CRIMES DE ESTUPRO NOS CASOS DE AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA, CONFORME JURISPRUDÊNCIA

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1. RESUMO

O crime de estupro, de acordo com o Capitulo I da lei dos crimes sexuais em seu artigo 213, está entre o rol dos crimes mais repulsivos da sociedade e sobre este, permeia uma insegurança jurídica na qual deixa a vítima duplamente em uma situação de vulnerabilidade. A primeira situação é que a vítima será exposta a sociedade pelo fato do crime envolver a honra e a segunda é que os legisladores deixaram de mencionar este crime como o único crime do rol de crimes hediondos, que não consta como crime de ação penal pública incondicionada. A doutrina e a jurisprudência debatem sobre o tema e alguns autores divergem sobre situações envolvendo a classificação do que seja considerada violência real e a situação processual que deve ser da competência do Ministério Público. O fato é que o crime existe e cabe a sociedade argumentar juntamente com a justiça se a responsabilidade de um crime hediondo é de uma só pessoal ou de toda a sociedade.

Palavras-chave : crime de estupro, crimes sexuais, crime hediondo, ação penal pública incondicionada, jurisprudência.

ABSTRACT

The crime of rape, as Chapter I of the law of sexual offenses in its Article 213, in my opinion is among the list of the most gruesome crimes of society and this permeates legal uncertainty in which leaves the victim in a double vulnerable situation. The first situation is that the victim will be exposed to the society by the fact that the crime involved the honor and the second is that lawmakers failed to mention this crime as the only heinous crime, as a crime that is not included in the public criminal action. The scholar’s and jurisprudence debate about the case while some authors disagree about situations involving the classification of what is considered real violence and procedural situation that should be the responsibility of the prosecution. The fact is that crime exists and it is up to society to argue with justice if the responsibility of prosecute of a heinous crime is only a personal or belongs to the whole society.

Keywords : crime of rape, sexual crimes, heinous crime, public criminal action, jurisprudence.

2. INTRODUÇÃO

O presente trabalho surgiu de uma pesquisa a respeito das classes atingidas como também das conseqüências causadas às pessoas que foram vítimas do crime de estupro e que foram cometidos por desconhecidos com o emprego de violência. A referida abordagem resolveu questionar somente sobre os crimes de estupro que envolve o emprego de violência e que são cometidos por pessoas que não conheciam as vítimas ou não tinham aproximação anteriormente ao fato, pois o referido trabalho possui o intuito de não abordar relações de conhecimento ou de afetividade entre as vítimas, o que se constata que conforme pesquisas sobre o tema que isso pode dificultar nas decisões ou até nas investigações. O estudo se destina somente aos casos que não envolvem o estupro de vulnerável conforme tipifica o código penal brasileiro, mas sim os que são considerados como violentos cujo código atual considera a ação penal condicionada à representação privada, tornando a denúncia e o julgamento uma verdadeira via crucis que ocorre por conta da parte vulnerável ter que por iniciativa própria, oferecer a denúncia, constituir advogado, ou defensor público, no casos de hipossuficiência financeira, se submeter a exames e percorrer as instituições públicas se deparando com pessoas que muitas vezes não estão preparadas a lidar com esse tipo de vitima. A percepção maior do estudo mostra o dano causado às vítimas que não são levadas em contas pelos juristas bem como a ligação que a mente possui como o corpo onde é indiscutível separar um do outro ou dizer que um não faz parte do outro, com isso gerando um trauma que pode repercutir no corpo através de aspectos psicossomáticos, nas relações sociais e nas relações afetivas. A referida abordagem ressalta a interposição de barreiras inibindo a vítima de insurgir no seu direito, protegendo o criminoso, causando dificuldades na sua imputabilidade, criando óbice para que a vítima faça a denúncia e obtenha algum tipo de assistência, ignorando a agressão sofrida. Ademais o tema abordado pretende levantar aspectos que enfatiza a desigualdade social do assunto, ressalta os erros de aplicação da lei e demonstra o afronte aos princípios da dignidade humana.

3. O CRIME DE ESTUPRO NA PERSPECTIVA DO ARTIGO 213 DO CAPITULO I DA LEI

3.1. CRIME DE ESTUPRO

Em nosso país, os crimes sexuais sempre foram combatidos com extremo rigor. Nas Ordenações e leis de alguns outros países, como não é de forma diferente, esses delitos também são condenados com certo rigor, o fato é que a violência com o desígnio de satisfazer os prazeres sexuais nunca foi bem vista, mas ainda é possível encontrar este tipo de crime em todos os países do mundo e de forma genérica o fato está quase sempre relacionado contra a mulher e ao ato de penetração sexual, causando violência física e psicológica.

A lei penal de 1830 que cuidava dos crimes sexuais em seu Capítulo II, no qual versava sobre "Dos crimes contra a segurança da honra", tutelava a liberdade do corpo em função das relações sexuais, dividindo-os em forma de Secção, como por exemplo: Secção I: Estupro;Secção II: Rapto; Secção III: Calúnia e Injuria.

Mais tarde, no ano de 1890 a lei passou a repreender a violência que tinha como finalidade a satisfação sexual, conforme o código em seu Título VII, Capítulo I, como exemplo: "Da violência carnal".

Durante o passar dos anos, novos preceitos surgem para defender a liberdade sexual como conseqüência da "evolução social" do homem e do Ordenamento Jurídico, que cada vez mais delimita suas condutas, refletindo-se, igualmente, nas sansões cominadas.  Conforme argumentações, em referências às Cartas Penais supracitadas, o crime de estupro era punido inicialmente com a pena capital; posteriormente, foi sancionado com pena de prisão de 3 a 12 anos acrescido do pagamento de dote, seguido da prisão de 1 a 6 anos, e, atualmente, por reclusão de 6 a 10 anos.

Na conjectura atual, conforme a lei dos crimes contra a liberdade sexual ( LEI Nº 12.015, DE 7 DE AGOSTO DE 2009.), o crime de estupro que será abordado de acordo como foi relatado anteriormente, é punido com penas que podem variar de 6 a dez anos e se a conduta resultar em morte a pena aplicada será entre 12 e 30 anos.

3.2. BEM JURÍDICO

Por se tratar de um crime complexo, no crime de estupro, o bem jurídico se amplia conforme as conseqüências que possam atingir a vítima. A priori o bem jurídico pode ser a liberdade do individuo, no entanto dependendo do contexto que a prática do crime pode atacar, o referido delito pode atingir a dignidade do ser humano, a saúde, a integridade física, a moral sexual e até mesmo a vida.

Conforme afirma Muñoz Conde:

a liberdade sexual tem efetivamente autonomia própria e, embora os ataques violentos ou intimidatórios à mesma sejam igualmente ataques à liberdade que também poderiam ser punidos como tais, sua referência ao exercício da sexualidade dá a sua proteção penal conotações próprias”. Assim, a violência física ou moral empregada nos crimes de estupro e estupro de vulnerável, por exemplo, constitui, em si mesma, violação da liberdade individual, mas sua incidência direta e específica na liberdade sexual lhe dá autonomia delitiva, distinguindo-a de outras infrações genéricas, tais como constrangimento ilegal, ameaça, lesão corporal, entre outras, que são afastadas pelo princípio da especialidade. Na realidade, o conteúdo essencial desses crimes não se limita à transgressão da liberdade alheia, mas se concentra na violência ou intimidação com que tais crimes sexuais são praticados contra a vontade da vítima, caracterizando verdadeiros crimes complexos.( Muñoz Conde, 2004, p,114)

Diante da complexidade do crime de estupro a própria lei dividiu o referido crime em duas formas, uma das formas é considerada como crime de ação penal pública incondicionada que é o caso de estupro de menor ou vulnerável e a outra é o crime de ação penal condicionada à representação.

No primeiro caso a lei considera que pelo fato da vítima ser menor ou vulnerável a ação deve ser apurada pelo Ministério Público, pois o bem jurídico protegido atinge não só a vítima indefesa, mas também toda a sociedade, que de forma justa deve defender as vítimas fracas e indefesas atacadas pela barbárie do criminoso. È como se nesse caso fosse de encontro à moral de todas as famílias.

Já no segundo caso a ação penal é condicionada a representação, pois no caso em tela o bem jurídico protegido é o ente particular, cabendo a ele achar prudente seguir com a ação ou não. Nesse caso, conforme a ideologia dos legisladores a sociedade não se sente atingida, cabendo a cada vítima decidir se deve procurar a tutela jurídica ou não.

Vale ressaltar que no crime de estupro a vítima pode ter o seu direito de defesa cerceado com o uso de violência durante a prática do crime ou até mesmo após o fato para não denunciar o crime. Outro aspecto importante que deve ser destacado é que o crime pode desencadear uma série de conseqüências as vítimas, existem casos em que a mulher que é vítima de estupro, por exemplo, pode engravidar diante da consumação do crime, pode contrair alguma doença sexual e nos casos de mulheres casadas, estas podem sofrer rejeição pelo marido e a depender da situação e do grau de violência, os danos podem ser majorados ocasionando uma série de distúrbios psicológicos que afete a convivência social, pessoal, profissional e outras situações de afetividade e vergonha de se expor perante a sociedade ou a família.

Como exemplo disso pode ser citado de forma sucinta um dos problemas que afeta a mulher no psicológico que passa a repercutir no corpo e nas relações, como é o caso do vaginismo conforme relata o psicólogo Luiz B. Meira:

Vaginismo é a dificuldade que algumas mulheres apresentam por não conseguirem ser penetradas..(..).

Em verdade o impedimento para a penetração vaginal por tais mulheres, não é da vontade delas, ou seja não faz parte do desejo deliberado e consciente. As mulheres que apresentam algum grau de vaginismo possuem um bloqueio psicológico que não permite a penetração.

Esse problema sexual acarreta constrangimento e embaraços quando a mulher tenta exercer sua vida sexual, podendo inclusive acarretar sérios conflitos no casamento, chegando a separação, pois o fato da mulher não permitir a penetração e o homem não aceitar esta situação, faz com que o diálogo entre o casal dificulte sempre proporcionando desentendimentos.(Meira Luis B. 2013,p,47)

Em cada caso o crime em análise pode atingir um bem jurídico específico ou o conjunto de bens jurídicos de forma simultânea, pois bem, de acordo com o entendimento de alguns estudiosos a cerca do assunto o crime pode ser realizado com o que é considerado emprego de violência real, que é quando devido a agressão a vítima possui marcas da agressão. Neste caso o bem jurídico atingido passa a ser a integridade física da vítima, o que de acordo com jurisprudência dos tribunais superiores o crime ultrapassa da natureza jurídica de um crime somente sexual.

Trazendo um caso do nosso ordenamento jurídico, conforme situação avaliada pelo Supremo Tribunal Federal ( STF), ocorrida em 2007, onde em processo a defesa pediu, no writ, o trancamento da ação, considerando que não houve representação ofertada pela vítima. O crime ocorreu em abril de 2006 e a denúncia foi recebida em março de 2007; logo, teria ocorrido a decadência do direito de representação da vítima como diz o artigo 103 do Código Penal, tendo em vista, que o termo de representação e a declaração de pobreza da vítima só foram recebidos por ocasião do encerramento da instrução criminal.

Neste caso, o pedido de habeas corpus foi indeferido, pois o relator do processo, ministro Sebastião Reis Júnior, salientou da existência da jurisprudência do STF e do próprio entendimento do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) para fundamentar a decisão, se utilizando de uma ótica humanista, considerando que nas situações de estupro cometido com emprego de violência real, a ação penal é pública incondicionada.

Vale ressaltar ainda, que o posicionamento da jurisprudência foi lembrado porque, na data dos fatos, a lei previa que os crimes contra os costumes procediam-se mediante queixa, entretanto a nova lei prevê que os crimes contra a dignidade sexual se procedem mediante representação, conforme lei de 2009 (Lei 12.015/2009).

Diante do exposto percebemos uma evolução jurídica no sentido de proteger a vítima que se tratando de um crime hediondo e por deixar o ser humano vulnerável em vários aspectos, os juristas resolveram atuar de forma mais proativa no sentido de proteger o ser humano. No referido crime é cediço a necessidade de proteger a dignidade do ser humano, pois conforme o rol elencado nos crimes hediondos pelo sistema penal brasileiro, o crime de estupro no caso em análise é o único crime que deixa o espaço em um determinado caso para que a ação penal pública seja condicionada a representação da vítima.

Ocorre que diante das diversas situações que a vítima será submetida desde a ocorrência do crime até o julgamento e a decisão de trânsito em julgado, nada é mais justo do que poupar a vítima de outros constrangimentos e situações que causem embaraços na apuração do crime. O Estado na proteção da dignidade humana também deve ofertar assistência na recuperação da vítima e de seus familiares

3.3. SUJEITO ATIVO

Quando existe a ocorrência de um crime, o agente que exerceu aquela atividade ou auxiliou de alguma forma, o mesmo passa a ser o sujeito ativo por ação ou omissão do delito. A ação ocorre no momento que o criminoso através da ação comete o ato delituoso e a omissão se dá no momento que o individuo deixa de agir e o fato dessa conduta de omissão resultar ou auxiliar na ocorrência do crime.

A nova lei ampliou o sujeito ativo nos crimes de estupro o que representa um grande avanço no que diz respeito à nova concepção do sujeito ativo, mas vale salientar que o operador de direito ou a justiça recebeu essa mudança no sentido de facilitar o entendimento nos casos atípicos deixando livre qualquer polêmica quando também pode incluir a mulher como pessoa que pode cometer o crime de estupro. Essa referida mudança também ampliou o crime de estupro que antes só se dava quando havia a penetração pelo ato da conjunção carnal na mulher e não incluía os casos mais sujeitos a constrangimento ou atentado ao pudor. Atualmente todo e qualquer ato libidinoso contra o ser humano sem o consentimento do mesmo é considerado como crime de estupro.

É importante ressaltar que a referida abordagem não engloba os casos de pessoas que estabeleciam relacionamentos afetivos ou mantinham um conhecimento próximo entre criminoso e vítima, pois os casos do objeto desse estudo é apenas abordar as situações em que sem duvida o criminoso agiu com violência, desta forma evita-se que fatos subjetivos possam trazer a julgamento situações polêmicas a respeito de a ação ter sido consentida pela vítima ou não, o que muitas vezes causam embaraços às investigações e até mesmo no momento do magistrado proferir a sentença.

A lei engloba de forma genérica qualquer pessoa como possível sujeito ativo deste crime:

Art.213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

Conforme o referido artigo qualquer um pode cometer o crime de estupro como também mais de uma pessoa pode ser o sujeito ativo ou ainda quem não age diretamente, mas quem de forma indireta permite que o crime seja praticado, contudo a conduta do delito pode ter no mínimo a participação de um agente para que haja a consumação do crime, no entanto a lei não limita uma quantidade máxima de pessoas.

Cumpre ressaltar que existem os casos de inimputabilidade, pois no direito penal é importante relatar que a imputabilidade é a condição legal para a imposição da sanção penal àquele que praticou um fato típico e antijurídico. Ela existirá quando o autor do fato for capaz, entenda-se mentalmente capaz, de compreender a ilicitude do ato praticado ou se determinar de acordo com tal compreensão. Faltando ao autor a inteira capacidade de compreensão da ilicitude de sua conduta, por conta uma doença mental ou por um desenvolvimento mental incompleto ou retardado, a ele não poderá ser imposta sanção penal, sendo, então inimputável.

Como é cediço em alguns casos que envolvem inimputáveis, estes não devem ser considerados como sujeitos ativos. A lei elenca os casos dos inimputáveis em seu artigo 26 e 27:

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 

Redução de pena

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Pode se dizer que de forma extensiva o artigo 27 também prevê o menor de 18 anos como inimputável no crime de estupro:

Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

3.4. SUJEITO PASSIVO

Com relação a mudança da lei, o crime de estupro sofreu algumas alterações consideráveis em relação ao sujeito passivo do crime. Antes da entrada em vigor da lei nº 12.015/09, somente as mulheres eram consideradas vítimas desse crime, o que diante da antiga lei era difícil prever que uma mulher pudesse ser vítima de outra mulher da mesma forma que a lei também não previa que o homem pudesse ser vítima deste crime. A antiga redação do art. 213 do Código Penal estabelecia:

Art. 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:

Com a entrada em vigor da nova lei, a qual introduziu profundas inovações com relação aos crimes sexuais, o sujeito passivo agora não se restringe mais somente a mulher, de acordo com a mudança, qualquer pessoa poderá ser vítima de estupro.

Conforme nova redação dada ao art. 213 do Código Penal, o qual dispõe:

“Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”:

Desta forma o homem também pode ser vítima de estupro por parte da mulher como também por parte de outro homem. Neste caso é possível dizer que a lei foi bem além do que a evolução tradicional da sociedade pensa, pois geralmente os legisladores criam as leis e quando elas entram em prática o comportamento social já sofreu uma evolução mais forte do que a tradição, muitas vezes deixando a aplicação da lei como ultrapassada, mas no caso em tela o legislador acolheu as mais diversas hipóteses que pudessem vir a ocorrer.

O grande perigo dessa evolução é o fato de que antes o crime de constrangimento era considerando um crime de menor potencial e na sua prática a imagem do sujeito ativo não carregava um peso tão grande diante da sociedade, no entanto no momento atual esse fato abrange todo e qualquer ato libidinoso como estupro, fazendo com que de forma genérica o criminoso que cometeu um ato libidinoso que poderia ser considerado por alguns de forma superficial, quanto o que realiza diversos atos e atos mais agressivos, ambos carregarão o mesmo peso recebendo o mesmo tratamento que os estupradores da lei antiga recebem nos presídios. Isto significa que, antes um crime que era considerado como de menor potencial ofensivo agora pode ser considerado como um crime hediondo.

As penas sofrem variações:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2º Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.” (NR)

Ao contrário do que muitos pensam na sociedade, o homem também é vitima constante de estupro, pois diante de cada caso de estupro que o autor é o homem e a vítima é mulher, quando o acusado é preso por ter se utilizado de violência real contra a mulher, ele também sofrerá estupro dentro das unidades prisionais. O fato se torna uma regra nos presídios brasileiros. A conivência de agentes penitenciários e de policiais é notória nas diversas ocorrências.

Em algumas situações onde o crime não se torna público pela mídia social, há relatos de que os criminosos são obrigados a raspar uma das sobrancelhas o que o identificaria como estuprador dentro da unidade prisional. A ação é repetida com freqüência dentro dos presídios e o maior absurdo é que na grande parte dos casos o acusado está respondendo ao inquérito e não há indícios de sua condenação pelo crime, ou seja, além do absurdo de estar sendo cometido um crime na conivência de vários agentes, dentre eles, agentes que também respondem por crimes e agentes que deveriam proteger e evitar a incidência de novos crimes, não se sabe nem se essas pessoas que estão sendo acusadas realmente cometeram o fato delituoso.

São diversos os casos em que ocorre a morte dos acusados e alguns casos em que se comprova que o acusado não cometeu o crime.

Quando o acusado de estupro é preso e levado para o sistema prisional quase sempre este passará da condição de sujeito ativo para sujeito passivo do mesmo crime que cometeu.

Neste caso o que se observa é que diante da repulsa do referido crime o que ocorre é uma cadeia de crimes que deveria ser observada pelos três poderes dos quais perpassam a responsabilidade de construir uma sociedade mais justa, mais humana e exemplar na utilização do poder estatal de punir.

3.5. TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL

No código de processo penal do ordenamento jurídico brasileiro é possível qualificar a titularidade da ação de acordo com a positivação da lei. O código atribui a titularidade de acordo com o tipo de crime, os agentes que praticaram e os que sofreram a ação do crime. Conforme cada situação prevista pela lei,no momento do crime irá surgir à pretensão e o direito do cidadão ou da sociedade requerer o acionamento da justiça. Diante disso, é possível realizar um julgamento de acordo com os requisitos exigidos pela lei, estabelecendo ao final uma sanção a ser cumprida pelo réu que só pode ser exercida legalmente pelo poder do Estado.

A titularidade da ação penal, tem como requisito básico a avaliação da ação do crime, a maneira como a vítima e a sociedade foram atingidas, se de forma direta ou indireta em seus valores, os direitos coletivos e a proteção dos seus semelhantes.

Na maior parte dos casos envolvendo o direito penal, a titularidade da ação penal é pública por envolver a garantia da segurança social e a proteção da sociedade como um todo. Semelhante a ação civil pública onde o Ministério Público defende o direito dos cidadãos que embora não percebam de forma massiva as conseqüências no desrespeito dos seus direitos, mas uma vez garantido a preservação do direito, todos os cidadãos serão beneficiados com a decisão que determinar o cumprimento dos direitos.

Capez descreve de forma pormenorizada, conforme segue abaixo “In Verbis”:

A ação penal será pública quando o titular do direito de ação for o próprio Estado que visa à tutela dos interesses sociais e a manutenção da ordem pública. Neste caso, cabe ao Ministério Público promover a ação independentemente da vontade de outrem (ação penal exclusivamente pública). De acordo com o art. 100, do Código Penal: "A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido". Porém, há hipóteses em que o Ministério Público depende da manifestação da vontade do ofendido ou de seu representante legal para exercer a sua atividade jurisdicional, então, a ação penal será pública condicionada, conforme disposição do art. 100, §1º do CP: "A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça".

Há ainda a ação penal privada que será promovida apenas pelo ofendido ou por seu representante legal, de acordo com a oportunidade e conveniência que entender cabíveis, já que a infração atinge imediata e profundamente o interesse da vítima, que pode optar em preservar a sua intimidade e não propor a ação. Entretanto, na ação penal pública incondicionada a infração atinge imediatamente a ordem social, cabendo exclusivamente ao Ministério Público promover a ação, ao passo que, quando a ação penal for condicionada dependerá o órgão jurisdicional da manifestação da vontade do ofendido que foi atingido imediatamente pela infração para a propositura da ação.” ( Capez, 2007 p,81)

Ocorre que em alguns casos no direito penal, mesmo com a incidência de um crime que choque a sociedade e os seus semelhantes, a titularidade da ação penal pública não é de iniciativa do Ministério Público, isso indica que o titular da ação é a pessoa que sofreu diretamente com a conduta delitiva, cabendo a esta iniciar a ação e manifestar a justiça. Somente após essa manifestação o Ministério Público poderá fazer parte da ação e atuar também como interessado:

Alguns doutrinadores classificam e diferenciam bem os tipos de ação penal.

Conforme Nucci podemos assim dizer:

Diferencia a ação penal pública da privada sob a ótica da legitimação ativa, argui que a ação penal pública incondicionada ocorre quando o Ministério Público age de ofício, sem necessidade de demonstração de interesse por parte da vítima, enquanto a ação penal pública condicionada ocorre quando o Parquet depende da manifestação de vontade da vítima, por meio da representação, ou da manifestação de vontade do Ministro da Justiça, por meio da requisição, para iniciar a ação penal. (NUCCI,200,p,122.)

Com relação às características da ação penal, o ordenamento jurídico classifica em autônoma, abstrata, subjetiva e de natureza pública. A ação é autônoma porque não depende da transgressão consubstanciada do direito material, é abstrata, pois os órgãos jurisdicionais devem acolher os fatos e averiguar para buscar a comprovação, é subjetiva, pois cada ação possui particularidades para cada conduta e por fim é de natureza pública, pois visa o interesse coletivo da sociedade como um todo, devendo ser apurado através dos órgãos públicos da sociedade.

Para um melhor entendimento doutrinário discorre Bomfim :

Em relação às características do direito de ação, há uma comunhão entre as características do direito de ação no direito processual civil e no direito processual penal. São características da ação no Direito Processual Penal:

Direito subjetivo: a prestação de fazer justiça é de competência do Estado e o titular do direito subjetivo pode exigir dele a prestação jurisdicional.

Direito abstrato: o titular do direito tem a faculdade de provocar o poder Público, através dos órgãos judiciários, isso é decorrente da autonomia do direito de ação em relação ao direito material. Não importa se aquilo que está sendo alegado é verdadeiro ou não, pois independente disso o Estado deverá manifestar-se contra ou a favor do titular da pretensão punitiva.

Direito autônomo: para que o direito de ação seja exercido não é imprescindível que tenha sido transgredido um direito material. Isso se explica quando houve o exercício da ação penal, mas inexistiu o direito que a ação tinha por fim tornar efetivo. Logo, ele independe da existência do direito subjetivo material que é o direito de punir.

Direito Público: o direito de ação é um Direito Público visto que serve para provocar o Estado através dos órgãos jurisdicionais, pois esta é uma função eminentemente pública e de relevante interesse social.( BONFIM,, 2006, p.134-135.)

Diante do exposto visando a proteção da sociedade, a incolumidade pública e o desenvolvimento harmônico das relações sociais, o Estado criou as tipificações penais para garantir que os direitos dos cidadãos sejam respeitados por todos. Com isso quando a sociedade cria uma lei, ela determina que conduta não deve ser feita pelos cidadãos que nela vivem e caso algum cidadão pratique determinada conduta, tal ação será submetida a uma determinação sancionatória prevista em lei. Como o intuito do referido trabalho não é tratar de forma profunda sobre tipificação penal, cabe ressaltar de forma superficial que cada conduta pode resultar em um determinado crime, onde será qualificado conforme a lei, a depender da ação, a mesma pode ser de forma tênue o agravante, de forma única ou cumulativa e envolvendo um ou diversos agentes.

4. NATUREZA DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

4.1. COMO O CRIME SE DESENCADEIA NA SOCIEADE

De uma forma intuitiva e genérica a definição do estupro está centrada na idéia de que o estupro é a copulação forçada, na qual a resistência ao ato pode resultar em ferimentos a vitima, provavelmente quanto maior a resistência maior será a intensidade dos ferimentos ou o crime pode até resultar em morte da vítima. De forma comum a vítima será sempre a mulher e o abuso sexual se dará pelo homem, incluindo a penetração ou outros tipos de abuso ligado ao sexo. Este é o aspecto do senso comum relativo ao crime em análise.

Em um estudo realizado por um pesquisador americano, concluiu-se que 13 por cento das entrevistadas maior de 18 anos haviam sofrido algum tipo de estupro com o uso de ameaça ou violência. Das entrevistadas que foram vítimas do estupro, entre 66 e 84 por cento não fizeram boletim de ocorrência ou não se reportaram a nenhuma autoridade. Na pesquisa constatou-se também que de 37 a 57 por cento das mulheres que foram vítimas do crime, desenvolveram experiências pós traumáticas, síndrome do estresse e dificuldades de relacionamentos

A pesquisa constatou que as vítimas não sabem os motivos dos desejos, das emoções, dos valores e da necessidade que levam ao homem de cometer o crime de estupro. A carência de conhecimento sobre os motivos que levam o homem a cometer o delito limitam o conhecimento de como julgar, como aplicar a punição e de como prevenir a prática do referido crime.

Conforme o estudo por 25 anos a sociedade tem prevenido e falhado na redução do crime de estupro. A base das explicações que se utiliza de pressupostos ideológicos para desenhar o comportamento humano de quem comete esse tipo de crime vem de conhecimento científico, no entanto não eficazes. Os pressupostos não conseguem realizar um entendimento da evolução do estupro nem tampouco evoluem com alguma teoria.

Um importante aspecto e interessante que deve ser ressaltado é que o assunto chama a atenção de todas as vítimas em potencial, com isso pode se destacar algumas questões importantes que o raciocínio da sociedade pode levar a algumas considerações importantes.

Por que os homens são os criminosos e as mulheres as vítimas?

Por que o crime traz uma experiência horrível para as mulheres?

Por que o trauma mental da vítima varia de acordo com a idade e o status?

Por que a quantidade de vítimas é maior nas mulheres jovens?

Por que o estupro ocorre em todas as culturas?

Por que as culturas usam diferentes formas de punição?

Por que o estupro ainda existe entre os humanos?

Como o estupro pode ser prevenido?

A da mitologia grega usa diversos personagens e situações para descrever o surgimento de comportamentos bem como de crimes e que muitas vezes derivam estórias controversas e polêmicas, essas estórias tem sido usadas como uma forma de grande auxilio na explicação de determinados tipos de comportamentos, bem como muito usada por juristas e por operadores de direito para explicar determinadas situações. Pois bem, diz à estória que na mitologia grega existe uma profecia que ficou conhecida como “O CRIME DE LAIOS”.

Laius era um rei que raptou seu estudante Crisipo e cometeu o crime de estupro, pois conforme o regime pederasta grego era comum os adolescentes serem criados em um determinado período de tempo por um homem mais experiente e com este manter todo tipo de laços até chegar a fase adulta e ser encaminhado a sociedade , mas após a fase adulta Laious descumpriu a lei e raptou o estudante cometendo o crime de estupro, como punição para o crime Zeus o proibiu de ter filhos, pois para um rei era um grande desastre falecer e não deixar o seu reinado para algum herdeiro. Com o passar dos anos, Laios engravidou sua esposa Jocasta e com medo da profecia se tornar realidade, quando o seu filho nasceu, Édipo que em grego significa Oedipus  ou pés inchados, Laios perfura os pés de Édipo e o abandona em uma montanha, no entanto Édipo é resgatado por um servo e criado por Corinto,outro rei da mitologia grega. Quando Édipo cresceu e foi consultar o Oráculo, ele toma ciência dos fatos e a profecia se concretiza, ele mata Laios e se casa com Jocasta onde juntos tem 4 filhos. A profecia perdurou por quatro gerações e diz à lenda que os filhos sofreram de problemas psicológicos, físicos e há estórias de crimes e suicídio na família. Talvez a estória sirva para demonstrar a devastação que o crime de estupro possa causar na família, pois o crime perpassa a simples esfera da agressão física a vítima, podendo desencadear uma série de complicações á ela a aos seus familiares.

O crime de estupro parece ser um crime contra o gênero e não um crime relacionado somente as estatísticas da violência social das grandes cidades. É notória a diferença entre as formas como o crime é punido de acordo com a cultura de cada sociedade. Na Roma antiga durante o reinado de Júlio César o crime de estupro era punido por qualquer um que cometesse o sexo de forma forçada contra qualquer ser humano, independentemente de sexo ou idade, no entanto na prática jurídica as prostitutas ou pessoas que trabalhavam com entretenimento não eram pessoas que aparentemente exigiam algum tipo de valores perante a dignidade sexual, pois trabalhavam expondo o corpo e trocando sexo por dinheiro, portanto não eram difamadas quando vitimas do crime de estupro. Tal fato mostra o bem jurídico tutelado daquela cultura e daquela época.

Na cultura brasileira podemos observar ainda a presença do machismo herdado pela cultura patriarcal, mas já evoluímos muito com a inserção da mulher no mercado de trabalho, na criação direta das famílias e ocupando lugares de destaque na sociedade, no entanto o comportamento de uma sociedade não se modifica de forma simples e rápida. Conforme “uma comparação de casos de estupro ocorrido na década de 80, encontrada no livro” ESTUPRO CRIME OU “CORTESIA”? Abordagem sociológica de gênero, das autoras: Silvia Pimentel, Ana Lúcia P. Schritzmeyer e Valéria Pandjiarjian e entrevistas com mulheres nos dias de hoje, a reação das mulheres é bem diferente.

Na década de 80 a mulher não estava inserida no mercado de trabalho e eram mais submissas aos homens, bem como tinham menos coragem de esboçar reação ao crime de estupro, nos dias atuais, mesmo o criminoso estando desarmado, as mulheres entrevistas responderam que se a única força utilizada pelo estuprador fosse a força física elas resistiriam até evitar o crime. Percebe-se uma mudança no perfil do comportamento da mulher atual referente ao momento do ato, entretanto a mesma continua sendo vítima após o crime com relação à forma de se sentir inferiorizada.

Nos tribunais a prática jurídica é bem parecida para quem defende os acusados. Parece que os advogados que atuam do lado da defesa são adeptos dos tribunais de Júlio Cézar, pois trabalham na tese de criar um perfil deturpado das vítimas para tentar retirar o foco de que existe um crime e que independentemente da vítima ter valores ou não, houve a prática de um crime e que a sociedade deve ser protegida da presença de novos crimes.

Em destaque segue um caso da região nordeste do referido livro:

“EM MIAMI TRANSITANTO LIVREMENTE”

E.L.C.X, branco, casado, comerciante, 38 anos com curso superior segundo consta, em 29 de outubro de 1990, na cidade de Recife, no interior de seu carro, teria estuprado I.E.Q, branca solteira, estudante universitária, com 19 anos. A vítima encontrava-se dirigindo seu automóvel quando percebeu estar sendo seguida por um outro veívulo, cujo condutor, de boné e óculos escuros, forçou-a a brecar para, em seguida, de arma em punho, tê-la forçado a entrar em seu carro, conduzindo-a a um lugar deserto e lá estuprando-a. Instaurado o competente inquérito policial, foram a ele juntadas cópias de declarações de outras vítimas, de crime da mesma natureza, ocorridos em outros locais e períodos atestando os péssimos antecedentes do réu. Foram ouvidas as vitima e duas testemunhas de acusação na fase policial. Os laudos periciais constataram a presença de esperma na vagina da vítima. O indiciado não se apresentou nem a policia e nem a justiça. Denunciado pelo crime de estupro, foi decretada sua revelia e ouvidas um total de nove testemunhas na fase judicial, sendo duas de acusação e sete de defesa. Esse caso teve forte repercussão na imprensa local, noticiou ainda, no decorrer do processo, que o acusado encontrava-se em Miami nos Estados Unidos, transitando livremente e exercendo atividades comerciais. O assistente de acusação, então pediu a prisão do acusado no exterior, o que foi endossado pela promotora, mas não acolhido pelo juis, mediante a alegação, dentre outras, de que o Brasil não mantém tratado de cooperação judiciária com os Estados Unidos. Nas alegações finais o Ministério Público, considerando decisiva a palavra da vítima nos casos de violência sexual, pediu a condenação do acusado. Ao final do processo, alegando a prova inequívoca da materialidade e autoria o juiz, considerando também a reincidência do réu, que já fora condenado por crime de atentado violento ao pudor, condenou-o á revelia, a 10 anos de reclusão em regime carcerário fechado, sem direito de apelar em liberdade. Permanecendo o condenado foragido, não houve recurso de defesa.(PIMENTEL, 1998,p,109)

No caso em tela o acusado não configura em geral com o perfil criminal da justiça brasileira, envolve um agressor comerciante de alto poder econômico, com curso superior, uma vítima universitária, dentre as testemunhas, um desembargador, uma jornalista e uma corretora de imóveis. O caso poderia servir como modelo se o juiz não tivesse relaxado logo de início a prisão do acusado, pois mesmo expedindo um novo mandado de prisão no dia seguinte, não impediu que o réu se evadisse para o exterior. O caso teve grande repercussão na época, mas pelo que consta o réu nunca foi preso.

Um outro caso também da região nordeste, entretanto neste exemplo a situação é bem diferente do primeiro caso. Neste julgamento o réu será absolvido, segue o caso:

“ELE, VIVENDO NA MALANDRAGEM...

ELA, UMA MUNDANA...”

Segundo consta na denuncia, na cidade de Recife, E.N.M., vulgo” Preta”, branco, solteiro, 27 anos, “vivendo na malandragem”, no dia 15 de março de 1986, ás 4 horas da manhã, penetrou na residência da vítima, E.M.L, branca, separada, 21 anos, doméstica e enquanto ela dormia ao lado de seus dois filhos menores, ameaçou-a com um facão, obrigando-lhe a manter com ele relações sexuais. Consumado o ato,retirou-se da casa levando consigo dinheiro, compras e cereais da vítima. Enquadrado por estupro e violação de domicilio, o acusado confessou a prática do crime na fase policial, dizendo ainda que é acostumado a tomar aguardente e não trabalha, tendo várias”entradas na delegacia”; na fase judicial afirmou ter mantido relações sexuais com a vítima porém, mediante consentimento da mesma, e sem fazer uso de arma para ameaçá-la. Acrescentou, ainda que” E. é uma mundana” e que só realizou tal ato porque se encontrava embriagado. O depoimento da maioria das testemunhas de defesa na fase judicial, em geral, não nega o fato, mas afirma ter o acusado se arrependido e mudado totalmente de vida, tornando-se um homem de bem e até um “crente”, após ter abraçado a religião. Sua mãe, entretanto, na fase policial, prestou depoimento no qual atesta o péssimo comportamento e a alta periculosidade de seu filho. Na fase judicial a vitima seus filhos e uma testemunha de acusação encontrada reiterou a versão da vítima. O Ministério Público considerou a prova dos autos insuficiente, principalmente pela impossibilidade do depoimento da ofendida em juízo, pedindo a absolvição do acusado. Cinco anos após a instauração do inquérito policial, o juiz, baseado no entendimento do promotor de justiça, decidiu pela absolvição do acusado, ressaltando que “se a ofendida houvesse comparecido em juízo, ratificando essas suas declarações, possível seria a aceitação das mesmas como suporte para formação de um convencimento e na imposição de uma pena ao denunciado”. Não houve recurso.( PIMENTEL, 1998,p,117)

Neste processo, a exemplo do que ocorre em outros processos o que acontece é o fenômeno do desaparecimento da vítima e testemunhas na fase judicial. Todas as declarações na fase policial foram desconsideradas e mesmo uma testemunha reiterando os fatos na fase judicial, não foi suficiente para que prevalecesse a palavra da mulher estuprada, enquanto dormia com seus filhos pequenos, em sua própria casa. É muito provável que a vítima tenha desaparecido por ter sofrido ameaça por parte do acusado. Vale ressaltar que a ofendida compareceu a delegacia no dia seguinte do fato para fazer a denúncia, mas não foi considerada por não estar presente na fase judicial.

4.2. O IMPACTO NA SOCIEDADE

Como podemos observar, o bem jurídico ofendido é o gênero feminino. Nos casos apreciados a imagem da vítima é maculada e colocada de forma exposta fazendo com que antes de verificar a conduta do crime, há de se verificar os valores que a pessoas possui. O grande embate nos casos de condenação também reflete sobre a imagem da vítima, nas situações de inversão do jogo quando a acusação também coloca o papel da mulher na sociedade como reprodutora da família, como uma pessoa que cuida do lar e da afetividade do ser humano e que não merece receber tratamento de desprezo pela conduta machista. O fato é que, não diferente de outros casos, o crime muda de um lado para outro na fase judicial, quando a defesa tenta manchar a imagem da vítima para justificar o ato como não criminoso tentando colocar a culpa na vítima como se para ela o ato delituoso não afetaria em nada, pois a mesma já é uma pessoa difamada.

O pensamento antigo parece estar arraigado até os dias atuais, mas a sociedade precisa perceber que não se deve agir de forma emotiva mesmo quando o crime envolve sentimentos e costumes que podem se opor a quem está julgando. O crime de estupro não afeta somente a vítima, mas também toda a sociedade e principalmente o gênero feminino. Em mais uma referência histórica podemos abordar que na antiguidade o crime de estupro era um crime contra a família e se a mulher fosse casada, o crime era contra a propriedade do homem o que torna incongruente a visão do homem em proteger o sexo oposto se ele é o centro da sociedade. O crime de estupro é um dos crimes mais desiguais tanto na punição do acusado quanto de reparação do dano causado à vítima, eis o motivo de espancamentos dos acusados.

A vítima precisa ser acolhida pelos mecanismos dos direitos humanos da sociedade, através de acompanhamento médico e psicológico, juntamente com seus parentes afetados. Em vários casos há evidência de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis e inclusive o HIV. Nos países de primeiro mundo já foi constatado o PTSD( POST- TRAUMATIC STRESS DISORDER) essa síndrome ataca em especial as mulheres que são vítimas de estupro ou os ex combatentes de guerra, o tratamento é muito minucioso e tenta restabelecer o equilíbrio emocional do cidadão. A sociedade não pode se preocupar apenas com doenças que possam se alastra de forma repentina e causar um caos no equilíbrio social, pois para cada mulher estuprada uma família é afetada e provavelmente as conseqüência irão repercutir de forma gradativa a outros cidadãos. O crime de estupro é um crime que deixa seqüelas internas nas suas vítimas que traz um prejuízo a dignidade do ser humano.

Conforme estudos o doutor Dráuzio Varella discorre sobre as causas e conseqüências do PSTD que no nosso idioma carrega a sigla (TEPT) Transtorno do estresse pós-traumático.

O transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) é um distúrbio da ansiedade caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais em decorrência de o portador ter sido vítima ou testemunha de atos violentos ou de situações traumáticas que, em geral, representaram ameaça à sua svida ou à vida de terceiros. Quando se recorda do fato, ele revive o episódio, como se estivesse ocorrendo naquele momento e com a mesma sensação de dor e sofrimento que o agente estressor provocou. Essa recordação, conhecida como revivescência, desencadeia alterações neurofisiológicas e mentais.

Aproximadamente entre 15% e 20% das pessoas que, de alguma forma, estiveram envolvidas em casos de violência urbana, agressão física, abuso sexual, terrorismo, tortura, assalto, sequestro, acidentes, guerra, catástrofes naturais ou provocadas, desenvolvem esse tipo de transtorno. No entanto, a maioria só procura ajuda dois anos depois das primeiras crises.

Recente pesquisa desenvolvida pela UNIFESP (Universidade Federal do Estado de São Paulo) e por outras universidades brasileiras, em parceria com pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, levantou a hipótese de a causa do transtorno estar no desequilíbrio dos níveis de cortisol ou na redução de 8% a 10% do córtex pré-frontal e do hipocampo, áreas localizadas no cérebro.

Sintomas

Os sintomas podem manifestar-se em qualquer faixa de idade e levar meses ou anos para aparecer. Eles costumam ser agrupados em três categorias:

a) Reexperiência traumática: pensamentos recorrentes e intrusivos que remetem à lembrança do trauma, flashbacks, pesadelos;

b) Esquiva e isolamento social:  a pessoa foge de situações, contatos e atividades que possam reavivar as lembranças dolorosas do trauma;

c) Hiperexcitabilidade psíquica e  psicomotora: taquicardia, sudorese, tonturas, dor de cabeça, distúrbios do sono, dificuldade de concentração, irritabilidade, hipervigilância.

É comum o paciente desenvolver comorbidades associadas ao TEPT.

Diagnóstico

O DSM-IV (Manual de Diagnóstico dos Distúrbios Mentais) e o CID-10 (Classificação Internacional das Doenças) estabeleceram os critérios para o diagnóstico do transtorno do estresse pós-traumático.

O primeiro requisito é identificar o evento traumático (agente estressor), que tenha representado ameaça à vida do portador do distúrbio ou de uma pessoa querida e perante o qual se sentiu impotente para esboçar qualquer reação. Os outros levam em conta os sintomas característicos do TEPT.

Tratamento

São opções de tratamento a terapia cognitivo comportamental e a indicação de medicamentos ansiolíticos, quando necessários.(http://www.drauziovarella.com.br)

Toda a sociedade é vítima do crime de estupro, pois a mulher é a maior vítima em potencial deste crime o que torna o estupro um crime contra o gênero feminino. A mulher representa a criação da família e o centro do desenvolvimento afetivo do ser humano, não se deve permitir nem ser omisso na apuração de nem um crime contra o ser humano e nem tampouco separar o gênero feminino. Muitas vezes a mídia e o senso comum social se aproveitam usando as mulheres como forma de entretenimento masculino e criam uma imagem de diversão sexual para os homens transmitindo a idéia de que é permitido usar a mulher sexualmente e que isso é normal, quando esta conduta não é normal e precisa ser combatido por toda a sociedade.

4.3. COMO O ESTUPRO É VISTO E PUNIDO CULTURALMENTE

De acordo com uma análise cultural o crime de estupro teve o inicio de punição nas leis penais como crime contra a propriedade do homem. Quando a mulher fazia parte de uma família, mas não era casada e havia sido vitima de estupro, o crime era contra a propriedade do pai e se esta mulher era casada o crime era contra a propriedade do marido, ou seja a mulher era protegida quando pertencia a algum homem. Como vimos anteriormente havia uma forte discriminação quando a mulher não era casada e não tinha uma convivência familiar, essas raízes comprovam a existência da idéia que a sociedade perpetua ate os dias atuais com respeito valoração da mulher nos casos dos crimes de estupro. Em diversos casos o crime propriamente cometido e o perfil do criminoso são ignorados

A cultura sofre um empobrecimento quando não trata dos seus problemas crônicos e psicológicos, é preciso realizar uma análise sobre o crime de estupro e perceber que não se trata de um crime ligado somente ao fator econômico

Nos países da religião islã a punição pode ser com 100 chibatadas e esta cultura ainda, acredita que inibe os casos de estupro evitando roupas insinuantes nas mulheres e incentivando o casamento mais cedo.

Em certos países, durante a antiguidade, o crime de estupro era punido conforme o famoso código de Hamurabi. O criminoso, a depender da honra de qual mulher ele atingiu, poderia sofrer pena de morte. Em alguns países, havia situações em que a mulher quando desonrada pelo crime, era afogada ou apedrejada devido à vergonha causada aos familiares e a sociedade. Na Syria antiga ao pai da filha virgem estuprada, era dado o direito de matar a esposa do estuprador ou também estuprá-la

Na situação atual a maior parte das punições é dada através do encarceramento, vejamos como o mundo se comporta hoje punindo o crime de estupro:

Na índia em 2013 o presidente sancionou lei com penas de morte e pena perpétua para casos de estupro.

Na Lybia e no Afeganistão a mulher também sobre as penas devido à honra ter sido adulterada, nesses países as punições podem chegar à pena de morte

Nos Estados Unidos, é dividido em graus de violência podendo em alguns Estados chegar a Prisão perpétua e em outros a prisão por alguns anos. Já houve castração por produtos químico e pena de morte.

Na França pode se chegar de 20 anos a prisão perpétua a depender da gravidade que a vítima foi exposta

No Butão a punição vai ser de acordo com a classificação do crime, a depender de quantas pessoas cometeram o crime, se a vítima engravidou, se a vítima teve muitas escoriações, qual a relação da vítima com o agressor e etc..

Na Rússia a pena é estabelecida em torno de 3 a 6, se as circunstancias foram agravadas de 4 a 10 se a violência, causada com crueldade, infectou com alguma doença. Se transmitiu HIV ou a vítima cometeu suicídio a pena vai de 8 a 15 se o criminoso reincidir em 2 anos pena pode chegar até 20 e se a vítima for menor de 12 a pena pode chegar a 20 anos.

Efetivamente a mulher deixou de ser propriedade do homem e na maioria do mundo a lei já prevê o estupro marital, no entanto ainda é carente uma política educativa sobre sexo, crimes sexuais e proteção as vítimas, conforme a pesquisa que foi relatada em momento anterior foi possível perceber que em muitos locais e em diversas situações os crimes de estupro ocorrem e as vítimas não se sentem estimuladas a procurar as autoridades. Locais como escolas, creches, orfanatos, locais com a alta concentração da população masculina e baixa população feminina, cidades com a cultura mais conservadora e até ambientes religiosos há constantes casos de estupro e as vítima não se reportam a procurar nenhum tipo de ajuda.

O caso mais cruel de estupro aconteceu recentemente nos Estados Unidos, onde 3 mulheres foram mantidas em cárcere privado por aproximadamente 10 anos pelo mesmo estuprador e eram estupradas diariamente.Uma das mulheres chegou a ter uma filha com o estuprador. O caso teve repercussão mundial e ficou conhecido como seqüestros de Cleveland:

Sequestros de Cleveland foram os sequestros de três jovens mulheres, Amanda Berry, Georgina "Gina" DeJesus e Michelle Knight, ocorridos na primeira década dos anos 2000, em anos diferentes, na cidade de Cleveland, estado de Ohio, Estados Unidos. As três, desaparecidas e mantidas em cativeiro por um período entre 9 – 11 anos por Ariel Castro numa casa da cidade, foram libertadas em 6 de maio de 2013.

Knight desapareceu aos 21 anos, em 2002, Berry aos 16 em 2003 e De Jesus aos 14, em 2004.2 Enquanto prisioneiras, as três jovens sofreram constantes abusos como espancamento e estupro, que resultou no nascimento de uma menina de Berry e múltiplos abortos causados em Knight.3 As mulheres viveram muito tempo na casa sem ver a luz do sol e amarradas por cordas e correntes em determinadas ocasiões.

As três mulheres foram libertadas em 6 de maio de 2013, quando Amanda Berry, então já com 26 anos, aproveitou a saída de Castro da casa para gritar e esmurrar a porta pedindo socorro, sendo resgatada por vizinhos da rua e pela polícia. Junto com as três estava uma criança de seis anos, filha de Berry, nascida no cativeiro. O dono da casa, Ariel Castro, de 52 anos, foi preso pouco depois da libertação e levado à corte sob as acusações de rapto e estupro, e teve a fiança fixada em U$8 milhões de dólares.5 Em 1 de agosto, com a presença de Knight, que depôs como testemunha de acusação em seu julgamento, Castro foi condenado à prisão perpétua + 1000 anos, sem direito a liberdade condicional.6 A casa onde as três reféns foram mantidas por quase dez anos foi demolida em 7 de agosto de 2013, como parte dos acordos entre Castro, seus advogados e a promotoria, que lhe permitiram ser condenado à prisão perpétua ao invés de ser condenado à pena de morte.

Em 3 de setembro, pouco mais de um mês depois de iniciar o cumprimento da pena que o manteria por toda a vida encarcerado, Castro suicidou-se enforcando-se em sua cela individual da prisão do Centro de Reabilitação Correcional de Orient, Ohio, onde cumpria pena.( http://www.cnn.com)

O caso trata de uma verdadeira aberração, as vítimas estão sendo submetidas a tratamento e acompanhamento até hoje e não se pode imaginar as conseqüências no futuro dessas quatro pessoas.

O fato é que cada cultura trata de analisar e punir o crime de estupro de acordo como cada sociedade enxerga os valores da mulher. Pode-se afirmar que cada vez mais os crimes de estupro vêm sendo punidos, desconsiderando o perfil da vítima, mas ainda é preciso estabelecer políticas de apoio as vítimas, campanhas educacionais nas escolas e em outras instituições públicas para alcançar uma mudança efetiva.

4.4. O CRIME DE ESTUPRO COMO AÇÃO PÚBLICA CONDICIONADA VERSUS AÇÃO PÚBLICA INCONDICIONADA

Nos crimes contra a liberdade sexual existe uma divisão quanto à natureza dos mesmos e quanto ao tipo de ação penal que será enquadrado em cada caso. Cabe relatar quais os tipos de ação penal pública bem como algumas agravantes nos crimes da Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009 e qual a perspectiva de cada ação.

O direito brasileiro divide o processo penal em ações seguidas de princípios basilares, no caso em estudo a ação penal pública se subdivide em duas espécies e é regida por dois princípios. O principio da obrigatoriedade, que consiste no fato de que uma vez tomada à ciência de um crime, o promotor é obrigado a denunciar ou iniciar a ação penal e o princípio da indisponibilidade, onde este indica que, uma vez iniciada a ação, não se pode mais desistir dela. Com relação à ação penal, esta pode ser pública incondicionada, onde O Ministério Público age sem precisar de autorização ou pública condicionada, quando o promotor somente poderá agir se tiver autorização do ofendido por representação para crimes mais leves ou do Ministro da Justiça.

Conforme artigo 100 § 1º e CF artigo 129 inciso I,

“Art 100 § 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça”

Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;’

É importante salientar, que nos casos do crime de estupro, há uma situação em que a ação penal pública pode se tornar privada conforme segue em § 3º do código penal abaixo “In Verbis” :

§ 3º Ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.

Ocorre que nos crimes contra a liberdade sexual no Capitulo I da referida lei, conforme artigo 225 do código penal, via de regra a ação penal é pública condicionada enquanto que no Capitulo II a ação penal é pública incondicionada, pois no Capitulo I os casos envolvem maiores de 14 anos com a capacidade plena de discernimento da ação do crime, enquanto no Capitulo II os casos envolvem menores de 14 anos ou pessoas com a situação de discernimento comprometida, porém conforme Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal (STF) que diz que nos casos em que o crime de estupro é praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada. Isso torna a situação diferente nos casos envolvendo violência real.

É interessante levantar que existem doutrinadores que defendem a corrente enquanto outros não seguem esta corrente. Cabe apresentar aqui os que defendem a corrente e que tipo de seguimento é usado. Como seguidores da corrente pode-se destacar Zaffrone e Pierangeli:

Quando afirmam que os crimes contra a liberdade sexual nos casos de estupro podem ser violentos e conforme a súmula do STF pouco importa se o crime trata de violência que resulte em lesão corporal grave ou leve, aqui a ação penal é sempre Pública. (ZAFFRONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique, 1999 p 778)

Flávio Augusto Monteiro de Barros reconhece a importância da súmula 608 e diz que:

O tipo penal é complexo que é arrefecida pela regra do artigo 100 do código penal e ressalta que o ponto mais importante é a ligação que o crime de estupro cometido com violência real perpassa pelos artigos dos respectivos tipos penais que são os artigos 129, lesão corporal, 146, constrangimento ilegal e 147, ameaça, portanto reflete com perfeição o conteúdo abordado pela Súmula.

Outro defensor da corrente é Julio Fabbrini Mirabete, quando afirma que:

Diante da discussão em torno da ação penal no crime de estupro, praticado com o uso de violência real, bem como dá aplicabilidade da Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal e sua justificação, reforça que a solução mais adequada é a manutenção do entendimento da referida súmula, não com fundamento no artigo 129 do código penal, em que se exige a representação para a ação penal pelo crime de lesões corporais leves, mas com base no artigo 146 do mesmo Estatuto, uma vez que o constrangimento ilegal, apurado mediante ação penal pública incondicionada é, indiscutivelmente, elemento constitutivo do crime de estupro.

De acordo com a qualificação doutrinária dos crimes, o crime complexo é o tipo penal que para sua formação, são usados dois ou mais tipos penais, a exemplo disso podemos citar o crime de roubo, que na sua formação usou o crime de constrangimento ilegal, quando usa o emprego de violência mais o crime de furto se tornando um só crime, ou seja, por incluir duas tipificações penais ou mais em um só conjunto, torna-se o que os doutrinadores chamam de crime complexo.

O fato é que de acordo com o estudo desenvolvido, cujos casos não incluíram a abordagem do estupro de vulnerável e evitou os casos de estupro entre pessoas que tinham algum tipo de conhecimento entre o criminoso e a vítima, logo podemos presumir que intenção é abordar os casos com o uso de violência real. Contudo insta salientar que também nos deparamos com outra situação de divisão de opiniões a respeito do que é considerada violência real.

Para alguns doutrinadores a violência real está presente no crime de estupro quando deixam lesões nas vítimas. Já para outros doutrinadores é necessário que a lesão corporal seja grave. Segundo André Estefam (2009, p. 25) violência real é apenas aquela que resulte em lesão grave, prevista no artigo 129, §1º, lesão gravíssima, prevista no §2º do mesmo dispositivo, ou morte.

“Conclui-se do exposto que a súmula citada não foi revogada pela Lei nº 12.015/2009, devendo ser aplicada tão somente nos casos em que o estupro resultar lesão corporal grave ou morte”.

Já para Rogério Greco, a violência real é aquela que resulta em qualquer tipo de lesão.

Dessa forma, de acordo com o entendimento de nossa Corte Maior, toda vez que o delito de estupro for cometido com o emprego de violência real, a Ação Penal será de iniciativa pública incondicionada, fazendo, assim, letra morta parte das disposições contidas no caput do art. 225 do Código Penal.

Somente se exigindo a representação do (a) ofendido (a) nas hipóteses em que o crime for cometido com o emprego de grave ameaça. .(Greco, 2010,p,556)

Embora esses doutrinadores apresentem divergências quanto ao fato de alguns estupros resultarem ou não em violência real, vale ressaltar que eles não se opõem a aplicação da Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal. No entanto encontramos reação contrária em alguns autores.

No caso de Guilherme de Souza Nucci, este é totalmente contrário e diz que a súmula 608 não é mais aplicada, pouco importando se houve ou não qualquer tipo de violência, afirmando que é totalmente ilógico, devido à fragilidade da atual legislação:

Elimina-se a Súmula 608 do STF, vale dizer, em caso de estupro de pessoa adulta, ainda que cometido com violência, a ação é pública condicionada à representação. Lembremos ser tal Súmula fruto de Política Criminal, com o objetivo de proteger a mulher estuprada, com receio de alertar os órgãos de segurança, em especial, para não sofrer preconceito e ser vítima de gracejos inadequados. Chegou-se, inclusive, a criar a Delegacia da Mulher, para receber tais tipos de ocorrência. Não há razão técnica para a subsistência do preceito sumular, em particular pelo advento da reforma trazida pela Lei 12.015/2009. Unificaram-se o estupro e o atentado violento ao pudor e conferiu-se legitimidade ao Ministério Público para a ação penal, desde que a vítima concorde em representar. Mais que justo o cenário presente.( Nucci, 2009, p. 62/63),

O fato é que houve um crime hediondo, a vítima talvez não esteja em condições psicológicas de apresentar a denúncia e se submeter a todo o trâmite processual, enquanto isso o Estado fica diante de uma insegurança na propositura da ação devido a uma discussão doutrinária. Cabe salientar que a Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso III fala do princípio da dignidade humana. O princípio da dignidade da pessoa humana se resume em proteger o ser humano de situações em que possam constrangê-lo ou submetê-lo a condições de menosprezo. Este princípio tem previsão expressa na Constituição Federal, logo em seu artigo 1º, inciso III, quando diz:

“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana”.

O referido princípio é gravemente desrespeitado quando a lei prevê a ação penal como pública condicionada à representação do ofendido. O respeitável Superior Tribunal Federal percebendo a gravidade do fato, magnificamente retoma o principio da dignidade humana e determina amparar a vítima e a sociedade com a Súmula 608. A impunidade não pode ficar a mercê da omissão da redação do artigo 225, parágrafo 1º do código penal.

Maria Garcia diz que:

“A dignidade da pessoa humana tem como essência e base, portanto, a liberdade de dar-se uma lei a si mesmo (no sentido do imperativo categórico kantiano), pela vontade racional. Sendo a razão um atributo do humano –

todo ser humano (que tenha a qualidade do humano) detém essa dignidade. Daí poder-se afirmar que a dignidade humana corresponde à compreensão do ser humano na sua integridade física e psíquica, como autodeterminação consciente, garantia moral e juridicamente. (...)(Garcia, 2010, p. 300)

E reporta-se à formulação de G. Durig, em face da Constituição da Alemanha, para quem a dignidade da pessoa humana poderia ser considerada atingida sempre que a pessoa concreta (o indivíduo) fosse rebaixado a objeto, a mero instrumento, tratada como uma coisa”.

Desta maneira, fica claro que a vítima é menosprezada por tais alterações, uma vez que o legislador pouco se importou com sua situação, esquecendo-se que a principal finalidade da lei penal é dar segurança à sociedade, punindo aqueles que delinqüiram de forma exemplar.

No caso em tela, é inaceitável exigir representação nas situações em que ocorram lesões de natureza grave ou o óbito à vítima. Ademais, fica evidente a falha imposta pela nova legislação, e a violação deste princípio constitucional, vez que, de certa forma, traz impunidade ao criminoso e deixa a vítima em situação total de menosprezo

Oportunamente o presente estudo também apresentou anteriormente que nos crimes de estupro é possível a vítima além de desenvolver doenças sexuais que podem levar a situações grave ou até a morte, elas também em grande parte desenvolvem problemas psicológicos que deixam marcar internas para o resto de suas vidas se não forem tratadas, portanto não há que se falar que a lesão pode ser constatada em exames superficiais no inquérito policial.

5. CONCLUSÃO

Conforme o presente trabalho é possível concluir que os crimes contra a liberdade sexual, mais especificamente no caso do estudo, o estupro, é um crime praticado diretamente contra o gênero feminino, mas que atinge toda a sociedade. A lei trouxe uma grande evolução quando retirou o gênero feminino como vítima exclusiva e somente o ato de conjunção carnal, como estupro, no entanto os legisladores cometeram uma falha quando não observando o principio da dignidade do ser humano expresso na Constituição Federal, limitaram a ação penal pública condicionada.

Diante dos inúmeros estudos que mostram os diversos prejuízos causados a saúde e a mente das vítimas, bem como a seus familiares. A Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal salvou o erro cometido pela lei resguardando a garantia da dignidade humana e a possibilidade das vítimas terem o direito de justiça alcançado.

Embora existam divergências doutrinárias e críticas de correntes minoritárias se opondo a jurisprudência, a Súmula existe o bem jurídico maior a ser tutelado deve ser a paz social, a dignidade do ser humano, a liberdade sexual e o desenvolvimento psicossocial dos cidadãos.

Desta forma conclui-se que a honra da vítima de estupro deve ser considerada e respeitada pela lei de forma indiscriminada, independentemente de idade, cor, religião, classe social ou gênero. A lei e o direito devem buscar os meios mais eficazes para coibir ao máximo esse tipo de crime e construir uma sociedade que garanta a proteção da vítima de estupro seja esta em sua saúde física ou mental.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Publicado por: Vladimir de Lima Fontes

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