CRACK: INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA OBRIGATÓRIA NOS CASOS DE USO ABUSO

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1. RESUMO

O consumo de drogas está inserido na sociedade há centenas de anos, entretanto com o aparecimento do crack recentemente, com poder nocivo altamente prejudicial ao indivíduo e a sociedade, principalmente os familiares, tratando-se de um problema muito grave, maior que se pode imaginar, cabe ao Estado o dever de intervenção na recuperação da pessoa, aplicando a internação compúlsória ao indivíduo com a finalidade de preservar a vida. Devido aos argumentos encontrados na doutrina e jurisprudência, quando comprovado o abuso no uso de drogas, como por exemplo o crack, autoriza o Estado intervir no usuário, aplicando a internação compulsória como medida preventiva. Embora a norma constitucional trazer com ela a dignidade da pessoa humana como fundamento principal, é o direito à vida que tem sua importância maior, sobrepondo todos os direitos fundamentais, propiciando ao indivíduo a plenitude da vida, o direito de continuar a viver e viver com dignidade.

Palavra chave: Crack. Abuso no uso de drogas. Internação compulsória. Vida.

ABSTRACT

he drug is embedded in society for hundreds of years, however with the emergence of crack recently with highly damaging harmful power to the individual and society, especially the family, in the case of a very serious, most problem imaginable , the State has the duty intervensão the recovery of the person applying the compúsória internção the individual in order to preserve life. Because of the arguments found in the doctrine and jurisprudence, when proven abuse in the use of drugs such as crack, allows the State to intervene in the user applying the compulsária hospital as a precautionary measure. Although the constitutional rule bring with it the dignity of the human person as the most basic, is the right to life that has its importance, overlapping all the fundamental rights, allowing the individual to the fullness of life, the right to continue to live and live with dignity.

2. INTRODUÇÃO

Aduz Araújo e Moreira (2005) que as drogas são utilizadas há séculos, em distintas culturas, adquirindo uma definição particular específica em cada uma dessas, seja para obter contato com "divindades", ter "experiências com antepassados", como cura de enfermidades, entre outras revelações. O prazer, em seus múltiplos enfoques igualmente consecutivamente esteve presente no uso das mesmas.

O presente trabalho teve por escopo pesquisar e fundamentar a importância da existência de tratamento terapêutico do viciado em crack, mesmo diante das garantias previstas na Carta Maior (dignidade da pessoa humana, autonomia individual, direito à privacidade), a qual impõe a liberdade de escolha e o direito à vida, sendo esta última o bem maior a ser preservado.

Ponderando a amplitude e importância do tema, faz-se necessário esclarecer que crack1 é uma droga relativamente nova, surgindo nos Estados Unidos na década de 80, primeiramente em bairros pobres do centro das cidades de New York, Los Angeles e Miami, passar a existir no Brasil nos anos de 19902.

De acordo com o relatório da ONU realizado no ano de 2012, o uso de drogas espalhou-se rapidamente ocorrendo consequente crescimento no consumo, o Brasil, por exemplo, se deparou com um grande problema relacionado a esse tipo de droga, segundo dados do IBGE apontam crescimento no consumo, principalmente por adolescentes3.

O grande desafio é a implementação de políticas ligadas às ações voltadas à saúde, informação, conscientização sobre os riscos que causa o uso do crack, principalmente o alto grau do poder de dependência associada com a criminalidade. O Governo Federal lançou o Plano Integrado de Enfretamento ao Crack e outras Drogas (PIEC/2010 decreto nº7179 de maio de 2010), o qual associa suas diferentes políticas públicas e chama a sociedade para se unir em torno do desafio de resgatar usuários e dependentes e conscientizar a população sobre os perigos do uso das drogas. 

Este plano descreve atuações que tendem a interferir nas causas e efeitos do consumo de álcool e outras drogas, oferecendo cuidados de atenção com base na perspectiva de redução de danos sociais e a saúde. A meta principal é o atendimento aos usuários de crack nas questões de saúde, assistência social, educação e prevenção.

Assim, o problema apresentado se refere ao fato de que, mesmo diante das garantias previstas na Carta Maior (dignidade da pessoa humana, autonomia individual, direito à privacidade), é possível o usuário abusador ser obrigado a se submeter a tratamento por um terapeuta por meio de imposição da sociedade? Em outras palavras, é possível o usuário de droga, como por exemplo, o Crack, ter sua liberdade privada para tratamento compulsório nos casos em que a droga se apresenta com força maior sobre a vontade o indivíduo.

Os procedimentos adotados para este trabalho foram análise e interpretação de livros, leis, jurisprudência, doutrina, periódicos, artigos, e demais documentos atinentes ao tema escolhido, como publicações impressas ou digitais, dicionários, enciclopédias, resenhas, monografias, dissertações, teses, boletins e levantamento dos dados referentes aos aspectos metodológicos e didáticos. Com bases sólidas, o estudo sobre a internação compulsória e o direito a vida foi realizado por meio de revisão bibliográfica, sendo observada a leitura dos materiais científicos selecionados, como revistas especializadas, artigos, dissertações e teses.

3. DESENVOLVIMENTO

3.1. Crack e sua definição

O crack tem sua derivação da cocaína, onde são processadas suas folhas, amolecidas com álcool, que posteriormente vem à adição de querosene ou gasolina, inclusive, após é adicionado ácido sulfúrico, procedendo numa solução, e que em seguida soma-se com cal e amoníaco, unindo-se à solução da cocaína, resultando-se numa pasta, a qual surgirá à pasta base de cocaína. O crack surge do cloridrato de cocaína, ou também da pasta base quando colocado bicarbonato de sódio, amônia, água e com um leve aquecimento.

Destaca-se que crack foi igualmente muito usado como medicamento, como nos leciona Santos4:

Durante muitos anos, a cocaína foi utiliza como medicamento, anestésico e até mesmo na Coca-Cola, porém foi retirada de sua formulação devido ao apelo popular e notícias sobre os riscos em seu consumo. Porém apenas no século XX que houve início do uso indiscriminado de drogas na sociedade.

De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios – CNM (2012, p. 10)5:

A partir da década de 1970, começaram a misturar a cocaína com outros produtos e foi assim que surgiu o crack, nome este que faz referência ao barulho que a droga emite quando é consumida. Quebrado em pedras ou pedaços pequenos, pode ser reproduzido e vendido em quantidades menores, com lucro maior. Inicialmente usado pela população em situação de rua e pela camada mais pobre da sociedade, o crack tem se difundido por todas as classes sociais e se dissemina entre os Municípios brasileiros rapidamente.

Devido à evolução da humanidade, considera-se que muitos foram os ganhos extraídos, uma delas é a modernidade. Entretanto, outros pontos negativos se instalaram na vida social, como por exemplo, o uso de entorpecente altamente nocivo ao indivíduo, como a droga usualmente conhecido como Crack, objeto do presente estudo.

Sobre o tema Crack, Santos (2011, p. 13), leciona que:

O crack é uma substancia extraída do princípio ativo da cocaína, retirada da planta “Ertytronxylon”, ou seja, a coca. Que é uma mistura do cloridrato de cocaína com o bicarbonato de sódio, água destilada ou amônia. Depois dessa etapa, a mistura é fervida, separando as partes sólidas, e depois cortada em pequenos pedaços, tornando-se ai as chamadas “pedras”.

É notório que esse tipo de droga tem um alto poder de vício, se restringindo apenas ao primeiro uso para que o indivíduo se torne dependente. Sobre a substância do crack, Pedroso6 (2014, p.14) define da seguinte forma:

O crack deriva-se da cocaína, sendo necessário em processamento nas folhas da planta de cocaína, as quais são maceradas em álcool, adicionado de querosene ou gasolina. Depois, é adicionado ácido sulfúrico, resultando a solução de cocaína. O próximo passo é adicionar cal e amoníaco e juntar com o filtrado da solução de cocaína, para obter-se a pasta de cocaína, a qual originará a pasta basta base da cocaína, quando novos aditivos forem acrescentados ao filtrado. Da pasta base origina-se a merla, o cloridato de cocaína – um pó inalável ou injetável – ou ainda origina-se a pedra de crack. Nesse processo, ainda se obtém a base livre, geralmente produzida a partir do cloridato de cocaína – uma base líquida para remover o ácido hidroclorídrico, dissolvida geralmente em éter. Essa base líquida se for submetida a um aquecimento elevado originará uma forma de cocaína cristalizada. Em suma, o crack é produzido a partir do cloridrato de cocaína ou da pasta base ao adicionar bicabornato de sódio, amônia, água e um aquecimento leve.

3.2. Visão da sociedade sobre o usuário de crack

Atualmente, o que se encontra nos veículos de comunicação, principalmente nos programas sensacionalistas policiais é o enquadramento do uso crescente da substância como sendo de segurança pública, validando a marginalização entre os usuários e o emprego de força excessiva. São distorcidas as imagens atribuídas aos consumidores vinculadas nos meios de comunicação, influenciando na opinião das pessoas de diferentes credos. No caso para a criminologia, é um importante organismo para se manter a repressão ao uso de drogas, a qual insere na sociedade uma ideologia de exclusão a partir do ferimento da imagem do usuário e com a consequente marginalização de pequena parcela da coletividade.

É notório que o usuário sofre os efeitos primários do uso da droga, como por exemplo, a saúde, entretanto se o sistema não filtrar aquele que é apenas usuário certamente sofrerá os efeitos secundários do sistema repressivo, aquele que exclui ou até mesmo penaliza com prisão.

Menciona Lima (2009, p. 190) que a maioria dos consumidores de drogas ilícitas não é dependente, delinquente, doente, nem faz parte de uma subcultura desviada e que a dependência e curável, é que há mais mortos e doentes devidos a drogas lícitas, como álcool e tabaco.

Como em outros países, o Brasil tende a descriminalizar os usuários de drogas ilícitas, a partir da comprovação de que realmente a substância se destina ao uso próprio e não a comercialização.

Ocorre que quando as pessoas se deparam com o usuário de drogas como o Crack, colocando em risco outros indivíduos ou até mesmo a própria vida, em estado e nível grave, a obrigatoriedade de internação involuntária obrigatória é a mais adequada tendo em vista o direito à vida.

3.3. Objeções ao tratamento compulsório

Como já abordado, o crack tem alto poder de viciar, bastando uma só vez de uso para que o usuário se encontre preso nesse mal. O psicólogo Dr. Araújo (2013, p. 01) é claro ao dizer que “o crack na própria definição de alguns usuários, é a raspa mais profunda de um lixo produzido pelo capeta”.

Discutem-se muito nos dias de hoje sobre a descriminalização do uso de droga, entretanto no dizeres de Gomes (2015) mesmo não havendo a prisão dos usuários, não se pode dizer que a posse de droga retira seu caráter e ilicitude, apenas não pode o usuário ser denominado de criminoso, por conta de que a posse da droga não foi legalizada.

Para aqueles que defendem e são contrários à internação compulsória, fundamentam que é dever do Estado à proteção aos indivíduos, sem ferir os preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito vigente no Brasil, aos quais os direitos fundamentais em maior ou menor intensidade estão ligados, por isso, é de se concluir que o Estado existe tão somente em razão da pessoa humana.

A defesa baseia-se em análise ao que aduz o art. 9º da Lei nº 10.216/01:

Art. 9o A internação compulsória é determinada, ‘de acordo com a legislação vigente’, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento quanto à salvaguarda do

paciente, dos demais internados e funcionários (BRASIL, 2001, p. 2)

Neste sentido, a defesa é de que não há análise mais intensa do estado do paciente, e que o juiz se atém somente a um laudo médico prévio, o qual, em sua maioria, é confeccionado em momentos de crise do usuário e onde, seguramente, não se levam em consideração os demais aspectos de sua vida, sobretudo sua condição social e relações familiares.

De outra banda, tem-se pelo lado da dignidade da pessoa humana, grande parte das objeções para a internação como Justiça Terapêutica está no fato de que o encaminhamento judicial para tratamento compulsório fere tais princípios como a da dignidade da pessoa humana, da autonomia individual e direito a privacidade (LIMA, 2009, p. 186).

O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no art. 1º, III da Constituição de 1988, sendo um princípio fundamental da República brasileira e norma constitucional que permeia todo o ordenamento jurídico (BRASIL, 1988).

E por último, fica por conta dos níveis de desigualdade social, que se concretizam a partir de um forte agrupamento de renda e da existência de injustiças, os quais ensejam num quadro de desânimo e o reconhecimento da injustiça social, promovendo o aumento do uso de drogas, que deve ser enfrentado com políticas públicas que busquem revigorar os direitos sociais.

Como se verifica, são diversos fatores que são levados em consideração por aqueles que são contrários ao tratamento compulsório, de modo especial às alegações é de que é dever do Estado à proteção aos indivíduos, sem ferir os preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana.

Em suma, a defesa para aqueles contrários à internação, resume-se de que dependente químico não é doente mental; que a internação compulsória prevista na Lei 10.216/01 deve ser sobreposta para os casos de doentes mentais que atentem determinada contravenção criminosa, como uma medida de segurança; que a internação compulsória de dependentes químicos é ilegítima por ausência de previsão legal, e inconstitucional por violar o direito à saúde e à dignidade da pessoa humana; que as internações que vêm acontecendo podem ser igualadas à tortura e, assim, infringem direitos humanos; que o Poder Judiciário é protetor de direitos humanos, não podendo violá-los.

3.4. Do direito à vida

É importante destacar o que alude o art. 29 da Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela ONU em 1948:

Artigo 29.º

1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.

2. No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem–estar numa sociedade democrática.

3. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente aos fins e aos princípios das Nações Unidas.

Como se percebe no artigo em especifico, a liberdade comporta restrições nos casos em que o indivíduo venha causar perigo a sua vida e a de outrem.

A liberdade assume diversas facetas, desde a liberdade de ir e vir até a liberdade de pensamento (MELO, 2008, p. 328), podendo ser imposta aos particulares e ao próprio Estado.

Não se discute que o indivíduo tem poder sobre suas próprias ações, entretanto bem esclarece Lima (2009, p. 190).

[...] que a autoproteção constitui a única finalidade pela qual se garante à humanidade, individual ou coletivamente, interferir na liberdade de ação de qualquer um. O único propósito de se exercer legitimamente o poder sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada contra sua vontade, é evitar danos aos demais [...] quando algum indivíduo pratica um ato prejudicial a outros, configura-se um caso prima facie para puni-lo, quer mediante lei, quer, quando não se puder aplicar com segurança as penalidades legais, mediante desaprovação geral.

Neste diapasão, conclui Lima (2009, p. 191):

A Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948 é o coroamento das revoluções liberais-burguesas dos séculos XVII e XVIII, tendo como principal desiderato a proclamação dos direitos fundamentais da humanidade com o consequente respeito pela inviolabilidade da dignidade da pessoa humana, exceto quando o indivíduo atingir direitos e liberdades de outrem.

Colaborando também com esse entendimento, importante destacar o que menciona CAPELO DE SOUZA7, pois segundo ele não há apenas um direito de vida – conservação da vida existente -, mas também um direito à vida – desdobramento e evolução da vida.

O Art. 5º, caput da Constituição Federal de 19888, assegura a todos aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, o direito à vida:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

ALEXANDRE DE MORAIS9 acentua que: “o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, constituindo-se em pré-requisito a existência e exercício de todos os demais direitos”.

Como se percebe, o direito à vida é o primeiro dos direitos que deve ser inviolável, assegurado pela Constituição, ou seja, o direito à vida é o direito de continuar vivo.

Nesta esteira, não se pode desconsiderar que o direito à vida sobrepõe liberdade de escolha do usuário, conforme defendido por muitos na atualidade.

Ainda, menciona ALEXANDRE DE MORAIS10 que:

“A Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência”.

Ainda, com o aumento acelerado do uso do crack, há de se ter uma atenção especial por parte de nossos governantes, implantando políticas públicas que combatam em especial o grande número de traficantes, dificultando o acesso dos usuários nas chamadas bocas de fumo:

A prevenção é a saída para esse impasse. Para isso, [...], necessitamos que a sociedade possa desenvolver atitudes conjuntas, que viabilize políticas públicas mais efetivas, possibilitando uma qualidade de vida melhor para todos nós. A criação do Conselho Antidrogas pode ser um passo importante para resolver esse problema, como articulador das estratégias, integrando as secretarias de diferentes áreas, visando à solução deste problema. (Robaina, 2010, pág. 108.)

Para tanto, em casos extremos, onde o usuário esteja correndo o risco de morte, a justiça deve tomar para si a tutela do dependente, e assim o Magistrado determina a sua internação, ocorrendo mesmo contra a vontade do paciente11.

3.5. Do direito à saúde

No tocante ao direito à vida e à saúde estes estão conexos, uma vez que o direito à saúde é indispensável para o exercício do direito à vida.

Está previsto no artigo 196 da Constituição Federal o direito à saúde, inclusive está evidenciado que é dever do Estado garantir efetivamente a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Sobre o conceito de saúde Germano Schwartz quando diz:

“O direito à saúde integra o conceito de qualidade de vida, porque as pessoas em bom estado de saúde não são as que recebem bons cuidados médicos, mas sim aquelas que moram em casas salubres, comem uma comida sadia, em um meio que lhes permite dar à luz, trabalhar e morrer”.

Destacam-se que os direitos sociais objetivam garantir aos indivíduos condições materiais tidas como indispensáveis para o pleno gozo dos seus direitos, exigindo uma intervenção maior do Estado na ordem social que garanta os critérios de justiça distributiva, ou seja, em outras palavras, são aqueles que surgem para proteger os interesses da maioria da população, que passa a poder receber prestações do Estado, a fim de proporcionar-lhe “uma igualdade material, de tornar as pessoas, concretamente, iguais em dignidade” (MASTRODI, 2008, P. 78).

Neste contexto, há de se ressaltar que a própria Constituição da República de 1988, classifica a saúde como direito social e fundamental. Portanto, como se identifica, é direito do indivíduo ser amparado pelo Estado no âmbito da saúde.

3.6. Tipos de internação

O consumo de drogas cada vez mais modificadas por parte da população, leva à destruição de indivíduos que anteriormente eram produtivos, ensejando em elevados gastos com a saúde e segurança pública, dilacerando núcleos familiares, minando doenças, desestruturando a ordem pública e política, enfim, acarretando a reboque uma série de aspectos negativos (BATISTA, 1994, p. 129- 145).

Embora muito polêmica, a internação compulsória é considerada legal em todo o país desde abril de 2001, a partir da publicação da Lei 10.216, sendo uma delas nos casos em que parentes ou até mesmo um juiz escolham pelo tratamento mesmo sem consentimento do paciente.

A Lei Federal 10.216 de 2001 enumera 03 (três) tipos de internação:

a) internação voluntária: aquela que se dá com a concordância do usuário, ou seja, pretende e quer a internação, sendo também considerado por muitos pesquisadores a melhor opção por trazer melhores resultados;

b) internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro, ou seja, um familiar ou parentes que tenha um usuário de drogas e percebe que o viciado necessita de uma internação;

c) internação compulsória: aquela internação compulsória que se dá por meio de determinada pela Justiça, ou seja, por meio de medida judicial o usuário fica obrigado a percorrer a um tratamento a fim de que se retorne ao convívio familiar e a sociedade.

Como visto, há três modalidades de internação, entretanto é a terceira que tem sido objeto de polêmica na atualidade, por ser ela através de medida judicial, onde a análise deve ser mais intensa e menos singular, múltiplos fatores devem ser levados em consideração.

No âmbito da internação compulsória, elemento do presente trabalho, se manifesta no momento em que todos os meios possíveis de tratamento já foram realizados, ou seja, apenas se deve internar o usuário depois que comprovadamente todos os meios anteriormente utilizados não surtiram resultados, sendo que a internação compulsória é requerida judicialmente e a involuntária é a realizada a pedido de pessoa diversa do paciente.

Assim, o Estado pode se valer deste instrumento como meio de se preservar a vida da pessoa, como por exemplo, a pessoa que já perdeu seu vínculo familiar, não consegue discernir, não consegue se controlar, vive em torno da droga, e é capaz de praticar crimes para obtenção da droga, colocando em risco a si mesmo e de terceiros na sua própria integridade física, fica evidente que alguém tem que fazer algo por ela.

Ora, se ela própria já está sem condições de discernimento, não tem mais um familiar que possa dar a ela o que ela já perdeu, fica latente que a obrigação é do Estado.

Aduz Santoro Filho (2012, p. 35) que “(…) verificada a necessidade de internação, contudo, esta terá como finalidade permanente a cessação daquele estado de perigo e, em consequência, a reinserção social do paciente em seu meio”.

Igualmente, se todos os meios utilizados não oferecerem resultados para a solução do problema, o Estado, por meio de mecanismo jurídico, pode agir em favor dessas pessoas usuárias de crack, buscando a internação compulsória e efetivamente a proteção e o tratamento dessas pessoas a fim de que elas possam retomar suas vidas.

3.7. Dependência como doença

Pode instituir uma grave enfermidade, mormente se examinado o quadro clínico de “síndrome de dependência química”.

Em pesquisas é possível encontrar o que diz a Escola Paulista de Medicina a respeito da dependência como doença12:

“O dependente caracteriza-se por não conseguir controlar o consumo de drogas, agindo de forma impulsiva e repetitiva. Para compreendermos melhor a dependência, vamos analisar as duas formas principais em que ela se apresenta: a física e a psicológica.

A dependência física caracteriza-se pela presença de sintomas e sinais físicos que aparecem quando o indivíduo para de tomar a droga ou diminui bruscamente o seu uso: é a síndrome de abstinência. Os sinais e sintomas de abstinência dependem do tipo de substância utilizada e aparecem algumas horas ou dias depois que ela foi consumida pela última vez.

Já a dependência psicológica corresponde a um estado de mal-estar e desconforto que surge quando o dependente interrompe o uso de uma droga. Os sintomas mais comuns são ansiedade, sensação de vazio, dificuldade de concentração, mas que podem variar de pessoa para pessoa”.

Como visto a dependência química é tida como doença, e, portanto, passível de tratamento, sobretudo por causa dos seus efeitos nocivos e a inaptidão que o dependente tem de largar o vício. O uso de drogas gera ao infrator dificuldade multidisciplinar, uma vez que influencia na saúde física e mental, afeta a vida de relação família e trabalho/escola, e ainda provoca problemas de questões legais.

A vida do dependente é incessantemente modificada à medida que aumenta o uso e a necessidade de buscar constantemente a droga, afetando as relações familiar, social e profissional, trazendo para o indivíduo um intenso sofrimento físico e emocional. Assim, o tratamento da dependência química envolve o indivíduo e toda sua rede social afetada (LEITE, 2000).

Preconiza Cunha (2006, p.35) com uma visão mais pelo lado da psicologia, que os dependentes químicos apresentam comportamentos com características próprias entre estas, se destacam: 

  • Onipotência: o indivíduo acredita estar sempre no controle;

  • Megalomania: tendência exagerada a crer na possibilidade de realizar um intento visualizando sempre o resultado;

  • Manipulação: mentalidade de que tudo se faz pela realização de seus desejos, principalmente pela obtenção e uso de substâncias psicoativas;

  • Obsessão: atitudes insanas pelo desejo de consumir drogas;

  • Compulsão: atitudes desconexas, incoerentes com a realidade provocadas pelo desejo intenso e necessidade de continuar a consumir a substância;

  • Ansiedade: necessidade constante da realização dos desejos;

  • Apatia: Falta de empenho para a realização de objetivos e metas;

  • Autossuficiência: mecanismo de defesa usado para afastar da consciência os sentimentos de inadequação social gerando uma falsa sensação de domínio;

  • Autopiedade: um tipo específico de manipulação que o dependente usa para conseguir realizar algum propósito;

  • Comportamentos antissociais: repertório comportamental gerado pela instabilidade emocional que o indivíduo desenvolve sem estabelecer vínculos tendo sua imagem marginalizada pelo meio social;

  • Paranoia: desconfiança e suspeita exagerada de pessoas ou objetos, de maneira que qualquer manifestação comportamental de outras pessoas é tida como intencional ou malévola.

É classificada a dependência química como transtornos psiquiátricos, sendo ponderada como uma doença crônica que pode ser tratada e contida concomitantemente como doença e como problema social. Os prejuízos ficam nos aspectos neurológicos, cognitivos e de relação originados pelas substâncias são em sua maioria irrecuperáveis, progressivos e passam despercebidos pelo indivíduo. Os danos físicos e sociais quando percebidos impulsionam, ainda mais, o dependente químico a uma inextinguível busca pelos efeitos da droga. (Silva, 2000, p.14).

Desse modo, tendo como o uso dependente de drogas, é dever de o Estado intervir e preservar o estado de saúde do indivíduo.

3.8. Sobre a internação compulsória

De acordo com Schenker e Minayo apud Pedroso (2014, p.21), conforme seus estudos e pesquisas realizadas, quanto mais intenso o uso de drogas, mais fatores de risco existem; a atitude positiva da família com relação ao uso de drogas reforça a iniciação dos jovens; as amizades; o papel da escola; a desmotivação para os estudos, o absenteísmo, o mau desempenho escolar, a intensa vontade de ser independente, a busca de novidade a qualquer preço e a rebeldia constante; a disponibilidade e a presença de drogas no local onde o usuário mora e também o papel da mídia são fatores de risco destacados.

Não seria diferente do usuário de crack, a dependência geralmente é rápida, atrelando os seus usuários ao tráfico e também em riscos de atividades sexuais totalmente desprotegidas. Há também o caso das mulheres usuárias de crack que trocam sexo pela droga e dinheiro, amplificando ainda mais os riscos das doenças.

Praticamente todas as drogas, sobretudo o crack, ocasionam dependência física e psíquica, que duram meses, ou talvez anos, mesmo sem emprego das substâncias. E assim, a dependência é um transtorno crônico, no com grandes riscos de recaídas, exigindo tratamentos contínuos, ou seja, após a desintoxicação há necessidade de um tratamento multidisciplinar, com diversos agentes envolvidos.

A legalidade da internação, no entanto, depende da apresentação de um laudo médico, assinado por um psiquiatra, ou seja, o tratamento das pessoas diagnosticadas como dependentes de crack deve, antes de tudo, ser diagnosticado por um profissional especializado, sobretudo um médico psiquiatra.

Pela simples leitura da Lei n. 10.216/0113, o pedido judicial pela internação compulsória apenas precisa ser instruído com um laudo médico circunstanciado atestando a precisão de internação do paciente. Fora isso, cabe ao juiz competente avaliar a solicitação e verificar as condições de segurança do estabelecimento para o paciente, os outros internados e os funcionários. É o que estabelece o art. 9º da Lei nº 10.216/01:

Art. 9o A internação compulsória é determinada, ‘de acordo com a legislação vigente’, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários (BRASIL, 2001, p. 2)

Destaca-se que a Lei 10.216/2001 garante extensa assistência ao doente mental, de modo especial no que diz com o seu tratamento médico, quando no Art. 2o garante que “nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos” a: a) ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades (inciso I); b) ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade (inciso II); (...) c) ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária (inciso V).

O artigo 3º aborda que “é responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais”.

O Art. 4º trata da internação, em qualquer de suas modalidades, só será recomendada quando os recursos extras hospitalares se revelam escassos, almejando a constante (§ 1º), reinserção social do paciente em seu meio, devendo o regime de internação ser estruturado (§ 2º) de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

Já o Art. 6º, que aborda internação psiquiátrica, expõe que esta somente será alcançada por meio laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Este artigo trata da internação psiquiátrica e não necessariamente compulsória, mas o seu parágrafo único, inciso III, é que menciona o modo como esta deve ser feita, qual seja compulsoriamente, determinada pela justiça.

A internação deve acontecer em situações graves, e devem se respaldar de acompanhamentos após a saída, devem ser oferecidos serviços que ajustem os cuidados indispensáveis e, ao mesmo tempo, mantenham os vínculos familiares e sociais, diferentemente do internamento.

Segundo o posicionamento de Ribeiro e Laranjeira14, a dependência do crack é uma doença que necessita de um tratamento com metas e intervenções levando em conta as especificidades e necessidades de cada paciente, e em muitos casos, por longo prazo.

Neste sentido, o tratamento toma outro rumo e leva em consideração diversos fatores, de modo especial e particular os problemas familiares, psicológicos e físicos que encadearam e levaram o uso da droga e somente quando o paciente apresentar problemas psíquicos relevante e não tiver um suporte familiar e social, a internação será recomendada.

De acordo com Guimarães, Santos, Freitas e Araújo15, os fatores complicadores ao tratamento resumem-se: a precocidade no início do uso das drogas; o tempo de uso; as quantidades consumidas; os déficits cognitivos e em habilidades sociais; a falta de motivação para a mudança; as com morbidades; os problemas familiares e financeiros; e o grau de prejuízo social do paciente.

Ademais, ressalta-se que, os usuários de crack são mais propensos a abandonar o tratamento, tendo em vista diversos fatores, tais como: problemas com a lei; baixa habilidades sociais de enfrentamento; história familiar de transtorno mental e transtorno de dependência de álcool associada.

Não se tem como finalidade a internação compulsória a intenção de punir do indivíduo, isolar ou excluir a pessoa, mas tão somente a proteção e tratamento pós-esgotados todos os meios possíveis anteriormente realizados.

Segundo o DSM IV16 – Associação Psiquiátrica Americana – a dependência química está classificada como uma doença, pois segundo ela: “considera-se um transtorno psiquiátrico aquilo que traz um sofrimento ao paciente e restrição às potencialidades da sua vida”.

Não é exagero mencionar que a dependência química se infere como doença que traz um transtorno que faz com que a única fonte de interesse do indivíduo é a droga, perdendo totalmente a importância em outras atividades da vida, se voltando inteiramente ao consumo da droga.

Nesses casos é que se justifica a internação compulsória, quando se encontra o indivíduo em situação de risco e alto comprometimento de sua sanidade mental e física. De fato, há situações em que o indivíduo perde a capacidade de avaliação, perde a capacidade de julgamento, perde a capacidade de compreender, inclusive, o que se passa com ele mesmo.

Os argumentos contrários mencionam que com a internação compulsória o indivíduo perderia sua liberdade de escolha, ora que liberdade tem uma pessoa depois que se encontra no vício e elevado comprometimento de sua escolha? Onde está sua liberdade?

Neste contexto, não perdem os dependentes químicos, sua condição de dignidade, mas para que ela se concretize, faz-se necessária à intervenção, em diferentes graus, conforme o estado do paciente. Aqui resta evidente o limite e as tarefas dos poderes estatais, no sentido de proteger a dignidade de todos, através de medidas positivas.

O Estado não pode negar ao usuário a oportunidade de reabilitação e inserção ao convívio comunitário de forma sadia e plena às pessoas que não conseguem exercer por si só o anseio do tratamento, não se mantendo silente, ao contrário promovendo medidas para o tratamento adequado, ensejando na dignidade, por meio da promoção da saúde do usuário.

Defende Maria Helena Diniz17, que o Estado deve tratar o indivíduo que perdeu sua autonomia, com base na teoria do parens patriae, caso ele apresente perigo para si ou para outrem.

O Ministro Luís Roberto Barroso18 aduz que a autonomia é o componente ético da dignidade, baseando-se no livre arbítrio de cada um, que lhe permite buscar, à sua própria maneira, o ideal de viver bem e ter uma vida boa. E que essa autonomia implica o preenchimento de determinadas condições, dentre elas, a razão, como capacidade mental de proferir decisões.

(...) ínsito à ideia de dignidade humana está o conceito de mínimo existencial, também chamado de mínimo social, ou o direito básico as provisões necessárias para que se viva dignamente. A igualdade em

privada) são ideias dependentes do fato de os indivíduos serem „livres da necessidade‟ (free from want), no sentido de que suas necessidades vitais essenciais sejam satisfeitas. Para serem livres, iguais e capazes de exercer uma cidadania responsável, os indivíduos precisam estar além de limiares mínimos de um bem-estar, sob pena de a autonomia se tornar mera ficção, e a verdadeira dignidade humana não existir.

Para a eficácia no tratamento, o paciente não deve ser contido a tratamentos ineficientes ou ilegais, justificando-se pela não eficiência do país, tendo em vista que o próprio Estado que criou as condições favoráveis para a dependência.

Trata-se de uma medida extrema a internação compulsória, adotada somente para os dependentes químicos, em último caso, ou seja, em extrema necessidade, exclusivamente no intuito de resguardar a vida do paciente.

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo confirmou sentença prolatada por juízo singular, a pedido de uma mãe, aprovando a obrigatoriedade de internação compulsória de um usuário em qualquer unidade clínica especializada para tratamento de drogas pelo prazo prescrito por médico especializado da Rede Pública.

De início, Desembargador Ronaldo Andrade19 Relator do Acórdão, afastou a alegação de ilegitimidade do Estado mencionando que é dever do Estado (Federal, Estadual e Municipal) prestar assistência a qualquer cidadão na área da saúde:

De início, afasta a ilegitimidade arguida pelo apelante, uma vez que a obrigação pela assistência à saúde do cidadão é concorrente e solidária entre as três esferas do Poder Público, sendo certo que qualquer um dos entes da federação pode ser acionado para se alcançar o cumprimento da norma constitucional, que garante acesso do cidadão às ações da área da saúde. Com efeito, deve ser considerado que o artigo 196 da Constituição Federal impõe ao Estado (em suas três esferas) o dever de política social e econômica que visem reduzir doenças, com manutenção dos serviços pertinentes, assegurando-se direito à saúde a todos os cidadãos, sendo conveniente ressaltar que existe Sistema Único de Saúde, com financiamento de recursos da Seguridade Social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes, nos termos do que dispõe o artigo 198 da Carta Magna. A Lei nº 8.080/90, em seu artigo 2º, repetiu que a saúde é um direito fundamental do ser humano, incumbindo ao Estado prover as condições ao seu pleno exercício, disciplinando o SUS, incumbindo aos entes referidos a prestação de serviços de saúde à população.

No mérito, asseverou o Desembargador que no processo havia robustas evidências, por meio de laudo pericial, confirmando a dependência química, o que ensejaria a internação não voluntária como medida a fim de garantir a reabilitação social e proteção à família:

Há, nos autos, prova referente à necessidade de Paulo Henrique, filho da autora, ser submetido à internação compulsória, prova esta consistente no laudo pericial (69/71), assinado por médico psiquiatra, no qual o profissional informa que Paulo Henrique é dependente de drogas e deu parecer de que o mesmo deva ser encaminhado para Casa de Recuperação ou similar, pelo tempo determinado no Projeto Terapêutico da instituição na qual foi internado (ao menos 9 meses), e posteriormente ser encaminhado para tratamento ambulatorial, para prevenção de recaídas. Ora, não restam dúvidas que o quadro clínico do paciente, transtornos mentais e comportamentais em razão do uso de drogas compromete ao seu retorno ao convívio social, sendo medida de rigor sua internação.

Da mesma forma20:

Anote-se que o artigo  da Constituição Federal esclarece que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Em consagração ao princípio da dignidade da pessoa humana, e visando à proteção do direito à saúde e à integridade física e mental assegurados pela Constituição Federal, entendo cabível a internação não voluntária de dependente químico para tratamento e reabilitação social, bem como para a proteção de sua família e da comunidade a ele afeta. Ademais, o pedido da autora e genitora do dependente químico está amparado no disposto na Lei nº 10.216/01 e no Decreto nº 24.559/34, que admitem a internação de toxicômanos ou ébrios habituais por ordem judicial ou requisição de autoridade pública ou a pedido do próprio paciente ou solicitação de seu cônjuge, pai, filho ou parente até 4º, ou outro interessado. Grifo não constante no original.

Em suas conclusões finais, Andrade21 amparado em sua plenitude de lucidez, outro não foi seu entendimento:

Existe um bem maior que é a vida, com respectivo direito à saúde assegurado constitucionalmente, conforme antes mencionado, bem que tem o maior valor, devendo ser sempre o bem preponderante sobre os demais direitos assegurados no texto constitucional, significando que entre os dois valores em jogo, direito à vida e o direito do ente público de bem gerir as verbas públicas, sob qualquer ótica, deve prevalecer o bem maior, conforme antes referido. Grifo não constante no original

Também, colaborando com todo o contextualizado, outro tema que há muito foi discutido é a liberdade de religião que conflitou com o direito à vida, nos casos em que a pessoa, por liberdade religiosa, decide por não submeter à transfusão de sangue, tema recorrente na jurisprudência das cortes brasileira e trabalhos de grandes estudiosos.

No presente caso em alusão, o paciente está em plena capacidade mental para manifestar sua opção, não havendo justificativa para desrespeitar a vontade do indivíduo e realizar a intervenção médica.

FLÁCIO TARTUCE22, um dos grandes juristas na atualidade menciona que o direito à vida merece maior proteção do que o do direito à liberdade:

“Como todo o respeito ao posicionamento em contrário, entendemos que, em casos de emergência, deverá ocorrer a intervenção cirúrgica, eis que o direito à vida merece maior proteção do que o direito à liberdade, particularmente quanto àquele relacionado com a opção religiosa. Em síntese, fazendo uma ponderação entre direitos fundamentais – direito á vida X direito à liberdade ou opção religiosa-, o primeiro deve prevalecer”. Grifo nosso.

A solução encontrada, do mesmo modo, pelo Superior Tribunal de Justiça23, foi no sentido de que a vida é um bem maior, independentemente da questão religiosa, autorizando o médico a realizar a transfusão de sangue mesmo que involuntariamente:

Na hipótese de colisão de direitos fundamentais, de garantias constitucionais, a solução está na ponderação dos mandamentos em conflito, a partir da identificação das circunstâncias do caso concreto e seus reflexos na aplicação das normas colidentes, para verificação do ponto do equilíbrio indispensável à efetividade de todas as disposições constitucionais incidentes no caso concreto. Portanto, a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença prevista pelo inc. VI do art. 5º da Const. Federal não pode ser tida como absoluta. No caso sob exame, considerada a excepcional situação de iminente risco de vida para a ofendida, o alcance do equilíbrio exigiu a prevalência do direito à vida, direito que, não é demais repetir, constitui, à evidência, pressuposto à existência e ao exercício dos demais. O reconhecimento da necessidade de prevalência do direito à vida, consideradas as especificidades presentes, não importa, em absoluto, em negação da garantia constitucional concernente à liberdade religiosa, mas em solução indispensável para se tentar evitar a negação do direito à vida à ofendida, dada a possibilidade iminente de concretização de dano irreparável, o que se apresenta como razoável no âmbito do Estado Democrático de Direito, laico por definição constitucional. Grifo nosso.

Como visto, é de extrema relevância que o Estado interfira na autonomia do indivíduo como ser humano obrigando-lhe ao internamento terapêutico compulsório para segurança tanto da pessoa quanto ao demais da sociedade, posicionando-se como uma medida extrema a internação compulsória, adotada somente para os dependentes químicos, em último caso, ou seja, em extrema necessidade, exclusivamente no intuito de resguardar a vida do paciente.

Portanto, é adequado aduzir que a internação deve ser vista como medida excepcional, sendo indicada somente em hipóteses de perigo concreto, isto é, quando houver risco à integridade física, à vida, à saúde do próprio paciente ou terceiros, e isto está previsto no art. 4º, Lei 10.216/01.

4. CONCLUSÃO

Diante de todo o contextualizado no decorrer deste artigo, foi possível verificar através das pesquisas realizadas que, mesmo dispondo o indivíduo de todas as garantias particulares relacionadas à liberdade, dignidade da pessoa humana etc., é de suma relevância segundo as pesquisas que debatem sobre o tema, o dever da sociedade intervir junto aos usuários de drogas, quando estas interferem no bem maior, que é a vida, tanto sua quanto de outrem.

É de extrema relevância que o Estado interfira na autonomia do indivíduo como ser humano obrigando-lhe ao internamento terapêutico compulsório para segurança tanto da pessoa quanto ao demais da sociedade, posicionando-se como uma medida extrema a internação compulsória, adotada também para os dependentes químicos, em último caso, ou seja, em extrema necessidade, exclusivamente no intuito de resguardar a vida do paciente.

Portanto, é adequado aduzir que a internação deve ser vista como medida excepcional, sendo indicada somente em hipóteses de perigo concreto, isto é, quando houver risco à integridade física, à vida, à saúde do próprio paciente ou terceiros, e isto está previsto no art. 4º, Lei 10.216/01.

As conclusões serviram para demonstrar que mesmo o indivíduo sendo livre para o uso de psicoativos, o dever com a comunidade é imprescindível para um desenvolvimento para com sua dignidade e personalidade.

É saliente o posicionamento duplo quando se argumenta acerca da dignidade humana conforme as diretrizes da Constituição Federal, ou seja, por um lado, deve-se respeitar a autonomia do dependente, mas por outro, deve-se garantir a ele um mínimo existencial, não se podendo consentir que ele permaneça utilizando drogas, bloqueando uma vida social agradável, o comprometimento da saúde, a vida e a dignidade.

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WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Crack> Acesso em 16 jun. 2016.

1 O crack é uma mistura de cocaína em forma de pasta não refinada com bicarbonato de sódio.

2 Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Crack. Acesso em 16/06/2016.

3 Consumo de crack entre estudantes de 13 a 15 anos aumenta, diz IBGE. Disponível em: http://g1.globo.com/mg/grande-minas/noticia/2013/06/consumo-de-crack-entre-estudantes-de-13-15-anos-aumenta-diz-ibge.html. Acessado em 15/03/2016.

4 SANTOS, Carla de Aquino dos. Situação do crack na cidade de São Paulo. 2011.31p. Monografia (Especialização em gestão pública municipal) - Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá, Curitiba, 2011).

5 CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNCÍPIOS. Observatório do crack. Brasília, 2012. Disponível em: http://portal.cnm.org.br/sites/9700/9797/docBibliotecaVirtual/ Observatório do Crack (2012). Acesso em 10 fevereiro 2016.

6 PREDROSO, Rosemeri Siqueira. Trajetória do usuário de crack internado e seguimento de uma coorte retrospectiva e prospectiva / Rosemeri Siqueira Pedroso. – 2014.

7 SOUZA, Reindranath V. A. Capelo de. O Direito Geral de Personalidade. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 1995. p.203/204.

8 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL – Promulgada em 05 de outubro de 1988.

9 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Editora Atlas S. A., 2000, p. 61.

10 Obra citada, p. 62.

11 MORAES, Fernando. Senado discute internação involuntária obrigatória para usuários de Crack. Disponível em:http://ctviva.com.br/blog/senado-discute-internacao-involuntaria-obrigatoria-para-usuarios-de-crack. Acesso em: 29.03.2016.

12 Portal Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas – CEBRID. Disponível em: http://www.unifesp.br/dpsicobio/cebrid/quest_drogas/dependencia.htm. Acesso em 29/03/2016

13 BRASIL. Lei 10.216 de 06 de abril de 2001: Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Brasília: Planalto: 2011.

14 RIBEIRO, M. e LARANJEIRA, R. (2012). O Tratamento do usuário de crack. Artmed. Porto Alegre, 664 p.

15 GUIMARÃES, C. F.; Santos, D. V. V.; Freitas, R. C. e Araujo, R. B. (2008). Perfil do usuário de crack e fatores relacionados à criminalidade em unidade de internação para desintoxicação no Hospital Psiquiátrico São Pedro de Porto Alegre (RS). Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. 30 (2), 101-108. Acesso em 20 jun.2016.

16Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-IVTM

17 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 8º Ed.São Paulo. Saraiva. 2011. p 208

18 BARROSO. Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial 1º ed. 2º reimpressão. Belo horizonte. Fórum. 2013 p. 81

19 TJ-SP - APL: 10037720620148260408 SP 1003772-06.2014.8.26.0408, Relator: Ronaldo Andrade, Data de Julgamento: 13/10/2015, 3ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 23/10/2015)

20TJ-SP - APL: 10037720620148260408 SP 1003772-06.2014.8.26.0408, Relator: Ronaldo Andrade, Data de Julgamento: 13/10/2015, 3ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 23/10/2015)

21 TJ-SP - APL: 10037720620148260408 SP 1003772-06.2014.8.26.0408, Relator: Ronaldo Andrade, Data de Julgamento: 13/10/2015, 3ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 23/10/2015)

22 TARTUCE, Flávio. Direito Civil. 5ª ed., São Paulo: Método, 2009.

23 HABEAS CORPUS Nº 268.459 - SP (2013⁄0106116-5) MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora)


Publicado por: Edson Alípio Schwingel

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