A POSSIBILIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO HOMOAFETIVA

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1. RESUMO

A presente monografia tem como objetivo principal analisar a possibilidade jurídica da adoção por casais homoafetivos. Preliminarmente, adoção é conceituada de acordo com a época e a tradição de cada sociedade, englobando, por isso, princípios e tradições distintas em cada uma delas. Sua origem coincide com o surgimento do culto religioso, pois acreditava-se que, para existir a perpetuidade familiar, cumprindo a continuidade patrimonial, entre aqueles que não poderiam gerar filhos, deveria haver o instituto da adoção. A adoção homoafetiva integra o Direito de Família e encontra-se alinhado entre os mais complexos temas do conhecimento cujo centro é o ser humano em formação. Trata-se de um assunto que requer grande reflexão, uma vez que não se trata apenas de um procedimento legal para conferir legitimidade sobre uma criança ou sobre um adolescente e, sim, propiciar que a adoção leve-nos a dar e receber muito amor ao semelhante. Por fim, discorre, também, sobre o atual momento vivido pelo sistema judiciário quando trata sobre o tema e a realização do estudo doutrinário, jurisprudencial e legislativo, sobre os principais aspectos que envolvem a adoção por pares homoafetivos.

Palavras-chave: Criança. Adolescentes. Adoção. Homoafetivo.

2. INTRODUÇÃO

O instituto da adoção, que visa a inserir o menor em um seio familiar, é utilizado por muitos casais e por muitas pessoas, que ficam esperando por um lapso temporal muito extenso e por trâmites burocráticos para que, assim, consigam realizar o sonho de ter um filho em seu meio familiar.

Dentre os inúmeros problemas sociais no Brasil, destaca-se o crescente número de crianças e adolescentes institucionalizadas, à espera de um lar que nunca chega. O grande número são consequências de uma série de fatores, dentre os quais se destacam as alterações ao Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), que, ao tentar efetivamente proteger crianças e adolescentes, acabou burocratizando o processo de adoção, tornando-o demasiadamente demorado. A dificuldade reflete-se naqueles que se propõem adotar e que acabam por desistir do processo em vista sua morosidade, como também naqueles que anseiam por um lar e têm frustrado, por diversas vezes, seu sonho de fazer parte de uma família.

Infelizmente, nos dias de hoje, os interessados já premeditam seus gostos, de modo que a procura maior para a adoção é de crianças que sejam bebês, ou crianças pequenas, de cor branca, e que não apresentem nenhum problema físico ou psíquico, implicando que, por isso, a estatística de crianças maiores, negras, e com deficiências ou doenças crônicas, continuem por mais tempo em orfanatos e instituições e demorem a serem adotadas.

Assim, os futuros pais procuram satisfazer os seus interesses quanto a criar o filho que eles idealizaram e não se preocupam com as necessidades de uma criança que busca, por meio da adoção, conviver em uma família. Convém ressaltar ainda que o objetivo da adoção é proporcionar os reais benefícios ao menor, considerando os aspectos educacionais, emocionais e sociais, e não, o interesse dos adultos.

Nesse contexto, a adoção homoafetiva integra o Direito de Família e encontra-se alinhada entre os mais complexos temas do conhecimento cujo centro é o ser humano em formação. Trata-se de um assunto que requer grande reflexão, uma vez que não se trata apenas de um procedimento legal para conferir legitimidade sobre uma criança ou sobre um adolescente e, sim, garantir que a adoção leve-nos a dar muito amor ao semelhante e dele receber.

Aprofundando a investigação sobre o âmago da questão, ou seja, a adoção de crianças e adolescentes pelo par homoafetivo, destacamos que o legislador omitiu-se acerca do assunto, mas o Judiciário, por meio de vários julgados, busca resguardar os direitos ao casal composto por cidadãos do mesmo sexo. Ressalta-se também que não há uma ofensa ao princípio da separação dos poderes, todavia, como o legislador omitiu-se do assunto, coube ao Judiciário aplicando, a interpretação extensiva da norma ou a analogia, solucionar as lacunas legislativas, salvaguardando o direito à parentalidade dos casais homoafetivos, deferindo os pedidos de adoção de crianças e adolescentes por esses casais. Na legislação brasileira, não há, de fato, restrição de adoção por pessoas do mesmo sexo, além de a legislação ser omissa também sobre a possiblidade de esses casais adotarem.

Em linhas gerais, observamos que a adoção de crianças e adolescentes pelo casal homoafetivo deve ser viabilizada priorizando o melhor interesse de crianças e adolescentes, que lotam os abrigos, proporcionando-lhes afeto e melhores oportunidades, proveitos que os abrigos, infelizmente, não têm a capacidade de promover, pela quantidade de internos e pela falta de recursos repassados pelo Estado.

Dessa forma, chegou-se aos seguintes questionamentos: Quais são os obstáculos encontrados pelos casais homoafetivos para a adoção diante da falta de regulamentação específica? Como a influência da sociedade pode contribuir para esse processo?

Retorna-se, então, ao objetivo geral desta pesquisa, que é analisar a possibilidade jurídica da adoção por casais homoafetivos e fixar, como objetivos específicos, definir os conceitos jurídicos de adoção e união homoafetiva, interligando-os e analisando suas características; demonstrar a importância jurídica do reconhecimento da união estável homoafetiva para a adoção, bem como discorrer sobre a atual posição da sociedade perante a pluralidade de famílias e a sua relevância na evolução dos direitos homoafetivos; analisar a possibilidade jurídica da adoção por casais do mesmo sexo nesse novo paradigma de entidade familiar, utilizando o amparo legal dos dispositivos pertinentes e uma avaliação da jurisprudência, aspectos importantes no desenvolvimento dessa pesquisa.

A metodologia utilizada nesta monografia é a pesquisa bibliográfica e documental, por meio de livros, artigos, leis, além de jurisprudências relacionadas ao tema em tela.

Esta monografia está dividida em três capítulos, além da introdução e conclusão. O primeiro capítulo refere-se às crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, enfatizando o direito à convivência familiar e comunitária como direito humano e fundamental de crianças e adolescentes no Brasil. No segundo capítulo, expõe-se a adoção no ordenamento jurídico brasileiro, desde o histórico aos efeitos da adoção. O terceiro capítulo analisa a adoção por pares homoafetivos, dando ênfase principal à criança e ao adolescente.

3. CRIANÇAS E ADOLESCENTES COMO SUJEITOS DE DIREITOS

Entende-se que tanto as crianças quanto os adolescentes são sujeitos de direitos e reconhecidos mundialmente por meio das Constituições Federais de cada país, das Convenções Internacionais, da Doutrina da Proteção Integral, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e de tantos outros institutos de proteção. O direito à convivência familiar é, na verdade, aquele que mais interage na formação e desenvolvimento da criança e do adolescente. Torna-se, portanto, imprescindível à convivência familiar, especialmente quando essa convivência for salutar, sadia e harmoniosa, pois, se assim não for, a tendência é concorrer para que essas crianças e adolescentes encontrem muitas dificuldades no seu desenvolvimento intelectual e pessoal.

3.1. Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC)

O Brasil sempre se fez presente em todos os Tratados e Convenções Internacionais, estando sempre a favor dos Direitos da Criança. Foi assim com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, que se realizou em Nova Iorque em novembro de 1989, e foi ratificada como instrumento, em setembro de 1990.

Em nosso país, a história da conquista dos direitos das crianças e dos adolescentes é de certa forma recente e só foi conseguida após uma longa comoção internacional em favor desses direitos. Hoje, não se desconhece que esses direitos são bastante significativos e revestem-se absoluta prioridade. A propósito, a legislação que rege o assunto no Brasil é bastante ampla, iniciando-se pela Constituição Federal de 1988, que trata do assunto como um ‘Direito Fundamental’, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além de uma vasta legislação complementar que abrange todos os tratados e convenções internacionais.

Independentemente dos deveres dos pais e da sociedade, o Estado é diretamente responsável por esses direitos, cabendo-lhe o dever de assisti-los em tudo que diga respeito à saúde, à alimentação, à habitação, à educação, à formação profissional, inclusive concedendo aos pais tudo o que for necessário para que promovam os referidos direitos a essas crianças e adolescentes.

Esta Convenção tem como precedente a Declaração dos Direitos das crianças de 1959, no que se considera que toda criança, pela sua falta de maturidade física e mental, necessita de proteção e cuidados especiais, inclusa a correspondente proteção legal, e insta aos pais, às organizações particulares, às autoridades locais e aos governos nacionais para que reconheçam os direitos das crianças e lutem por conseguir a realização com medidas legislativas e de qualquer outra índole. O objetivo é que as crianças possam ter uma infância feliz e gozar, em seu próprio bem, e para o bem da sociedade, dos direitos e liberdades que lhes correspondem. (DALMASSO, 2004, p. 455)

Acresça-se que, segundo o que estabelece o artigo 1º da mencionada Convenção, deve-se entender como criança e adolescente todo menor de 18 anos. Seguindo esse parâmetro, os Estados (Nações) comprometem-se a adotar todas as medidas necessárias para garantir que esses menores recebam toda a proteção e todos os cuidados para o alcance do seu bem-estar, sem esquecer a proteção dos pais ou responsáveis para que, com essa finalidade, tomem as medidas adequadas.

Na visão de Dalmasso (2004, p. 455), “com a incorporação ao direito interno da Convenção dos Direitos da Criança, ninguém poderá argumentar que se trata de normas meramente programáticas”.

Essa Convenção Internacional de 1959 é considerada um marco revolucionário na consecução dos direitos das crianças e dos adolescentes e “consiste no primeiro instrumento internacional que vem fixar um enquadramento jurídico completo para a proteção dos direitos da criança” (ALBUQUERQUE, 2004, p. 40).

A grande diferença entre a Convenção e a Declaração dos Direitos da Criança reside no facto de aquela tornar os Estados que nela são partes juridicamente responsáveis pela concretização dos direitos da criança que a mesma consagra e por todas as ações que adoptem em relação às crianças, enquanto a Declaração impunha simplesmente obrigações de natureza moral que se reconduziam a princípios de conduta para as nações. (BOLIEIRO; GUERRA, 2009, p. 15)

Os países que integraram a referida Convenção reconheceram o direito de toda criança a usufruir um nível de vida que satisfaça o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social, além de se haverem comprometido a adotar medidas apropriadas para ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pelas crianças a conceder-lhes este direito e, se necessário, prestar-lhes a assistência material e garantir bens de apoio, como nutrição, vestuário e habitação.

Considere-se, por oportuno, que todas essas nações foram unânimes em comprometer-se a zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade deles, exceto quando, por medida judicial, as autoridades determinarem, em conformidade com a lei e os procedimentos legais, que tal separação é necessária ao próprio interesse das crianças.

3.2. Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal Brasileira, já em seu preâmbulo, declara que o Estado brasileiro assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, e reforça esse princípio no Título I, que é dedicado aos Direitos Fundamentais.

O artigo 227 expressa, de forma clara, ser dever da família, da sociedade e do Estado garantir à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de protegê-los de qualquer tipo de discriminação, exploração, violência, crueldade, opressão e negligência. Ainda nesse artigo, o Estado compromete-se a promover programas assistenciais, podendo contar com a participação de entidades não governamentais.

O artigo 229 expressa a obrigatoriedade que cabe aos pais de assistir, criar e educar os filhos menores, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (§ 7º do art. 226), sendo que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram (§ 8º do art. 226), entendendo como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (§ 4º do art. 226). No entanto, o artigo 228 declara a inimputabilidade dos menores de dezoito anos, que ficam sujeitos às normas da legislação especial. (DALMASSO, 2004, p. 454)

A Constituição Federal Brasileira de 1988, ao declarar os Direitos das crianças e dos adolescentes, é clara e objetiva ao determinar aos Poderes Públicos a obrigatoriedade de atuar de acordo com os princípios nela estabelecidos.

Veronese (1999, p. 47) destaca que essa lei veio aprofundar a CF de 1988, pois:

Apesar de toda a inovação no que tange à assistência, proteção, atendimento e defesa dos direitos da criança e do adolescente, constantes na Constituição Federal, eles não se poderiam efetivar não regulamentados em lei ordinária. Se assim não fosse, a Constituição nada mais seria do que uma bela, mas ineficaz carta de intenções.

Diante do que foi explanado, está evidente a evolução de legislação abordando a criança e o adolescente, cada um respeitando as peculiaridades do seu momento histórico. Também está patente a dificuldade que encontramos no momento da aplicação dessas mudanças, haja vista que ainda não estamos preparados para desempenhar tal tarefa.

3.3. Princípios de Proteção à Criança e ao Adolescente

Dessa forma, podemos conceber os princípios norteadores do Estatuto da Criança e do Adolescente como uma extensão dos princípios fundamentais constitucionalmente tipificadas dos artigos primeiro ao quarto, expressando-se de forma complexa e abrangente, na tentativa de resguardar e proteger os direitos estabelecidos por tal Estatuto.

3.3.1. Princípio do melhor interesse

O princípio do Melhor Interesse é outro princípio correspondente ao Direito Penal Juvenil. Cumpre como principais objetivos abranger as restrições de direitos contidas nas medidas socioeducativas e garantir o sistema preventivo previsto no Estatuto. Significa que, se essas medidas correspondem a uma resposta penal, com restrição de direitos ao jovem infrator, a restrição deve ser a mínima possível.

No artigo 227 da CF, assim como o artigo 3º, 1, da Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, verifica-se que é preciso analisar, no caso concreto, qual é a melhor solução para o menor: “Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”.

As medidas socioeducativas, quanto as garantias penais e processuais constitucionalmente atribuídas aos adolescentes, devem guardar consigo uma certa integração, para a sua maior eficácia na execução. Tais medidas, juntamente com as garantias penais e processuais, funcionam como um instrumento de controle do Estado, uma vez que limitam seu poder de punir, impedindo com isso certas irregularidades, como medidas abusivas, inclusive de privação de liberdade.

[...] não há de se ignorar que o ECA instituiu no país um sistema que pode ser definido como de Direito Penal Juvenil, pois ele estabelece um mecanismo de ‘sancionamento’, de caráter pedagógico em sua concepção e conteúdo, mas retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema penal, enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo. (SARAIVA, 2010, p. 85)

Portanto, reconhecer, e não, inventar, um Direito Penal Juvenil implica atribuir a essa classe específica, objeto de um sistema normativo diferenciado, a mesma base principiológica que orienta o sistema penal em seu todo, nunca esquecendo, contudo, que a própria separação das legislações cumpre uma finalidade, que não há de ser desvirtuada quando da adaptação de tais princípios.

De fato, o ECA obedeceu à integração do ordenamento, persistindo nas medidas socioeducativas, à natureza punitiva porque, executadas com métodos pedagógicos, a sua real finalidade é a integração do adolescente na família e na comunidade, conduzindo-o a uma efetiva integração social.

3.3.2. Princípio da prioridade absoluta

O Princípio da Prioridade Absoluta encontra-se previsto no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, bem como no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei nº 8.069/90, além de tratados e convenções internacionais e de outros institutos que regulam o referido princípio.

Independente do que determina a CF/88 e o próprio ECA, além de toda uma legislação nacional e internacional, há consenso de que o problema da criança e do adolescente encontra-se centrado na convivência familiar, uma convivência sadia, harmoniosa e de respeito, pois é dessa forma que se propicia que a criança e o adolescente comprovem um desenvolvimento pleno em todos os sentidos.

Não basta, pois, apenas a prioridade e, sim, o cumprimento desses direitos previstos na legislação, de tal modo que o Estado é o principal responsável, conforme preceitua a Constituição Federal, pela implementação de políticas públicas que atendam aos interesses desses menores e de seus familiares no sentido de prover as condições mínimas necessárias para que os direitos das crianças e dos adolescentes possam prevalecer.

3.3.3. Princípio da municipalização

Os constituintes responsáveis pela elaboração da Constituição Federal de 1988 foram sábios no que concerne às políticas governamentais na área da assistência social, como está disposto no artigo 204, inc. I da CF/88:

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;

Daí surgiu o Estatuto da Criança e do Adolescente que, em seu artigo 88, inc. I, assim dispõe:

Art. 88 São diretrizes da política de atendimento

I – municipalização do atendimento [...]

Dessa forma, para que se atenda às necessidades das crianças e dos adolescentes como manda a legislação pertinente, faz-se necessário um atendimento municipalizado como forma de atender às características específicas de cada região. Considere-se que, sendo o Brasil um país de dimensão continental, somente com a municipalização poder-se-iam implementar as políticas de atendimento de forma eficiente, pois, quanto mais próximo dos problemas existentes, mais de perto conhecidas as causas da existência dos problemas, mais fácil torna-se encontrar as soluções.

Nesse sentido, cabe analisar o Conselho Tutelar, que foi criado em conjunto com o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) para auxiliar no cumprimento das normas de proteção das crianças e adolescentes. Sua criação e funcionamento devem ser estabelecidos por lei municipal, de modo que, devido a sua autonomia funcional, não há subordinação a outro órgão estatal.

Conforme o artigo 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a definição do Conselho Tutelar mostra-se como “um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei”.

Convém repetir que foi um instrumento criado para a efetivação dos Direitos da Criança, com o objetivo de efetivar as normas estabelecidas no artigo 227 da Constituição Brasileira de 1988, assegurando o cumprimento desses direitos com absoluta prioridade.

O Conselho Tutelar, no entendimento de Elias (1994, p.112), é o órgão que representará a sociedade, uma vez que seus membros são por ela escolhidos para atribuições relevantes perante todos os membros da sociedade, mas principalmente para as crianças e os adolescentes. Cury (2006, p. 457) acrescenta que o Conselho Tutelar recebe o encargo de atender crianças e adolescentes que estejam em situação de risco pessoal e social, em razão de os seus direitos terem sido ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado.

Quanto às exigências da formação superior e da comprovação do compromisso com a criança e com o adolescente, tornam-se requisitos condutores e necessários de competência profissional, que é fundamental à prestação desse serviço social, uma vez que atenderá famílias que se encontram desestruturadas social e moralmente e necessitam receber orientação especializada.

Somente assim, o técnico profissional se revestirá de absoluta firmeza e confiança para apresentar a solução mais adequada diante do problema apresentado, e a família que recebeu a assistência revelará mais segurança em seguir tais conselhos.

Considere-se também que o Conselho Tutelar é mais que apenas um órgão assistencial; ele é, de fato, uma autoridade administrativa que aplica medidas jurídico-administrativas exigíveis, obrigatórias para garantir a efetividade de que fala a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (artigos 101 e 136 do ECA).

3.4. Direito à convivência familiar e comunitária como direito humano e fundamental de crianças e adolescentes no Brasil

A convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes no Brasil define-se como um direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988 e ratificado com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, com a Lei nº 8.069/1990. Dessa forma, fica claro que cabe ao Estado a obrigação de proteger a família, assim como proteger os menores de idade, pois é a forma de proteção e garantia do direito.

O direito à convivência familiar, tendo sua fundamentação prevista em lei, mostra da sua importância no desenvolver da criança e adolescente no seio familiar, onde recebe doses de afetividade, respeito e proteção, ingredientes indispensáveis na formação do ser humano.

O direito à convivência familiar diz respeito aos direitos humanos e sociais que exibem caráter de universalidade, e constitui-se em mais uma exigência da garantia da cidadania, devendo, por isso mesmo, ser viabilizado por meio de políticas públicas, pelo que se compõe como um dever do Estado por que “a família, como base da sociedade, tem especial proteção do Estado” (Constituição Federal do Brasil de 1988 - art. 226), sendo esse dever do poder público extensivo às três esferas de governo - federal, estadual e municipal.

O que, afinal, observa-se é um cenário que busca a construção de uma sociabilidade fundada na questão social de que as crianças e os adolescentes precisam para poder alcançar um desenvolvimento pleno de suas capacidades. É um cenário conservador no qual:

[...] atingem-se as formas culturais, a subjetividade, as identidades coletivas, erodindo projetos e utopias. Estimula um clima de incerteza e desesperanças. A debilidade das redes de sociabilidade em sua subordinação às leis mercantis estimula atitudes e condutas centradas no indivíduo isolado, em que cada um “é livre” para assumir riscos, opções e responsabilidades por seus atos em uma sociedade de desiguais (Iamamoto, 2007, p. 144).

Já quanto à questão da adoção, é uma medida de efeitos ilimitados, pois conduz ao completo e irrevogável desligamento do adotado de sua família biológica, passando a integrar-se à família adotiva, pelo que a legislação constitucional determine não mais como filho adotivo e, sim, como filho natural, sendo-lhe outorgados os mesmos direitos dos filhos naturais.

Esse estado de filiação por adoção refere-se ao direito personalíssimo, que só pode ser exercido pelos pais do menor de idade. Os próprios avós, paternos ou maternos, não podem reconhecer alguém como seu neto, sem que antes seja reconhecido pelos pais. Da mesma forma, um terceiro afirma a maternidade ou paternidade em nome de outrem, exceção quando se portar com procuração de poderes específicos.

Observa-se que, caso os pais não garantam aos filhos todos os seus direitos fundamentais por negligência ou omissão, deverão ser incluídos nas medidas previstas no art. 129 do ECA:

São medidas aplicáveis aos pais ou ao responsável:

I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção;

II – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

III – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;

IV – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;

V – obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar;

VI – obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;

VII – advertência;

VIII – perda da guarda;

IX – destituição da tutela;

X – suspensão ou destituição do poder familiar.

Parágrafo único. Na aplicação das medidas previstas nos incisos IX e X deste artigo, observar-se-á o disposto nos arts. 23 e 24.

Imperioso faz-se, portanto, reconhecer o caráter didático dessa nova orientação, fortalecendo o convívio entre pais e filhos. Chama-se a atenção a um agravante, produto dos conflitos da convivência familiar, conhecido por alienação parental ou implantação de falsas memórias, prática irresponsável desde sempre.

4. A ADOÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A adoção, cuja atual concepção visa a resgatar a dignidade humana de menores desamparados, propõe como principal finalidade a proteção deles.

4.1. Histórico

O instituto da adoção passou por diversas alterações no decorrer do tempo. Na idade Antiga, ela já era utilizada, no entanto, não se buscava o bem da criança ou adolescente; seu principal objetivo era, na verdade, meramente religioso, com ela buscava-se manter a continuidade a família e, sobretudo, evitar a morte sem deixar descendentes, porque o importante era ter um familiar para dar prosseguimento aos ascendentes.

Apoiamo-nos em Sznick (1999, p. 25):

Desde os antigos, o instituto da adoção foi conhecido e usado; verdade é que o instituto não possuía a configuração como conhecemos hoje. Adoção, contrato pelo qual o adotante se constitui, por meio legal, pai do adotado, com maior ou menor amplitude, era conhecida dos antigos e tinha uma função específica, como a da perpetuação dos deuses e do culto familiar, com os ritos e oferendas. Vê-se, in casu, especialmente, o culto dos deuses familiares como um fim que devia ser perpetuado.

Verifica-se, por tal informação, que a adoção cumpria fundamentos meramente religiosos. De início, era estabelecido que as mulheres não estivessem aptas a adotar, de modo que tal faculdade era reservada somente aos homens, além de que tal instituto recebia interferências do Direito Canônico, da Igreja Católica. Ao decorrer do tempo, o pensamento religioso que comandava a adoção foi enfraquecendo-se, o que fez passar a ser permitida a adoção concretizada por algumas mulheres, somente no caso em que elas houvessem perdidos seus filhos.

Com o advento do Código Civil de 1916, a adoção levava em consideração o interesse do adotante, que estava sempre em primeiro lugar, e era o que deveria ser observado no momento da adoção, pelo que os interesses do adotado eram observados em último plano.

Esse mecanismo jurídico permitia que apenas casais que não podiam gerar filhos passassem a adotar; era também exigido, como requisito, que o adotante tivesse mais de cinquenta anos de idade, o que acontecia porque um casal com uma idade já avançada tinha poucas possibilidades de ainda chegar a procriar. Já em relação ao adotado, ele não era totalmente integrado na família adotiva, ao contrário, continuava vinculado aos seus parentes consanguíneos, visto que apenas o pátrio poder era transferido aos pais adotivos. Em relação às normas sobre a adoção registradas no Código Civil de 1916, Dias (2004, p. 157- 158) melhor explica-nos:

Coube ao Código Civil de 1916, nos artigos 368 a 378, introduzir sistematicamente o instituto no sistema jurídico brasileiro. Pela redação original, os maiores de 50 anos que não tivessem filhos ‘dados pela natureza’ podiam adotar, devendo ser de 18 anos a diferença entre adotante e adotado. Era exigido o consentimento dos pais ou do tutor do próprio adotando, no caso de ser maior ou emancipado.

A lei n. 3.133 de 1957 implicou que o instituto da adoção passasse por uma significativa evolução. Com o advento dessa lei, o pensamento de que o principal objetivo para adotar uma criança ou adolescente era a impossibilidade de casais com uma idade já avançada não poderem constituir prole, não passou a ser o único; começou-se a pensar principalmente no adotado, permitindo, assim, que crianças desamparadas passassem a conviver em uma família, em um lar. Permitiu-se ainda que pessoas com mais de trinta anos de idade pudessem adotar, independente de elas criarem ou não filhos naturais. Os casais que desejassem adotar também deveriam haver completado cinco anos ou mais de casados, sendo que ao adotado cabia a faculdade de poder desligar-se da família adotiva, logo após completar a maioridade, existindo a possibilidade da revogabilidade da adoção.

Posteriormente, veio a lei 4.655 de 1965, disciplinando o ordenamento brasileiro da chamada “legitimação adotiva”, cujo objetivo era resguardar o menor abandonado, criando um vínculo de parentesco entre adotante e adotado, e permitiu que o menor adotado se desvinculasse de vez dos parentes naturais, rompendo-se os laços de sangue.

Já o surgimento do Código de Menores, Lei n. 6.697 de 1979 fez surgir a adoção plena no Brasil, por isso a criança e o adolescente adotados passaram a ser definitivamente integrados na sua família adotiva. O filho adotivo passou, então, a ser tratado e respeitado na sociedade como filho biológico do adotante, desvinculando-o do parentesco com a família natural, porém a “adoção plena” era aplicada somente ao menor em “situação irregular”.

Com a ratificação da Constituição Federal da República do Brasil de 1988, deixou de existir qualquer tipo de diferença entre os filhos, inexistindo a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, passando os filhos a usufruírem os mesmos direitos e a mesma proteção, independente de serem biológicos ou adotivos. Confirma-se a referida proteção presente no artigo 227 da CF/88:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Tal igualdade também está prevista no art. 1.626 do CC: “A adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os parentes consanguíneos, salvo quanto aos impedimentos para o casamento”. Ocorrendo esse instituto, passará o adotante a ser o detentor do poder familiar sobre o adotado.

Em 1990, entrou em vigor a Lei n. 8.069, denominada de Estatuto da Criança e do Adolescente, impondo à adoção sofrer enormes e importantes transformações. O ECA é o estatuto que veio para ampliar os direitos das crianças e dos adolescentes já elencados no Código Civil de 1916 e na Constituição Federal de 1988.

Pode-se, além disso, afirmar que o atual instituto da adoção iguala os filhos adotivos aos filhos naturais. A adoção evoluiu verdadeiramente, chegando então a priorizar o interesse do adotado em respeito ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, em ser parte de uma família, mesmo que meramente afetiva.

4.2. Conceitos

A adoção é um ato de amor, de responsabilidade com o próximo, é decisão de inserir uma criança ou um adolescente em um seio familiar, sem o seu mesmo sangue, ou a mesma genética dos que estão adotando; é tornar uma criança filho, proporcionar-lhe os meios materiais e os valores morais, para que a criança sinta-se em casa, mesmo sabendo que foi concebida por outros genitores. Diniz (2011, p. 546), a esse respeito, afirma que:

A adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.

Na concepção de Gonçalves (2009, p. 341), a “Adoção é o ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha”. Dessa forma, a adoção é o ato em que o adotante acolhe em sua família o adotado, na condição de filho.

No aspecto subjetivo, conceitua Souza (2001, p. 24):

A adoção envolve vocação, vontade interior de desenvolver a maternidade e a paternidade instintivas, pelo real desejo de se ter um filho. Reflete o desejo de constituir família por decisão madura, dialogada e refletida.

Diante da diversidade de conceitos, a exemplo dos supracitados, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/1990, discorre em seu artigo 41, caput, “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”.

Segundo Lôbo (2011, p. 75),

O princípio do melhor interesse significa que a criança ou o adolescente, segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, deve ter seus interesses tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade, e pela família, tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas relações familiares, como pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade.

A esse respeito, a Constituição Federal no artigo 227, caput, dispõe, sobre o princípio integral da criança e do adolescente, que o adotante deve oferecer à criança os direitos humanos fundamentais, quais sejam vida, saúde, alimentação, educação, lazer, cultura, dignidade, dentre outros bens.

Para Venosa (2012, p. 327),

A adoção é modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural. Daí ser também conhecida como filiação civil, pois não resulta de uma relação biológica, mas de manifestação de vontade, conforme o sistema do Código Civil de 1916, ou de sentença judicial, no atual sistema.

A adoção é, afinal, um ato jurídico, solene e complexo, no qual se criam relações análogas ou idênticas às decorrentes da filiação legítima, um status semelhante ou igual entre o filho biológico e o filho adotivo. Nesse sentido, analisaremos o conceito de Miranda (2001), a adoção é o ato solene pelo qual se cria entre o adotante e o adotado, relação fictícia de paternidade e filiação.

Por fim, Gomes (2001, p. 369) conceitua a adoção como “o ato jurídico pelo qual se estabelece, independentemente do fato natural da procriação, o vínculo de filiação”. Diante da análise à doutrina acerca do tema em questão, percebe-se, assim, que adotar não é tarefa tão simples; é, sim, um ato que deve ser pensado e analisado com todo cuidado, visto que, depois da sentença, não se pode voltar atrás e desistir, porque o ato da adoção é irrevogável.

4.3. Requisitos

Pelas normas, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), diploma legal que estabelece os requisitos que devem preencher aqueles que se dispõem a adotar uma criança ou adolescente, expressa em seu texto que qualquer pessoa com mais de dezoito anos pode adotar, independentemente do estado civil, desde que seja civilmente capaz. Sobre a legitimidade para a adoção, manifestam-se Farias e Rosenvald (2015, p.916):

Toda e qualquer pessoa tem o direito à convivência familiar, podendo, eventualmente, ser estabelecida através de uma adoção. Assim, uma pessoa humana – seja solteira, viúva, divorciada etc. – pode adotar, desde que revele adequadas condições para a inserção do adotando em núcleo familiar substituto.

Apesar de expressamente autorizar em seu artigo 42 que podem adotar os maiores de dezoito anos capazes civilmente, independente do estado civil, o ECA, ao tratar da adoção por ascendentes e pelos irmãos do adotado, dispõe de forma expressa pela impossibilidade da adoção nesses termos, por ser incompatível com a medida. Sobre tal impedimento, manifesta-se Madaleno (2013, p. 643):

O Estatuto adotou a lógica de que não tinha o menor sentido um filho ser adotado pelos seus avós e se tornar irmão da sua mãe ou pai biológicos, porque os vínculos de parentesco já existem em segundo grau na linha reta descendente dos avós para com seu neto.

Sob mais um aspecto, para a adoção ser efetivada, são imprescindíveis que alguns requisitos sejam cumpridos, quais:

Que o adotando seja maior de dezoito anos, independentemente do estado civil, ou casal que esteja ligado por matrimônio ou união estável, e ainda que seja comprovada a estabilidade familiar, e estejam inscritos no cadastro estadual e nacional de pessoas ou casais devidamente habilitados para a adoção.

O adotante terá que ter pelo menos dezesseis anos a mais que o adotado, conforme determinam as regras do artigo 42, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, em função de que não seria concebível adotar um filho de igual idade ou superior à idade do pai, ou da mãe, uma vez que é imprescindível que o adotante seja mais velho e detentor de uma capacidade para desempenhar o papel familiar, como prevê a jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO CUMULADA COM DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. DIFERENÇA MÍNIMA DE IDADE ENTRE ADOTANTES E ADOTADA. EXIGÊNCIA LEGAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. SITUAÇÃO QUE DEVE SER ANALISADA CASO A CASO. A diferença etária mínima de dezesseis anos entre adotante e adotado é requisito legal para a adoção (art. 42, § 3º, do ECA) que deve ser analisada individualmente. Pertinência da instrução para apuração dos demais elementos à adoção. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70043386580, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: [...] (TJ-RS - AC: 70043386580 RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Data de Julgamento: 25/01/2012, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 26/01/2012).

Quando a adoção é por casal, basta que um dos cônjuges, ou conviventes, seja dezesseis anos mais velho que o adotado, podendo, assim, um dos dois apresentar diferença de idade inferior à estabelecida no dispositivo legal.

Com o consentimento do adotante, do adotado, de seus pais ou de seu representante legal, não cabe matéria de suprimento judicial. Em caso de o adotado ser menor de doze anos, ou se for maior incapaz, cumpre aquiescer por ele seu representante legal, mas, se for maior de doze anos, será necessária sua permissão colhida em audiência, por isso deverá ser ouvida para manifestar sua concordância na presença do juiz e do Ministério Público.

Sempre que for possível, a criança ou o adolescente serão previamente ouvidos por uma equipe, respeitando o estágio de desenvolvimento e o grau de compreensão do adotado, com relação às implicações da adoção, além de expressar sua opinião, segundo o artigo 28, parágrafo 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Exige-se intervenção judicial na sua criação, pois somente se aperfeiçoa perante o juiz, em processo judicial, com a intervenção do Ministério Público, incluindo caso de adoção de maiores de dezoito anos de idade. A adoção de maior de dezoito anos dependerá de assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva, e não dispensa o processo judicial, de modo que o juiz da Vara de Família deverá examinar se foram, ou não, obedecidos os requisitos legais, além do que deverá constar se a adoção é conveniente para o adotado.

Quando concretizada a adoção, ela será irrevogável, ainda que os adotantes cheguem, posteriormente, a gerar filhos, porque o adotado passou a gozar dos mesmos direitos e deveres de qualquer filho natural, proibindo-se quaisquer designações discriminatórias quanto à filiação. Trata-se, na verdade, de ato personalíssimo e exclusivo.

Por sua natureza contratual, ao lado da institucional, a adoção exige convergência das vontades de uma só pessoa. Constitui em realidade uma faculdade jurídica do adotante, em relação ao qual os filhos havidos do casamento não impõem nenhuma interferência e nem devem, por isso, ser ouvidos.

O estágio de convivência entre o adotado e o adotando é determinado pela autoridade judiciária, sendo observadas as peculiaridades de cada caso, tendo como base o artigo 46 do ECA, podendo este ser dispensado se o adotado já estiver sob a guarda ou tutela do adotante por um tempo suficiente para efetivar-se uma avaliação de convivência.

Revela-se a importância da adoção na sociedade como meio de possibilitar que crianças e adolescentes que aguardam ansiosamente nos abrigos, possam conviver em um seio familiar saudável, onde sua única preocupação seja a escola e o direito de realmente ser criança, apagando qualquer lembrança dolorosa do passado; É, pois, dever de toda a sociedade proteger todas as crianças e adolescentes e propiciar-lhes uma vida digna e um convívio saudável.

4.4. Efeitos da adoção

A filiação natural gera vários direitos e deveres dos pais para com os filhos e destes perante aqueles que lhes deram a vida, enquanto o instituto da adoção é a criação de filiação através de uma conexão afetiva com uma pessoa independente de vínculo consanguíneo, garantindo direitos e deveres iguais aos da prole biológica, pois “imita” a filiação natural. Com os avanços do ordenamento jurídico não se faz mais qualquer distinção entre filhos, seja de nomenclatura ou benefícios e obrigações e denotam-se os vários efeitos da adoção na vida dos adotantes e adotado. Sobre os efeitos da adoção, prevê o artigo 47, § 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Artigo 47 – O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.

[...]

§ 7º - A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva, exceto na hipótese prevista no §6º do art.42 desta Lei, caso em que terá força retroativa à data do óbito.

Destaca-se como um dos efeitos da adoção na vida do adotando a perda de qualquer vínculo de filiação ou parentesco com sua família natural, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais, já que a criança ou adolescente após serem adotados por uma nova família desligam-se automaticamente dos seus laços familiares originários, passando a pertencer a uma nova família que exercerá a partir desse momento o poder familiar.

Entende-se como poder familiar o conjunto de direitos e deveres que são atribuídos aos pais com respeito aos filhos e à sua pessoa, como também no que diz respeito aos seus bens.

Cumpre ainda ressaltar que a adoção produz duas ordens de efeitos, os pessoais e os patrimoniais. Acerca do principal efeito pessoal atribuído ao adotado decorrente da adoção, é a condição de filho legítimo do adotante. Enfatiza Gonçalves (2009) que, os efeitos de ordem pessoal dizem respeito ao parentesco quando o adotado passa a ser filho do adotante, tudo equiparado ao consanguíneo, como preceitua o artigo 227, parágrafo 6º da Constituição Federal.

O artigo 1627 do Código Civil determina que a sentença de adoção “confere ao adotado o sobrenome do adotante, podendo determinar a modificação de seu prenome, se menor, a pedido do adotante ou do adotado”. O sobrenome conferido ao adotado deve ser o mesmo dos outros filhos, para não evidenciar qualquer discriminação entre os irmãos, visto que é vedada no texto constitucional no artigo 227, parágrafo 6º.

Diniz (2011) discorre acerca de outros efeitos de ordem pessoal, como a adoção definitiva e de pleno direito para o adotante, quando o adotado for menor, sendo-lhe todos os direitos e deveres impostos, porque o poder familiar é o núcleo da relação de filiação. O poder familiar cumpre finalidade primordial da adoção por revelar ela intuito de beneficência, porém, não representa natureza de elemento essencial do ato por ser admitida a adoção de maiores.

No que tange aos efeitos de ordem patrimonial, destaca-se direito a alimentos, que é devido reciprocamente, entre o adotante e o adotado, pois tornam-se parentes. Desse modo, ressaltam-se dois efeitos patrimoniais importantes no âmbito do estabelecimento do vínculo de parentesco por vinculo da adoção: o direito a alimentos e o direito à sucessão hereditária, lembrando ainda que há outros efeitos, como a administração e o usufruto dos bens dos menores, que passa a ser gerido pelos pais adotivos.

No sistema do Código Civil de 2002, o artigo 1628 determina que a adoção tem seus efeitos produzidos a partir do trânsito em julgado da sentença, exceção no caso de adoção post mortem, tendo em vista que esta exercerá força retroativa à data do óbito. Com a adoção, o poder familiar é transferido dos pais naturais para os pais ou pai adotantes com todos os direitos e deveres que lhe são inerentes, especificados no artigo 1634 do Código Civil, inclusive administração e usufruto de bens.

Para Gama (2001), o artigo 1628 do Código Civil de 2002 apresenta, nesse particular, melhor redação do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao prever que as relações de parentesco que se estabelecem com a adoção não se restringem ao adotante e ao adotado, mas também aos ascendentes, descendentes e todos os parentes do adotante e aos descendentes do adotado.

O dever de sustentar os filhos, sejam filhos menores ou maiores de idade, é dos pais, dever que decorre da incapacidade física e psíquica dos filhos, expostos às circunstâncias naturais, que são a menoridade e a invalidade física. O sustento não abrange somente o que diz respeito aos alimentos em si, mas à saúde, à educação, ao lazer, à casa, aos medicamentos, dentre tantas outras necessidades das crianças.

Esse dever de obrigação encontra fundamento no direito à vida do próprio alimentado até o momento em que os filhos adquiram autonomia e independência para, assim, tornarem-se autossuficientes. Preceitua o artigo 1629 do Código Civil que “os parentes podem exigir um dos outros os alimentos de que necessitem para sobreviver, sendo que a obrigação alimentar” é imposta aos parentes mais próximos em graus, uns na falta dos outros.

Não existe, é verdade, nenhum critério, a não ser a necessidade dos filhos e a possibilidade de os pais proverem o melhor possível para seus filhos, independentemente da relação conjugal entre os adotantes, ficando claro, por isso, que duas pessoas podem não ser casadas ou manter união estável, mas podem adotar, se ficar comprovada a possibilidade de que o adotado receberá o melhor dos possíveis adotantes.

Alimentos compreendem obrigação primária na satisfação das necessidades básicas do menor - alimentação, vestimenta, habitação, instrução e educação, medicamentos, saúde, higiene e lazer -, que deve ser atendida por ambos os genitores na proporção dos seus recursos.

A jurisprudência quanto a alimentos tem reiteradamente decidido no sentido de considerar que, mesmo que o filho já tenha atingido a maioridade, ao completar 21 anos de idade, a obrigação de garantir alimentos, pode manter-se, caso o filho encontre-se em escola de ensino superior e não trabalhe, e esteja sob a guarda dos pais. Assim prevê a seguinte jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. APELAÇÃO. FILHA MAIOR DE 18 ANOS. MATRICULADA EM CURSO SUPERIOR. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA. NÃO SUBSISTE OBRIGAÇÃO AOS ALIMENTOS. 1. A apelante pede a manutenção dos alimentos. Argumenta que está matriculada em curso de ensino superior e que não possui condições de arcar com as despesas pessoais. 2. Correta a sentença que exonera o genitor ao pagamento de alimentos à filha maior de 18 (dezoito) anos, que, embora esteja matriculada em curso de ensino superior, exerce atividade remunerada. 2.1. A obrigação de prestar alimentos não cessa automaticamente com a maioridade, mas por estar baseada na relação de parentesco, demanda a efetiva comprovação da impossibilidade de exercício de atividade laboral. 2.2. Contudo, a filha não apresentou provas de que necessita da continuidade da pensão alimentícia, como forma de prover seu próprio sustento. 3. Precedente. “Em regra, a prestação de alimentos aos filhos cessa no momento em que estes completam a maioridade civil, tendo em vista que, a partir desse fato, passam a ser os titulares de direitos e obrigações em sua plenitude. Raras são as situações em que os genitores são compelidos a arcarem com os alimentos, após a maioridade dos filhos. A prestação de alimentos após essa fase, portanto, é exceção. Para a persistência do encargo, uma vez não militando mais a presunção de necessidade com o advento da maioridade, a agravante deveria ter comprovado alguma excepcionalidade para a manutenção do benefício, inviabilizando a sua inserção no mercado de trabalho, ônus do qual não se desincumbiu com êxito (CPC, art. 333, II)” (TJDFT, 20110020180139AGI, Relator Ana Maria Duarte Amarante Brito, DJ 15/12/2011 p. 137).

Os efeitos patrimoniais revelam caráter de reciprocidade no âmbito do direito de família e no direito das sucessões, o que vale dizer que o filho adotado é herdeiro do adotante, bem como este também o é de seu filho. O mesmo serve para os novos parentes da pessoa adotada nos vínculos parentais que são estabelecidos com o adotado, de linha reta e colateral até terceiro grau.

Diniz (2011) ensina que os casos pessoais e patrimoniais na adoção operem ex nunc, uma vez que seu início ocorre com o trânsito em julgado da sentença, exceção apenas se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá força retroativa à data do óbito produzindo efeito ex tunc, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 42 parágrafos 6º e 7º) e, consequentemente, o adotado, na qualidade de filho, será considerado seu herdeiro.

Em outro campo, com a colocação de grupos de irmãos sob adoção na mesma família substituta, desde que comprovada a existência de risco de abuso ou qualquer outra situação que justifique a excepcionalidade de outra solução, procura-se, de qualquer forma, evitar-se o rompimento definitivo dos vínculos fraternais.

Por fim, a exigência do respeito à identidade social e cultural quanto aos costumes e tradição do adotando, independente dele ser criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, que esteja à procura de uma colocação familiar, que esta ocorra no seio da própria comunidade ou junto a outros membros, desde que seja da mesma etnia.

Demonstra-se, com a sequência anterior, que, com a transformação da sociedade, o instituto da adoção foi evoluindo, tornando-se de grande importância nos dias atuais. A Constituição Federal assegurou aos filhos adotivos todos os direitos inerentes à prole biológica, não havendo qualquer discriminação entre filhos, como ocorreu no passado. Importante faz-se salientar que a adoção visa a proteger e possibilitar que crianças e adolescentes sem família ou que tenham sua família destituída do poder familiar, aproveite a possibilidade de estabelecer novos vínculos familiares, construídos a partir de laços afetivos, propiciando a essas crianças e adolescentes conviverem em lares afetivos, com todas as oportunidades e direitos inerentes a qualquer pessoa.

A adoção somente pode ser bem compreendida como um autêntico ato de amor, pois, independentemente de qualquer aspecto biológico, social ou jurídico, pai ou mãe se é por ato de amor pela criança ou pelo adolescente, de vontade, não por decisão judicial, ou por disposição legal.

Para adotar, porém, é necessário preencher requisitos, condição que expressa a preocupação do legislador em preservar o melhor interesse das crianças e adolescentes, pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, devendo prevalecer o que melhor atender ao interesse deles, cabendo à família, à sociedade e ao poder público proteger e garantir direitos inerentes a todas as crianças e adolescentes.

A adoção por pares homoafetivos no Brasil, tema a ser discutido no próximo capítulo, é um assunto de extrema importância, visto que a adoção visa acima de tudo beneficiar o menor, zelar pelo desenvolvimento saudável da criança e do adolescente, independente da preferência sexual dos adotantes. Por não haver regulamentação jurídica acerca do assunto, dissecaremos cada etapa do processo tendo como base a pluralidade de famílias, princípios jurídicos fundamentais e a evolução dos direitos homoafetivos no país, ressaltando os pontos de maior relevância a seguir.

5. ADOÇÃO POR PARES HOMOAFETIVOS NO BRASIL

A omissão do ordenamento jurídico brasileiro quando à adoção por casais homoafetivos afeta o direito de inúmeras crianças e adolescentes, que aguardam ansiosamente em abrigos pelo momento de serem acolhidos por uma família, com amor, um lar, educação, lazer, entre tantos outros benefícios previstos na nossa legislação que são de prioridade absoluta da nossa sociedade, simultaneamente lesiona o direito de muitos casais do mesmo sexo de formar uma família, para muitos um sonho que não pôde se tornar realidade ao longos dos muitos anos de luta pelos direitos homoafetivos.

Com base na omissão legislativa, nos princípios do melhor interesse da criança e do adolescente, da socioafetividade, da dignidade da pessoa humana e da não discriminação, e a pluralidade das famílias analisaremos a possibilidade jurídica da adoção por casais homoafetivos.

5.1. Conceitos de família

Urge conceituar o que é família e demonstrar sua evolução, com base nas mudanças que ocorreram e que vêm ocorrendo ao passar do tempo, esclarecendo os novos modelos atualmente existentes, os quais divergem dos convencionais, com uma abordagem jurídica, tendo como alicerce o Código Civil e a Constituição Federal.

Com a evolução histórica da família, observa-se que esse instituto tem sido modificado em decorrência da introdução de novos costumes e também de novos valores, ora registrados na sociedade contemporânea e por isso há a necessidade de reconhecer algumas espécies de família em nosso Direito Pátrio.

A família matrimonial, era o único modelo de família até 1988, que era formada através do casamento entre homem e mulher, sofreu inúmeras transformações ao longo dos anos, é o modelo em que a teoria patriarcal foi substituída, ou seja, o homem perdeu a titularidade do pátrio poder e deixa de ser o “cabeça” do casal, ao mesmo tempo que as funções a que se submetia a mulher, que antes era só de cuidar dos filhos e da casa, foram deixadas de lado e a mulher passa a dividir direitos e obrigações em igualdade com o homem no exercício do poder familiar, bem como todos os membros da família passam a exercer influência dentro dos lares, exibindo sua forma de pensar, a sua participação nas decisões da família, sempre com base no amor, no respeito e na atenção.

A família monoparental é composta de um dos pais e seus descendentes, de acordo com entendimento de Leite (2003), o casamento é fundado em seu aspecto jurídico por considerar a liberdade dos laços de sentimentos e o reconhecimento dos diferenciados modelos de relacionamentos, tais como entidades familiares, que são compostas pela união de qualquer dos pais e sua prole, que recebem a denominação de família monoparental. De acordo com a Constituição, os direitos dos filhos são preservados de forma igualitária, tanto para os filhos biológicos como para os aceitos por adoção. Ainda conforme esse autor (2003), a monoparentalidade sempre existiu, assim como o concubinato, se levada em conta a existência de mães solteiras, mulheres e crianças abandonadas.

Nesse contexto, a Constituição Brasileira refere-se à família monoparental em seu texto:

Art. 226 A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 4° Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Os modelos alternativos são divididos em famílias anaparentais, que consiste na família sem a presença dos pais, composta por parentes com um comum objetivo e as famílias homoafetivas que são compostas por casais de mesmo sexo que convivem juntos com filhos adotados ou biológicos de um dos cônjuges ou dos dois, aprofundaremos o estudo desse último modelo mais adiante.

O socioafetivo é o novo modelo aceito em nossa Doutrina e Jurisprudência, como um elemento diferencial no direito brasileiro contemporâneo, incluindo e limitando os princípios pela Constituição Federal. O principal vínculo dessa nova família é através da afetividade, que se superpõe à natureza biológica, na declaração da convivência social e familiar, a responsabilidade dos pais com os filhos em relação ao exercício do poder familiar, e sendo reconhecida como entidade familiar, características da chamada e conceituada família socioafetiva. No ordenamento jurídico brasileiro, a ciência jurídica foi invadida pela afetividade, decorrendo os aspectos sociológico e psicológico, de tal modo que o afeto será incorporado aos valores jurídicos no âmbito das relações de família.

Em nossa legislação não existe conceito expresso acerca da família substituta, no entanto o entendimento é a colocação de uma criança ou adolescente no seio familiar diversa da sua família natural, decorrente de abandono ou perda, sendo que a família que o acolher deverá inseri-lo no meio social, proporcionando-lhe seu sustento e uma vida digna.

O acolhimento da criança ou adolescente na família substituta dá-se de três formas: guarda, tutela e adoção. A primeira trata de assegurar e regularizar o direito à convivência social, sem que seja precisa a destituição do poder familiar, contudo ao responsável que esteja com a guarda de uma criança ou adolescente se reservará o dever de representação jurídica, obrigado a prover a assistência moral, material e educacional. Já a tutela é instituto de colocação de uma criança ou adolescente cujos pais faleceram ou tiveram a destituição ou a suspensão do poder familiar, visando a suprir a carência daquela criança ou adolescente em razão da ausência da família natural. Por fim, a adoção é a forma de acolher, e também a forma em sentido amplo da família substituta, constituída mediante um procedimento legal, na qual encontra-se uma criança ou adolescente em desamparo pelos seus pais, estabelecendo o estado de filiação e paternidade, considerando-se o adotado e o adotante, cuja eficácia é o deferimento do pedido da adoção.

5.2. Princípio da socioafetividade e do melhor interesse da criança e do adolescente

Geralmente, a criança passa a estabelecer com os pais adotivos uma relação afetiva originada na confiança, na segurança e no amor, atitude indispensável para o seu desenvolvimento e que, por muitas vezes, não são encontrados na família biológica. Essa conexão afetiva muitas vezes ultrapassa a consanguínea, tendo em vista que é possível ter um traço biológico e não ter um vínculo afetivo com um parente, por exemplo. Sentido em que Dias (2010, p. 361) doutrina:

A paternidade deriva do estado de filiação, independentemente da sua origem, se biológica ou afetiva. A ideia da paternidade está fundada muito mais no amor do que submetida a determinismo biológicos. Também em sede de filiação prestigia-se o princípio da aparência. Assim, na inexistência de registro ou defeito no termo de nascimento, prevalece a posse do estado de filho, que se revela pela convivência familiar.

Com esse mesmo pensamento, Paula (2007, p. 76) exprime sua versão de que os fortes laços afetivos oriundos da convivência e da proximidade num ambiente familiar sadio proporcionam a aplicação dos ditames constitucionais e da lei especial de tutela da criança e do adolescente, uma vez que representa a concreta harmonia e o privilégio na vida social plena. Desse modo, a vida humana começa a demonstrar condições efetivas de viabilidade, desde que convivendo num ambiente familiar que preencha os requisitos exigidos pela legislação.

Notório é que a verdade socioafetiva sempre prevalecerá sobre a biológica, regra indiscutível, sendo que a criança adotada, mesmo que na chamada “adoção à brasileira”, tem seus direitos garantidos como se a filiação se houvesse originado por meio da adoção legal, bem como de maneira igual dos filhos biológicos. Esse entendimento vem sendo firmado pelos tribunais brasileiros, como se constata na manifestação do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. PREPONDERÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DA ESTABILIDADE FAMILIAR. A peculiaridade da lide centra-se no pleito formulado por uma irmã em face da outra, por meio do qual se busca anular o assento de nascimento. Para isso, fundamenta seu pedido em alegação de falsidade ideológica perpetrada pela falecida mãe que, nos termos em que foram descritos os fatos no acórdão recorrido considerada a sua imutabilidade nesta via recursal -, registrou filha recém-nascida de outrem como sua. – A par de eventual sofisma na interpretação conferida pelo TJ/SP acerca do disposto no art. 348 do CC/16, em que tanto a falsidade quanto o erro do registro são suficientes para permitir ao investigante vindicar estado contrário ao que resulta do assento de nascimento, subjaz, do cenário fático descrito no acórdão impugnado, a ausência de qualquer vício de consentimento na livre vontade manifestada pela mãe que, mesmo ciente de que a menor não era a ela ligada por vínculo de sangue, reconheceu-a como filha, em decorrência dos laços de afeto que as uniram. Com o foco nessa premissa – a da existência da socioafetividade -, é que a lide deve ser solucionada. [...] A garantia de busca da verdade biológica deve ser interpretada de forma correlata às circunstâncias inerentes às investigatórias de paternidade; jamais às negatórias, sob o perigo de se subverter a ordem e a segurança que se quis conferir àquele que investiga sua real identidade. Mantém-se o acórdão impugnado, impondo-se a irrevogabilidade do reconhecimento voluntário da maternidade, por força da ausência de vício na manifestação da vontade, ainda que procedida em descompasso com a verdade biológica. Isso porque prevalece, na hipótese, a ligação socioafetiva construída e consolidada entre mãe e filha, que tem proteção indelével conferida à personalidade humana, por meio da cláusula geral que a tutela e encontra respaldo na preservação da estabilidade familiar. Recurso Especial não provido. (STJ – Resp 1.000.356; Proc. 2007/0252697-5; SP; Terceira Turma; Relª Min.ª Fátima Nancy Andrighi; Julg. 25/05/2010; DJE 07/06/2010).

Não resta dúvida de que os laços afetivos existem independentes de laços de sangue, pois é no convívio familiar que nasce a conexão afetiva entre pais e filhos sejam esses adotados ou biológicos.

Os novos valores que inspiram a sociedade contemporânea sobrepujam e rompem, definitivamente, com a concepção tradicional de família. A arquitetura da sociedade moderna impõe um modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado. O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto, como mola propulsora (FARIAS, 2007, p.04).

A atual ordenamento jurídico brasileiro passou a valorizar a concepção socioafetiva, e diversos autores, dentre os quais se destaca Dias (2010), sustentam que o afeto, nos dias de hoje, pode ser considerado um direito fundamental e, por via de consequência, o Estado tem o dever e é o primeiro obrigado a garantir o direito ao afeto para seus cidadãos.

Em sendo a socioafetividade um direito fundamental, há que se ligar com o macro-princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que, de conformidade com o que foi exposto anteriormente, a dignidade da pessoa humana constitui o núcleo para qualquer direito fundamental e só a este compete a sua aplicação.

Farias (2007, p. 14) conceitua a família como “um lócus privilegiado, um ambiente propício para o desenvolvimento da personalidade humana em busca da felicidade pessoal”. Dessa forma, a família é um instituto que visa a proteção dos seus filhos e dos seres humanos que a integram e não como entidade patrimonialista, tendo a socioafetividade como direito fundamental e princípio do direito de família.

Qualquer vínculo que tenha como estrutura a afetividade não deveria deixar de ser conferido àquele, status de família, com proteção integral do Estado. É preciso ter esse pensamento para deixar de lado a discriminação e o preconceito acerca da adoção homoafetiva, tornando-a possível juridicamente, para que sejam transmitidos valores humanos às novas gerações, para construir uma sociedade mais justa e menos desigual, fundada em princípios da dignidade e da solidariedade, no amor e na constante busca da felicidade.

A relação homoafetiva está embasada nos mesmos objetivos das relações heterossexuais e dos demais modelos de união reconhecidos pelo estado, além da felicidade, a construção de uma família, de forma saudável, amparada pelo estado, suprindo o desejo da maternidade ou paternidade dos membros da família e o mais importante: a formação de cidadãos de bem, de homens e mulheres com valores de honestidade, de solidariedade, de respeito ao próximo, sejam eles filhos biológicos ou adotados, independente da orientação sexual própria ou de seus pais.

5.3. Decisão do STF que reconhece união estável homoafetiva como entidade familiar

A evolução dos direitos homoafetivos se deram em grande parte através dos tribunais superiores e sua jurisprudência, mesmo não havendo a legislação específica surgiram novos posicionamentos conferindo direitos e identificando as uniões homoafetivas perduráveis e públicas como a união estável homoafetiva, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132 no ano de 2011, tornando-se um marco na luta pelos direitos dos casais homoafetivos.

A família homoafetiva é a união entre duas pessoas de mesmo sexo, casados ou em união estável, em uma relação duradoura, que se unem por vínculo afetivo, com o objetivo de formarem uma família, devendo ser protegida e tutelada pelo Estado, podendo gozar de todos os direitos e deveres ligados a esta entidade familiar.

A união homoafetiva é baseada na afetividade e no respeito de seus membros, buscando sempre a felicidade e o bem-estar do outro. Os homossexuais sempre lutaram por seus direitos, buscando uma igualdade, quando comparada, por exemplo, com as relações heterossexuais, seja a união estável ou o casamento civil entre as pessoas de sexos diferentes, para que ocorresse o reconhecimento dos deveres e garantias de seus direitos.

O dever do Estado é criar dispositivos para assegurar a dignidade da pessoa humana, uma vez que se trata de um princípio constitucional introduzido no art. 1º inciso III da nossa Constituição Federal de 1988, no sentido de respeitar não só o gênero ou orientação sexual, mas o cidadão em todos os seus aspectos, independentemente de sua preferência sexual.

A adoção de crianças e adolescentes hoje no Brasil trata-se de um processo longo e cansativo, seja pela adequação dos casais aos requisitos, seja pela preferência de cada casal por uma criança com características específicas. Diante de um procedimento específico para a adoção e da omissão legislativa não deveria haver essa impossibilidade para a adoção por um casal homoafetivo, ambos necessitariam preencher os mesmos requisitos para que pudessem adotar, pois qualquer distinção baseada, unicamente, em orientação ou condição sexual se revestiria de uma afronta ao princípio da igualdade previsto na Constituição Federal de 1988 que preconiza que todos são iguais perante a lei, sem qualquer distinção.

Preenchidos os requisitos para que possam adotar uma criança ou um adolescente, casais heteroafetivos ou homoafetivos deveriam concorrer com as mesmas chances, como descreve Vecchiatti (2008, p.563):

A homossexualidade do casal que pretende adotar uma criança ou adolescente, jamais deverá ser utilizada como fundamento para dar preferência à adoção a um casal que seja constituído por um homem e uma mulher, configurando puro preconceito entendimento em sentido diverso.

Na adoção de crianças e adolescentes, assim, seria irrelevante a orientação sexual daqueles que se propõem a adotar, devendo ser consideradas as reais vantagens para a criança ou adolescente no caso concreto. Segue um trecho do voto do Ministro Carlos Ayres Brito, relator no julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132 pelo STF, a respeito da omissão legislativa a favor da possibilidade jurídica independente de preferência sexual:

III – cuida-se, em rigor, de um salto normativo da proibição de preconceito para a proclamação do próprio direito a uma concreta liberdade do mais largo espectro, decorrendo tal liberdade de um intencional mutismo da Constituição em tema de empírico emprego da sexualidade humana. É que a total ausência de previsão normativo constitucional sobre esse concreto desfrute da preferência sexual das pessoas faz entrar em ignição, primeiramente, a regra universalmente válida de que “tudo aquilo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido” (esse o conteúdo do inciso II do art. 5º da nossa Constituição.)

O ordenamento jurídico brasileiro não poderia se manter parado diante da união homoafetiva, fato social que só cresce com números expressivos, e mesmo com pessoas tendo opiniões contrárias, não se pode deixar de reconhecer seus direitos e deveres de forma igualitária, haja vista que são pessoas, do mesmo sexo ou não, que se unem e vivem juntas formando uma autêntica entidade familiar.

Os pares homoafetivos não buscam um direito novo, eles buscam que o reconhecimento do direito de adoção a casais heterossexuais se estenda a todos, com a finalidade de proporcionar às milhares de crianças e adolescentes em abrigos, uma família e um lar, para que possam gozar dos direitos que lhes são conferidos no ordenamento jurídico. A sociedade atual vem sofrendo inúmeras mudanças e é imprescindível que o Estado não seja omisso, se adequando à evolução social.

O reconhecimento da união estável homoafetiva se tornou diretriz para a mudança realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no dia 15 de maio de 2013, determinando a todos os cartórios do país, a obrigatoriedade da conversão da união estável homoafetiva em casamento civil, tornando-se também obrigatória a realização de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, bem como o direito sucessório para o cônjuge sobrevivente. O Ministro Carlos Ayres Brito, relator no julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132 pelo STF em seu voto disse:

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao reconhecer a união homoafetiva, através de uma interpretação extensiva do artigo 226, §3º da Constituição Federal de 1988, garante ao par homoafetivo, os mesmos direitos assegurados ao casal heterofaetivo, qualquer entendimento em sentido diverso fica demonstrado como apenas puro preconceito, segue conclusão do voto do Ministro relator do referido julgamento> No mérito, julgo procedentes as duas ações em causa. Pelo que dou ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união estável heteroafetiva.

Por fim, importante salientar que os homossexuais são detentores de direitos assegurados constitucionalmente, como sendo qualquer cidadão que realiza seu dever de contribuintes de impostos e titulares de direitos políticos, não sendo vistos como pessoas inferiores, tendo direito a uma proteção legal perante suas relações de afeto, como assim é garantido aos demais brasileiros.

5.4. Da possibilidade jurídica da adoção de crianças e adolescentes por pares homoafetivos

No Brasil, com o objetivo de acompanhar os fatos sociais, em uma aplicação extensiva da norma, possibilidade prevista no ordenamento jurídico, aplicou-se às relações homoafetivas, por uma interpretação extensiva da norma jurídica, o que se aplica às relações heteroafetivas. Tal entendimento visa efetivar direitos a estes que, por muito tempo, conviviam em relacionamentos não recepcionados ou aceitos pelo Estado. Nos ensinamentos de Torres (2009, p.83):

Com efeito, um estado democrático de direito não pode deixar ao desabrigo qualquer tipo de entidade familiar, notadamente quando tenha como fonte geradora o afeto entre duas pessoas, pelo simples fato de ter nascido este afeto entre pessoas do mesmo sexo. Uma outra categoria de família apresenta-se diante do reconhecimento da pluralidade dos arranjos familiares.

Importante lembrar que, as relações homoafetivas são marcadas com enorme preconceito por incapacidade de aceitação do diferente, além de ser um objeto de grande exploração pela mídia, que busca despertar uma reflexão para a discriminação, pois o que realmente importa é a formação de uma família e o melhor interesse do adotado, e não do adotante. Não podemos deixar que os nossos preconceitos impeçam crianças e adolescentes de serem adotados e de receberem toda assistência necessária para o seu desenvolvimento saudável.

O assunto ainda é complexo, mas não existe norma contrária à adoção por casais homoafetivos e no nosso ordenamento jurídico se não é proibido, é permitido. A omissão legislativa confere à adoção homoafetiva a legalidade necessária para ser juridicamente possível. Uma das principais exigências para a adoção é o que dispõe o art. 43 do ECA/90, que os adotantes apresentem reais vantagens para o adotado fundamentada em motivos legais.

Anteriormente, os homossexuais se habilitavam individualmente para que lhes fossem concedidos o direito de adoção. Assim, não tinha relevância se o adotante estava em um relacionamento, fazendo com que, por muitas vezes, a adoção se tornasse ineficiente, pois esta não atenderia os principais interesses do adotando e o prejudicando, haja vista que o adotado só teria vínculo com um do par, que seria o pai ou a mãe, o que gerava a obrigação absoluta de responsabilidade desse genitor para com o filho adotado e nenhum parentesco com a outra parte.

Após inúmeros pedidos de adoção por dupla parentalidade homoafetiva, foi concedido à adoção por casais do mesmo sexo. Com ênfase ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que foi pioneiro nos deferimentos de tais pedidos. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, tem se tornado favorável as decisões, principalmente após a união estável homoafetiva ser reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. Com isso a relevância jurídica, apesar da omissão das leis, vem deixando de lado o preconceito e dando aos casais homoafetivos o direito de procriar através da adoção. (DIAS, 2010)

Conforme o Art. 42, §§ 2° e 3° da Lei 8.069/90, que dispõe os requisitos necessários para a adoção, o adotante deve ser maior de 18 anos, comprovação de estabilidade familiar, o estado civil independe, e caso o pedido seja feito em conjunto é necessário que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável. Também é importante salientar, o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconhece adoção por casal homoafetivo sem limitação de idade do adotado, através da decisão da Ministra Cármen Lúcia, que argumentou o conceito de família e a importância do afeto na adoção, afastando limitações de idade ou sexo da criança:

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO POR CASAL HOMOAFETIVO. SENTENÇA TERMINATIVA. QUESTÃO DE MÉRITO E NÃO DE CONDIÇÃO DA AÇÃO. HABILITAÇÃO DEFERIDA. LIMITAÇÃO QUANTO AO SEXO E À IDADE DOS ADOTANDOS EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DOS ADOTANTES. INADMISSÍVEL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. APELO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Se as uniões homoafetivas já são reconhecidas como entidade familiar, com origem em um vínculo afetivo, a merecer tutela legal, não há razão para limitar a adoção, criando obstáculos onde a lei não prevê. 2. Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculos biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento” (doc. 6).

A adoção de crianças e a adolescentes por casais homoafetivos, como exposto, divide opiniões, apesar de todos os avanços referentes ao reconhecimento das relações constituídas por pessoas de mesmo sexo, mesmo inexistindo embasamento jurídico para tais opiniões. Contudo, no senso comum, infelizmente, continua perdurando a suposição de que o convívio com pessoas que mantém relacionamento homossexual, necessariamente, poderia ser prejudicial ao desenvolvimento de uma criança ou de um adolescente, pois se desenvolveriam sem a referência paterna/materna.

É necessário aceitarmos a união homoafetiva como entidade familiar, que unidos almejam um objetivo em comum, que é dedicar amor e proteção para a criança ou adolescente que pretendem adotar, como qualquer outro grupo familiar heteroafetivo.

Vejamos que, após o reconhecimento da união estável e do casamento homoafetivo, que é um requisito exigido por lei para o deferimento da adoção, não existe mais razão para que não seja deferida a adoção conjunta homoafetiva.

No processo de adoção por casais homoafetivos, verificado o interesse do menor perante a adoção, é importante assegurar o benefício ao adotando, por ter seu direito de constituir uma família garantida constitucionalmente, pois não pode ser excluída com fundamento em uma apreciação valorativa preconceituosa. Assim, uma decisão que indeferir o pedido de adoção baseando-se na opção sexual dos adotantes, estará diante de um conflito com o princípio da igualdade, o qual é constitucionalmente assegurado, sem distinção de sexo e de orientação sexual. A respeito da proteção dos direitos da criança, deve ficar comprovado que o deferimento da adoção para o casal homoafetivo não irá trazer prejuízos ao adotado, independente da preferência sexual do casal, é necessário analisar cada caso concretamente.

Se forem preenchidos os elementos do art. 42 da Lei 8.069, que são necessários para o procedimento da adoção por casais homoafetivos, pois o adotante deve ter condições de dar uma família à criança, ou seja, essa família deverá ser uma alavanca de desenvolvimento humano saudável para o adotado. Em virtude do procedimento utilizado, um dos requisitos analisados pelo juiz no deferimento do pedido é a conduta social do requerente, como se porta no meio social pela preferência sexual, pois o que poderá impedir o acolhimento do pedido da adoção não será a orientação sexual, mas um comportamento desajustado ou inadequado.

Sobre a possível discriminação ou abalos psicológicos que poderá sofrer a criança por ser adotado por um par homoafetivo, percebe-se que não poderá ser negado o direito a parentalidade a casais homoafetivos ou a crianças e adolescentes institucionalizadas sob o prisma do preconceito alheio. Muito mais danoso seria restringir o direito fundamental à convivência familiar a crianças e adolescentes levando em consideração, apenas, o preconceito daqueles que, muitas vezes por simples falta de conhecimento ou valores religiosos enxergam ser a homossexualidade como algo errado ou algo que trará danos para a formação psicológica ou sexual de uma criança ou adolescente.

Na visão de Vecchiatti (2008, p. 554):

Tentar justificar uma inexistente vedação ao direito de adoção por casais homoafetivos com a possível discriminação que dito menor poderá sofrer na escola importa em uma inaceitável inversão de valores, no sentido de que se estará punindo o casal homoafetivo, por causa do preconceito alheio, o que é absurdo e inadmissível.

Por todo o exposto, o que se verifica é que a tese criada por aqueles contrários a adoção por pares homoafetivos não traz nenhum elemento concreto para alicerçar tal posicionamento, tornando-se uma frágil tentativa de proibir a adoção por casais homoafetivos pautada em uma precognição de seus defensores.

Não é razoável deixar crianças e adolescentes institucionalizadas durante toda sua vida, se existem casais homoafetivos aptos a adotar, que desejam se dedicar à educação, proporcionando afeto e dispondo de melhores oportunidades a uma criança ou um adolescente. Deferir tal adoção é garantir a proteção integral do menor. Deve-se considerar o melhor interesse de crianças e adolescentes na sua inserção em um novo núcleo familiar, independente da orientação sexual daqueles que se propõe adotar, ao passo que não se pode deixar crianças e adolescentes em total abandono afetivo nas instituições.

Não podemos deixar que os nossos preconceitos impeçam a adoção e que nossas crianças e adolescentes recebam toda assistência necessária para se tornarem adultos saudáveis e bem estruturados. Vale salientar, que a adoção em geral é lamentavelmente também discriminatória, por conta que as estatísticas apontam que os adotantes preferem crianças com poucos anos de vida, de cor branca, loira dos olhos claros e do sexo feminino. Diferentemente, do que poderia acontecer com os casais homossexuais, que já são vítimas do preconceito eles poderiam buscar na adoção, crianças com perfis diferentes dos anteriormente já mencionados, a adoção antes de um procedimento formal precisa se dar por um envolvimento afetivo, pois o que é realmente importante é a formação da família e o bem estar da criança e do adolescente.

6. CONCLUSÃO

Como visto no decorrer deste trabalho, o estado de filiação é um direito fundamental, e está previsto na atual Constituição brasileira, sendo que deve haver a aplicação, bem como a proteção deste direito. Além da filiação biológica, a filiação afetiva também está disciplinada em nosso ordenamento jurídico, sendo esta última marcada pelos laços de afeto existente entre pais e filhos, independente de consanguinidade. Os filhos possuem os mesmos direitos e obrigações, sendo proibidas quaisquer formas de discriminação entre os biológicos e afetivos.

Como visto demonstra-se que, apesar de omissa, a legislação brasileira não traz em seu corpo normativo qualquer impedimento à adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos, não devendo tal omissão ser utilizada como impedimento à possibilidade de casais homoafetivos adotar. Ressalta-se a inexistência de proibições implícitas como disposto na Constituição Federal de 1988, de que ninguém deverá fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei, devendo apenas para que seja concedida a adoção ao par homoafetivo que estes preencham os requisitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Lei nº 8.060 de 1990, que dispõe que para adoção conjunta os adotantes devem ser casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada estabilidade familiar.

O instituto da adoção passou por enormes transformações no decorrer dos tempos, sendo hoje disciplinado pela lei n. 12.010 de 2009, pelo Código Civil, e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Estes estatutos passaram a proteger os interesses da criança e do adolescente, observando em primeiro lugar o interesse do menor, que se encontra em uma situação desagradável, por falta de uma convivência familiar. Adoção pode ser feita por pessoas casadas ou em união estável, como também individualmente.

Como observado, a prática da “adoção à brasileira” é comum em nossa sociedade. Apesar da ilegalidade presente em tal ato, na maioria dos casos o objetivo do adotante é somente proteger o menor e lhe assegurar os direitos constitucionais. Observou-se que nasce uma relação afetiva entre a criança ou adolescente e o adotante, que deve ser levada em consideração ao ser analisado cada caso concreto.

Não se pode negar a existência das uniões homoafetivas, elas estão presentes em nossas vidas, o legislador não pode deixá-las sem uma proteção. O desrespeito com essas relações já é tão grande na sociedade, que não se pode admitir que ainda não estejam regulamentadas pela lei.

Chega a ser absurdo o pensamento de que os homossexuais não podem constituir uma família. Na maioria dos relacionamentos homoafetivos duradouros existe muito mais respeito, afeto, lealdade e companheirismo do que em muitos relacionamentos entre homem e mulher.

Os benefícios trazidos por tal reconhecimento são muitos, além dos decorrentes do reconhecimento da união propriamente dito. Para os tribunais pátrios, haverá a diminuição de ações pertinentes ao tema, que hoje estão sendo deixadas de lado por falta de uma proteção, impedindo assim que os processos perdurem por vários anos, pois poderiam recorrer à Carta Magna, decorrendo daí a criação de legislação específica que proteja as relações homossexuais.

A família integra a cultura humana e atualmente vem sendo reproduzida por meio dos mais variados espaços de socialização bem como dos vários aparelhos ideológicos. A diversidade de estruturas e dinâmicas torna-se essencial para a realização de um trabalho junto às famílias e para a formulação de políticas direcionadas, pois estas deveriam levar em conta as particularidades. A prática da adoção vem sendo um ato muito frequente e uma forma de ensinar àqueles que eram privados de um lar, os princípios norteadores da sociedade. Sem a adoção, essas crianças e adolescentes se desenvolvem sem saber de fato o que seja o amor e a perspectiva de um futuro.

É sabido que adoção por casais homoxessuais em nada prejudica a criança ou adolescente, pois os pares, possuindo capacidade para adotar, poderão propiciar um lar afetivo, oferecendo a criança o direito à uma família, à um lar, exercendo o direito à parentalidade. O indeferimento do pedido de adoção pelo par homoafetivo deixa milhares de crianças e adolescentes em uma espera sem fim em algo baseado na orientação sexual das pessoas. Demonstra-se que é uma afronta ao princípio da proteção integral do menor, tal indeferimento, pois por melhor que seja o abrigo, o sistema não tem a capacidade de propiciar os laços afetivos de que uma criança ou adolescente necessita para o seu saudável desenvolvimento.

Conclui-se então, que há a possibilidade jurídica da adoção de crianças e adolescentes pelo casal homoafetivo, não podendo o Estado lhes privar de formar uma família, de proporcionar ao adotado um lar afetivo, considerando tão somente a orientação sexual dos adotantes, ou levando em conta a possível discriminação que o adotado poderá sofrer por estar inserido em uma família de casal constituído por duas pessoas do mesmo sexo, na adoção o que realmente deve prevalecer é o melhor interesse do menor e o amor.

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Publicado por: Joyce França de Almeida

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