemente com a aplicação de multa.

Desta forma há a previsão de duas hipóteses qualificadoras: O parágrafo 1º prevê a pena de reclusão de um a três anos quando a vítima foi maior de 14 (quatorze) anos e menor de dezoito (dezoito), ou quando o agente for o seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda. Já o parágrafo segundo estabelece que havendo emprego de violência, grave ameaça ou fraude haverá a pena de reclusão de dois a oito anos. Por fim, o parágrafo 3º dispõe que será aplicada multa quando o crime for cometido com o fim de lucro.

O Rufianismo, por seu turno, tem previsão legal no artigo 230 do Código Penal, no qual estabelece a pena de reclusão de um a quatro anos e multa para quem se enquadrar em seu verbo nuclear. É previsto a qualificação da pena no caso da vítima ser menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze), bem como nos casos do crime ter sido cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, aplicando-se a pena de reclusão de três a seis anos cumulativamente com a multa. Também é aplicada qualificadora quando o delito for cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima. Nesse caso, a pena de reclusão será de dois a oito anos.

Diante o exposto, verifica-se que no crime de Lenocínio pode haver o intuito de lucro, mas não é requisito sine qua non para a tipificação do delito, diferentemente do crime de Rufianismo que sempre terá por intuito obter vantagem do profissional do sexo, tal qual uma relação de parasitismo. Ademais, observo que em ambos há a previsão de aumento de pena no caso de envolvimento de menor de 18 (dezoito) anos ou em caso de emprego de violência, o que se faz absolutamente compreensível, tendo em vista que intensifica a gravidade da infração.

Realizados esses esclarecimentos preliminares, distinguindo os termos Jurídicos utilizados no Código Penal Brasileiro, faz-se necessário analisar o Crime de Tráfico Internacional de Mulheres sob a ótica da nossa Constituição. Dentro do Estado Democrático de Direito, cabe à ordem constitucional tutelar pelos direitos fundamentais de seus cidadãos. Por direitos fundamentais, entende-se que são aqueles direitos do homem juridicamente institucionalizados pelo Estado.

Desta forma observa-se que o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, disciplinado no art. 1º de Nossa Carta Magna, fundamenta a nossa ordem jurídica. Trata-se, portanto, de um princípio norteador de todos os demais, dentro da nossa Constituição, se desdobrando em diversos outros princípios e abrangendo um leque de direitos a pessoa humana.

Neste prisma Rogério Greco (s.d, s.p.) entende que a dignidade sexual é uma das espécies de gênero da dignidade da pessoa humana. A Lei nº 12.015/2009, por sua vez, modificou o Título IV do Código Penal, dessa forma, os chamados crimes contra os costumes, passam a ser chamados de crimes contra a dignidade sexual, precisando com maior clareza e intensidade o crime.

Observa-se que no primeiro Código Penal da República, de 1890, havia previsão legal de pena de um a quatro anos para o crime de ‘’desfloramento’’, que consistia em desflorar mulher menor de 21 (vinte e um) anos, utilizando-se de meios de sedução, engano ou fraude. Conforme Vieira (2011), o bem a ser honrado nesse contexto histórico era a honra da moça que foi deflorada, bem como a honra de sua família, tendo em vista que a ideia de que os crimes sexuais violam direitos individuais é uma concepção moderna.

Diferentemente do crime de estupro, onde há a presença de violência, o crime de desfloramento era consentido, normalmente acompanhado de uma promessa de casamento a vítimas. Vieira (2011) frisa que na Bella Époque brasileira, o objetivo do legislador não era tutelar a liberdade sexual da vítima e sim a sua honra, sendo comum, o acusado casar-se com a vítima, em troca da retirada da ocorrência policial. Ademais a honestidade da vítima era ponto crucial no processo penal, termo extremamente subjetivo, que analisa a conduta moral das mulheres.

Porém, no decorrer deste processo há uma mudança de paradigma13 em razão das transformações na sociedade, principalmente no âmbito da liberdade feminina, uma vez que a tutela jurídica da honra da mulher tornou-se obsoleta e ultrapassada. Sendo assim, o Estado passa a se preocupar com outros bens jurídicos, como a liberdade sexual.

Por sua vez, Nucci (2014) entende que a dignidade sexual está intimamente ligada à sexualidade humana e suas experiências pessoas. Sendo assim, o autor sustenta que a vida sexual dos indivíduos não deve ser invadida pelo Estado, pois seria um desrespeito com a intimidade e a vida privada dos mesmos. Não obstante, ainda que o fato tenha ocorrido no âmbito privado, é dever do Estado coibir o constrangimento ilegal, a violência e a grave ameaça. Um exemplo clássico é que, até pouco tempo atrás, a violência doméstica e estupro no âmbito familiar - quando cometido pelo marido - era ignorado pelo Estado, tendo inclusive julgados14 entendendo que o marido estava no exercício de seu regular direito matrimonial, ao violentar a esposa.

Em síntese, o entendimento de Nucci (2014) é de que havendo uma relação consentida entre pessoas adultas e capazes, não há porque haver a interferência estatal nessa seara. Todavia, quando as relações sexuais ocorrem sob coação, ou sem consentimento, ou quando, mesmo com consentimento, envolverem menores de 14 (quatorze) anos, deve o Estado penetrar na seara privada, a fim de tutelar um bem jurídico maior: a dignidade sexual da pessoa humana, com qual concordo plenamente.

Nesse aspecto, frisa-se que a atividade sexual dos indivíduos deve encontrar-se no âmbito da legalidade, não se permitindo qualquer tipo de coerção não consentida, fora do desejo da pessoa. Dessa forma, atividades como o sadomasoquismo e o incesto, quando praticada por adultos capazes, de forma consentida, ainda que consideradas imorais pela sociedade, não podem ser penalmente tipificadas, tendo em vista que não afetam nenhum bem jurídico relevante, e que estas atividades sexuais estão no campo da esfera privada dos indivíduos.

Entendo que a liberdade sexual é um dos direitos mais importantes do ser humano, diretamente ligado a dignidade da pessoa humana, valor constitucional supremo e, portanto, deve ser protegido pelo Estado. Todavia, nenhum direito fundamental é absoluto, logo o direito fundamental do sujeito X não pode sobrepor-se ao direito fundamental do sujeito Y. Sendo assim, é mais do que natural e necessário que se tipifiquem o estupro bem como outros crimes contra a dignidade sexual do ser humano.

Qualquer espécie de violação à dignidade sexual, por si só, já é extremamente dolorosa à vítima; no tocante ao tráfico de mulheres,>.verifica-se >.que a traficada pode ter consequências psicológicas15 e físicas irreversíveis16 para toda uma vida, além dos impactos na seara legal17, social18 e econômica19.

Por óbvio que os sujeitos passivos dos crimes sexuais não são unicamente as mulheres, todavia, constata-se que são as meninas e mulheres as maiores vítimas desse tipo de violência e, portanto, deve haver um olhar especial e diferenciado do Estado para as mesmas.

Entendo que não há compatibilidade entre o princípio da dignidade da pessoa humana e a exploração sexual, pois acarreta numa relação de domínio que fere, degrada o ser humano, tolhendo a sua liberdade. Nessa ótica, ressalta-se que a dignidade humana é um direito indisponível e inalienável.

Ademais, se a violência sexual é por si só, dolorosa, cabe aqui refletir as consequências que sofre a vítima do tráfico humano para fins de exploração sexual, que sofre reiteradas violações diárias. Isto posto, busca-se os aspectos que impulsionam o tráfico de mulheres, tendo em vista que, há décadas já foram criados instrumentos jurídicos para combater essas organizações criminosas. Destarte, devemos questionar que fatores contribuem para o aliciamento de mulheres, que são atraídas por promessas fantasiosas de emprego ou de casamento no exterior. Para tal, o item a seguir virá a abordar estes aspectos circunstanciais do aliciamento a exploração sexual.

4.3. OS FATORES CIRCUNSTANCIAIS QUE IMPULSIONAM O ALICIAMENTO DE MULHERES NO TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS: A EXPLORAÇÃO SEXUAL DE MULHERES

Sabe-se que determinados grupos sociais estão mais vulneráveis a serem vítimas do tráfico humano. É claro que não existe um determinismo, mas determinados fatores agravam potencialmente a possibilidade dessas pessoas serem aliciadas em buscas de melhores oportunidades de vida.

Damásio (2003) reproduz o estereótipo clássico da vítima de tráfico humano: Mulheres socialmente vulneráveis, com baixa escolaridade e que, muitas vezes, já são vítimas de exploração sexual ou que estão engajadas com o mercado do sexo. Por fim, o doutrinador divide as traficadas em duas categorias, a primeira composta por mulheres que foram ludibriadas com falsas promessas de emprego, e a segunda na qual se encontram mulheres que já se prostituíam em seu país de origem, mas que foram enganadas quanto às condições de trabalho. Dessa forma, o autor sustenta:

De fato, as primeiras ocorrências investigadas pela polícia, notórias pela brutalidade com que as mulheres foram tratadas no exterior, levavam a crer que as vítimas, em sua maioria, viajaram ludibriadas por agenciadores cuja oferta se baseava na promessa de trabalho em atividades consideradas regulares, como enfermeiras e babás. Lá chegando, tais mulheres eram obrigadas a se prostituir e viviam em condições lastimáveis, endividadas e sem possibilidade de retorno, uma vez que seus passaportes eram imediatamente confiscados. Atualmente, a sofisticação da atividade mostra uma situação diferente, porém não menos grave. De acordo com as informações que obtivemos nos processos em andamento e nas entrevistas com agentes oficiais, percebe-se que uma parcela representativa das mulheres que partem para o exterior tem consciência da atividade que vai exercer. É fato que as mulheres são submetidas a condições desumanas, mas o consenti- mento das vítimas gera uma situação delicada, em que o combate a esse delito torna-se mais difícil, não obstante as autoridades policiais terem a obrigação de investigar as redes de aliciamento, de transporte e de exploração, independentemente de anuência anterior por parte da vítima (DAMÁSIO, 2003, p. 74-75). Grifamos.

Conforme Dodge (2014) existem certos fatores econômicos, sociais, ideológicos e geopolíticos que impulsionam o Tráfico Humano. Para autora esses fatores são determinantes, pois entende que o Tráfico de Pessoas é favorecido pela situação de vulnerabilidade de certas minorias; questões como insegurança econômica, a falta de oportunidades no mercado formal de trabalho, fatores etários e de gênero são exemplos a serem mencionados.

Diferentemente de Dodge (2014), a OIT (2005), não considera que esses fatores sejam determinantes, mas sim circunstanciais favoráveis ao Tráfico. Para o autor, culpar a pobreza, como sendo a única responsável pelo Tráfico Humano é um grande equivoco, tendo em vista que existe uma demanda nesse mercado negro, em razão dos traficantes, dos rupiões e dos clientes dos serviços sexuais.

Ademais, a OIT (2005) aponta que as principais causas do tráfico são: a globalização, a pobreza, a ausência de oportunidades de trabalho, discriminação de gênero, instabilidade política, econômica e civil em regiões de conflito, a violência doméstica, a imigração indocumentada, o turismo sexual, a corrupção dos funcionários e a deficiência legislativa.

Nesse âmbito, Dodge (2014) também observa que somado aos chamados fatores determinantes as vítimas muitas vezes tem fatores motivacionais para migrar (pull factors). Sendo assim, nem sempre uma pessoa vítima do Tráfico Humano vai se enquadrar no estereótipo clássico de mulher pobre e com baixa escolaridade, pois muitas pessoas têm internamente o desejo de viajar, conhecer novas culturas, viver aventuras, etc. Diante disso, os aliciadores, sabendo das motivações pessoas dessas mulheres, aproveitam-se da confiança das vítimas (rapport psicológico). É uma prática extremamente cruel, pois se serve do que há mais de autêntico nos seres humanos: Os sonhos.

Nas palavras de Damásio de Jesus:

O tráfico internacional de seres humanos está inserido no contexto da globalização, com a agilização das trocas comerciais planetárias, ao mesmo tempo em que se flexibiliza o controle de fronteiras. Juntamente com o movimento de mercadorias, há um incremento da migração global. São milhões de pessoas em constante movimentação, em busca de melhores de trabalho e de vida (JESUS, 2003, p. 14) Grifamos.

Diante disso, aponta-se ainda que, a globalização científico-tecnológica tem papel fundamental nesse cenário, tendo em vista que o Tráfico Humano moderno é muito mais rentável do que antigamente. Além do aumento da tecnologia e da acessibilidade dos meios de transportes, o processo globalizatório neoliberal expandiu a desigualdade social nos países subdesenvolvidos. Logo, cria-se uma massa de obreiros em situações de subemprego e em péssimas condições de vida, ansiosos para migrar em busca de melhores oportunidades de emprego.

Miranda (2009), por sua vez, em sua obra Cidadania, Direito Humanos e Tráfico de Pessoas, destaca que o paradigma de gênero impõe um papel de inferioridade ao sexo feminino, o que acarreta uma divisão sexual do trabalho. Entende-se por divisão sexual do trabalho o modelo social imposto às mulheres no âmbito doméstico, uma das explicações para o desemprego feminino e desigualdade salarial entre homens e mulheres.

Percebe-se ainda que a violência doméstica, a gravidez precoce e abusos sexuais no âmbito familiar contribuem para que essas mulheres se submetam a subempregos, em razão da falta de qualificação. Ademais, a cultura machista enraizada nas sociedades em geral, com maior ou menor intensidade em determinadas partes do mundo, contribuí significativamente para que essas mulheres20 sejam aliciadas.

Conforme Damásio (2003), as mulheres negras são ainda mais estigmatizadas, em razão de sua raça e gênero. É sabido que a população negra, em razão da sua exclusão histórica e social da sociedade, é a maior vítima de violência urbana, ocupam os piores postos de trabalho e sofrem com maiores taxas de evasão escolar. Observamos ainda que o preconceito sofrido pelas mulheres afrodescendentes é ainda maior, em razão da sua sexualização decorrente da promiscuidade sexual a qual as escravas eram submetidas por seus senhores, no Brasil colônia.

Diante o exposto, fica evidente que as mulheres e meninas pobres são o grupo social mais vulnerável às propostas dos aliciadores. Damásio (2003) denomina esse processo de feminilização da pobreza”, tendo em vista que há estatísticas de que as mulheres e crianças são as maiores vítimas em situações de conflito armado e crises econômicas.

Miranda (2009) ainda destaca que os dados da OIT apontam que as crianças e adolescentes oriundas de famílias pobres são as maiores vítimas do tráfico interno para fins sexuais no Brasil. A OIT, em seu relatório global de 2005 (2005), estima ainda que, das pessoas traficadas, entre 40 e 50 % sejam crianças. Ainda, conforme, Damásio (2003), os traficantes teriam predileção por meninas mais jovens, em razão da epidemia de AIDS que se espalhou entre as mulheres adultas.

Não obstante, discordamos do posicionamento de Damásio (2005), inúmeras outras questões podem ser mencionadas para a justificativa da predilição dos traficantes de meninas mais moças, que não a questão das doenças sexualmente transmissíveis. A visão de Damásio de Jeusus em alguns pontos é extremamente taxativa, e pode nos levar ao entendimento equivocado do real problema. A erotização de mulheres jovens é uma questão cultural predominante na nossa cultura machista.


Fonte: Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. 2005, p.16

Aponta-se ainda que o tráfico de crianças para fins de exploração sexual não é exclusividade do nosso país. Damásio (2003, p. 137) indica algumas rotas de tráfico: ‘’Das favelas do Rio para os campos de mineração na fronteira do Brasil, de Moçambique para a África do Sul, do México para os Estados Unidos, da Ásia para a Austrália, da África para a Europa (...)’’. Sabe-se que, no tocante ao tráfico de crianças para o comércio sexual, encontra-se tanto vítimas do sexo masculino, como do sexo feminino, porém, a incidência de meninas é ainda muito maior. Giza-se que as crianças e adolescentes, por serem pessoas em desenvolvimento, e serem mais vulneráveis, merecem um zelo maior pelas autoridades locais.

Fonte: JESUS, 2003, p. 155.

O fato é que, independentemente de sexo, idade ou etnia, o tráfico de pessoas para o comercio sexual é um crime lesa humanidade, que fere uma gama de direitos humanos e que precisa ser urgentemente prevenido e combatido pelos Estados. No entanto, em razão da situação de vulnerabilidade do sexo feminino, faz-se necessário que haja uma proteção especial para essas pessoas, com políticas públicas de prevenção e de assistência às vítimas traficadas.


Fonte: OIT, 2005, p. 26.

No meu entendimento essas meninas e mulheres são duplamente penalizadas, primeiramente pelo seu Estado de origem que foi negligente e não ofereceu serviços essenciais a essas pessoas, e, posteriormente, nas mãos dos traficantes que se utilizam de várias práticas que violam os seus direitos humanos. Entretanto, existe ainda a possibilidade de haver uma terceira penalização por parte do Estado de destino, tendo em vista que muitas vezes a vítima também é vista como criminosa.

Conforme Dodge:

O certo é que as vítimas do tráfico de pessoas, em sua maioria, já são alvos de graves lesões e direitos fundamentais nos países de origem. Em razão de exclusão social, guerras e conflitos armados, entre outros fatores que motivam a migração, elas ficam em posição de vulnerabilidade que viabiliza a fácil atuação das redes criminosas.

Geralmente, as pessoas que aceitam as propostas formuladas pelas redes de tráfico, sob a promessa de uma vida livre e melhor, normalmente têm o estado de vulnerabilidade agravado, muitas vezes por serem vítimas de intensa discriminação nos países de origem, que não oferecem condições dignas de vida. Esse é o quadro que pode ser pintado de um dos lados a rota do tráfico: direitos fundamentais comprometidos na origem, propiciando a atuação das redes criminosas (DODGE, 2014. p.53).

Observa-se também que as políticas de imigração dos países desenvolvidos são extremamente xenofóbicas. Para Damásio de Jesus (2003), os imigrantes ilegais ainda são marginalizados, sendo mal vistos pelas autoridades, e, muitas vezes, tratados como se criminosos fossem. O autor enfatiza que a negligência dos Estados para com as pessoas contrabandeadas21 é um dos fatores que impede o avanço do combate ao Trafico Humano.

Giza-se que a Rede de Tráfico Internacional de Mulheres age por meio de organizações criminosas muito bem articuladas22, e que, normalmente também têm envolvimento com o Tráfico de Drogas e de Armas. Para camuflar as suas atividades ilícitas, é comum que haja a conexão com empresas tais como boates, motéis, agências de modelo, de turismo e de casamento, produtoras de vídeos pornográficos entre outros.

Portanto, o crime organizado conta com uma estrutura empresarial, com posições estrategicamente definidas para que a rede de tráfico obtenha sucesso em suas operações, sem a interferência estatal ou desconfiança de civis. Segundo a OIT (2005, p. 54 e 55), existem 10 papeis fundamentais dentro desse tipo de estrutura criminosa: ‘’Investidores, Aliciadores, Transportadores, Servidores Públicos Corruptos, Informantes, Guias, Seguranças, Cobradores, Lavadores de Dinheiro, Especialistas e Pessoal de Apoio.’’

Para fins didáticos, a OIT (2005) divide a estrutura do Tráfico de Mulheres em três etapas: O Recrutamento, O Transporte e a Exploração. O autor ainda ressalta que, quando uma organização criminosa alcança patamar internacional, é porque conta com uma estrutura profissional, tendo influência em vários países, tendo uma atuação muito organizada e sofisticada, com papéis bem definidos dentro da organização.


Fonte: OIT, 2005, p. 54 e 55.

De forma sintetizada, a OIT (2005), em sua obra sobre Tráfico de Mulheres, explica que a primeira fase é marcada pelo recrutamento, fase em que a organização criminosa conta com a participação dos aliciadores que tem a função de ludibriar as vítimas, normalmente com falsas promessas de trabalho. Algumas vítimas são, literalmente, sequestradas, já outras, embarcam conscientes de que iram prostituir-se no exterior, todavia, desconhecem que serão submetidas a uma espécie de servidão por dívida.

Na etapa do Transporte, por sua vez, a OIT (2005) retrata que pode envolver qualquer espécie de deslocamento, via marítima, a pé, ou de até mesmo de avião, tudo depende das condições geográficas. As vítimas cruzam fronteiras tanto de maneira ilegal como de maneira legal, sendo praxe a retenção ou falsificação de documentos por parte da organização criminosa.

Já a etapa de exploração, conforme a OIT (2005), está intimamente ligada ao mercado do sexo, as vítimas podem ser submetidas a todo e qualquer tipo de exploração sexual, normalmente com longas jornadas de trabalho, sendo submetidas a relações sexuais com inúmeros clientes por dia (normalmente sem nenhum tipo de preservativo ou método anticoncepcional), a fim de saldar sua dívida com o traficante. Essas mulheres podem ser obrigadas a prostituírem em locais como bordeis, hotéis, motéis, saunas, dancings ou até mesmo nas ruas.

Nesse sentido, Dodge (2014) descreve perfeitamente a etapa de recrutamento dentro do Tráfico Humano: ‘’(...) Chegando aos países de destino, dá-se início à exploração. Ainda que tenha sido informada que iria trabalhar em determinada atividade ou mesmo ceder órgãos, não conhecia efetivamente as péssimas condições em que iria viver’’ (DODGE, 2014, p. 53).

Acerca do Tráfico Internacional de Mulheres no Brasil, sabe-se que, inicialmente, em razão da colonização lusitana, o nosso país era destino do tráfico de mulheres brancas. O eurocentrismo e a moral católica temiam a miscigenação que estava ocorrendo no Brasil, através de relações sexuais de cristãos novos com as índias, sendo assim, era praxe o envio de meninas órfãs para o continente, a fim de que lhe tomassem matrimônio23.

Não obstante, Damásio (2003), aponta que o fluxo de Tráfico de Pessoas foi alterado no Brasil: deixamos de ser um país de destino para ser fornecedor de mulheres e crianças para o crime organizado. Sabe-se que o número de brasileiras em situação de prostituição na Europa é alarmante, essas mulheres são traficadas para países como Espanha, Portugal, Alemanha, Suíça e Inglaterra. Também há relatos de tráfico de mulheres para países como Israel, Japão, Estados Unidos e para os países vizinhos como o Paraguai e o Suriname.

No âmbito interno, Damásio (2003) ainda observa que os estados que mais ‘’exportam’’ mulheres para o exterior são Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo. O autor aponta um dado assustador: o Brasil contribuí com nada menos do que com 15% (quinze por cento) do movimento de tráfico mundial de pessoas, e destas, 95% (noventa e oito por cento) estão com os passaportes retidos.

Diante todo o exposto, percebe-se que há uma incidência maior de meninas e mulheres traficadas, em razão de sua maior suscetibilidade ao aliciamento. Verifica-se, ainda que as mulheres pobres, bem como as afrodescendentes estão em uma situação de vulnerabilidade ainda maior.

Isto posto, faz-se necessário o investimento de políticas públicas voltadas a esses grupos mais vulneráveis, a fim de prevenir a incidência do Tráfico de Pessoas, tendo em vista, que normalmente são fatores como a pobreza, o estigma, preconceito e a falta de emprego formal que levam essas mulheres a migrar.

Outrossim, tendo em vista o caráter transnacional do crime organizado, é preciso que sejam postos em prática mecanismos de cooperação entre os Estados, para que haja, assim um esforço global no enfrentamento ao Tráfico Humano. Nessa esteira, o próximo subitem irá apontar na cooperação jurídica internacional uma possível solução para o enfrentamento desse crime tão complexo e multifacetado.

4.4. DOS CAMINHOS PERCORRIDOS ATÉ A ELABORAÇÃO DE POSSÍVEIS SOLUÇÕES: A COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL

Apesar de ainda haverem grandes desafios para o enfrentamento do Tráfico Internacional de Mulheres, entendo que o Protocolo Adicional à Palermo, ratificado pelo Decreto 5017/04, trouxe grandes avanços e possibilitou um novo olhar sob à vítima. É notável que o mencionado Protocolo dá uma atenção em especial às pessoas vitimadas por essas organizações criminosas, com uma especial atenção aos grupos mais suscetíveis ao aliciamento.

Diante da situação de vulnerabilidade dessas mulheres e meninas traficadas, Dodge (2014) salienta acerca da necessária de assegurar às vítimas medidas protetivas, tais como a proteção da identidade e da privacidade das vítimas, havendo sigilo de dados que identifique a mulher traficada, para que sua privacidade, bem como sua segurança sejam garantidas, a fim de tolher represálias ou ameaças dos criminosos.

Essas medidas protetivas estão elencadas no artigo 6º do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e crianças. Outrossim, a mulher vitimada tem direito a uma indenização em razão dos danos sofridos, conforme o disposto no ponto 6, do art. 6º do Protocolo Adicional. Sendo assim, a autora sugere que uma possível solução é a criação de um fundo destinado às vítimas, e assim assisti-las economicamente.

Além da reparação econômica, de acordo com o ponto 3 do artigo 6º do referido Protocolo, faz-se necessário que sejam asseguradas a esses indivíduos toda a assistência médica, psicológica, jurídica, ferramentas de oportunidade de emprego e educação, bem como alojamento adequado para a vítima.

Ademais, frisa-se que a dignidade da pessoa humana deve ser sempre respeitada, não se admitindo a culpabilização da vítima por parte das instituições e de seus governos. A pessoa vítima de tráfico de pessoas não deve e não pode ser tratada como imigrante ilegal ou como um criminoso, e merece todo o respeito e sensibilidade por parte das autoridades estrangeiras.

Além da assistência à vítima, giza-se que é essencial que haja uma preocupação dos Estados Nações para com a Prevenção e com o Combate do Comércio Humano.

Conforme o art. 9 do Protocolo Adicional, as medidas de proteção da vítima englobam investimentos dos Estados com pesquisas, campanhas de informação e de difusão através dos órgãos de comunicação, além de outras inciativas socioeconômicas. Para alcançar esses resultados, os países podem utilizar-se de auxílio de organizações não governamentais, bem como de mecanismos de cooperação internacional. Ademais, deverão ser tomadas medidas para diminuir a pobreza e desestimular o tráfico de pessoas.

Por seu turno, o Artigo 10º disciplina sobre o Intercâmbio de informações e formação, prevendo a cooperação dos serviços de imigrações dos Estados Partes, mediante a troca de informações sobre as vítimas e autores do crime de tráfico de pessoas, documentos utilizados, bem como acerca dos meios e métodos utilizados por essas organizações criminosas. Ademais, o artigo 10º prevê que os Estados Partes deverão assegurar ou reforçar a formação dos serviços competentes para a aplicação de lei, dos serviços de imigração ou outros serviços competentes na prevenção do tráfico de pessoas.

Merece especial destaque a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional: Trata-se de um instrumento jurídico criado para combater as associações criminosas internacionais, que prevê diversas medidas de cooperação entre os Estados Partes, a fim de que haja auxílio mútuo entre eles na persecução penal dos crimes transnacionais.

Observa-se que no texto legal a palavra ‘’cooperação’’24 é mencionada nada menos do que 36 vezes. Nessa toada, percebe-se que a cooperação jurídica internacional é a palavra chave para o enfrentamento ao crime organizado.

Nas palavras de Baltazar Júnior e Lima:

(…) Fechar-se à cooperação é transformar seu país em refúgio para criminosos, com a força corruptora e disruptiva, e arriscar-se a encontrar portas fechadas para os requerimentos formulados alhures, já que a política predominante nesse âmbito é a da reciprocidade (BALTAZAR JÚNIOR; LIMA, 2010. p. 16).

Num mundo em que a criminalidade é transnacional, é preciso que os Estados recriem o modo de atuação das autoridades locais, passando a pensar globalmente. A mesma tecnologia que facilitou a atividade criminosa pode e deve ser utilizada para o combate as organizações criminosas. O Artigo 18 da Convenção de Palermo dispõe acerca da assistência judiciária recíproca, prevendo que os Estados Signatários devem auxiliar-se mutuamente, prestando reciprocamente toda assistência jurídica possível, tanto na investigação, nos processos como em outros atos judiciais. O item 3 do referido artigo, prevê que a cooperação jurídica pode solicitada para os seguintes efeitos:

  • Recolher testemunhos ou depoimentos;

  • Notificar atos judiciais;

  • Efetuar buscas, apreensões e embargos;

  • Examinar objetos e locais;

  • Fornecer informações, elementos de prova e pareceres de peritos;

  • Fornecer originais ou cópias certificadas de documentos e processos pertinentes, incluindo documentos administrativos, bancários, financeiros ou comerciais e documentos de empresas;

  • Identificar ou localizar os produtos do crime, bens, instrumentos ou outros elementos para fins probatórios;

  • Facilitar o comparecimento voluntário de pessoas no Estado Parte requerente;

  • Prestar qualquer outro tipo de assistência compatível com o direito interno do Estado Parte requerido.

Por sua vez, o item 5 do referido artigo obsta que os Estados se neguem a cooperar sob a justificativa de que o crime envolveria questões fiscais. Ademais, o item 8 do artigo 18 da Convenção também proíbe que os Estados invoquem a recusa da cooperação jurídica com base no sigilo bancário.

Em contrapartida, o item 10 permite que os Estados invoquem a ausência de dupla criminalização para se abster de cooperar com o Estado requerente. Baltazar Júnior e Lima (2010) observam que já há entendimento do STF de que não é necessário que haja uma absoluta identidade entre o crime pelo qual se requer a extradição com o fato típico legislado no País requerido.

Nessa esteira, o item 13 prevê a criação de uma autoridade central que terá a responsabilidade e o poder de receber pedidos de cooperação jurídica, executar ou mesmo transmitir às autoridades competentes para execução. Sendo facultado ao Estado Parte que tiver uma cooperação jurídica distinta para uma região ou território designar uma autoridade central distinta.

Igualmente, cabe às autoridades centrais assegurar a execução ou a transmissão rápida e em boa e devida forma dos pedidos recebidos, bem como notificar o Secretário Geral da Organização das Nações Unidas no momento em que os instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão à referida Convenção e transmitir os pedidos de cooperação judiciária e qualquer comunicação com eles relacionada às autoridades centrais designadas pelos Estados Partes. Todavia, também é facultado que os pedidos e comunicações sejam remetidos por via diplomática, ou, em caso de urgência, por intermédio da Organização Internacional da Polícia Criminal.

Conforme Dogde (2014, p. 91) ‘’a autoridade central é um órgão facilitador da cooperação designado por cada Estado Parte de um tratado, sendo comum a existência de mais de um órgão nacional detentor dessa atribuição, a depender da matéria, penal ou civil’’. Trata-se de uma autoridade de correspondência dos Estados, a fim de facilitar os pedidos de cooperação, uma vez que cada Estado organiza-se de forma peculiar.

Em vista disso, o Brasil possui duas autoridades centrais: O Ministério da Justiça, que é em praxe a autoridade central na maioria dos tratados, e o Ministério Público Federal que atua unicamente nos tratados de cooperação com o Canadá e Portugal.

O item 14 prevê que os pedidos deverão ser requeridos por escritos, ou por qualquer outro meio capaz de produzir registro escrito, em língua aceita pelo Estado Parte requerido.

Já o ponto 15 disciplina sobre as informações que deverão estar contidas no pedido de assistência judiciária, sendo elas:

  • A designação da autoridade que emite o pedido;

  • O objeto e a natureza da investigação, dos processos ou dos outros atos judiciais a que se refere o pedido, bem como o nome e as funções da autoridade que os tenha a cargo;

  • Um resumo dos fatos relevantes, salvo no caso dos pedidos efetuados para efeitos de notificação de atos judiciais;

  • Uma descrição da assistência pretendida e pormenores de qualquer procedimento específico que o Estado Parte requerente deseje ver aplicado;

  • Caso seja possível, a identidade, endereço e nacionalidade de qualquer pessoa visada;

  • O fim para o qual são pedidos os elementos, informações ou medidas.

Outro instrumento importante elencado no art. 18 é a videoconferência, o ponto 18 prevê que, quando for possível, e compatível com os princípios fundamentais do direito interno, um Estado Parte poderá, a pedido de outro, ouvir testemunha ou perito pelas autoridades judiciais de outro Estado Parte, quando não for possível ou desejável que a pessoas compareça no Estado requerente. O ponto 18 também possibilita que os Estados entrem em acordo sobre a assistência de uma autoridade judicial do Estado requerente na audição.

Conforme Dodge (2014), a videoconferência é uma ferramenta que oferece o barateamento dos custos de reuniões das autoridades, viabiliza a coleta probatória e que propicia celeridade à persecução penal. A autora aponta que a tomada de depoimentos no exterior, seja por parte do Ministério Público, seja por parte das autoridades Policiais, demandam uma dessas opções:

  • O deslocamento para o estrangeiro, o que significa custas de transporte aéreo e diárias.

  • A transferência voluntária da pessoa para prestar depoimento em território nacional;

  • A remessa de uma Carta Rogatória, o que demanda tempo e burocracia;

  • O tele depoimento ou a videoconferência.

De todas as opções apontadas, verifica-se que o tele depoimento e a videoconferência são as opções mais viáveis, eficientes e econômicas. Além disso, para a autora, a videoconferência fortalece vários princípios do processo penal brasileiro, como o do juiz natural, do promotor natural, da oralidade, da imediatidade, da identidade física do juiz, do contraditório e da celeridade.

Dodge (2014) ainda observa que a nossa legislação interna já disciplina sobre a o tele interrogatório e a videoconferência no art. 227 da Lei 11.690/08, e a Lei 11.900/09 incluiu o § 3º do art. 222-A do CPP, possibilitando a oitiva de testemunha por meio de videoconferência ou de outros recursos tecnológicos de transmissão de sons e imagens em tempo real.

Além do mais, a nossa Carta Magna, em seu artigo 4ª, inciso IX, estabelece a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade como sendo um dos princípios regentes da República Federativa do Brasil nas suas relações internacionais. Assim sendo, entendo que a cooperação jurídica está em perfeita compatibilidade com a nossa legislação interna, tendo em vista que possui até mesmo expressa previsão constitucional.

Outrossim, o NCPC traz uma inovação ao nosso ordenamento jurídico: Um capítulo próprio disciplinando acerca da cooperação jurídica internacional.

Além de que, na minha percepção, a videoconferência é uma ferramenta de fundamental importância no âmbito da cooperação internacional, que pode e deve ser utilizadas pelas autoridades competentes. Se a o crime organizado aperfeiçoou suas técnicas por meio da tecnologia, o mesmo deve ser feito pelas autoridades competentes, a fim de combatê-lo.

Por sua vez, o item 21 elenca em quais situações a cooperação judiciária poderá ser recusada pelo Estado requerido, todavia, o item 23 ressalta que toda e qualquer recusa deve ser fundamentada. Nessa toada, Baltazar Júnior e Flores, apontam que tanto as extradições, como a cooperação em matéria penal, podem ser denegadas quando houver riscos aos direitos fundamentais do acusado ou investigado. Quanto a essa questão, já há jurisprudência da Suprema Corte reforçando esse entendimento25.

Enfim, o ponto 30 faculta aos Estados celebrarem acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais, a fim de reforçar ou dar maior eficácia à Cooperação Jurídica Internacional.

Isto posto, observar-se que a cooperação jurídica internacional é um instrumento eficaz para o combate ao crime organizado, tendo, inclusive, sido apontada como meio de auxílio entre os Estados Partes na Convenção de Palermo. Não obstante, ressalto que a cooperação jurídica, por si só, não dará conta de vencer a problemática do Tráfico de Pessoas.

Giza-se que para a resolução de um problema tão complexo como o Tráfico de Mulheres para fins de exploração sexual é necessário que haja, dentro do âmbito político interno dos países, políticas públicas de prevenção, focadas nos grupos mais vulneráveis. Ademais, tendo em vista as sequelas das vítimas deste crime, é preciso que haja políticas de assistência a essas mulheres.

Nessa toada, deve haver uma soma de esforços dos Estados para prevenir e combater o crime organizado, tanto no âmbito interno como transnacional, bem como políticas assistenciais para auxiliar as vítimas. No tocante ao enfrentamento ao crime organizado, enxergo na cooperação jurídica a alternativa mais inteligente para a resolução dessa questão, mas, sem deixar de mencionar suas dificuldades, desafios e possibilidades de efetivação. Somente com uma visão global será possível combater as organizações criminosas transnacionais.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da complexidade da temática que envolve o trafico internacional de pessoas, buscou-se através desta monografia, realizar uma análise verificando quais os fatores circunstanciais que impulsionam o aumento do número de mulheres aliciadas pelo tráfico internacional de pessoas com fins sexuais no estágio particular da conjuntura global. Isto posto, os objetivos específicos fixados nesse trabalho consistiram-se em: verificar se a questão de gênero predomina no perfil das vítimas de tráfico internacional para fins de exploração sexual; analisar dados acerca dos perfis das vítimas do crime de tráfico; examinar o crime de Tráfico Internacional de Pessoas para fins de exploração sob a ótica dos Tratados Internacionais; e demonstrar que o Tráfico Internacional de Pessoas para fins de exploração sexual transgride Tratados Internacionais, bem como a diversos princípios constitucionais.

Para isso, o trabalho foi desenvolvido em cima das seguintes hipóteses: a) O gênero feminino, historicamente oprimido pela sociedade patriarcal, bem como pela questão histórico-cultural da prostituição feminina, tornam o sexo feminino mais vulnerável ao aliciamento de traficantes. Sendo assim, as mulheres são as principais vítimas do tráfico internacional para fins de exploração sexual. b) Os fatores socioambientais, tais como a situação financeira, estruturação familiar precária, baixa escolaridade e má remuneração de (sub) empregos com jornadas exaustivas de trabalho são fatores predominantes que fazem estas mulheres serem seduzidas por propostas fantasiosas de empregos no exterior. c) As mulheres traficadas acabam sendo duplamente vítimas, pois, além da exploração sexual a que são submetidas, quando conseguem se libertar dos traficantes, são tratadas com descaso pelas autoridades do país receptor.

Desta forma o primeiro capítulo analisou o processo globalizatório sob a ótica do geografo Milton Santos. Diante da tipologia proposta pelo referido autor, constata-se que a globalização, guiada pela lógica neoliberalista, apresenta-se como fábula, vendendo sonhos irreais aos cidadãos globais. Aufere-se que o processo de globalização acentuou as desigualdades sociais existentes, contribuindo, assim, para o desemprego estrutural e outros males contemporâneos como o crime analisado.

A este respeito, o primeiro capítulo também se propõe a analisar as consequências da perversidade da globalização e a sua correlação para com o aumento da criminalidade organizada. Percebe-se que o crescimento globalizado, a rapidez com que tudo ocorre, as facilidades às tecnologias encontradas na atual conjuntura favoreceram, sim, a transnacionalidade das organizações criminosas; tendo em vista que a globalização viabiliza o intercambio de mercadorias e de transações financeiras.

Assim sendo, foi constado, através do primeiro capítulo, que a globalização contribui significativamente para a expansão do tráfico de pessoas, pois, além de oferecer a sua face perversa, impulsionando o crime organizado, vende uma fabulação de um mundo inexistente, onde inexistem fronteiras. Essa ideia, falsamente propagada, somada aos pull factors das vítimas do tráfico, fomentando o desejo de migrar para outro país, e, por consequência, elas acabam sendo presas fáceis na mão de aliciadores.

O segundo capítulo dessa monografia, por sua vez, adentra o mérito do Tráfico Internacional de Mulheres. Primeiramente, esse capítulo se propõe a fazer uma análise histórica dos Tratados Internacionais acerca dos Direitos Humanos, em especial aqueles relacionados à proibição do Tráfico de Pessoas. Diante do estudo dos Tratados, foi constatado que o Tráfico de Mulheres é um problema de longa data, já existindo, há décadas, a preocupação no plano universal de erradicar o Tráfico de Pessoas.

Conjuntamente, é trabalhado nesse capítulo conceitos acerca do Tráfico de Pessoas, nele é conceituada a diferença entre migrantes e vítimas do tráfico de pessoas. Ademais, outras propostas do referido capítulo foram: o esclarecimento de conceitos acerca da exploração sexual, e a verificação dos fatores circunstanciais que impulsionam o tráfico internacional de mulheres. Á vista disso, no segundo capítulo foram confirmadas as hipóteses A e B, tendo em vista que tanto a doutrina como os dados coletados do Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (2005) atestam que fatores como gênero e segmento social favorecem o aliciamento das vítimas. Constata-se que as mulheres compõem 98% das pessoas traficadas para fins de exploração sexual (2005), sendo as mulheres pobres as mais vulneráveis.

Quanto à hipótese C, foi observado que ela não pode ser confirmada, tampouco descartada, tendo em vista que os dados coletados foram insuficientes para responder a questão. Autores como Damásio de Jesus (2003) afirmam que as vítimas de tráfico realmente são tratados com descaso pelas autoridades, todavia não encontrei dados acerca disso.

Observa-se que o Protocolo Adicional de Palermo prevê que os Estados devem acolher à vítimas, dando todo o suporte necessário. Todavia, acredito que para constar que as autoridades tratam as vítimas com descaso, ou não, seria necessário um trabalho de campo.

Por fim, mas não menos importante, aponta-se no segundo capítulo a cooperação jurídica internacional como uma possível solução para o enfrentamento do Tráfico de mulheres; bem como, a aplicabilidade das medidas protetivas previstas no Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças.

Diante todo o exposto, ressalta-se que um assunto tão delicado como o Tráfico de meninas e mulheres para fins de exploração sexual, exige uma esforço de diversos setores da sociedade global. É necessário a somatória de políticas públicas internas, a fim de proteger os grupos mais vulneráveis, bem como uma união de todos os Estados Nações para o combate ao crime organizado. Isto posto, enxergamos na cooperação jurídica internacional uma possível solução para o combate ao Tráfico de Pessoas.

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VIEIRA, Miriam Sttefan. Categorias jurídicas e violência sexual: uma negociação com múltiplos atores. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2011. 180 p.

1 “De qualquer modo, o termo neoliberalismo leva a vários significados: 1. Uma corrente de pensamento e uma ideologia, isto é, uma forma de ver e julgar o mundo social; 2. Um movimento intelectual organizado, que realiza reuniões, conferências e congressos, edita publicações, cria thinktanks, isto é, centros de geração de idéias e programas, de difusão e promoção de eventos; 3. Um conjunto de políticas adotadas pelos governos neoconservadores, sobretudo a partir da segunda metade dos anos 70, e propagadas pelo mundo a partir das organizações multilaterais criadas pelo acordo de Bretton Woods (1945), isto é, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI)‘’ (MORAES, 2001, p.3).

2 Nucci (2013), em sua obra, critica a Lei por prever a necessidade da associação de quatro ou mais pessoas, entendendo que é desnecessária a existência de quatro integrantes para a formação do crime organizado. Para sustentar a sua posição, cita a Lei de Drogas (11.343/06), que prevê em seu art. 35 a associação de duas ou mais pessoas para praticar reiteradamente ou não, os crimes previstos nos artigos 33 e 34.

3 Claro que, antes de Palermo, já existiam esforços internacionais para o combate dessa prática, inúmeros foram os tratados e convenções, tais como a Convenção de Viena de 1988 e a Convenção de Estrasburgo de 1990. Não obstante, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional é a mais significativa, tendo em vista que é nela que estão as diretrizes básicas de combate ao crime organizado no plano internacional.

4 O crime organizado tem se diversificado, se tornou global e atingiu proporções macro-econômicas: mercadorias ilícitas são provenientes de um continente, traficadas através de outra, e comercializado em um terceiro. Máfias são hoje um problema verdadeiramente transnacional: uma ameaça à segurança, especialmente em países pobres e conflituosos.O Crime está alimentando a corrupção, infiltrando negócios, políticas, e impedindo o desenvolvimento. E está a contaminar a governança, empoderando os fora da lei: os cartéis de drogas estão espalhando a violência na América Central, do Caribe e da África Ocidental; A união de grupos insurgentes e criminosos (na África Central, o Sahel e do Sudeste Asiático) tem sido o combustível do terrorismo e saques de recursos naturais; O contrabando de migrantes e a escravidão moderna se espalharam na Europa Oriental, tanto quanto o Sudeste Asiático e na América Latina; muitas autoridades centros urbanos perderam o controle de quadrilhas organizadas; o cibercrime ameaça infraestruturas vitais e segurança do Estado, rouba identidades e comete a fraude; os piratas dos países mais pobres do mundo (Corno de África) detêm a navios de resgate das nações mais ricas; produtos falsificados se propagam no comércio lícito e põem em perigo vidas; a lavagem de dinheiro em jurisdições desonestas e setores econômicos descontrolados corrompem o setor bancário, em todo o mundo.

5 Conforme o Jornal O Globo, o Estado Islâmico queimou 19 meninas vivas em praça pública, pois as mesmas se recusaram a serem escravas sexuais. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/mundo/estado-islamico-queima-19-meninas-yazidi-ate-morte-em-praca-publica-19449783>. Acesso em 12 de junho de 2016.

6 Artigo 1: Quem, a fim de satisfazer as paixões de uma outrem, tenha alcovitado, atraído, ou levado, mesmo com o seu consentimento, uma mulher ou uma menina menor de idade, para fins imorais, será punido, não obstante os vários atos que constituem o crime pode foram cometidos em diferentes países. Artigo 2: Quem, a fim de satisfazer as paixões de uma outrem, tenha, por meio de fraude, ou por meio de violência, ameaças, abuso de autoridade, ou qualquer outro método de coação, alcovitado, atraído, ou levado uma mulher ou menina sobre idade, para fins imorais, também deve ser punido, apesar de os vários atos que constituem o crime pode ter sido cometido em diferentes países.

7 Conforme o art. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, promulgada na nossa legislação através do decreto 7.030/09, entende-se como sendo norma jus cogens aquela de Norma Imperativa de Direito, aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, só podendo ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional Geral da mesma natureza. Isto posto, quando houver conflito de tratado com uma norma jus conges, o tratado será nulo.

8 Frisa-se que o trabalho forçado ou obrigatório, para os fins da convenção não engloba o serviço militar obrigatório, obrigações cívicas, trabalho e serviços exigidos em uma condenação judicial, trabalho e serviços exigidos em caso de força maior, bem como pequeno trabalho de uma comunidade.

9 Observa-se ainda que o art. 243 da nossa Carta Magna prevê a desapropriação da propriedade daquele que explorar trabalho escravo.

10 Para o dicionário Michaeles, a palavra escravidão é sinônima de escravatura, servidão, cativeiro.

11 Para Damásio (2003), a pornografia infantil consiste-se em ser a representação da nudez e do sexo humano, através de instrumentos como fotografias, filmes, textos, desenhos, etc., que tem por objetivo o estimulo da libido sexual. A indústria pornográfica é altamente rentável e tem se difundido muito em razão do advento da Internet. Observa-se que, no entanto, a pornografia infantil não é sinônima de pedofilia, apesar de, normalmente, estarem associadas: Conforme os psiquiatras Nicolau e Rocha, a pedofilia é um transtorno psiquiátrico (CID F65.4 – 302.2), do tipo parafilia. Ressalto que não existe uma tipificação penal no nosso Código Penal, podendo, inclusive o pedófilo nunca incorrer em nenhum crime, todavia, a divulgação de pornografia infantil é tipificada. Isto posto, a Lei 11.829/2008 alterou o teor dos artigos. 240 e 241. Do Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de se adequar a era digital e criminalizar quem incorra nos verbos tipificados. Ademais, o Protocolo Opcional à Convenção sobre Venda de Crianças, Prostituição e Pornografias Infantis, de 1999, dispõe em seu artigo 2º, letra c: ‘’ significa a reprodução, por qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança envolvida em atividades sexuais explícitas reais ou simuladas, ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins primordialmente sexuais. Nessa toada,

12 Conforme Miranda (2009) o Turismo Sexual pode ser uma porta de entrada para o Tráfico de Pessoas. Além do mais, é sabido da existência de agências de turismo especializadas nessa prática, utilizando-se, inclusive, de adolescentes e crianças.Damásio de Jesus (2003, pg. 158) intitula essa prática de ‘’pornoturismo’’ e destaca que essas agências não promovem pontos turísticos ou belezas naturais, mas sim a erotização da mulher brasileira, uma vez eu os estrangeiros são atraídos pela oferta de sexo fácil e barato. Para a prática desse pseudoturismo, existem falsas agências de modelos especializadas em aliciar adolescentes. Em algumas cidades do nordeste, inclusive, foram criadas modalidades de prostituição náutica, a fim de saciar as fantasias desses turistas, tratam-se de verdadeiros prostíbulos náuticos. Ressalta-se que essa rede de turismo sexual é extremamente articulada, pois conta com a participação de motoristas de táxis, donos de boates, hotéis e motéis.

13 O Professor Damásio de Jesus, em sua obra Tráfico Internacional de Mulheres, entende que os interesses jurídicos tutelados no Tráfico de Pessoas, é primeiramente, a proteção dos ditos bons costumes e a honra sexual contra lenões internacionais. Sendo a sociedade o sujeito passivo do delito, e, indiretamente a vítima do tráfico, quando não tiver consentido a se submeter àquela situação. Observa-se que o entendimento do autor é ultrapassado, pois a Lei 12.015/09 que denomina os crimes sexuais como Crimes contra a Dignidade Sexual, e não mais contra os Costumes, como em 1940. Todavia, é compreensível a interpretação do professor, tendo em vista que a sua obra é de 2003.

14 "Exercício regular de direito. Marido que fere levemente a esposa, ao constrangê-la à prática de conjunção sexual normal. Recusa injusta da mesma, alegando cansaço. Absolvição mantida. (...)" (RT 461/44 apud MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 1246).

15Conforme a OIT (2005), é de praxe que os proxenetas utilizem artifícios para intimidar a vítima, através de ameaças – inclusive contra seus familiares. Ademais as vítimas sofrem negligência, confinamento e várias espécies de violência. As conseqüências psicológicas são muitos graves, tendo em vista que essas mulheres tendem a desenvolver sintomas da Síndrome Pós-traumática (CID F07.2), Depressão e tendências suicidas (CID F32), e dificuldades de interagir socialmente e formar relações de afeto. A Síndrome Pós- Traumática consiste num distúrbio de ansiedade causado por situação traumática, em razão disso as vítimas podem sofrer com dissociações, fragmentações de memória, reexperiência traumática com flashbacks das violências sofridas, despersonificação da experiência, fuga e até mesmo apatia. Outrossim, também há a presença da Síndrome de Estocolmo, que trata-se de uma identificação com o agressor. Muitas vezes, em razão dessa síndrome, a vítima pode inclusive se negar a cooperar com investigações judiciais.

16 Dias (2005), também menciona que, em decorrência do confinamento, uso forçado de drogas e álcool, da privação de sono e de alimentação e de abortos forçados, é comum que as vítimas sejam infectadas por alguma espécie de DST, além de desenvolverem doenças no seu sistema reprodutor, problemas pulmonárias – em razão do tabagismo, da alimentação precária e da insalubridade. Frisa-

-se que o índice de portadoras de HIV é alarmante, o que compromete drasticamente a qualidade de vida e sistemas imunológicos dessas mulheres.

17 Em razão da sua condição de imigrante ilegal no país de destino, Dias (2005) relata que a pessoa clandestina está sujeita a deportação, ou mesmo a sua expulsão, quando o país prever a tipificação penal da prostituição (como ocorre em países como os Estados Unidos). Ademais, é comum que ocorra a gravidez indesejada das traficadas, bem como o afastamento forçado de seus filhos.

18 Tendo em vista a estigmatização da prostituição, Dias (2005) relata que é comum que haja a quebra de laços familiares, normalmente porque a vítima fica com vergonha da sua condição, ensejando o seu isolamento social.

19 Para Dias (2005), é corriqueiro que essas mulheres sofrerem danos patrimoniais, como a perda seus bens pessoas, bem como o de seus familiares. As vítimas de tráfico também geram um maior custo aos programas sociais.

20 Quando se fala em tráfico de mulheres é normal vir à mente a ideia de uma mulher cis, ou seja, uma a mulher que nasceu com o sexo feminino e identifica-se com o esse gênero. Todavia, apesar de serem escassas as publicações e obras sobre o assunto, o Tráfico de Mulheres Transexuais também é problemático. É recorrente que as mulheres transexuais, bem como as travestis, por estarem marginalizadas da sociedade, sofrendo com estigmas e a exclusão do seio familiar, tornem-se profissionais do sexo aqui no Brasil, e, dessa forma, aceitam com maior facilidade a proposta de aliciadores.

21 Reitera-se aqui que o contrabando de migrantes difere-se do tráfico humano. Nessa toada, Damásio (2003, p. 17) destaca que é necessário que as políticas de imigração não igualem a imigração ilegal com o tráfico de pessoas.

22 Segundo Dias (2005, p. 61), o Tráfico de Seres Humanos está ligado também à prática de outros crimes tais quais: Homicídios, estupros, atentado violento ao poder, lenocínio, torturas, seqüestro, seqüestro com cárcere privado, corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, falsificação, furtou ou roubo de documentos, sonegação fiscal, estelionato, violação aos direitos trabalhista, trabalho escravo ou forçado, redução a condição análoga à de escravo, lesões corporais e maus-tratos.

23 O Filme Desmundo, 2003, retrata bem esse cenário, narrando a estória da órfã portuguesa Oribela enviada ao Brasil, onde, contrariada, é obrigada a casar-se com um senhor do engenho de açúcar, muito mais velho que ela, e que a violenta reiteradamente. Apesar de ser ficção, retrata de forma realista o contexto das órfãs lusitanas, que eram enviadas para o Brasil para desposar com os colonos, numa tentativa de evitar a miscigenação dos europeus e índios. Normalmente, meninas com 12 anos, ou até menos, já eram obrigadas a casar com senhores de muito mais idade, o que representa um verdadeiro estupro de vulneráveis sentenciado pelo Brasil colônia.

24 Com o advento do novo Código de Processo Civil, através da Lei 13.105/2015, o estado brasileiro reconhece três formas de cooperação jurídica internacional: homologação sentença estrangeira, carta rogatória e o auxílio direto.

25 ‘’O Supremo Tribunal Federal não deve autorizar a extradição, se se demonstra que o ordenamento jurídico do Estado estrangeiro que a requer não se revela capaz de assegurar aos réus, em juízo criminal, os direitos básicos que resultam do postulado do due processo of law (RTJ 132/56-58), notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juízo natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante. Demonstração, no caso, de que o regime político que informa as instituições do Estado requerente reveste-se de caráter democrático, assegurador das liberdades públicas fundamentais” (Ext 953, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28-9-05, DJ de 11-11-05).


Publicado por: Natalli Rathe Ruedell

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